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Processo n.º 852/09
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Ao abrigo do disposto nos artigos 669.º e 670.º do Código de Processo Civil, vem a Recorrente A., S.A pedir a aclaração do Acórdão n.º 130/2010, de 13 de Abril de 2010, dizendo, no que ora importa, o seguinte:
“C) DA NECESSIDADE DE ACLARAR O ACÓRDÃO
O Acórdão n° 301/2010 tem de ser aclarado, por manifesta obscuridade, que assenta na formulação de juízos vagos, na utilização “ad abstractum” de fórmulas jurídicas sem conteúdo concreto, desfasadas da realidade dos autos!
Os pontos 6.1 e 6.2 da narração do Acórdão aclarando são disso exemplo acabado, por profundamente herméticos e vagos, deles só se conseguindo extrair o seguinte:
O Tribunal Constitucional considera, de modo sumário, que o critério normativo arguido de inconstitucional não foi correctamente formulado junto do Tribunal recorrido (STJ), pelo que não pode conhecer do objecto do recurso; todavia, tal critério ou dimensão normativa foi correctamente explicitado em sede de recurso de constitucionalidade, o que, todavia, não é suficiente, pois que a suscitação da inconstitucionalidade, sabemos nós, além de ser feita de modo “adequado”, tem de ser feita antes da prolacção da decisão final, cf. artigos 70°, n° 2 e 72°, n° 2, ambos da LTC.
E nada mais se diz.
Ora,
As pronúncias judiciais dos Tribunais Superiores — nos quais se enquadra, por direito (e dever) próprio — o Tribunal Constitucional —, na medida em que constituem verdadeiros comandos dirigidos à ordem jurídica em geral, produzindo jurisprudência, têm de ser claras, objectivas, perceptíveis e inteligíveis pelo homem-médio.
Não podem radicar em preciosismos de linguagem, lucubrações puramente teóricas e argumentos tautológicos!
Um Acórdão do Tribunal Constitucional, por exemplo, não pode afirmar que uma coisa é o contrário de si mesma!
Ou seja, que uma determinada redacção é, ao mesmo tempo, apta e inapta, processualmente adequada e inadequada!
Os Srs. Juízes-Conselheiros dizem que a recorrente não enunciou nas alegações (e conclusões) de revista, de modo claro e perceptível, o critério normativo ferido de inconstitucionalidade.
Inviabilizando o recurso interposto ao abrigo da al. b) do n° 1 do artigo 70.º da LTC.
Todavia, e por oposição, dizem que a recorrente enunciou tal critério de modo perfeito no requerimento de recurso de constitucionalidade.
Srs. Juizes-Conselheiros:
a) Qual é o ‘critério normativo’ identificado no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade-
b) O ‘critério normativo’ aí plasmado não é o de que se considera inconstitucional — por violação, nomeadamente, do princípio da igualdade (artigo 13° da CRP) — a interpretação segundo a qual o n° 3 do artigo 10.º da Lei n° 23/96 assenta num conceito estrito de ‘Alta Tensão’ (que exclui a ‘Média Tensão’), por oposição a um conceito lato (que inclui aquela), que resulta da concepção bipolar ‘Alta Tensão’/’Baixa Tensão’.
c) Esse critério não é exactamente o mesmo que consta das alegações de revista-
d) A interpretação normativa que se reputa de inconstitucional não é identificada da mesma forma nas alegações de revista e no requerimento de recurso de constitucionalidade, com recurso à mesma terminologia e lógica argumentativa-
e) Em ambos os casos não se apela à noção ampla de Alta Tensão, por oposição à noção estrita-
f) Na negativa, o que é que distingue o enunciado das alegações do enunciado do recurso-
É absolutamente fundamental que os Srs. Juízes Conselheiros esclareçam a seguinte passagem do Acórdão:
‘Não constitui modo adequado de identificação da interpretação normativa que se reputa de inconstitucional afirmar-se que determinado preceito deve ser interpretado de determinado modo e que o entendimento contrário será inconstitucional, pretendendo bastar-se com esta afirmação a satisfação do ónus de suscitação adequada durante o processo da questão da constitucionalidade. O facto de o critério normativo em causa vir perfeitamente identificado no requerimento de recurso de constitucionalidade evidencia, aliás, a perfeita exequibilidade de tal ónus.’
Que critério é esse que surge perfeitamente identificado no requerimento de recurso-
O Acórdão tem de dizer que critério é esse, tem de esclarecer cabalmente esse passagem que parece decalcada de um qualquer Acórdão precedente.
Caso contrário, o Acórdão é ininteligível.
Até porque,
No requerimento de recurso de constitucionalidade de fls. a recorrente identifica as conclusões de recurso 67 a 71, como sendo o local onde se suscitou a questão da inconstitucionalidade.
No ponto 6 do Acórdão aclarando, referem-se os Srs. Conselheiros às alegações de revista, ‘tout court’.
Srs. Juízes-Conselheiros: face ao teor das alegações da recorrente, pode afirmar-se que a recorrente não enunciou, nessa fase processual, de modo claro e perceptível, o mesmo alegado ‘critério normativo’ reputado de inconstitucional no requerimento de recurso-
Tendo o STJ emitido pronúncia específica e objectiva a respeito da (in)constitucionalidade da interpretação conferida ao n° 3 do artigo 100 da Lei n° 23/96, não é este o modo ‘claro e perceptível’ de colocar a questão-
O modo claro e perceptível de arguir a inconstitucionalidade não visa suscitar o ‘dever de pronúncia” do Tribunal recorrido-
Não respondeu o STJ, afirmativamente, a esse dever de pronúncia-
Assim, Srs. Juízes-Conselheiros, o Tribunal Constitucional tem de responder às seguintes questões: qual o critério normativo identificado no requerimento de recurso de constitucionalidade- Esse critério é ou não o mesmo enunciado nas alegações e conclusões de revista-
Só com a resposta clara e fundada a essas questões se pode ‘aquietar’ o espírito da recorrente.
Que não pode conformar-se com o que não é capaz de entender!
Porque sem essas respostas, outras dúvidas se levantam, que o Acórdão, tal como está, não pode esclarecer.
Com efeito, se o critério normativo enunciado na revista e no recurso de constitucionalidade for o mesmo, na óptica do direito processual constitucional e, em particular, do n° 2 do artigo 72° da LTC, está bem ou mal formulado-
Se está bem formulado, porque se recusam V. Ex.as a conhecer do objecto do recurso nesta fase- Que fundamento, que disposição legal da LTC ou princípio de direito processual constitucional habilita tal decisão-
Como pode uma coisa ser e não ser ao mesmo tempo-
Se está mal formulado, como pode o recurso ter ultrapassado — como ultrapassou! — o crivo da ‘decisão sumária’, prevista no artigo 78°-A, n° 1, da LTC-
Diversamente, e admitindo, em tese académica, que não é o mesmo critério, então têm os Srs. Juízes-Conselheiros de esclarecer o que distingue o critério normativo enunciado nas alegações de revista do critério normativo enunciado no recurso de constitucionalidade!
É que não basta dizer, como se faz no Acórdão aclarando, que não se enunciou correctamente o critério nas alegações de revista, mas que tal critério foi ‘perfeitamente identificado’ no recurso de constitucionalidade!
É preciso traçar objectivamente essa diferença, por apelo aos trechos e locuções específicos das alegações de revista e do requerimento de recurso de constitucionalidade.
É preciso descer ao caso concreto, transcrevendo as passagens que justifiquem a ‘distinguo’. (...)”
2. A Recorrida B.. e Outra, notificada do pedido de aclaração, não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Nos termos do artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, pode qualquer das partes requerer ao tribunal que proferiu a decisão “o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha”.
Decisão obscura é a que contém algum passo cujo sentido não é inteligível e decisão ambígua é a que permite a atribuição de mais do que um sentido ao seu texto.
Face ao teor do requerimento apresentado, constata-se que a Recorrente compreendeu o teor e sentido da decisão proferida. Isto resulta claramente do modo como a mesma expõe o seu pedido de aclaração, dissecando os fundamentos da referida pronúncia de modo sistematizado e claro. O dissídio assenta tão-somente no facto de que a Recorrente pretende ver reconhecida a equivalência entre o critério “enunciado” nas alegações perante o Supremo Tribunal de Justiça e o que consta do requerimento de recurso de constitucionalidade. Do que se trata, portanto, é de discordância efectiva com a decisão proferida e não de qualquer obscuridade ou ambiguidade da mesma, o que, desde logo, inviabiliza a procedência do presente requerimento.
III – Decisão
4. Nestes termos, indefere-se o pedido de aclaração.
Custas pela Recorrente fixadas em 15 (quinze) UCs.
Lisboa, 16 de Junho de 2010
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos