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Procº. nº 227/93
2ª Secção Rel.: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
Relatório
1. - A. intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Almada, uma acção com processo sumaríssimo contra B., pedindo a condenação da ré no pagamento de 193 200$00, por alegada falta de qualidade de camisolas que esta lhe vendera.
A ré contestou a acção por impugnação e por excepção. A este título, invocou a 'prescrição', por a acção só ter sido intentada depois de decorridos 3 anos após a celebração do contrato.
A autora, por seu turno, respondeu à contestação da ré, mas o tribunal ordenou o desentranhamento dos autos da resposta. A autora arguiu a nulidade deste despacho, por violação do artigo 785º do Código de Processo Civil ('Se for deduzida alguma excepção, pode o autor, nos cinco dias subsequentes à notificação ordenada pelo artigo 492º ou ao momento em que ela se considera efectuada, responder o que se lhe oferecer, mas somente quanto à matéria de excepção'), que seria aplicável por força do artigo 464º do mesmo Código ('Ao processo sumaríssimo são aplicáveis as disposições que lhe dizem respeito e, além disso, as disposições gerais e comuns. Quando umas e outras sejam omissas, ou insuficientes, observar-se-á em primeiro lugar o que estiver estabelecido para o processo sumário e em segundo lugar o que estiver estabelecido para o processo ordinário').
2. - Findo o julgamento, o Juiz proferiu, em 16 de Novembro de
1992, sentença em que indeferiu o requerimento de arguição de nulidade apresentado pela autora, julgou procedente a excepção peremptória da caducidade
(que a ré qualificara erroneamente como prescrição) e absolveu a ré do pedido.
No que respeita à questão da nulidade, o tribunal a quo entendeu que a norma constante do nº 2 do artigo 795º do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 457/80, de 10 de Outubro - norma especial relativamente à contida no artigo 464º - obstaria à admissibilidade, no caso dos autos, de um articulado posterior à contestação: 'Havendo contestação, que será notificada ao autor, é marcado o dia para o julgamento, que deve efectuar-se dentro dos dez dias seguintes'.
A acta da audiência em que esta sentença foi proferida regista a presença do mandatário da autora e a sua notificação. Todavia, em 19 de Novembro de 1992, foi expedida carta registada para notificar o mandatário da autora da sentença.
3. - Em 9 de Dezembro de 1992, a autora apresentou um requerimento de interposição de recurso da mencionada sentença para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Nesse requerimento, a autora indicou que teriam sido violados o artigo 20º da Constituição e o princípio do contraditório e sustentou que só então - e não antes, durante o processo - pudera suscitar a questão de inconstitucionalidade, invocando o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 61/92 (D.R., II Série, de 18 de Agosto de 1992).
No seu requerimento, a ora reclamante não indica a norma cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada, não dando cumprimento ao disposto no nº 1 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro. Porém, o Tribunal Judicial da Comarca de Almada não lhe formulou o convite previsto no nº 5 do mesmo artigo, proferindo logo um despacho de rejeição do recurso, em 7 de Janeiro de 1993.
Este despacho fundamentou-se, em síntese, em duas considerações:
' a) - o requerimento foi apresentado fora de prazo, por ter entrado no tribunal em 9 de Dezembro de 1992, isto é, no décimo dia útil subsequente à notificação da sentença (19 de Novembro de 1992), quando o prazo decretado pelo nº 1 do artigo 685º do Código de Processo Civil (aplicável por força do disposto no artigo 69º da Lei nº 28/82) é apenas de oito dias;
b) - a autora não suscitou durante o processo a inconstitucionalidade de norma alguma. '
4. - É contra este despacho que vem a presente reclamação. Nela, a autora sustenta que o recurso deve ser admitido, com os seguintes fundamentos:
' a) - o requerimento poderia ter sido apresentado até ao terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo de oito dias, ao abrigo do disposto no nº 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil, cabendo ao tribunal notificar o interessado para pagar a multa;
b) - a autora não dispôs de meio processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade durante o processo. '
O tribunal a quo manteve o despacho de rejeição do recurso.
5. - No Tribunal Constitucional, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que propugnou o indeferimento da reclamação, pelos seguintes motivos:
' a) o prazo de oito dias para a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional começou a correr, no caso vertente, em 16 de Novembro de 1992, uma vez que a parte foi notificada da sentença na audiência ( cfr., os nºs 1 e
2 do artigo 685º do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 69º da Lei nº 28/82), e terminou em 26 de Novembro de 1992;
b) a autora teve oportunidade processual de suscitar a questão de inconstitucionalidade (presumivelmente do nº 2 do artigo 795º do Código de Processo Civil) durante o processo - na resposta à contestação por si apresentada. '
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
Fundamentação
6. - Se se considerasse - como se entendeu no despacho reclamado - que a notificação da ora reclamante só foi feita por carta registada em 19 de Novembro de 1992, o requerimento de interposição do recurso teria sido apresentado no décimo dia útil seguinte ao da notificação (9 de Dezembro de 1992). Na verdade, tendo em conta o disposto no nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro, a notificação considerar-se-ia então efectuada no dia 23 de Dezembro de 1992.
Não tendo a autora pago imediatamente a multa referida no nº 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil, deveria a secretaria, independentemente de despacho, notificá-la para proceder ao pagamento de uma multa de montante igual ao dobro da prevista naquele número (nº
6 do mesmo artigo). Não tendo a secretaria feito esta comunicação, o Juiz deveria ordenar a sua efectivação e, se a autora pagasse a multa, considerar tempestivo o requerimento.
7. - Contudo, estando em causa despachos ou sentenças orais, reproduzidos no processo, o prazo corre do dia em que foram proferidos, se a parte esteve presente, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 685º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69º da Lei nº 28/82. Ora, no caso sub judicio, o mandatário da autora esteve presente, como se viu, na audiência em que foi proferida a sentença recorrida (16 de Novembro de 1993) e foi logo dela notificado.
Por conseguinte, o prazo de oito dias para a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional terminou no dia 26 de Novembro de 1993 e o requerimento apresentado em 9 de Dezembro de 1992 é intempestivo.
8. - A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que a exigência de a questão de inconstitucionalidade ter sido suscitada durante o processo (alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82) deve ser entendida num sentido funcional. A invocação deverá ter sido feita, nesta perspectiva, num momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer a questão (cfr., o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 94/88, D.R., II Série, de 22 de Agosto de
1988).
Porém, se o interessado não dispôs de oportunidade processual para levantar a questão antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo (mediante a prolação da sentença), deve ser salvaguardado o direito de recorrer para o Tribunal Constitucional (cfr., o Acórdão nº 61/92, cit. ).
9. - Mas, no caso em apreço, a ora reclamante teve oportunidade processual de suscitar a questão de inconstitucionalidade ( do nº
2 do artigo 795º do Código de Processo Civil ) antes de se esgotar o poder jurisdicional do tribunal a quo. Na verdade, podia e devia tê-lo feito na resposta à contestação, para sustentar, precisamente, a admissibilidade de tal resposta (rejeitada pela disposição do artigo 795º, nº 2, do Código de Processo Civil). Nessa circunstância recaía sobre a autora o ónus de considerar a interpretação do nº 1 do artigo 795º do Código de Processo Civil que viria a ser perfilhada pelo tribunal a quo - interpretação declarativa que em nenhum sentido se pode qualificar de imprevisível e surpreendente ( cfr., o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 479/89, D.R., II Série, de 24 de Abril de
1992 ).
Também por este motivo o recurso é inadmissível e deve ser indeferida a presente reclamação.
III
Decisão
10. - Ante o exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 1994
José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Messias Bento Bravo Serra Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa