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Processo n.º 387/10
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, A. interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão de tal Relação, que julgou improcedente a arguição de nulidade que o recorrente apresentara, declarando, em consonância, improcedente o recurso.
O recurso para o Tribunal Constitucional foi interposto, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
O recorrente fixou-lhe o seguinte objecto: “apreciação da constitucionalidade da norma extraída da conjugação dos art.ºs 196.º, n.ºs 2 e 3, 283.º, n.ºs 5 e 6, 113.º, n.º 1 e 313.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, no sentido de não ser exigível a notificação pessoal, caso o arguido não demonstre, por intervenção nos autos, que está notificado da acusação e da marcação de julgamento, por violação dos n.ºs 1 a 7 do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa.”
O recurso foi admitido no tribunal a quo.
2. No Tribunal Constitucional, porém, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“ 3 – Segundo a jurisprudência constante e uniforme do Tribunal Constitucional, são requisitos específicos do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC: que a decisão judicial tenha aplicado a norma reputada de inconstitucional; que o juízo sobre a constitucionalidade da norma tenha sido a verdadeira ratio decidendi e não um mero obiter dictum da decisão recorrida (…).
4 – No caso sub judice, constata-se que a norma pretendida sindicar não coincide com a norma que constituiu a ratio decidendi do decidido no acórdão recorrido.
Neste, na verdade, o que se considerou foi que “quando o arguido presta TIR, a regra das notificações [da acusação e da designação da audiência de julgamento] que têm de lhe ser feitas é, actualmente, o uso da via postal simples [com prova de depósito], de acordo com o art. 196.º n.ºs 2 e 3 do CPP” e não por contacto pessoal, pelo que “em suma tendo o arguido prestado TIR nos exactos termos em que o fez [no inquérito], as notificações efectuadas (maxime as da acusação e do despacho a que alude o art.º 311.º do CPP] tinham que observar como observaram o preceituado no art.º 113.º, n.º 3 do CPP ex vi do art.º 196.º, n.º 2, alínea c) do mesmo diploma legal.”
Ora, o recorrente desconhece, na definição da hipótese da norma que dá como aplicada pelo acórdão recorrido e cuja fiscalização de constitucionalidade pretende, o elemento que diz respeito à sua sujeição à medida de coacção da prestação do termo de identidade e residência e às exigências legais que dele decorrem e das quais foi advertido na prestação do mesmo termo, no inquérito, enunciando-a como sendo a “norma extraída da conjugação dos art.ºs 196.º n.ºs 2 e 3, 283.º n.ºs 5 e 6, 113.º n.º 1 e 313.º n.º 2, do Código de Processo Penal, no sentido de não ser exigível a notificação pessoal, caso o arguido não demonstre, por intervenção nos autos, que está notificado da acusação e da marcação de julgamento.”
Assim sendo, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.
5 – Sem prejuízo do que vai dito, sempre se poderia adiantar – o que se faz a título de simples obiter dictum – que o recurso seria manifestamente infundado, em face das razões expendidas, na apreciação sobre uma situação paralela àquela que está aqui em causa, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 17/2010, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, em cujo julgamento o relator interveio como vogal e cuja bondade de fundamentação continua a sufragar.
Deste jeito, a conhecer-se do recurso, seria de, em decisão sumária proferida ao abrigo do disposto no referido n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, julgá-lo improcedente.
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do recurso (…).”
É desta Decisão sumária que o recorrente reclama.
3. A reclamação fundamenta-se no seguinte:
“3- O recorrente não se conforma com o decidido pelo Ex.mo relator tanto porque entende que a norma impugnada de inconstitucionalidade foi efectivamente aplicada;
4- E porque, embora exista decisão do T.C. em situação paralela, não cobre todos os aspectos da impugnação (…).
5- Com efeito, o recorrente não olvidou as regras do CPP que impõem obrigações de não se ausentar da residência, e a obrigação de receber e ler toda a correspondência dirigida pelo Tribunal para a sua caixa de correio que, eventualmente, exista no endereço que foi fixado no TIR.
6- O que o recorrente impugna é a constitucionalidade dessa obrigação quando levada ao extremo de ser ele própria uma “presunção de direito penal” estabelecida contra o direito de defesa do arguido, que pode impedi-lo de tomar conhecimento da acusação e da data de audiência de julgamento.
7- Efectivamente, com tal presunção, o arguido fica na dependência do bom ou mau comportamento de toda a gente que tenha acesso ao correio e à caixa de correio, como ninguém duvida que acontece tal dependência;
8- E fica na contingência de, até passados vários anos, enquanto não se extinguir a medida cautelar do TIR, não se poder de facto defender de uma acusação pelo simples facto de ter desobedecido, mesmo sem dolo, à obrigação de permanência na residência.
9- Dito de outra forma, o que impugna de inconstitucional, nos termos das alegações que já ofereceu, é o alcance da norma extraída da conjugação das normas que referiu e que atribuem ao TIR os efeitos de não mais ser necessário notificar de facto o arguido.
10- E foi essa a norma aplicada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, depois de impugnada de inconstitucional pelo requerente.
(…)”
4. O Magistrado do Ministério Público, notificado da presente reclamação, veio pugnar pelo indeferimento da mesma, alegando que nada se refere, em tal peça processual, que possa abalar os fundamentos da decisão reclamada.
Alega ainda que o reclamante tenta alterar o objecto de recurso, na reclamação que apresenta, o que é legalmente inadmissível.
II – Fundamentos
5. Como resulta do teor da reclamação e do seu confronto com os fundamentos exarados na decisão sumária reclamada, o reclamante não aduziu qualquer argumento que abalasse a correcção do juízo efectuado.
Na verdade, a norma identificada pelo reclamante, no requerimento de interposição de recurso, não constitui a ratio decidendi da decisão recorrida.
Ao contrário do que refere o reclamante, na aludida peça processual, o acórdão recorrido não considerou ser desnecessária a notificação pessoal do arguido, relativamente à acusação e ao despacho que designa dia para julgamento, pronunciando-se, sim, sobre a regularidade dessa notificação, feita por via postal simples, quando o arguido presta TIR.
A circunstância de o recorrente não ter identificado, correctamente, a norma utilizada como fundamento da decisão recorrida, no requerimento de interposição de recurso, prejudicou, de forma inelutável, a admissibilidade do mesmo.
A tentativa, encetada pelo reclamante, na reclamação para a conferência, de transferir o objecto de recurso para os efeitos da prestação de TIR sobre a forma de notificação e a presunção, estabelecida no n.º 3 do artigo 113.º do CPP, não tem a virtualidade de operar a alteração do objecto de recurso, como bem salienta o Ministério Público.
Em face do exposto, reafirmando e dando por reproduzida toda a fundamentação constante da decisão reclamada, resta apenas concluir pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso e, em consequência, pelo indeferimento da reclamação da decisão sumária, proferida nestes autos a 9 de Junho de 2010.
III - Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 13 de Outubro de 2010.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.