Imprimir acórdão
Procº Nº 332/91 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. A. intentou no Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada, em 21 de Junho de 1989, uma acção emergente de contrato individual de trabalho contra a B., com sede em ------, pedindo a declaração de nulidade do seu despedimento e a condenação da Ré no pagamento de 5 435 256$00 a título de prestações pecuniárias remuneratórias vencidas e indemnização por despedimento nulo, caso viesse a optar por ela, acrescida de prestações remuneratórias vincendas.
Tendo a Ré, na contestação, alegado que todos os créditos do autor deviam ser considerados extintos por prescrição, nos termos do artigo 38º, nº 1, do Decreto-Lei nº 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho), decidiu o Mtº Juiz, no despacho saneador, proferido em 27 de Outubro de 1989, absolver a Ré da instância, por considerar procedente aquela excepção peremptória. Na verdade, tendo o autor recebido, no dia 23 de Junho de 1988, uma carta através da qual a Ré lhe comunicou a decisão de despedimento e tendo ele proposto a acção apenas em 21 de Junho de 1989 - tendo, por isso, a Ré recebido a citação somente em 10 de Julho de 1989 -, considerou aquele magistrado que a interrupção da prescrição ocorreu cinco dias após a citação ter sido requerida, nos termos do artigo 323º, nº 2, do Código Civil, isto é, em 26 de Junho de 1989, ou seja, mais de um ano após o despedimento, quando os créditos do autor já se tinham extinguido por prescrição, de acordo com o estatuído no nº 1 do artigo 38º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho.
2. Inconformado com esta decisão, recorreu o autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, invocando, nas respectivas alegações, inter alia, que o artigo 38º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, a entender-se que fixa um prazo de prescrição extintiva, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, condensado no artigo
13º, nº 1, da Constituição.
Sem êxito, porém, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 3 de Outubro de 1990, depois de refutar a tese da inconstitucionalidade daquela disposição legal, negou provimento ao recurso, confirmando, consequentemente, a decisão recorrida.
3. De novo inconformado, interpôs o autor recurso deste aresto para o Supremo Tribunal de Justiça, insistindo, entre o mais, na inconstitucionalidade da norma do artigo 38º, nº 1, do Decreto-Lei nº 49 408, de
24 de Novembro de 1969. Mas o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 15 de Maio de 1991, negou a revista, confirmando integralmente o Acórdão recorrido, designadamente quanto ao seu julgamento de não inconstitucionalidade daquele preceito.
4. É daquele aresto do Supremo Tribunal de Justiça que vem interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 280º, nºs 1, alínea b), e 4, da Constituição e no artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), e cujo objecto consiste na questão da constitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 38º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49 408, de 24 de Novembro de 1969.
5. O recorrente conclui as alegações produzidas neste Tribunal reiterando que o artigo 38º, nº1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, no que diz respeito pelo menos ao despedimento sem justa causa, viola o artigo 13º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Por sua vez, a entidade recorrida apresenta, nas suas alegações, o seguinte quadro conclusivo:
a) O artº 38º da LCT não deve, salvo melhor opinião, ser julgado inconstitucional, uma vez que em nada viola o princípio da igualdade estatuído no artº 13º da CRP;
b) Ao invés, o artº 38º concretiza o referido princípio da igualdade, na medida em que pondera as especificidades da situação dos trabalhadores subordinados, facultando, precisamente, o tratamento adequado à sua diferença;
c) O prazo prescricional previsto no artº 38º não é menos favorável para os trabalhadores dependentes, pois não inicia a sua contagem na data em que estes têm conhecimento do facto que está na origem do seu direito de crédito, mas apenas na data da cessação do contrato de trabalho.
6. Corridos os vistos legais, cumpre, então, a apreciar e decidir a questão de saber se a norma do nº 1 do artigo 38º do Decreto-Lei nº
49 408, de 24 de Novembro de 1969, é (ou não) inconstitucional.
II - Fundamentos.
7. A norma cuja constitucionalidade é contestada neste processo dispõe o seguinte:
Artigo 38º
(Prescrição e regime de provas dos créditos resultantes do contrato de trabalho)
'1. Todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, sem prejuízo do disposto na lei geral acerca dos créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais'.
2.........................................
Nos termos do preceito acabado de transcrever, os trabalhadores dispõem do prazo de um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessar o contrato de trabalho para reclamarem todos os créditos resultantes do mesmo, sob pena de prescrição.
8. O acórdão aqui sob recurso interpretou a norma do artigo 38º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de trabalho com o sentido de ela abranger as acções de impugnação judicial do despedimento.
Ao atribuir-lhe uma tal interpretação
- interpretação essa cujo mérito intrínseco escapa à sindicância deste Tribunal
-, o Supremo Tribunal de Justiça não fez mais do que trilhar a senda rasgada por uma jurisprudência uniforme e constante dos nossos tribunais judiciais. Com efeito, vêm estes decidindo reiteradamente que a nulidade do despedimento (ou a sua ilicitude, como referem os actuais artigos 12º e 13º Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro) coloca um problema de prescrição de direitos laborais e não de caducidade da acção de nulidade (rectius de anulabilidade) do mesmo, pelo que o prazo para o trabalhador arguir a nulidade do despedimento é o previsto no artigo 38º, nº 1, do Decreto-Lei nº 49 408, de 24 de Novembro de 1969, isto é, um prazo de prescrição de um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Nesta linha se situa o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de Julho de 1986 [cfr. Colectânea de Jurisprudência, Ano XI, Tomo IV (1986), p. 197, ss.], o qual, a dado passo, refere:
'Põe-se o problema de saber se o prazo prescricional também abrange o direito à reintegração, isto é, se cabe na expressão 'créditos' usada pelo art.
38º, tendo presente que tal direito não existia à data da feitura do preceito.
Pode dizer-se que está em causa o direito ao trabalho, inscrito entre os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pelo que não pode ser considerado como um vulgar crédito pecuniário. Mas também o direito de propriedade privada é um direito fundamental e nem por isso se considera afastado o instituto da usucapião.
Como é sabido, a terminologia utilizada em Direito Laboral não se apresenta com o rigor do Direito Civil, particularmente do Direito das Obrigações clássico.
Crédito é uma prestação pecuniária vista do lado activo. A legislação laboral não respeita este sentido rigoroso, pois fala, por exemplo, em crédito de horas (art. 20º da Lei nº 46/79, de 12 de Setembro), a propósito do direito a determinadas horas/mês concedido aos membros das comissões de trabalhadores, dentro do horário de trabalho, para o exercício de actividades relativas às suas funções indicadas: também a retribuição em espécie, como seja a habitação, é entendida como um crédito do trabalhador.
Deve entender-se que a nulidade do despedimento implica que o contrato de trabalho se mantenha incólume e, daí, surja um não cumprimento por parte da entidade patronal, o qual, dentro da teoria geral das obrigações, teria o tratamento previsto nos arts. 798º e segs. do C. Civil - responsabilidade pelo prejuízo que causar. Em Direito Laboral nasce o direito a pedir a execução do contrato, ou seja, a reintegração com efeitos a partir do despedimento, que pode resolver-se em alternativa por uma indemnização pré-modelada (indemnização de antiguidade). Não está em causa o regime decorrente da nulidade, mas o accionamento tempestivo de um direito.
Acresce que, numa interpretação teleológica, a consideração da certeza e da segurança jurídica, fundamento da prescrição, toma uma expressão com mais vigor relativamente à disponibilidade de um posto de trabalho que face a um quantitativo pecuniário. A entidade patronal tem a necessidade da força de trabalho de um número certo de trabalhadores, não podendo ampliar os seus quadros sob pena de se provocar o desequilíbrio financeiro da empresa. Tem que saber que, contra o despedimento por si ditado, já não pode haver reacção a partir de certo prazo'.
No mesmo sentido, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6 de Fevereiro de 1985, nos termos do qual
'deve considerar-se que o vocábulo 'créditos' contido no artigo 38º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49
408, de 24 de Novembro de 1969, compreende o direito à reintegração' e 'ainda que nulo o despedimento, ocorre sempre uma situação de não execução de facto do contrato de trabalho, que provoca o início do curso da prescrição' [cfr. o Boletim do Ministério da Justiça, nº 351 (1985), p. 450].
9. A orientação jurisprudencial que vem de ser referida não suscita o aplauso de toda a doutrina juslaborista.
Assim, Jorge Leite (cfr. Direito do Trabalho, Lições ao 3º Ano da Faculdade de Direito, policop., Coimbra, 1986/87, p. 430,431), depois de manifestar a sua concordância com a tese que considera que o trabalhador dispõe do prazo de um ano para impugnar o despedimento, escreve:
'Também não tem sido pacífico o problema da qualificação do prazo para arguir a nulidade, agora ilicitude, do despedimento. Entende o STJ tratar-se de um prazo de prescrição, já que o direito em causa seria um crédito abrangido pela norma do art. 38º da LCT. Não se me afigura correcta esta qualificação. O que está em causa não é o direito do trabalhador a uma qualquer prestação, não é um crédito seu que outrem deva satisfazer, como sucede com os créditos previstos no citado art. 38º da LCT. O que está em causa é o exercício de um direito potestativo (ou de uma faculdade), direito cuja vida coincide com o prazo dentro do qual ou é exercido ou desaparece [...]'. [Na opinião deste autor, o regime de invalidade do despedimento deve ser o de uma nulidade atípica, com as seguintes características: a) só pode ser invocada pelo trabalhador; b) não é passível de confirmação; c) não é invocável a todo o tempo, dispondo o interessado de um prazo para o efeito, findo o qual o acto extintivo se torna judicialmente inatacável. Cfr. Jorge Leite/F. Coutinho de Almeida, Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 261-263].
De modo semelhante, Pedro de Gouveia e Melo ( cfr. Comentário ao Acórdão da Relação de Lisboa, de 15 de Dezembro de
1980, in Revista do Ministério Público, Ano II, Vol. V (1981), p. 164-170) sustenta que a prescrição do nº 1 do artigo 38º da LCT não se aplica às hipóteses contempladas no nº 1 do artigo 12º da Lei dos Despedimentos - referia-se o autor ao Decreto-Lei nº 372-A/75, de 16 de Julho -, porque neste caso não se verifica o pressuposto fundamental daquele preceito, que é o de ter cessado a relação de trabalho. Segundo este autor, no caso de despedimento nulo, a relação de trabalho mantém a sua plenitude intocada, tudo se passando como se, em tais casos, a entidade patronal tivesse apenas afastado de facto o trabalhador do seu posto de trabalho.[Contrariamente a Jorge Leite, este autor considera a nulidade prevista no nº 1 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 372-A/75, de 16 de Julho, como uma nulidade em sentido próprio, com todas as consequências daí derivadas: operando ipso jure, podendo ser invocada por qualquer interessado, sendo insanável pelo decurso do tempo e insusceptível de confirmação pelos interessados].
10. Como já foi salientado, o acórdão recorrido considerou que o prazo de prescrição de um ano, previsto no nº 1 do artigo 38º do Decreto-Lei nº 49 408, de 24 de Novembro de 1969, começa a correr a partir do dia seguinte ao do despedimento, ainda que se trate de um despedimento nulo (ou de um despedimento ilícito, na terminologia dos artigos
12º e 13º do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro; cfr. também o artigo 8º do Decreto-Lei nº 400/91, de 16 de Outubro, que fala de 'ilicitude da cessação do contrato de trabalho').
Na tese do recorrente, a norma do nº
1 do artigo 38º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, entendida com o sentido de fixar um prazo de prescrição de um ano, a contar do dia seguinte àquele em que se verificou o despedimento, aplicável às acções de impugnação judicial do despedimento - quer estas tenham como finalidade, para além do pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, a obtenção da reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, antes, a indemnização substitutiva desta (cfr. o artigo 13º do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro) -,é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, plasmado no artigo 13º, nº 1, da Constituição.
Na óptica do recorrente, aquela norma infringe o princípio constitucional da igualdade, porque encerra uma desigualdade de tratamento ou uma discriminação em desfavor dos trabalhadores por conta de outrem, em comparação, por um lado, com os profissionais liberais e, por outro lado, com os titulares em geral de um direito de indemnização baseado na responsabilidade civil. Aquela discriminação traduz-se, na perspectiva do recorrente, na circunstância de os créditos dos trabalhadores por conta de outrem estarem sujeitos a um prazo prescricional extintivo mais curto
(um ano) do que aquele que vigora para os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais [um prazo de prescrição presuntiva de dois anos
- artigo 317º, alínea c), do Código Civil] e ainda bem mais curto do que aquele que está estabelecido para o direito de indemnização fundado na responsabilidade civil contratual e extracontratual (prazo de prescrição de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete - artigo
498º, nº 1, do Código Civil).
Entende, porém, o Tribunal que ao recorrente não assiste razão na invocada violação do princípio constitucional da igualdade por parte da norma do nº 1 do artigo 38º do Decreto-Lei nº 49 408, de
24 de Novembro de 1969.
Vejamos porquê.
10.1. É sabido que o princípio constitucional da igualdade não pode ser entendido de forma absoluta, em termos tais que impeçam o legislador de estabelecer uma disciplina diferente quando diversas forem as situações que as disposições normativas visam regular.
O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willküverbot) [cfr., por todos, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 186/90, 187/90 e 188/90, publicados no Diário da República, II Série, nº 211, de 12 de Setembro de 1990].
10.2. O legislador consagrou efectivamente, no artigo 38º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, uma disciplina jurídica diferente, no que respeita ao prazo de prescrição dos créditos resultantes do contrato de trabalho, daquelas que foram estabelecidas para os prazos de prescrição dos créditos resultantes de serviços prestados no exercício de profissões liberais e do direito à indemnização emergente da responsabilidade civil contratual e extracontratual.
Ao proceder deste modo, o legislador não agiu arbitrariamente, antes teve em conta as especificidades da situação de dependência gerada pelo vínculo laboral. De facto, o legislador não está impedido de regular de modo desigual situações de facto essencialmente diferentes, como são, por exemplo, as relações laborais do trabalhador por conta de outrem, baseadas em contrato de trabalho, e as do trabalhador autónomo, fundadas em contrato de prestação de serviços. Poderá ainda afirmar-se que o direito de pedir a declaração de nulidade do despedimento é de natureza essencialmente distinta da do direito de exigir judicialmente o cumprimento de uma obrigação pecuniária, pelo que não faz qualquer sentido chamar à colação a ideia de igualdade.
Acrescentar-se-á, porém, que elemento essencial caracterizador do contrato de trabalho, e que permite distingui-lo de outros tipos contratuais, em especial da prestação de serviços, é a existência de um vínculo de subordinação jurídica, traduzido no poder que assiste à entidade patronal de conformar, 'através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou' (cfr. Jorge Leite, Direito de Trabalho, cit., p. 220. Cfr. ainda A. Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, Almedina, 1991, p. 520, 521; A. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Vol I, 8ª ed., Coimbra, Almedina, 1992, p.104 ss.; e B. Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Lisboa, Verbo, 1992, p. 286-290).
Enquanto se mantiver o contrato de trabalho, o trabalhador encontra-se dependente da entidade patronal e, por conseguinte, não se sente normalmente à vontade para reivindicar os seus créditos. O mesmo não sucede em relação aos trabalhadores independentes. Esta diferença de situações legitima um tratamento diferente que permita precisamente ter em consideração a natureza dependente do trabalho subordinado.
É por esta razão que a norma do artigo 38º, nº 1, do Decreto-Lei nº 49 408, de 24 de Novembro de 1969, determina o início da contagem do prazo prescricional a partir da cessação da relação laboral e não a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe assiste, tal como refere o artigo 498º, nº 1, do Código Civil.
O escopo da norma do nº 1 do artigo
38º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho é o de garantir ao trabalhador a possibilidade de exigir os seus créditos, afastando o eventual efeito dissuasor resultante da manutenção do vínculo laboral. Se se aplicasse aos trabalhadores dependentes o regime previsto no artigo 317º, alínea c), do Código Civil ( o qual abrange os profissionais liberais) ou no artigo 498º, nº
1, do mesmo Código (o qual se aplica aos restantes trabalhadores independentes), veriam eles certamente, muitas vezes, prescritos os seus créditos, durante a pendência do contrato, em virtude da natural inibição em relação à entidade patronal.
Poderá, assim, suceder que o prazo previsto no artigo 38º, nº 1, do Decreto-Lei nº 49 408 se revele mais longo do que o resultante da aplicação do artigo 498º, nº 1, do Código Civil. Uma situação destas ocorrerá sempre que o crédito a reivindicar pelo trabalhador se tenha verificado em momento consideravelmente anterior ao da cessação da relação laboral.
A disciplina estabelecida no artigo
38º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho está em consonância com a especificidade das relações de trabalho subordinado e foi criada com o objectivo de defender os interesses dos trabalhadores dependentes. Ela não é, por isso, materialmente infundada, nem desprovida de justificação objecti- va e racional, pelo que não viola o princípio constitucional da igualdade.
11. Interessa, por fim, deixar assinalada uma nota, que é a de saber se a interpretação extraída pelo acórdão recorrido da norma do artigo 38º, nº 1, do Decreto-Lei nº 49 408, de 24 de Novembro de 1969 - a qual consistiu, recorde-se, na aplicação do prazo de prescrição nela estabelecido às acções de impugnação judicial do despedimento, e cujo acerto, como já foi salientado, não pode ser posto em causa por este Tribunal - não violará, porventura, o direito de acesso aos tribunais, garantido pelo artigo 20º, nº 1, da Lei Fundamental (sobre o sentido e alcance do direito de acesso aos tribunais, cfr., por todos, o Acórdão deste Tribunal nº 444/91, publicado no Diário da República, II Série, nº 78, de 2 de Abril de 1992).
Com efeito, poder-se-ia argumentar que aquela norma, com a interpretação que lhe foi conferida pelo acórdão recorrido, afecta de forma grave o direito de acesso aos tribunais por parte dos trabalhadores por conta de outrem, com o fundamento de que, se o aresto aqui sob recurso tivesse adoptado uma interpretação nos termos da qual o prazo de prescrição daquela norma não abrange as acções que visam a declaração de nulidade (ou de ilicitude) do despedimento, estando antes estas sujeitas a um prazo de caducidade de um ano a contar da data da cessação do contrato de trabalho, então ter-se-ia de considerar que a acção de impugnação do despedimento a que se referem os autos foi proposta em tempo, já que se estaria perante um prazo de caducidade, cujo termo se verifica na data da propositura da acção.
Uma tal argumentação não é, porém, procedente. O direito de acesso aos tribunais não é violado pela simples fixação pelo legislador de um prazo (seja ele de prescrição ou, antes, de caducidade) para o seu exercício. Essa violação só existiria se o prazo fosse desadequado e desproporcionado (cfr. os Acórdãos deste Tribunal nºs 99/88 e 370/91, o primeiro publicado no Diário da República, II Série, nº 193, de 22 de Agosto de 1988, o o segundo no mesmo Diário, II Série, nº 78, de 2 de Abril de 1992), em termos de dificultar gravemente o exercício concreto daquele direito, uma vez que, em tal caso, estar-se-ia perante uma restrição ao direito de acesso aos tribunais e não em face de um simples condicionamento ao exercício desse direito. Mas não é isso o que sucede com a norma do nº 1 do artigo 38º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho. Nela estabelece-se um prazo de prescrição de um ano, contado a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, para o trabalhador reclamar os créditos resultantes do contrato de trabalho, incluindo-se nestes, na interpretação do acórdão recorrido, o direito à integração resultante de despedimento nulo ou ilícito, prazo esse que é suficientemente amplo para possibilitar a tutela judicial dos direitos dos trabalhadores dependentes.
Acrescente-se que a fixação de um prazo prescricional de um ano para o trabalhador impugnar a validade do despedimento tem na sua base razões de certeza e de segurança jurídica e visa proteger as expectativas da entidade patronal em ver, para além de um certo prazo, judicialmente inatacável um despedimento por si ditado e, assim, poder fazer uma gestão sem sobressaltos do seu quadro de trabalhadores.
É certo que a interpretação extraída pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Maio de 1991, bem como pelas instâncias, da norma do nº 1 do artigo 38º do Decreto-Lei nº 49 408, de 24 de Novembro de 1969, conduziu à solução da prescrição dos créditos do recorrente. Só que, conhecendo ele a interpretação uniforme e constante que a jurisprudência vinha dando àquela norma, devia ele ter sido mais diligente e não ter deixado decorrer quase um ano antes de propor a acção.
Donde o poder concluir-se que a prescrição dos créditos do recorrente deve-se, assim, não a uma pretensa inconstitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 38º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, com o sentido que lhe foi dado pelo acórdão recorrido, mas antes ao seu comportamento pouco diligente.
Eis, pois, como aquela norma não viola também o direito ao recurso, condensado no artigo 20º, nº 1, da Constituição.
III - Decisão.
12. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido, na parte impugnada.
Lisboa, 26 de Janeiro de 1996
Fernando Alves Correia Messias Bento Bravo Serra José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida