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Procº nº 266/91
1ª Secção
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. - A., 1º sargento do Serviço de Saúde do Quadro Permanente do Exército, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 2 de Novembro de 1988, do Director do Serviço de Pessoal do Exército que indeferiu um requerimento dirigido ao Chefe do Estado Maior do Exército em que pedia que lhe fosse reconhecido o direito à sua promoção, a título excepcional, ao posto de sargento-ajudante, nos termos do que se dispõe no artigo 2º do Decreto-Lei nº 382/84, de 4 de Dezembro.
O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), por sentença de 21 de Junho de 1989, decidiu anular o acto recorrido por entender que ' ao considerar que o recorrente não concluiu o curso de promoção a sargento-ajudante por dele ter desistido, violou a autoridade recorrida, por erro de interpretação, o disposto na alínea b), do nº
2, do DL nº 382/84, de 4.12.'.
2. - Desta decisão recorreu a autoridade requerida para a 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo (STA), alegando que o recorrente, tendo sido nomeado para frequentar o Curso de Promoção a Sargento Ajudante (CPSA), declarou desistir da sua frequência, desistência esta que invalida a frequência do mesmo e, por isso, a sua conclusão; ora, visando o Decreto-Lei nº 382/84 estabelecer uma compensação aos primeiros-sargentos que se viram impedidos de frequentar o CPSA por limitações de ordem etária impostas por anteriores diplomas, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação a alínea b) do nº 2 do artigo 2º daquele Decreto-Lei, pelo que deve ser revogada.
O STA, por acórdão de 21 de Fevereiro de 1991, revogou a sentença do TACL por entender que a decisão recorrida, 'ao anular o despacho contenciosamente impugnado, errou na interpretação e aplicação do artigo 2º, nº 2 do DL nº 382/84.', concedendo provimento ao recurso jurisdicional.
3. - É deste acórdão que vem o presente recurso interposto pelo A. ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), por entender que o acórdão ' ao conceder provimento ao recurso, decidiu que não é inconstitucional, com referência aos artigos 13º e 266º da CRP, a norma do artigo 2º, nº 1, alínea b), do DL 382/84, de 8.12, na aplicação que dela faz o acto impugnado'.
Tanto o recorrente como a autoridade recorrida apresentaram alegações, tendo aquele formulado as seguintes conclusões:
'I - O Recorrente, 1º Sargento do QP do exército, no qual ingressou antes de 1.1.77, mantendo-se sempre no activo, preenche as condições legais exigidas no artº 2º/1, a), do Decreto-Lei nº 382/84, de 4.12, para ser promovido ao posto de Sargento Ajudante.
II - O Recorrente, admitido à frequência do curso, não o concluiu por razões não decorrentes de procedimento criminal, acção disciplinar, ou ainda de desistência ou reprovação, ambas estas situações já referentes
àquela efectiva frequência.
III - E não o concluiu porque nem sequer chegou a iniciá-lo.
IV - A exigência da alínea b) do referido artº 2º/1, do Decreto-Lei nº 382/84, restringe-se àqueles que iniciaram a frequência do curso, o que não é o caso do Recorrente.
V - Só esses que não hajam conseguido levar a bom termo o CPSA iniciado, por falta de capacidade ou de aptidão demonstrada durante a sua frequência, quis o legislador excluir daquela promoção a título excepcional.
VI - Diversos militares foram promovidos ao abrigo do Decreto-Lei nº 382/84, sem frequentarem o CPSA, entre eles se contando indivíduos que desertaram, ou estiveram de licença ilimitada durante muitos anos, ou que foram afastados por saneamento, ou ainda os do SPM.
VII - O que significa que esses militares não concluíram tal Curso.
VIII - Em relação a esses militares, que estiveram afastados das fileiras, tem o Recorrente direito, por maioria de razão, a que lhe seja aplicado o regime excepcional do Decreto-Lei nº 382/84, já que bem mais
'abnegada e sacrificadamente' do que eles serviu sempre o Exército.
IX - A Administração está vinculada, constitucionalmente, a tratar todos os cidadãos com justiça e imparcialidade, para a realização dos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade
(CRP.13 e 266).
X - Ao decidir favoravelmente ao BDSP/EME o recurso jurisdicional, o STA acolheu como boa a interpretação e aplicação da alínea b) do artº 2º/2 do Decreto-Lei nº 382/84, que é assim, por via do tratamento discriminatório que permite, materialmente inconstitucional, por violação dos princípios e preceitos referidos na conclusão anterior.
