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Processo n.º 968/09
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A., Lda., pessoa colectiva n.º …., com sede em Cascais, impugnou no Tribunal Judicial de Tavira a decisão do Instituto de Segurança Social, Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa, que lhe indeferiu o apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo. O indeferimento fundamentou-se no artigo 7.º n.º 3 da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, que nega o direito à protecção jurídica a pessoas colectivas com fins lucrativos. Por sentença de 29 de Maio de 2009 o Tribunal Judicial de Tavira negou provimento à impugnação, mantendo a decisão do Instituto de Segurança Social que indeferira a pretensão da recorrente. Diz a sentença:
«(…)
O que o princípio da igualdade proíbe são as discriminações não razoáveis, ou seja, ele comporta a ideia de que deve ser tratado por igual o que é igual e de modo diferente o que diferente for, e o direito de acesso à justiça e aos tribunais é essencialmente um direito individual da pessoa singular (…).
No plano do acesso ao direito e aos tribunais existe significativa diferença entre quem tem de aceder a juízo no exercício de uma actividade organizada em termos de obtenção de lucro (…) e aqueles que o fazem a outro título, ou seja, a generalidade dos cidadãos.
A condição específica de agentes económicos com fins lucrativos, em termos de razoabilidade, justificava a distinção de tratamento em matéria de apoio judiciário entre, por um lado, as sociedades (…) e, por outro, as pessoas morais e os cidadãos em geral.
A ideia que está ínsita nesta diferenciação é a de que, no limite, ou seja, quando as referidas entidades não tiverem fundos para constituírem advogado ou pagar a taxa de justiça e os encargos dos processos respectivos, inexiste válido motivo para sustentar a sua viabilidade porque, na verdade, estão a prejudicar a economia global. (…)
Não vislumbramos, então, que a norma que fundamentou o indeferimento do pedido seja inconstitucional por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, porquanto o direito à protecção jurídica constitucionalmente consagrado visa os cidadãos sendo um direito eminentemente pessoal, permitindo a Constituição a sua restrição quanto às pessoas colectivas face ao disposto no n.º 2 do artigo 12.º da CRP.
Nesta conformidade, (…) decide-se recusar provimento à impugnação judicial da recorrente por manifesta inviabilidade, mantendo-se a decisão proferida pela Segurança Social que indeferiu liminarmente o pedido de protecção jurídica.
(…)»
2. É desta decisão que a A. interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), nos seguintes termos:
«(…) não se conformando com a douta sentença, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70.°, da Lei 28/82 para apreciação da seguinte questão:
(…) a verificação e declaração de inconstitucionalidade da norma ínsita no número 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei 34/04 por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 1 da CRP e o princípio da igualdade que pode, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da CRP, ser aplicados às pessoas colectivas.
(…) A recorrente entende que a referida norma viola os princípios da indefesa e do processo equitativo consagrados no artigo 20.º e o do direito ao recurso previsto no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. (…)»
3. O recurso foi admitido. A recorrente alega, essencialmente, que apesar de ser pessoa colectiva com fins lucrativos, não tem capacidade financeira para custear a demanda que não intentou, considerando não poder exigir-se que as pessoas colectivas tenham maior disponibilidade financeira do que as pessoas singulares, sendo que sem o recurso ao apoio judiciário e face à situação financeira e custos judiciais, fica vedado o acesso à justiça pela recorrente, o que viola o disposto no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição.
Conclui assim:
«(…)
I - Apesar de ser pessoa colectiva com fins lucrativos, a Requerente, como outras empresas, pode não ter capacidade financeira, como não tem, para custear a demanda que não intentou.
II- As custas judiciais podem ser, em determinados processos, elevadas e não se pode exigir que as pessoas colectivas tenham maior disponibilidade financeira do que as pessoas singulares.
III- Sem o recurso ao apoio judiciário e face à situação financeira e custos judiciais, à Requerente ficaria vedado o acesso à justiça.
IV- Esse facto, viola, frontalmente, o disposto no artigo 20° n° 1 da CRP.
V- Apesar do fim da pessoa colectiva poder ser distinto, o que interessará para a aplicação desta norma é a situação de insuficiência económica em que cada uma delas estará em determinado momento.
VI- Se uma pessoa colectiva, apesar de ter fins lucrativos, estiver em situação de insuficiência económica ela não estará em condições diferentes, em termos de acesso à justiça, de uma outra pessoa colectiva sem fins lucrativos na mesma situação de insuficiência.
VII- Por outro lado, a norma em crise foi interpretada no sentido de indeferir o apoio judiciário em todas as suas modalidades sem sequer se curar em saber a situação de facto da sociedade requerente e o valor das custas processuais do caso em apreço.
VIII- Existem já dois acórdãos do Tribunal Constitucional a pugnar pela inconstitucionalidade desta norma, um deles tirado num caso idêntico aos dos autos em que as partes eram as mesmas: Processo 822/09 da 2.ª Secção; Processo 279/09 da 2.ª Secção.
IX- A recorrente entende que a norma ínsita no número 3 do artigo 7.º do DL 34/04 viola os princípios da indefesa e do processo equitativo consagrados no artigo 20° e o do direito ao recurso previsto no artigo 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
X- A aplicação da dita norma no sentido em que foi interpretada e aplicada impede a recorrente de prosseguir a sua defesa nos autos onde corre a acção principal pelo que há toda a utilidade da pronúncia em sede de recurso de constitucionalidade.
Pelo exposto a Requerente solicita a verificação e declaração de inconstitucionalidade da norma ínsita no número 3 do artigo 7° do DL 34/04 por violação do disposto no artigo 20º n° 1 da CRP e o princípio da igualdade que pode, nos termos do disposto no n° 2 do artigo 12.º da CRP, ser aplicado às pessoas colectivas. (…)»
4. O Instituto de Segurança Social recorrido não apresentou alegação.
5. Constitui objecto do presente recurso a norma do artigo 7.º n.º 3 da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei n.º 47/2007 de 28 de Agosto. Acontece que o Tribunal já tomou posição sobre esta questão. Fê-lo recentemente, em sessão plenária, através do Acórdão n.º 216/2010 (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos) para cuja decisão se remete.
6. Assim, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 7.º nº 3 da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 47/2007 de 28 de Agosto;
b) Julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
Lisboa, 29 de Junho de 2010
Carlos Pamplona de Oliveira
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos