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Processo nº 448/92 Plenário Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam no plenário do Tribunal Constitucional
I
1.- Em 19 de Agosto de 1992 deu entrada na secretaria do Tribunal Constitucional uma telecópia de um requerimento de interposição de recurso, instruído com diferentes documentos, apresentado no Tribunal Judicial de São Roque do Pico, da Região Autónoma dos Açores, mas endereçado ao Tribunal Constitucional, em que figura como recorrente A., mandatário da lista da coligação denominada Aliança Democrática dos Açores, AD-A.
O recurso é interposto da decisão judicial que rejeitou liminarmente a lista de candidatos a membros da Assembleia Legislativa Regional dos Açores apresentada por aquela coligação no círculo eleitoral do Pico.
2.- O requerimento de interposição deste recurso contém a seguinte fundamentação:
- O recorrente, na sua qualidade de mandatário no Pico da coligação em causa, apresentou-se no Tribunal de São Roque do Pico no dia 17 de Agosto de 1992 pelas dezassete horas e vinte minutos para fazer a apresentação da lista de candidatos, tendo verificado que o mesmo tribunal se achava já encerrado a essa hora;
- A hora da sua comparência à porta do tribunal e a circunstância de tal porta se achar já encerrada a essa hora foram constatadas por duas testemunhas que se encontravam no respectivo átrio, conforme consta de declaração por elas subscrita;
- Face a tal ocorrência, o recorrente procurou de imediato o secretário judicial do tribunal de São Roque do Pico, o qual se recusou, porém, a receber a lista de candidatos da coligação;
- O recorrente resolveu então enviar ainda no mesmo dia e por telecópia para o tribunal a lista de candidatos da coligação;
- Foi ainda contactado o juiz em exercício na comarca cerca das 21 horas do dia 17 de Agosto, para lhe ser entregue em mão a lista, mas este último recusou-se também a recebê-la com fundamento em que a secretaria judicial havia encerrado às 17 horas do último dia do prazo;
- Houve um 'comportamento anómalo e em desconformidade com as disposições legais aplicáveis e práticas correntes, face ao disposto no artigo 171º da Lei nº 14/79, de 16 de Maio na redacção dada pela Lei nº 14-A/85 e no artigo 14º (ter-se-á querido dizer artigo 149º) do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, na redacção dada pela Lei nº 14-B/85, de 10 de Julho';
- Em oposição a tal prática do Tribunal de São Roque do Pico, o Tribunal Judicial de Ponta Delgada esteve aberto até às 18 horas para receber as listas;
- O mandatário recorrente é pessoa sem formação jurídica, sendo funcionário de finanças reformado, e estava convicto de que o tribunal encerrava para o referido efeito às 18 horas. É que ele desempenhou as funções de presidente da Câmara Municipal de Madalena do Pico, tendo apresentado listas candidatas aos órgãos municipais do respectivo concelho o que sabia poder fazer até às 18 horas, nos termos da legislação eleitoral citada;
- Além disso, tinha conhecimento de que o horário de funcionamento da secretaria judicial do Tribunal de Ponta Delgada para efeitos das presentes eleições era até às 18 horas, pelo que confiou em que o mesmo sucedesse no Tribunal de São Roque do Pico;
- Não parece 'curial que na Região haja critérios diferentes, tanto mais face ao disposto no nº 2 do artigo 171º da Lei nº 14/79, na redacção dada pela Lei nº 14-A/85', pois que o 'regime jurídico instituído para a eleição da Assembleia Legislativa Regional tem por base a disciplina vigente para a eleição da Assembleia da República, pelo que terá de ser aplicável à Região o disposto no citado artigo 171º da Lei nº 14/79, redacção dada pela Lei nº 14-A/85 - conferir preâmbulo do Decreto-Lei nº 267/80, de 8 de Agosto';
- A atitude assumida pelo tribunal recorrido 'constitui uma limitação à participação na vida pública, sendo certo que se estava e está perante uma lista que obedece a todos os requisitos legais'.
3.- Acompanham o requerimento de interposição do recurso os seguintes documentos:
- declaração subscrita pelos cidadãos B. e C., devidamente identificados e com assinaturas reconhecidas notarialmente (a primeira reconhecida por semelhança e a segunda presencialmente), em que afirmam que se encontravam à dezassete horas e vinte minutas no átrio do tribunal de São Roque do Pico, tendo visto entrar nesse átrio o recorrente para entregar as listas, estando a porta do Tribunal encerrada. Afirmam ainda que o recorrente procurou de imediato o secretário judicial para proceder à entrega da lista, o que foi recusado, bem como o mesmo procurou cerca das 21 horas o juiz em exercício para proceder a tal entrega, o que foi recusado
- certidão passada pela secretaria da Câmara Municipal da Madalena em 18 de Agosto de 1992 atestando que o recorrente exerceu funções de presidente da respectiva Câmara Municipal ininterruptamente entre 1 de Janeiro de 1977 e 5 de Janeiro de 1990
- procuração passada pelo secretário geral e pelo presidente do Directório dos partidos coligados a favor do Dr. José Adriano Borges de Carvalho, conferindo 'os mais amplos e irrestritos poderes de representação da referida coligação, bem como para subestabelecer no todo ou em parte os poderes ora conferidos' e subestabelecimento desses poderes no mesmo documento a favor do mandatário ora recorrente
- declaração subscrita em 18 de Agosto de 1992 pelo secretário judicial do Tribunal Judicial da comarca de Ponta Delgada sobre as listas das candidaturas apresentadas no dia 17 de Agosto de 1992 e indicação de que essa secretaria encerrou às 18 horas, por força do entendimento de que é aplicável por analogia às eleições para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores o disposto no artigo 171º da Lei Eleitoral para a Assembleia da República.
4.- Acompanham ainda o requerimento de interposição do recurso e os documentos acima referidos, cópias do requerimento do mandatário a apresentar o recurso para o Tribunal Constitucional e a pedir que o mesmo seja transmitido por telefax, do despacho proferido pelo Senhor Juiz de São Roque do Pico, dos despachos proferidos a fls. 132 e 160 dos autos de apresentação de candidaturas, do fax de fls. 120 e de um requerimento idêntico de fls. 134.
5.- Finalmente, e já neste Tribunal, dois outros telefaxes, ambos subscritos pelo mesmo magistrado, completam o elenco dos documentos a ter em consideração:
- o primeiro, informando que o mandatário da lista, ora recorrente, não apresentou reclamação do despacho de indeferimento liminar;
- o segundo, dando a conhecer que o secretário judicial do tribunal de São Roque do Pico foi contactado pelo recorrente, fora da secretaria, sem a presença de qualquer testemunha, entre as 17,20 e as 17,30 horas (do dia 17), acrescentando-se que 'o contacto existente se limitou ao problema do encerramento da Secretaria pelas 17 horas e não concretamente à entrega das listas em mão do Secretário'.
Cumpre decidir, começando desde logo, naturalmente, pela questão de saber se deve ou não conhecer-se do recurso, face à inexistência de reclamação perante o despacho de indeferimento liminar.
II
1.- Na verdade, constitui jurisprudência firme deste Tribunal em matéria de contencioso eleitoral e, nomeadamente, no âmbito do contencioso de apresentação de candidaturas, implicarem os recursos para o Tribunal Constitucional a obrigatoriedade de prévia reclamação no tribunal de comarca.
Como se escreveu no Acórdão 240/85 (Diário da República, II Série, de 4/3/86) e se repetiu no Acórdão nº 249/85 (na mesma publicação oficial, II Série, de 12/3/86), ambos proferidos em sede de contencioso eleitoral 'onde não haja reclamação não há recurso para o Tribunal Constitucional'.
Mais circunstanciadamente, e na mesma área contenciosa, diz-nos outro aresto, o nº 526/89 (Diário da República, II Série, de 22/3/90) só caber recurso para o Tribunal Constitucional, em questões relativas à apresentação de candidaturas, das decisões finais do juiz, nos termos do nº 1 do artigo 25º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro (lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais), 'o que implica - como é jurisprudência constante deste Tribunal - uma reclamação prévia para o próprio juiz, precisamente a reclamação prevista no artigo 22º do mesmo diploma'.
Não sendo, naquele caso, a decisão recorrida uma decisão final, não era, por conseguinte, recorrível para o Tribunal Constitucional, não se devendo tomar conhecimento do recurso.
No contencioso eleitoral decorrente de eleições para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores não se vê que assim também não seja, tanto mais que os preceitos aqui observáveis estão redigidos semelhantemente aos correspondentes preceitos que regulam as eleições para as autarquias (cfr. os artigos 30º e 32º do Decreto-Lei nº 267/80, de 8 de Agosto, conhecido por 'Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa Regional dos Açores', e os artigos 22º e 25º do Decreto-Lei nº 701-B/76, na redacção dada pela Lei nº
14-B/75, de 10 de Julho).
A esta luz, entende-se que também no contencioso de apresentação de candidaturas para eleições à assembleia legislativa regional a reclamação configura-se como formalidade prévia indispensável para que possa ser proferida a decisão final do juiz de 1ª instância, só esta última sendo susceptível de recurso a interpor para o Tribunal Constitucional.
Vejamos se, no concreto caso - em que não houve reclamação - se deve proceder nessa conformidade.
2.- O Decreto-Lei nº 267/80 prevê que, terminado o prazo de apresentação de listas, o juiz mande afixar cópias à porta do edifício do tribunal - nº 1 do artigo 26º.
Foi o que o juiz de São Roque do Pico fez, na última parte do seu primeiro despacho de 18 último (fls. 132).
Nos três dias subsequentes ao termo do prazo de apresentação das candidaturas, o juiz 'verifica a regularidade do processo, a autenticidade dos documentos que o integram e a elegibilidade dos candidatos'
- nº 2 do mesmo artigo 26º.
Detectadas irregularidades, proceder-se-á à notificação dos interessados para as suprirem e uma vez operadas nas listas as rectificações ou completamentos previstos nos artigos 27º e 28º, o juiz manda afixar à porta do edifício do tribunal, as listas com a indicação das que tenham sido admitidas ou rejeitadas (artigo 29º).
É das decisões do juiz relativamente à apresentação das candidaturas que cabe reclamação (artigo 30º, nº 1), decidindo o juiz no prazo de quarenta e oito horas (artigo 30º, nº 2), havendo lugar a nova afixação
à porta do edifício do tribunal, agora da relação completa de todas as listas admitidas, sempre que não haja reclamações ou decididas as que tenham sido apresentadas (artigo 30º, nº 3).
É dessas decisões finais relativas à apresentação de candidaturas que cabe recurso para o Tribunal Constitucional (artigo 32º, nº
1).
Pois bem, no caso sub judicio, por ter entendido que o processo de candidaturas subscrito pelo mandatário, ora recorrente, fora apresentado extemporaneamente, o magistrado logo o excluiu da afixação prevista no nº 1 do artigo 26º.
O despacho é claro, a este respeito: primeiramente indefere in limine a lista da coligação em causa e, num segundo momento, ordena a afixação à porta do tribunal de cópias das restantes listas apresentadas. Ou seja, a partir de então, todo o subsequente iter processual a que as listas afixadas ficam sujeitas não a contempla, não havendo, assim, lugar à reclamação prevista no artigo 30º, nº 1.
Trata-se, por conseguinte, de uma decisão final que, ao indeferir liminarmente uma das listas, a destacou, eliminando-a do subsequente processado, só restando ao mandatário da mesma reagir, recorrendo desse acto de administração eleitoral, situado a montante do regime procedimental do contencioso de apresentação de candidaturas.
O que ele fez, pertinentemente e em tempo [cfr. o artigo 102º-B, nºs. 2 e 7, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (preceito aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro)].
Conclui-se, face ao exposto, ser susceptível de recurso, desde já, a decisão judicial de indeferimento liminar da lista representada pelo recorrente.
3.- Sendo assim, interessa averiguar se é fundamentada a reacção deste.
O artigo 192º do Decreto-Lei nº 267/80 dispõe que,
'quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições', o que levou o magistrado recorrido a considerar que a candidatura teria de ser apresentada até às 17 horas do dia 17, conjugando aquele normativo com o artigo
3º do Decreto-Lei nº 376/87, de 11 de Dezembro - lei orgânica das secretarias judiciais - cujo nº 1 preceitua funcionarem as secretarias judiciais todos os dias úteis até às 18 horas, acrescentando o nº 3 encerrarem ao público essas secretarias uma hora antes do termo do horário diário.
Apresenta aquele artigo 192º um teor semelhante às versões originárias dos artigos 171º da Lei nº 14/79, de 16 de Maio - Lei Eleitoral para a Assembleia da República - e 149º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro.
E compreende-se, pois com o Decreto-Lei nº 267/80 pretendeu-se criar um regime actualizado e, do mesmo passo, coerente com o estatuto político-administrativo da Região e com o sistema eleitoral geral em vigor para a Assembleia da República - como, de resto, se reconhece na curta nota preambular do diploma.
Nessa perspectiva globalizante assente num paralelismo evidente de situações, afigurar-se-ia, no mínimo, perturbadora a co-existência de normas sobre matéria procedimental eleitoral que, no mesmo espaço geográfico e consoante o tipo de eleições em causa, estabelecem horários de funcionamento para as secretarias judiciais, no tocante a apresentação de candidaturas.
No entanto, após as alterações introduzidas na Lei nº
14/79 (alteração do artigo 171º pela Lei nº 14-B/85, de 10 de Julho) e no Decreto-Lei nº 701-B/76 (alteração do artigo 149º pela mesma Lei), onde expressamente se acrescentou que, para efeitos de apresentação de candidaturas, o horário normal para as secretarias judiciais termina às 18 horas, criou-se uma discrepância na formulação das normas sobre a matéria.
Dado o paralelismo de situações e a identidade das subjacentes valorações, tudo aponta, por identidade de razão e de teleologia das normas em causa, que o artigo 192º do Decreto-Lei nº 267/80 há-de ser interpretado como se contivesse um nº 2 idêntico aos nºs. 2 aditados pela Lei nº 14-B/85 ao artigo 171º da Lei nº 14/79 e ao artigo 149º do Decreto-Lei nº
701-B/76 (e, segundo consta dos autos, esse é o critério norteador do Tribunal de Ponta Delgada).
As razões justificativas das aclarações introduzidas por estes aditamentos são, assim, comuns às três situações contempladas, não obstante a dissemelhança formal do artigo 192º.
Deste modo, e face ao quadro factual atrás referido, deve o despacho que indeferiu liminarmente a candidatura da coligação em referência ser substituído por um outro que a receba, sem prejuízo de o Senhor Juiz proceder, posteriormente, ao estatuído nos artigos 26º, nº 2 e seguintes do mesmo diploma.
III
Em face do disposto, decide-se conceder provimento ao recurso, revogando, por consequência, o despacho que indeferiu liminarmente a apresentação da lista da coligação Aliança Democrática dos Açores, AD-A às eleições para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores, de 11 de Outubro de
1992, pelo círculo eleitoral da Ilha do Pico.
Lisboa, 20 de Agosto de 1992
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
José de Sousa e Brito
José Manuel Cardoso da Costa
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19920287.html ]