XI - Termos em que deve julgar-se materialmente inconstitucional o referido preceito, com as consequências legais.'
Pelo seu lado, a entidade recorrida apresentou as seguintes conclusões:
1 - 'O Decreto-Lei nº 382/84, de 8 de Dezembro teve como finalidade estabelecer uma reparação aos Primeiros Sargentos que injustamente viram cerceados o seu direito a promoção por limitações de ordem etária impostas pelos Decreto-Lei nº
920/74 e 941/76, ambos de 31 de Dezembro.
2 - A referida reparação traduziu-se no direito a promoção ao posto de Sargento-Ajudante a título excepcional.
3 - Do âmbito de aplicação deste dispositivo legal excluiu-se todos os que tendo sido admitidos para o Curso de promoção a Sargento-Ajudante não o tenham concluído por razões decorrentes de procedimento criminal, acção disciplinar, desistência ou reprovação (alínea b) do nº 2 do artº 2º de Decreto-Lei nº
382/84, de 8 de Dezembro).
4 - O recorrente admitido a frequência do CPSA, declarou expressamente não o desejar frequentar.
5 - Os Primeiros Sargentos promovidos a título excepcional e referidos pelo recorrente não se encontravam em circunstâncias idênticas à sua, porquanto nunca foram admitidos a frequência do CPSA.
6 - No domínio da sua actividade a Administração está obrigada a cumprir a lei, não existindo um direito à igualdade na ilegalidade.'
4. - Questão prévia do não conhecimento do recurso.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar, desde logo uma questão preliminar, qual seja, a de saber se, no caso, estão ou não reunidos os pressupostos de admissibilidade de recurso para este Tribunal.
Com efeito, o recorrente não suscitou na petição inicial qualquer questão de constitucionalidade, só o vindo a fazer nas alegações apresentadas em 17 de Abril de 1989, em que invoca a violação do princípio da igualdade (artigo 13º da Constituição), por via do tratamento discriminatório de que se considera objecto, levando tal matéria às conclusões nºs VIII e IX de tal alegação.
A decisão proferida no TAC de Lisboa afastou expressamente esta alegação como fundamento da decisão que veio a proferir, na qual se pronunciou pela ilegalidade do acto praticado.
A autoridade recorrida impugnou esta decisão recorrendo para o STA e, nas alegações que então apresentou, o recorrente ( e aí recorrido ) não suscitou por forma expressa a questão de constitucionalidade que tinha levantado nas alegações para o TAC, levando apenas
às conclusões a afirmação de que ' A administração está obrigada, constitucionalmente, a tratar todos os cidadãos em idênticas condições com justiça e imparcialidade, para realização do princípio da igualdade (CRP, 266ºe
13º).'
O acórdão do STA que revogou a decisão recorrida não se refere a qualquer questão de constitucionalidade, fazendo uma interpretação diversa da realizada pelo TAC.
Deste acórdão se interpôs o presente recurso, nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, por o recorrente considerar que o acórdão, ' ao conceder provimento ao recurso, decidiu que não é inconstitucional, com referência aos artºs 13º e 266º da CRP, a norma do artigo 2º, nº 1, b), do Decreto-Lei nº
382/84, de 8.12., na aplicação que dela fez o acto impugnado'.
Em dois casos idênticos aos dos autos, a 2ª Secção deste Tribunal decidiu não tomar conhecimento do recurso
(Acórdãos nºs 468 e 469/91) por entender que a questão de constitucionalidade, para poder ser conhecida por um tribunal de recurso tem de ser perante ele expressamente suscitada nas respectivas alegações, como já aquela Secção tinha decidido no Acórdão nº 36/91 (Diário da República, IIª Série, de 22 de Outubro de 1991):
'Para poder recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, de uma decisão de um tribunal de recurso que tenha aplicado determinada norma jurídica cuja inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado perante o juiz de cuja decisão recorreu, necessário é que ele tenha suscitado a inconstitucionalidade da norma em causa também perante esse tribunal de recurso, em termos de este saber que tinha que apreciar e decidir essa questão'.
Porém, em outro caso similar
(Procº 348/90) foi tirado, por esta 1ª Secção, com voto de vencido do relator, nesta parte, o Acórdão nº 232/92, ainda inédito, cuja fundamentação se vai aqui seguir de perto.
No caso dos autos (tal como aliás, nos casos dos Acórdãos 468/91 e 469/91 e 232/92 referidos), o recorrente, que tinha suscitado a questão de constitucionalidade perante o TAC, veio a obter aí ganho de causa, vendo o acto administrativo que impugnara anulado pela decisão daquele tribunal, embora tal anulação derivasse, não da inconstitucionalidade invocada, mas de outro vício (violação de lei por errada interpretação).
Ora, tendo obtido ganho de causa, o requerente particular não tinha qualquer ónus de alegar no recurso jurisdicional que a autoridade vencida interpusera para a 1ª secção do STA. E, não tendo esse ónus, ser-lhe-ia exigível a obrigação de suscitar de novo a questão de constitucionalidade, na previsão da possibilidade de o tribunal de recurso revogar a decisão recorrida?
Entende-se que não.
Com efeito, se a doutrina do Acórdão nº 36/91 pode aceitar-se no caso em que a parte que suscitara inicialmente a questão de constitucionalidade continua a ser recorrente e, por isso, deve repor tal questão se a quiser ver resolvida pelo tribunal de recurso, entende-se que, no caso de aquela parte ter passado de recorrente a recorrida por ter obtido ganho de causa e ter deixado de ter o ónus de apresentar alegações e de formular conclusões, não deve impor-se-lhe a obrigação de renovar a referida questão de constitucionalidade perante o tribunal de recurso, para depois poder 'reactivar' tal questão perante o Tribunal Constitucional.
Não pode, de facto, aceitar-se que o recurso de constitucionalidade deva estar dependente, na sua admissibilidade, do facto de o recorrido, que não tem obrigação legal de alegar, ter ou não renovado, por mera cautela, tal questão nas alegações de recurso que, repete-se, não tinha que apresentar.
Nestes termos, entende-se que o presente recurso deve prosseguir até final, passando a conhecer-se, agora, da questão de constitucionalidade que vem suscitada nos autos pelo recorrente.
II - FUNDAMENTOS
5. - Ao contrário do que, certamente por mero lapso, é referido pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, a norma cuja conformidade constitucional está em causa nos presentes autos não é a da alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 382/84, mas sim a da alínea b) do nº 2 daquele preceito e diploma.
Este Decreto-Lei, depois de no seu artigo 1º determinar a suspensão dos limites de idade para passagem à situação de adidos dos primeiros e segundos-sargentos do Exército, veio estabelecer no seu artigo 2º, a possibilidade, a título excepcional, de promoção ao posto de sargento-ajudante dos primeiros-sargentos do Exército ingressados nos quadros permanentes e no serviço postal antes de 1 de Janeiro de 1977, desde que cumprissem determinadas condições.
Entre estas, a alínea b) do nº 2 do preceito referido estabelecia que as promoções dos elementos referido no nº 1 só poderiam verificar-se se, tendo sido admitidos ao curso de promoção a sargento-ajudante, não o tivessem concluído por razões não decorrentes de procedimento criminal, acção disciplinar, desistência ou reprovação.
Entende o recorrente que esta norma interpretada como o foi na decisão recorrida no sentido de que a desistência antes do início da frequência daquele curso é equiparável, para o efeito da promoção (ou da não promoção) à desistência após a frequência do mesmo curso, viola o princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) e da imparcialidade da administração (artigo 266º, CRP).
6. - Argumenta o recorrente que, reunindo os demais requisitos para obter a sua promoção, a título excepcional, a sargento-ajudante era 1º sargento admitido no quadro permanente antes de
1-1-1977; não estava incluído em qualquer das alíneas do nº 1 do artigo 2º; mantinha-se no activo; tinha sido admitido ao curso de promoção por duas vezes, mas de ambas não chegara a iniciá-lo, desistindo da sua frequência, pelo que o não concluíra. Não se considerava assim abrangido pela exclusão da alínea b), do nº 2º, do artigo 2º por entender que esta apenas visa os elementos que, tendo iniciado o curso, o não tenham concluído por razões decorrentes de procedimento criminal, acção disciplinar, desistência ou reprovação.
Indeferida esta pretensão do requerente pela autoridade requerida, com o fundamento de que 'foi o requerente com a sua desistência do CSPA que cerceou voluntariamente as possibilidades de promoção aos postos imediatos', pelo que a desistência da frequência do curso antes do seu início deve ser equiparada à desistência durante o curso, interpôs recurso para o TAC de Lisboa, que anulou o acto impugnado embora não considerando na fundamentação de tal decisão a alegada violação dos princípios de igualdade e de justiça, pelo que a decisão se baseou apenas na violação da lei por erro de interpretação.
Esta decisão de 1ª instância veio a ser revogada pelo STA que, sem qualquer menção à questão de constitucionalidade, entendeu ser a posição defendida na decisão do TAC violadora de lei, por errada interpretação da norma em causa (alínea b), do nº
2, do artigo 2º do Decreto-Lei nº 382/84).
Com efeito, escreveu-se na decisão recorrida:
' É, assim, que no nº 2, al. b), do artº 2 se exclui do âmbito de aplicação do diploma os que, tendo sido admitidos ao curso de sargento-ajudante, não o tenham concluído por razões decorrentes de procedimento criminal, acção disciplinar, desistência ou reprovação. A razão parece evidente: não se justifica o regime especial quando o motivo da idade não foi, apenas ele, o que determinou a sua não promoção. Concretizando: o militar em causa poderia ter sido oportunamente promovido se, nomeado para o CSPA, o tivesse concluído com aprovação. Porém, ele próprio se teria colocado em situação impeditiva da conclusão do curso, o que não se enquadra já nos objectivos visados pelo Decreto-Lei nº
382/84. Nesta perspectiva, são de todo impertinentes quaisquer distinções sobre o sentido da desistência, antes ou depois de iniciado o curso. Na verdade, não sendo de equiparar - como se faz na sentença recorrida - a desistência durante um curso à que ocorre durante uma prova, em ambos aqueles casos o militar obsta, por acto seu, ao desenvolvimento de um processo que poderia conduzir à sua promoção ao posto imediato. Esta é que constitui a circunstância relevante para o legislador; mas, se algo nela se indicia um juízo de valor, maior desvalor se não vê na desistência, depois do ingresso no curso, do que a decidida logo após a nomeação.'
No recurso de constitucionalidade, o recorrente argumenta que a interpretação dada à norma questionada pela decisão do STA tem como consequência o ser o recorrente objecto de um tratamento discriminatório face a outros primeiros-sargentos, o que acarreta a sua inconstitucionalidade.
7. - Mas, será efectivamente assim?
Parece-nos inexistir no caso qualquer violação do princípio da igualdade constante do artigo 13º da Constituição da República.
Consagrado na Constituição como um direito fundamental dos cidadãos, a igualdade perante a lei integra um dos princípios estruturantes do Estado de Direito democrático. Enquanto direito fundamental goza da força jurídica própria que é reconhecida pelos preceitos constitucionais aos direitos, liberdades e garantias e que se traduz na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de lei regulamentadora e na imediata vinculatividade de todas as entidades públicas com competência legislativa, administrativa ou jurisdicional.
Princípio de conteúdo pluridimensional abrange no seu âmbito diferentes exigências: desde logo, a exigência de proibição do arbítrio, impondo que sejam tratadas por forma igual as situações de facto iguais e sujeitas a tratamento desigual situações de facto desiguais e, ao invés, proibindo que sejam tratadas por forma desigual situações essencialmente iguais e por forma igual situações desiguais.
Numa outra dimensão, o princípio da igualdade postula a exigência de proibição de discriminação, não admitindo como legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre cidadãos baseada em categorias meramente subjectivas e, por último, impõe tal princípio uma obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in 'Constituição da República Anotada', 2ª Ed., 2º V., pg.149).
Na sua dimensão material, o princípio da igualdade vincula, desde logo, o legislador ordinário, mas sem que tal órgão legislativo fique impedido de utilizar a sua liberdade de conformação legislativa para estabelecer os elementos que tenha por relevantes e fundamentadores de uma diferença de regime jurídico no tratamento de um dado caso, não podendo entender-se a igualdade como absoluta.
O princípio da igualdade entendido como limite externo do poder de conformação do legislador não obsta a que a lei estabeleça distinções; mas, como princípio negativo de controlo, proíbe que o legislador ou a administração estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, promovam situações de desigualdade de tratamento sem fundamento material ou razoável ou mesmo sem qualquer justificação objectiva e racional. Por outras palavras, a desigualdade de tratamento é violadora do princípio da igualdade quando surge como arbitrária (ver, sobre a proibição do arbítrio como dimensão do princípio da igualdade, os Acórdãos deste Tribunal, nºs 39/88, 157/88, 76/85, 142/85,143/85 e 309/85, publicados, respectivamente, nos Diários da República, Iª Série, de 3/3/88 e 26/7/88; IIª série, de 8/6(85 e
7/9/85; Iª Série, de 3/9/85 e IIª Série, de 11/4/86, entre outros).
Por outro lado, a proibição de discriminações se não pode significar uma igualdade absoluta em todas as situações não pode também levar à proibição de diferenças de tratamento, ponto é que estas diferenciações sejam materialmente fundadas.
8. - Aplicando agora estes princípios ao caso em apreço, verifica-se que o recorrente pretendeu ser promovido, a título excepcional, ao posto de sargento-adjunto, nos termos que decorrem do Decreto-Lei, nº 382/84, de 4 de Dezembro, considerando que reunia as condições legais exigidas pelo diploma, retirando-se do que já ficou referido que a entidade recorrida indeferiu esta pretensão por não haver razão válida para distinguir entre a desistência antes do início do curso e a desistência durante o curso.
O Tribunal Administrativo de Círculo anulou o acto impugnado pelo recorrente que aí alegou ser injusta a equivalência das desistências (antes e depois do início do curso), pois geraria desigualdade entre o recorrente e colegas que tinham sido promovidos sem sequer terem o CPSA e que por isso o não tinham incluído, tal como o recorrente o não concluíra, pelo que uma tal interpretação da norma em causa, como a que fora feita pela entidade recorrida, violava o princípio da igualdade, por constituir um tratamento discricionatório para o recorrente.
Na decisão do STA que aqui está em recurso veio a revogar-se a sentença do TAC de Lisboa e aí, sem se tratar por forma expressa a questão de constitucionalidade levantada na 1ª instância, entendeu-se que a situação jurídica do recorrente não poderia merecer tratamento diverso da de qualquer outro primeiro sargento que, tendo sido nomeado para frequentar o CPSA e o tivesse iniciado, acabasse por desistir do curso de promoção durante a frequência, chamando-se ali a atenção para os efeitos absurdos a que tal tese defendida pelo recorrente podia levar com um exemplo concreto: um primeiro sargento admitido ao CPSA mas que nele não chegou a ingressar por punição disciplinar entretanto sofrido, beneficiaria do regime excepcional de promoção, o que não aconteceria a um outro que fosse punido na pendência do curso e que também o não concluísse.
9. - Face ao que antes se expôs quanto ao princípio da igualdade parece claro que não se verifica no caso a sua violação como pretende o recorrente.
Com efeito, a decisão recorrida ao fazer a interpretação que o recorrente acusa de violadora da Constituição e que faz equivaler a desistência da frequência do CPSA antes do seu início à desistência durante o curso não viola nem o princípio da igualdade nem o princípio da imparcialidade (artigos 13º e 266 da Constituição).
A este respeito, decidiu-se no acórdão nº 232/92, em processo em tudo similar ao que agora se aprecia:
'De facto - e sem poder este Tribunal entrar na análise de outras promoções de primeiros-sargentos eventualmente ilegais, mas cujos beneficiários não são partes deste processo (cfr. alegações da autoridade recorrida) - a interpretação acolhida pelo Supremo Tribunal Administrativo mostra-se inteiramente fundada e conforme à Constituição, pois arreda resultados que traduziriam uma discriminação entre primeiros-sargentos em igualdade de circunstâncias, decorrente apenas da circunstância de a desistência do curso de promoção ter ocorrido antes ou depois de iniciada a frequência desse curso. Ora, o momento temporal em que se verificou a desistência do curso não pode constituir, pelo seu carácter aleatório, um pressuposto de diferenciação de tratamento de pessoas em situações funcionais idênticas (por exemplo, a situação de dois primeiros-sargentos músicos). O princípio da igualdade proíbe 'as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes'. (formulações do Acórdão nº 39/88 deste Tribunal. in Diário da República, I Série, nº 52, de 3 de Março de 1988)
(sublinhado no original).
Não se impunha, por isso, ao legislador ordinário que consagrasse uma diferenciação de regimes, pelo que o mesmo não é passível de censura, em sede de fiscalização de constitucionalidade. Tão-pouco se pode censurar a interpretação da norma acolhida pelo Supremo Tribunal Administrativo, por idênticas razões.
Por outro lado, não se apurou que a Administração haja violado o princípio da imparcialidade ao interpretar a norma em causa de modo a equiparar a desistência de frequência do curso, por parte dos primeiros sargentos, antes do seu início, à desistência da frequência do curso após o seu início, para o efeito de afastar da promoção os primeiros-sargentos que tivessem tomado previamente a decisão de 'desistir'. Não há elementos probatórios nos autos que demonstrem ter havido parcialidade na decisão administrativa, nem tal parcialidade foi apurada pelos tribunais administrativos. No plano da fiscalização da constitucionalidade, carece o Tribunal Constitucional de competência para apreciar a constitucionalidade de decisões administrativas, só lhe cabendo apreciar a constitucionalidade de normas jurídicas.'.
É esta decisão que o Tribunal aqui reitera, por não haver razões válidas para dela se afastar.
III- DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Lisboa, 1992.07.15
Vítor Nunes de Almeida (vencido quanto à questão prévia conforme declaração que junto)
Alberto Tavares da Costa
António Vitorino
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
José Manuel Cardoso da Costa (vencido quanto à questão prévia, conforme posição já assumida em casos similares, e em sintonia com a declaração de voto do Ex.mº Conselheiro Relator)
Procº nº 266/91
1ª Secção
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido quanto à decisão tirada relativamente à questão prévia pelos fundamentos constantes do projecto de acórdão que apresentei como relator e que passo a reproduzir:
1. O recorrente não suscitou, durante o processo, por forma adequada conforme se exige para que qualquer tribunal possa tomar conhecimento de dada questão, a inconstitucionalidade da norma questionada na interpretação que a decisão recorrida lhe conferiu.
Com efeito, no Acórdão nº 468/91 (in Diário da República II ª Série, de 24.04.1992), escreveu-se o seguinte, para fundamentar a resposta a tal questão:
' Este Tribunal tem dito repetidamente que suscitar a inconstitucionalidade de uma norma durante o processo é fazê-lo em termos e em tempo de o tribunal recorrido poder pronunciar-se sobre tal questão - o que pressupõe que ela seja suscitada, em princípio, antes de proferida a decisão de que se recorre e, bem assim, que o seja em termos de o tribunal recorrido ficar a saber que tem que a decidir (cf., por último, o Acórdão nº 36/91, publicado no DR, II, de 22/X/91).
Neste Acórdão nº 36/91, disse-se mais o seguinte:
Para poder recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº
1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, de uma decisão de um tribunal de recurso, que tenha aplicado determinada norma jurídica cuja inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado perante o juiz de cuja decisão então recorreu, necessário é que ele tenha suscitado a inconstitucionalidade da norma em causa também perante esse tribunal de recurso, em termos de este saber que tinha de apreciar e decidir essa questão.
Sendo o recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, por sua natureza facultativo; e tendo que esgotar-se, primeiro, os recursos ordinários que no caso couberem (cf. os artigos 70º, nº 2, e 72º, nº 2 em confronto com o nº 3 deste artigo 72º); o Tribunal Constitucional só deve, com efeito, ser chamado a intervir se o interessado, ao recorrer dentro da respectiva ordem judiciária da decisão do juiz perante quem suscitou a inconstitucionalidade não abandonou essa questão e, antes, a recolocou perante a instância de recurso em causa.'
O ora recorrente, na petição de recurso de anulação que apresentou no T.A.C. de Lisboa, não invoca como fundamento desse pedido a inconstitucionalidade da norma da alínea b) do nº 2 do artigo 2º do DL 382/84. Tal questão foi referida pelo recorrente nas suas alegações apresentadas naquele Tribunal Administrativo, onde invoca a existência de 'critérios discriminatórios no tratamento de situações idênticas, pelo que violando a aplicação daquela norma o princípio da igualdade ínsito no artigo 13º da CRP, é ela materialmente inconstitucional.
Porém, nas alegações que, como recorrido, apresentou para o STA, a única referência que nelas se faz à questão de constitucionalidade que vem suscitada é a seguinte:
'Ora, nos termos do disposto no artigo 266º da Constituição a actividade administrativa tem limites materiais internos, estando a Administração Pública obrigada a agir com justiça e imparcialidade, já que só desse modo pode ser cumprido o princípio constitucional da igualdade (artº 13º).
Como dizem G. Canotilho e V. Moreira (Const. Anot., II, pág.420), a observância do princípio de justiça permite à Administração obter a solução justa dos problemas concretos que lhe cabe decidir. E o princípio da imparcialidade, na vertente que se refere à actuação da Administração em face dos vários cidadãos, impõe a igualdade de tratamento dos interesses dos cidadãos através de um critério uniforme de prossecução do interesse público.'
E, nas conclusões, refere apenas que:
'A Administração está obrigada, constitucionalmente, a tratar todos os cidadãos em idênticas condições com justiça e imparcialidade, para realização do princípio da igualdade (CR, 266 e 13)' - ponto IX das conclusões.
Tal como se escreveu no acórdão nº 468/91, não parece ser este ' o modo adequado de suscitar a inconstitucionalidade da alínea b) do nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº
382/84, de 4 de Dezembro, quando interpretada como incluindo no seu âmbito, para os excluir da promoção a sargento-ajudante, os 1ºs sargentos que foram chamados para frequentar o respectivo curso de promoção, mas que não o frequentaram, por terem desistido de o fazer.'
Com efeito, tendo embora o recorrente colocado a questão de constitucionalidade na primeira instância, na decisão ali proferida não se concluiu pela inconstitucionalidade daquela norma, limitando-se a interpretá-la por forma a responder positivamente à questão de saber se o recorrente preenchia as condições para ser promovido, como pretendia.
E, posteriormente, nas alegações para o STA - onde apenas defendeu o acerto da decisão então recorrida - o recorrente não recolocou tal questão por forma que o tribunal «ad quem» tivesse sentido necessidade ou obrigação de a resolver no acórdão que proferiu para poder revogar a sentença impugnada, provendo ao recurso.
Por isso, a decisão do STA limitou-se a fixar a interpretação que lhe pareceu mais correcta da norma do artigo 2º, nº 2, alínea b) do Decreto-Lei nº 382/84, de 4 de Dezembro e que, sendo divergente da adoptada na 1ª instância, levou à revogação da decisão.
2. - Os excertos das alegações acima transcritos não permitem, de todo em todo, concluir que o recorrente tenha suscitado nesse preciso momento do «iter processsual» - e, como se viu, teria de o fazer antes de ser proferido o acórdão que venha a apreciar o recurso
- a questão da inconstitucionalidade da norma que veio afinal a ser aplicada pela competente Secção do STA.
O discurso argumentativo utilizado apenas permite concluir - em termos da experiência comum de uma prática judicial corrente - que foi intenção do recorrente referir uma eventual deficiência de interpretação da norma aplicanda, deficiência essa resultante de não terem sido tomados na devida conta parâmetros que, segundo a Constituição, configuram qualquer relação jurídica de direito público.
A deficiência estaria, portanto, na sentença e não na norma concretamente aplicada: a solução dada teria sido injusta se confrontada com outras situações e isto porque o caso do originário recorrente não deveria ter sido subsumido pelo despacho impugnado da autoridade requerida à norma em causa (cfr. o Acórdão nº 469/91, citado).
Compreender-se-á que a questão de constitucionalidade tenha de ser suscitada em termos explícitos, inequívocos e também claramente assumidos pelo sujeito processual interessado. Com efeito, não caberá ao tribunal recorrido - à partida convicto da conformidade constitucional da norma, pois, de outra forma, não a aplicaria por força do disposto no artigo 207º da Constituição - perscrutar hipotéticas intenções de impugnação da constitucionalidade das normas.
Em sede de recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição, a vertente dispositiva da relação processual tem um valor não despiciendo e, por isso, não será curial que seja o órgão jurisdicional a assumir o ónus de corrigir lapsos ou omissões das partes. Muito menos será de exigir do Tribunal Constitucional postura semelhante, pois a sua intervenção surge em momento no qual as atitudes dos litigantes estão já condicionadas por vicissitudes processuais desfavoráveis àqueles que interpuseram o recurso de constitucionalidade.
Se o recorrente tivesse expressamente referido - como o fez nas alegações para este Tribunal - que a alínea b) do nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei 382/84, interpretada como o fez o STA, ' por via do tratamento discriminatório que permite, é materialmente inconstitucional por violação dos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade', o STA não se teria certamente ficado pela interpretação da norma mas teria resolvido a questão da conformidade constitucional daquela interpretação.
Por esta razões, teria votada a questão prévia no sentido de não se tomar conhecimento do recurso.
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19920281.html ]