Imprimir acórdão
Processo n.º 107/2010
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
1. Nos presentes autos de impugnação judicial relativa à liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), instaurados por A., o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por sentença de 20 de Outubro de 2009, recusou a aplicação da norma do artigo 74.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), na redacção dada pela Lei n.º 85/2001, de 4 de Agosto, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, e, consequentemente, julgou procedente a impugnação.
Para tanto, o tribunal considerou que o regime desse preceito, ao estipular, em relação aos rendimentos da categoria H) que tenham sido produzidos em anos anteriores àquele em que foram pagos ou colocados à disposição do sujeito passivo, a divisão do respectivo valor pelo número de anos ou fracção a que respeitem, com sujeição da globalidade dos rendimentos à taxa correspondente à soma daquele quociente com os rendimentos produzidos no ano, confere um tratamento diferenciado e discriminatório em relação a contribuintes que possuam a mesma capacidade contributiva, consoante reportem os seus rendimentos ao ano a que respeitem ou a ano posterior àquele em que tenham sido produzidos.
Tendo havido recusa de aplicação de norma, com o apontado fundamento, o Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.
Tendo o recurso sido admitido, o Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional apresentou alegações, em que formula as seguintes conclusões:
“1ª A norma contida no n.º 1 do artigo 74.º do CIRS, na redacção da Lei n.º 85/2001, de 4 de Agosto, não afronta o artigo 13.º da Lei Fundamental, pois não trata de forma desigual contribuintes com idêntica capacidade contributiva, aferida em função do momento em que o rendimento é colocado à disposição do contribuinte, de acordo com o critério instituído pelo artigo 11.º, n.º 3, do CIRS.
2ª Aliás, a norma em causa pretende atenuar os efeitos fiscais negativos decorrentes da progressividade da tributação, nos casos em que o contribuinte aufira rendimentos reportados a anos anteriores e por eles seja tributado no ano do seu recebimento.
3ª Com efeito, muito embora o critério que a norma traduz possa gerar situações de alguma injustiça, não se verifica uma flagrante e intolerável desigualdade de tratamento para os contribuintes, consoante os rendimentos sejam recebidos e declarados no ano a que se reportam, ou tenham sido produzidos em anos anteriores àquele em que foram pagos ou colocados à disposição do sujeito passivo e, consequentemente, declarados.
4ª Pelo que, deve proceder o presente recurso”.
Não houve contra-alegações.
Cabe apreciar e decidir.
Fundamentação
2. Como resulta da matéria de facto dada como assente, na declaração de rendimentos modelo 3 de IRS referente ao ano de 2006, apresentada em 23 de Maio de 2007, o impugnante mencionou rendimentos da categoria H, obtidos nesse ano e no ano anterior, totalizando € 46 016,61, fazendo a devida discriminação no quadro 5 do anexo A, onde refere que o montante de € 13 307,77 diz respeito ao ano de 2005.
Em 27 de Maio de 2007, foi efectuada a liquidação de IRS que, com base no disposto no artigo 74.º, n.º 1, do Código de IRS, fixou em € 10 000,87 o total do imposto a pagar.
O impugnante deduziu reclamação graciosa e impugnou judicialmente o despacho do chefe da divisão tributária da Direcção de Finanças de Faro, de 13 de Maio de 2008, que a indeferiu, e efectuou entretanto um pagamento por conta no montante de € 4 977,25, que julga corresponder ao valor de imposto que era devido, considerando apenas os rendimentos respeitantes ao ano de 2006.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, pela sentença recorrida, julgou procedente a impugnação judicial, recusando a aplicação da norma do artigo 74.º, n.º 1, do Código de IRS, por violação do princípio da igualdade, por considerar que o regime decorrente desse preceito agrava a posição fiscal do contribuinte que deva imputar na declaração de IRS rendimentos produzidos em anos anteriores, mas que apenas foram pagos no ano a que a declaração respeita, implicando um tratamento discriminatório de contribuintes que possuem a mesma capacidade contributiva, consoante reportem os seus rendimentos ao ano a que respeitem ou a ano posterior àquele em que tenham sido produzidos.
É, pois, esta a questão de constitucionalidade que cabe dilucidar.
O artigo 74.º do CIRS, na redacção dada pela Lei n.º 85/2001, de 4 de Agosto, ao caso aplicável, dispunha o seguinte:
“1-Se forem englobados rendimentos das categorias A ou H que, comprovadamente, tenham sido produzidos em anos anteriores àquele em que foram pagos ou colocados à disposição do sujeito passivo, e este fizer a correspondente imputação na declaração de rendimentos, o respectivo valor é dividido pelo número de anos ou fracção a que respeitem, com o máximo de quatro, aplicando-se à globalidade dos rendimentos a taxa correspondente à soma daquele quociente com os rendimentos produzidos no ano.
2 - A faculdade prevista no número anterior não pode ser exercida relativamente aos rendimentos previstos no n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º”
A norma pretende abranger as situações em que o contribuinte, para efeitos fiscais, carece de englobar num determinado ano rendimentos que foram obtidos nesse ano, mas cujo facto gerador ocorreu em anos anteriores, como sucederá no caso do trabalhador que, em consequência de decisão judicial, recebe diferenças salariais que a entidade patronal se vinha recusando a pagar-lhe, ou no caso do pensionista que, por demora na tramitação do processo de reforma, recebe, de uma só vez, as pensões vencidas desde a data em que deixou de estar no activo.
Em qualquer desses casos, como explicita, Rui Duarte Morais, «[t]al rendimento é, no ano em que foi recebido ou colocado à disposição, sujeito a englobamento na sua totalidade. Porém, para efeitos de determinação da taxa, apenas é considerada uma parte desse valor (o resultante da divisão do montante recebido pelo número de anos ou fracção a que respeitem, com um máximo de quatro). A taxa aplicável é a correspondente à soma desse quociente com os rendimentos produzidos no próprio ano» (Sobre o IRS, 2ª edição, Coimbra, p. 161).
Não era esse o regime precedente. O artigo 24.º, n.º 1, do CIRS, na redacção da Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, sob a epígrafe «Reporte de rendimentos», determinava o seguinte:
“Se os rendimentos tiverem sido produzidos nos cinco anos anteriores àquele em que foram pagos ou postos à disposição do sujeito passivo, poderá este fazer reportar os referidos rendimentos ao ano ou anos em que foram produzidos, na base dos valores reais auferidos em cada ano ou em parcelas iguais se não for possível a determinação daqueles valores. “
Tal significava que os contribuintes poderiam fazer reportar ao ano fiscal a que efectivamente respeitavam os rendimentos que tenham sido pagos em momento posterior, permitindo que fosse efectuado em relação a esse ano uma nova liquidação com correcção do valor do imposto devido.
Essa norma foi, no entanto, revogada pela referida Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, implicando que os rendimentos obtidos no ano a que respeita a declaração fiscal, mas produzidos em anos anteriores, ficassem sujeitos à taxa aplicável à totalidade dos rendimentos declarados, independentemente de se reportarem ou não a anos anteriores, como o consequente agravamento da obrigação tributária por efeito do carácter progressivo do imposto.
A nova redacção dada pela Lei n.º 85/2001, de 4 de Agosto, ao artigo 74.º do CIRS, veio de algum modo dar resposta a este problema, ao permitir que, para efeitos de determinação da taxa aplicável à totalidade dos rendimentos, seja apenas considerado, relativamente aos rendimentos produzidos em anos anteriores, uma parte desse valor, que será o resultante da divisão do montante recebido pelo número de anos ou fracção a que respeitem, com um máximo de quatro.
Deste modo, a taxa aplicável poderá ser inferior à que resultaria do simples reporte, no mesmo ano fiscal, de todos os rendimentos auferidos nesse ano, embora possa determinar, ainda assim, um agravamento da posição fiscal do contribuinte por comparação com o regime vigente anteriormente à Lei n.º 30-G/2000, quando os rendimentos eram imputados por referência ao ano fiscal em que foram efectivamente produzidos (cfr., neste Rui Duarte Morais, ob. cit., pp. 160-161). Na verdade, em face do sistema de progressividade por escalões (artigo 68.º do CIRS), a adição de novas unidades de rendimento (como a que resulta do cúmulo de rendimentos produzidos no ano com outros que foram pagos nesse ano mas gerados em anos anteriores) poderá determinar uma mudança de escalão, com agravamento do cálculo do imposto a pagar, o que poderia não ocorrer se a imputação de rendimentos fosse feita em relação ao ano em que foram produzidos, caso em que a sua integração com os outros rendimentos desse ano corresponderiam à quantificação normal da capacidade contributiva do sujeito passivo, e não a um acréscimo extraordinário, resultante do pagamento extemporâneo de valores que eram já devidos.
3. A questão de constitucionalidade que se coloca respeita a saber se a norma do artigo 74.º, n.º 1, do CIRS é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, na medida em que onera do ponto de vista fiscal os contribuintes que declarem rendimentos produzidos em anos anteriores em relação àqueles que possam reportar todos os seus rendimentos ao próprio ano a que respeitem.
Conforme refere Casalta Nabais, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério — o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (Direito Fiscal, 5ª edição, Coimbra, 2009, pp. 151-152).
Configurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva – segundo o mesmo autor - enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece dum específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respectiva “constituição fiscal” e, em especial, aqueles que decorrem já dos princípios estruturantes do sistema fiscal que constam dos artigos 103.º e 104.º da Constituição (ob. cit., p. 152; explicitando este ponto de vista, Rogério Fernandes Ferreira/Sérgio Vasques, A tributação das gratificações em sede de IRS: a propósito do acórdão n.º 497/97, do Tribunal Constitucional, in «Estudos jurídicos e económicos em homenagem ao Professor João Lumbrales», Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2000, pp. 976-978).
Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva – dentro da mesma linha de entendimento - «afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objecto e matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto» (ob. cit., p. 154; sobre a capacidade contributiva como critério constitucionalmente adequado à repartição dos impostos, Sérgio Vasques, O Princípio da Equivalência como Critério da Igualdade Tributária, Coimbra, 2008, pp. 52 e segs.).
Em todo o caso, o direito dos impostos está particularmente condicionado pelo princípio da praticabilidade, que conduz à exclusão não só das soluções impossíveis de levar à prática mas também das soluções economicamente insustentáveis.
É isso que o mesmo autor esclarece, a propósito do princípio da igualdade fiscal:
“Especificamente, o princípio da igualdade fiscal tem de actuar no contexto dum direito fiscal que, para ser exequível e praticável, reclama com veemência a sua simplificação a conseguir sobretudo através do recurso à tipificação ou estandardização (quantitativa ou qualitativa) das leis fiscais. Um recurso relativamente ao qual o legislador não é, porém, totalmente livre, já que, para além de ter de respeitar o princípio da proibição do excesso ao lançar mão desse instrumento de simplificação, há-de socorrer-se de tipificações objectivamente assentes em efectivas situações típicas e admitir que a administração fiscal possa socorrer-se de “medidas equitativas”, dispensando-a assim de observar as tipificações legais naquelas situações em que o seu respeito conduza a intoleráveis iniquidades.”
Também o Tribunal Constitucional, mais recentemente, tem analisado o princípio da igualdade fiscal sob o prisma da capacidade contributiva, como se pode constatar designadamente no Acórdão n.º 142/04 (que reproduziu em parte o que já se afirmara no Acórdão n.º 452/03), onde se consigna que «[o] princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de ‘uniformidade’ – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos ‘impostos fiscais’ mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou ‘capacidade de gastar’ (-) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício)».
O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará «a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo».
Por outro lado, o Tribunal tem também considerado que o princípio da capacidade contributiva tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal (o citado Acórdão n.º 142/04).
O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adoptar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.
Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem excepção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. Rogério Fernandes Ferreira/Sérgio Vasques, ob. cit., p. 974).
4. Como se deixou exposto, o artigo 24.º do CIRS permitia reportar ao ano fiscal em que foram efectivamente produzidos os rendimentos que apenas tivessem sido posteriormente pagos ou colocados à disposição do sujeito passivo, implicando uma liquidação adicional relativa a esse ano e a consequente rectificação do valor do imposto a pagar.
Essa disposição foi revogada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, impondo-se, em consequência, o englobamento, na declaração referente ao ano em que foram obtidos, dos rendimentos produzidos em anos anteriores.
A nova redacção dada ao artigo 74.º do CIRS, pela Lei n.º 85/2001, de 4 de Agosto, pretendeu entretanto limitar o efeito negativo da alteração do regime legal, ao estipular, no seu n.º 1, que, para efeito de determinação da taxa, apenas fosse considerada uma parte do valor dos rendimentos sujeitos a englobamento (correspondente à divisão do montante recebido pelo número de anos ou fracções a que respeitem, até ao limite de quatro).
A modificação do regime decorrente do antigo artigo 24.º deve-se, como é de supor, a razões de operacionalidade e de economia de meios, pretendendo evitar a reabertura do procedimento tributário em relação a anos transactos, apenas por efeito de uma situação (relativamente frequente) resultante da obtenção de rendimentos cujo facto gerador ocorreu em anos anteriores.
Certo é que, por efeito do carácter progressivo do imposto, o mecanismo previsto no artigo 74.º, n.º 1, do CIRS não exclui totalmente a possibilidade de um contribuinte que deva imputar no ano a que respeita a declaração os rendimentos produzidos em anos anteriores vir a ser penalizado através da aplicação de uma taxa superior àquela que seria devida se a imputação fosse feita por referência ao ano em que tais rendimentos forem efectivamente produzidos.
Não pode dizer-se, no entanto, que se verifica uma situação de desigualdade tributária, em função da capacidade contributiva, em relação a qualquer outro contribuinte que, tendo auferido idêntico nível de rendimentos, se não encontre sujeito a idêntica vicissitude. Na verdade, não é sequer possível estabelecer um termo de comparação entre as duas situações.
A aparente desigualdade de resultados decorre de um facto externo à relação tributária, que impede que os rendimentos produzidos num determinado ano possam ser imputados na correspondente declaração fiscal por não terem ainda dado entrada na esfera patrimonial do contribuinte. Essa ocorrência pode ficar a dever-se a um facto ilícito imputável à entidade empregadora, quando não tenha feito o pagamento das diferenças salariais que eram devidas, ou a um erro da Administração, quando não tenha processado atempadamente o pedido aposentação, mas não pode deixar de considerar-se que o facto tributário que justifica o englobamento de rendimentos produzidos em anos anteriores reside na circunstância de tais rendimentos só se terem tornado disponíveis para o sujeito passivo no ano a que respeita a declaração. E, por conseguinte, também, só esse facto é que é revelador da capacidade contributiva, definindo o pressuposto económico de que depende o apuramento da matéria tributável.
Neste circunstancialismo, não é possível imputar, em termos objectivos, ao sistema fiscal ou, especificamente, à norma que regula a taxa aplicável em caso de cúmulo de rendimentos, a violação de um princípio de igualdade tributária. O que pode afirmar-se é que o agravamento da posição fiscal do contribuinte é imputável a facto de terceiros.
5. Ainda que, porém, assim se não entendesse, a alteração do regime legal decorrente do falado artigo 24.º do CIRS justificar-se-ia por razões de praticabilidade e simplificação procedimental, que, como se viu, no ponto em que se mostrem necessárias ao cumprimento das finalidades do sistema fiscal, poderão servir de fundamento razoável e material bastante para instituir um tratamento diferenciado entre contribuintes.
E isso é assim tanto mais que, como se demonstrou, não há uma absoluta igualdade de circunstâncias, no plano fiscal, entre a posição dos contribuintes que tenham de efectuar o englobamento de rendimentos produzidos em anos anteriores e aqueles outros que apenas tenham de imputar rendimentos auferidos no ano a que respeita a declaração. O possível agravamento da taxa aplicável, por força do disposto no artigo 74.º, n.º 1, do CIRS, é, por outro lado, um efeito indirecto do retardamento de pagamento de remunerações ou pensões que é imputável a facto de terceiros, relativamente ao qual não é exigível que o legislador estabeleça critérios de igualação ou compensação tributária. Além de que, apesar disso, a lei não deixou de implementar medidas equitativas destinadas a limitar o efeito agravante da progressividade do imposto, ao permitir que, para apuramento da taxa, seja considerada apenas uma parte do valor dos rendimentos englobados.
Não há, pois, motivo para considerar, contrariamente ao que sustenta a decisão recorrida, que a norma em causa viola o princípio da igualdade tributária.
III. Decisão
Termos em que se decide conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, que deverá ser reformada de acordo com o presente juízo sobre a questão de constitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Julho de 2010 – Carlos Fernandes Cadilha - Vítor Gomes - Ana Maria Guerra Martins – Maria Lúcia Amaral - Gil Galvão