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Proc. nº 104/92
1ª Secção Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. - A CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, CRÉDITO E PREVIDÊNCIA intentou execução em Abril de 1987 no tribunal de 1ª instância das Contribuições e Impostos de Lisboa contra A. e mulher, B., residentes em
--------------, --------------, e contra dois casais de fiadores destes, pretendendo cobrar um crédito de 1.715.753$00 e juros vincendos.
Em Maio de 1987 foi enviada carta precatória à Repartição de Finanças de Mirandela para citação dos executados. Em 1990, a exequente veio nomear bens imóveis à penhora pertencentes a um dos casais de fiadores, sem que tivesse sido devolvida a deprecada enviada, não obstante as múltiplas insistências. Tal situação mantinha-se à data em que veio a ser proferida decisão que julgou material e organicamente inconstitucional o nº 1 do art. 9º do Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, eventualmente conjugado com o nº 2 do mesmo artigo (despacho de 28 de Janeiro de 1992, a fls. 28 a 41). Em face da recusa de aplicação destas normas, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou-se materialmente incompetente para a execução, entendendo que passava a ser competente para a execução a repartição de finanças da área do domicílio dos devedores, por força dos arts. 43º, g), 45º, nºs 1 e 2, e 237º, nº 2, do novo Código de Processo Tributário. Foi ordenada a notificação deste despacho ao Representante da Fazenda Pública e à Caixa Geral de Depósitos, aos executados e, ainda, ao Ministério Público 'assim que for preenchido o lugar do futuro quadro de magistrados - cfr. art. 13º, nº 1, do Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril'.
2. - A fls. 44, veio a Caixa Geral de Depósitos interpor recurso deste despacho para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do art. 70º, nº 1, alínea a), da Lei deste Tribunal. Este recurso foi admitido por despacho de fls. 48, tendo os autos subido ao Tribunal Constitucional.
3. - Distribuído o recurso, lavrou o Relator despacho a fls. 55 a 58, a ordenar que os autos baixassem de novo ao tribunal recorrido, a título devolutivo, a fim de que se procedesse à notificação do Ministério Público do despacho impugnado, de modo a que este pudesse interpor o recurso obrigatório que cabe de tal decisão.
4. Notificada deste despacho, apresentou a Caixa Geral de Depósitos reclamação para a Conferência, pedindo a revogação do mesmo e a notificação do Representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional para se pronunciar sobre a matéria do recurso, querendo, atendendo a que o Ministério Público constitui um órgão unitário que age segundo um sistema de delegação interna e repartição de competências, não se justificando, em sua opinião, a devolução dos autos à primeira instância.
5. - O Exmo Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos e sustentou que a reclamação merecia ser indeferida, visto que o processo em que haja sido impugnada uma decisão por recurso de constitucionalidade só deve subir ao tribunal de recurso quando tiver sido dada oportunidade de interposição do recurso a todos os intervenientes processuais para tal legitimados e também só depois de esgotado o prazo para esses intervenientes requererem esclarecimentos ou arguirem nulidades da decisão. Sustentou ainda que já tinham sido publicadas em 28 de Março de 1992 no jornal oficial as nomeações dos agentes do Ministério Público junto dos Tribunais Tributários de Lisboa, encontrando-se já em funções em Junho de 1992, esses agentes (fls. 68-69).
Cumpre apreciar e decidir.
II
7. - Considera-se que a reclamação não merece atendimento, na linha do já decidido por esta Secção nos seus recentes Acórdãos nº 191/92, e 217/92 ainda inéditos, para cuja fundamentação se remete.
Importa acentuar que já se acham nomeados e em funções os agentes do Ministério Público junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, pelo que cai pela base o argumento avançado pela entidade reclamante de que a retenção da execução até à nomeação desses magistrados seria causa de prejuízo irreparável.
Considera-se, por outro lado, que os princípios gerais de direito processual, bem como a legislação processual civil, aplicável por força da remissão do art. 69º da Lei do Tribunal Constitucional, impõem que seja dada oportunidade de interposição de recurso a todos os intervenientes processuais destinatários de uma decisão judicial e que para tal sejam legitimados.
Não pode, por isso, pôr-se em dúvida a necessidade legal de notificação do agente do Ministério Público das decisões judiciais que recusem a aplicação de normas constantes de acto legislativo, não podendo o art. 13º do Decreto-Lei nº 154/91 ser interpretado no sentido de que confere temporariamente a dispensa das funções confiadas pela Constituição e pela lei ao Ministério Público (veja-se a declaração de voto do Conselheiro Luís Nunes de Almeida anexa ao Acórdão nº 85/92 da 2ª Secção deste Tribunal, ainda inédito).
Por último e como se refere no já citado Acórdão nº 191/92:
'Não colhe, igualmente, o apelo à estrutura unitária de uma magistratura como a do Ministério Público.
Como igualmente se observou na citada declaração de voto
[do Cons. Luís Nunes de Almeida], não só não se compreende como pode ser notificado para alegar quem não é recorrente nem recorrido - 'não é recorrente porque não interpôs recurso e não é recorrido porque não é eventual prejudicado pelo provimento do recurso' - mas também por que a intervenção do Mº Pº ao abrigo do 'visto' que o artigo 707º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69º da Lei nº 28/82, prevê, é necessariamente restrita aos limites da sua finalidade.
Aliás, uma intervenção do Mº Pº na fase de recurso, sem prévia interposição do mesmo, configurar-se-ia como uma adesão ao recurso da parte, o que, no âmbito do recurso de constitucionalidade, é afastado pelo nº 4 do artigo 74º da lei nº 28/82'
III
8. - Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide o Tribunal Constitucional desatender a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de conta.
Lisboa, 29 de Setembro de 1992
Armindo Ribeiro Mendes
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
(com declaração idêntica à exarada no Acórdão nº 191/92)
Vítor Nunes de Almeida
(com declaração, nos termos da junta ao Acórdão nº 191/92)
Antero Alves Monteiro Dinis (vencido, pelas razões desenvolvidas na declaração de voto junta ao Acórdão nº 191/92)
José Manuel Cardoso da Costa (vencido, conforme posição assumida em anteriores acórdãos sobre a mesma questão)
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19920293.html ]