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Processo Civil - Título IV, capítulo XVII ).
Reúne, pois, todos os pressupostos legais (família, valor, intervenção não excluída do colectivo) para ser preparada e julgada pelo Tribunal de Família e de Menores de Faro (v. apontadas disposições legais e artigos 60º, alínea b), da Lei nº 38/87, 312º, 646º, nºs 1 e 2, e 1408º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Ou seja, a contrario, deixou este Tribunal de ser o competente, quer para a preparação quer para o julgamento (artigos 54º e 55º, nº 1, alínea a), da Lei nº 38/87).
O processo deverá ser remetido para tal tribunal por ser o competente (artigos 3º, nºs 1 e 3, da Lei nº 24/90, de 4 de Agosto, e 59º do Decreto-Lei nº 214/88).
Pelo exposto, ordeno a remessa do presente processo ao Tribunal de Família e de Menores de Faro, por ser o competente.'
2. O Ministério Público interpôs recurso deste despacho para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com base no entendimento segundo o qual o juiz a quo havia considerado inconstitucional a ' norma contida no Mapa VI, alínea b), do Decreto-Lei nº 214/88, de 17 de Junho, com a rectificação constante do Diário da República, I Série, de 30 de Julho de 1988'.
Nas suas alegações neste Tribunal, o Procurador-Geral Adjunto concluiu que ' não se inscreve na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, definida no artigo 168º, nº 1, alínea q), da Constituição e não é, assim, organicamente inconstitucional a norma resultante da conjugação do artigo 5º do Decreto-Lei nº 214/88, de 17 de Junho, com o mapa VI anexo a esse diploma, na parte relativa ao Tribunal de Família e de Menores de Faro, enquanto restringe a competência deste Tribunal, quanto ao círculo judicial de Faro, ao julgamento da matéria de facto nas acções de família de valor superior à alçada dos tribunais judiciais de 1ª instância ', pelo que se deveria conceder provimento ao recurso.
Os recorridos não contra-alegaram.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II
1. Registe-se desde já que, no processo em apreço, está em causa uma acção de divórcio litigioso, a qual constitui uma acção sobre o estado das pessoas, pelo que, para efeitos de determinação da competência do tribunal, da forma do processo comum e da relação da causa com a alçada do tribunal, há-de considerar-se como de valor equivalente à alçada do tribunal da relação e mais
1$, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 305º, nºs 1 e 2 e 312º do Código de Processo Civil.
A Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, é o diploma legal que contempla a orgânica dos Tribunais Judiciais, dispondo no seu artigo 45º que os tribunais judiciais de 1ª instância se organizam segundo critérios de matéria, território, forma de processo e estrutura.
Na primeira vertente, quanto à matéria, os aludidos tribunais podem ser de competência genérica e de competência especializada, podendo, em casos justificados, ser criados tribunais de competência especializada mista ( cfr. artigo 46º da mesma Lei ).
Ora os tribunais de família são tribunais de competência especializada ( cfr. artigos 60º e 61º da Lei em causa ), bem como o são os tribunais de menores ( cfr. artigo 63º ).
Já quanto ao território, encontraremos, nos termos do artigo 47º da Lei nº 38/87, tribunais de comarca, de círculo e de distrito.
Caracterizando as competências dos tribunais de círculo, o mesmo diploma, no seu artigo 81º, alíneas b) e c) [ na redacção dada pela Lei nº
24/90, de 4 de Agosto ] dispõe que lhes compete preparar e julgar as acções declarativas cíveis e de família, de valor superior à alçada da relação, salvo tratando-se de processos cuja tramitação nomeadamente exclua a intervenção do colectivo, ou em que esta, não sendo previsível no momento da demanda, deva ser subsequentemente requerida pelas partes [ alínea b) ]; julgar as acções declarativas cíveis e de família, de valor superior à alçada dos tribunais de 1ª instância, quando nelas seja requerida a intervenção do colectivo, devendo, em tal caso, as causas preparadas no tribunal de comarca ser remetidas ao tribunal de círculo quando, no momento processual próprio, seja requerida a intervenção do colectivo [ alínea c) ].
Já quanto à forma de processo, de acordo com o artigo 48º da Lei nº
38/87, os tribunais judiciais de 1ª instância dividem-se em tribunais de competência específica e tribunais de competência específica mista.
Finalmente, vistas as coisas na óptica da sua estrutura, aqueles tribunais funcionam, consoante os casos, como tribunais colectivos, tribunais de júri e tribunais singulares ( cfr. artigo 49º do citado diploma ), cujas competências constam, respectivamente, dos artigos 79º, 82º e 83º da referida lei, prescrevendo-se na alínea b) do artigo 79º que compete ao tribunal colectivo julgar, além do mais, as questões de facto nas acções de família de valor superior à alçada dos tribunais judiciais de 1ª instância, alçada esta que, em matéria cível, é de 500.000$00 (cfr. artigo 20º da mesma lei ).
2. A este quadro genérico, decorrente da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, cumpre aditar o que resulta do diploma em análise, ou seja, do Decreto-Lei nº 214/88, de 17 de Junho, que veio regulamentar aquela lei. Aí se determina que os tribunais judiciais de 1ª instância têm a sede, composição e
área de jurisdição definidas no Mapa VI a ele anexo.
Deste Mapa ( e após a rectificação introduzida no correspondente aviso publicado no Diário da República, I Série, 2º suplemento, de 30 de Julho de 1988 ) consta que no tocante à área de jurisdição do Tribunal de Família e de Menores de Faro, ela abrange : a) Comarca de Faro; b) Círculo Judicial de Faro para efeitos do disposto na alínea b) do artigo 79º da Lei nº 38/87.
Resulta, assim, para o que ora interessa, que o Tribunal de Família e de Menores de Faro dispõe, na área territorial da comarca de Faro, da plenitude da competência definida nos artigos 60º a 62º da Lei nº 38/87, para os tribunais de família e para os tribunais de menores; contudo, já quanto à restante área do círculo judicial de Faro, essa competência resulta limitada, em virtude da remissão ali contida para a alínea b) do artigo 79º da mesma lei, ao julgamento das questões de facto nas acções que, sendo-lhes pertinentes em razão da matéria, tenham valor superior à alçada dos tribunais judiciais de 1ª instância.
Acrescente-se, a propósito, que o artigo 4º do Decreto-Lei nº
206/91, de 7 de Junho, introduziu alterações nos mapas a que se reportam os artigos 1º a 5º do Decreto-Lei nº 214/88, aditando precisamente no Mapa VI, quanto à área de jurisdição do Tribunal de Família e de Menores de Faro, para além do que nela já se compreendia, os círculos judiciais de Beja, Faro, Loulé e Portimão, para os efeitos do disposto no artigo 63º da Lei nº 38/87. Pelo que o aludido tribunal passou também a intervir na área territorial destes círculos judiciais no que concerne aos processos em que se presuma a aplicação a um menor de medidas de internamento e quando, durante o cumprimento da medida relativa a um menor com mais de 16 anos, este cometer alguma infracção criminal.
Finalmente registe-se, como refere o despacho recorrido, que o Tribunal de Família e Menores de Faro foi declarado instalado a partir de 31 de Dezembro de 1990 por força do disposto na já citada Portaria nº 1209/90, de 18 de Dezembro.
3. O despacho recorrido, de 13 de Março de 1991, funda-se no entendimento segundo o qual da conjugação das normas do artigo 5º do Decreto-Lei nº 214/88 e do mapa VI anexo resultou uma limitação da competência do Tribunal de Família e de Menores de Faro eivada de 'inconstitucionalidade material, orgânica e formal, por violação do disposto nos artigos 164º, alínea d), 168º, nºs 1, alínea q) e 2, 169º, nº 2 e 201º, nº 1, alíneas a) e b) da Constituição
'.
Desse entendimento defluiu que tais normas haveriam de ser desaplicadas com fundamento em inconstitucionalidade, pelo que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 60º, alínea b) da Lei nº 38/87 e 312º, 646º, nºs 1 e 2 e 1408º, todos estes do Código de Processo Civil, concluiu o juiz a quo que o tribunal Judicial da Comarca de Loulé era incompetente quer para a preparação quer para o julgamento do referido processo, sendo para o efeito competente o Tribunal de Família e de Menores de Faro.
Constitui, por isso, objecto do presente recurso a questão de constitucionalidade das aludidas normas do Decreto-Lei nº 214/88.
4. Contudo, conforme já atrás se deixou expresso, à data da prolação do despacho recorrido, o processo já se encontrava preparado para julgamento, tendo sido elaborado despacho saneador e iniciado a audiência de julgamento.
Ora, a norma resultante das disposições contidas no artigo 5º do Decreto-Lei nº 214/88 e no mapa VI a ele anexo, determinou a atribuição aos tribunais de comarca do Círculo Judicial de Faro (com excepção do tribunal da comarca de Faro), da competência para preparar as acções de 'família' de valor superior à alçada da relação, quando tal competência pertencia originariamente ao Tribunal de Família e de Menores de Faro.
Assim sendo, resulta claro que a norma em crise não poderia ter sido objecto de aplicação no processo em virtude de na sua previsão já não caber a situação material em causa. Dito de outro modo: estando em causa a inconstitucionalidade da norma que determina a preparação do processo, não pode ela ser invocada e seguidamente rejeitada por inconstitucionalidade quando tal preparação se mostrava já concluída à data da prolação do referido despacho, pelo que aquela norma nunca poderia reger a situação em apreço.
Sabe-se que os recursos de constitucionalidade a que se reporta o artigo 70º, nº 1, da Lei nº 28/82 exigem como pressuposto da sua admissibilidade que a norma desaplicada pudesse ter sido efectivamente utilizada como fundamento normativo da decisão recorrida, no caso de não lhe ter sido imputado tal vício.
Ora, é manifesto que na situação em apreço nunca tal norma poderia ter sido objecto de aplicação atenta a circunstância de o processo já se encontrar desde Maio de 1989 preparado para julgamento, havendo, pois, o caso de ser decidido com base na regra geral de competência dos tribunais de família.
Do exposto resulta que, por ausência do aludido pressuposto de admissibilidade, não cabe tomar conhecimento do recurso.
III
Termos em que se decide não tomar conhecimento do recurso.
Lisboa, 29 de Setembro de 1992
António Vitorino
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
José Manuel Cardoso da Costa
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19920296.html ]