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Processo n.º 265/10
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos, a Relatora proferiu a seguinte decisão sumária:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e B., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, do despacho proferido pelo Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, em 15 de Março de 2010 (fls. 106 a 108), que julgou improcedente a reclamação do despacho anteriormente proferido pelo Juiz-Relator junto da 1ª Vara Criminal de Lisboa, em 23 de Outubro de 2009 (fls. 11), que havia rejeitado o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, por legalmente inadmissível, ao abrigo do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do CPP.
O recorrente pretende que seja apreciada a constitucionalidade do “disposto no art.º 400.º, n.º 1, al. f) do C.P. Penal, atento o disposto no art. 32º, n.º 1 da C.R.P.” (fls. 113).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Sempre que determinada questão de constitucionalidade normativa se apresente como “simples”, o Relator junto do Tribunal Constitucional fica legalmente habilitado a proferir decisão sumária, de conhecimento do objecto do pedido, que pode, aliás, consistir em mera remissão para jurisprudência anterior (cfr. n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.).
Sucede que a questão ora em apreço nos autos – a saber, a relativa à inconstitucionalidade da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do CPP tem vindo a ser alvo de inúmeros recursos de constitucionalidade, em relação aos quais se formou jurisprudência no Tribunal Constitucional, sempre no sentido da sua não inconstitucionalidade (assim, ver Acórdãos n.º 336/01, n.º 369/01, n.º 435/01, n.º 490/03, n.º 610/04, n.º 640/04, n.º 2/06, n.º 36/07; n.º 263/09, n.º 551/09, n.º 645/09 e n.º 647/09, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).
Acolhendo este entendimento, foi dito pelo Acórdão n.º 336/01 que:
«[…]
6. – A Constituição da República Portuguesa não estabelece em nenhuma das suas normas a garantia da existência de um duplo grau de jurisdição para todos os processos das diferentes espécies.
Importa, todavia, averiguar em que medida a existência de um duplo grau de jurisdição poderá eventualmente decorrer de preceitos constitucionais como os que se reportam às garantias de defesa, ao direito de acesso ao direito e à tutela judiciária efectiva.
Não pode deixar de se referir que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tratado destas matérias, estando sedimentados os seus pontos essenciais.
Assim, a jurisprudência do Tribunal tem perspectivado a problemática do direito ao recurso em termos substancialmente diversos relativamente ao direito penal, por um lado, e aos outros ramos do direito, pois sempre se entendeu que a consideração constitucional das garantias de defesa implicava um tratamento específico desta matéria no processo penal. A consagração, após a Revisão de 1997, no artigo 32º, nº1 da Constituição, do direito ao recurso, mostra que o legislador constitucional reconheceu como merecedor de tutela constitucional expressa o princípio do duplo grau de jurisdição no domínio do processo penal, sem dúvida, por se entender que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa.
Porém, mesmo aqui e face a este específico fundamento da garantia do segundo grau de jurisdição no âmbito penal, não pode decorrer desse fundamento que os sujeitos processuais tenham o direito de impugnar todo e qualquer acto do juiz nas diversas fases processuais: a garantia do duplo grau existe quanto ás decisões penais condenatórias e também quanto às respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou a quaisquer outros direitos fundamentais (veja-se, neste sentido, o Acórdão nº 265/94, in “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 27º V., pág. 751 e ss).
Embora o direito de recurso conste hoje expressamente do texto constitucional, o recurso continua a ser uma tradução das garantias de defesa consagradas no nº1 do artigo 32º (O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso). Daí que o Tribunal Constitucional não só tenha vindo a considerar como conformes à Constituição determinadas normas processuais penais que denegam a possibilidade de o arguido recorrer de determinados despachos ou decisões proferidas na pendência do processo (v.g., quer de despachos interlocutórios, quer de outras decisões, Acórdãos nºs 118/90,259/88,353/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, nºs 15º,pg.397; 12º, pg.735 e 19º, pg.563, respectivamente, e Acórdão nº 30/2001, sobre a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação particular quando o Ministério Público acompanhe tal acusação, ainda inédito), como também tenha já entendido que, mesmo quanto às decisões condenatórias, não tem que estar necessariamente assegurado um triplo grau de jurisdição, assim se garantindo a todos os arguidos a possibilidade de apreciação da condenação pelo STJ (veja-se, neste sentido, o Acórdão nº209/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º. V., pg. 553).
Uma tal limitação da possibilidade de recorrer tem em vista impedir que a instância superior da ordem judiciária accionada fique avassalada com questões de diminuta repercussão e que já foram apreciadas em duas instâncias. Esta limitação à recorribilidadade das decisões penais condenatórias tem, assim, um fundamento razoável.[...]
Como já se referiu, mesmo em processo penal, a Constituição não impõe ao legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer acto do juiz e, mesmo admitindo-se o direito a um duplo grau de jurisdição como decorrência, no processo penal, da exigência constitucional das garantias de defesa, tem de aceitar-se que o legislador penal possa fixar um limite acima do qual não seja admissível um terceiro grau de jurisdição: ponto é que, com tal limitação se não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido.
Ora, no caso dos autos, o conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido consiste no direito a ver o seu caso examinado em via de recurso, mas não abrange já o direito a novo reexame de uma questão já reexaminada por uma instância superior.
Existe, assim, alguma liberdade de conformação do legislador na limitação dos graus de recurso. No caso, o fundamento da limitação – não ver a instância superior da ordem judiciária comum sobrecarregada com a apreciação de casos de pequena ou média gravidade e que já foram apreciados em duas instâncias – é um fundamento razoável, não arbitrário ou desproporcionado e que corresponde aos objectivos da última reforma do processo penal.
Tem, por isso de se concluir que a norma do artigo 400º, nº1, alínea f) do CPP não viola o princípio das garantias de defesa, constante do artigo 32º, nº1 da Constituição.»
No mesmo sentido, julgou o Acórdão n.º 640/04:
«[…]
4. Qualquer destas normas [as das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal] foi já sujeita ao escrutínio de constitucionalidade, quanto à perspectiva da violação do direito ao recurso, questão que se reconduz ao problema de saber se o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição impõe um triplo grau de jurisdição. Sempre sem sucesso, como pode ver-se nos acórdãos n.ºs 49/03 e 377/03 [no que toca à norma da alínea e)] e nos acórdãos n.ºs 189/01, 336/01, 369/01, 495/03 e 102/04 [no que respeita à alínea f)], todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt.
Lembrando esta jurisprudência, disse-se no acórdão n.º 495/03 (que pode consultar-se em http://www.tribunalconstitucional.pt), o seguinte:
«Ora é exacto que o Tribunal Constitucional já por diversas vezes observou que «no nº 1 do artigo 32º da Constituição consagra-se o direito ao recurso em processo penal, com uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido. Mas a Constituição já não impõe, directa ou indirectamente, o direito a um duplo recurso, ou a um triplo grau de jurisdição. O Tribunal Constitucional teve já a oportunidade para o afirmar, a propósito dos recursos penais em matéria de facto: “não decorre obviamente da Constituição um direito ao triplo grau de jurisdição, ou ao duplo recurso” (acórdão nº 215/01, não publicado)”.
Esta afirmação, feita no acórdão n.º 435/01 (disponível, tal como o acórdão n.º 215/01, em http://www.tribunalconstitucional.pt) foi proferida justamente a propósito da apreciação da alegada inconstitucionalidade da “norma do artigo 400º, nº1, alínea f) do CPP', tendo o Tribunal Constitucional concluído, tal como, aliás, já fizera nos acórdãos n.ºs 189/01 e 369/01 (também disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt) que “não viola o princípio das garantias de defesa, constante do artigo 32º, nº1 da Constituição” [...]».
Mais recentemente, através do Acórdão n.º 551/09, esta ideia veio a ser reforçada:
«7. O Tribunal Constitucional tem uma jurisprudência consolidada no sentido de que no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição se consagra o direito ao recurso em processo penal, com uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido. Mas também que a Constituição não impõe, directa ou indirectamente, o direito a um duplo recurso ou a um triplo grau de jurisdição em matéria penal, cabendo na discricionariedade do legislador definir os casos em que se justifica o acesso à mais alta jurisdição, desde que não consagre critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados. E que não é arbitrário nem manifestamente infundado reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada (Cfr., entre muitos, a propósito da anterior redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na peculiar interpretação acima referida do que era a pena aplicável, acórdão n.º 64/2006 (Plenário), publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Maio de 2006). Essa limitação do recurso apresenta-se como “racionalmente justificada, pela mesma preocupação de não assoberbar o Supremo Tribunal de Justiça com a resolução de questões de menor gravidade (como sejam aquelas em que a pena aplicável, no caso concreto, não ultrapassa o referido limite), sendo certo que, por um lado, o direito de o arguido a ver reexaminado o seu caso se mostra já satisfeito com a pronúncia da Relação e, por outro, se obteve consenso nas duas instâncias quanto à condenação” (citado Acórdão n.º 451/03).»
O supra referido acórdão foi, aliás, votado favoravelmente pela Relatora, em sede de plenário da 3ª Secção deste Tribunal, não se vislumbrando qualquer razão superveniente para modificação daquele entendimento que é integralmente transponível para os presentes autos. Como tal, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, julga-se não inconstitucional a norma extraída do artigo 400º, n.º 1, alínea f) do CPP, mediante remissão para a jurisprudência supra citada, na medida em que o artigo 32º, n.º 1, da CRP não consagra um direito ilimitado à interposição de recurso.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, pelos fundamentos supra expostos, decide-se indeferir o recurso interposto.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, para cada um deles, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.»
2. Inconformado com a referida decisão, o recorrente veio reclamar nos seguintes termos:
«O recorrente A. reclamou tempestivamente do despacho que não admitiu o recurso apresentado pelo arguido, tendo sido proferido despacho de não admissão da motivação de recurso apresentada nos presentes autos, ao abrigo do artº. 400º, nº 1, al. f) do C.P.P.
Em tempo, nos termos do artº 32º nº1 da Constituição da República Portuguesa “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”.
O que significa que a norma que restringe a interposição do recurso no presente caso, é ilegal, apesar de no presente processo o arguido ter sido apenas condenado a pena única de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução.
Assim sendo, o expediente de recurso é um direito absoluto fundamental, não podendo ser limitado em nenhum caso.
Ora, a norma corresponde ao artº 400º, nº 1, al. f) do C.P.P. colide directamente com o diploma fundamental nos termos aludidos, sendo inconstitucional, o que se invoca para a produção de todos os efeitos legais.
No provimento da presente da reclamação, deve destacar-se a inconstitucionalidade da norma do artº 400º, nº 1, al. f), do C.P. Penal, com as devidas consequências legais, assim resultando mais bem aplicada a lei e realizada a Justiça.» (fls. 136 e 137)
3. Devidamente notificado, o Ministério Público apresentou a seguinte resposta:
«1º
Vindo questionada a inconstitucionalidade da norma da alínea f) do nº 1 do artigo 400º do CPP, na Decisão Sumária de fls. 127 a 132, considerou-se tal questão simples, face à numerosa jurisprudência do Tribunal Constitucional que incidiu sobre tal norma e em que foi sempre proferido um juízo de não inconstitucionalidade.
2º
Na reclamação apresentada, o reclamante limita-se a discordar do entendimento acolhido pelo Tribunal, não adiantando qualquer argumento novo (nem outro) que pudesse levar a uma reapreciação e ponderação da questão.
3º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.» (fls. 140)
4. Igualmente notificada, a recorrente B. deixou expirar o prazo legal, sem que viesse aos autos pronunciar-se.
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5. Com efeito, a reclamação deduzida limita-se a reiterar o entendimento de que a norma objecto do recurso será inconstitucional, sem que, contudo, desenvolva qualquer argumentação plausível nesse sentido. Ora, conforme evidenciado pela decisão reclamada, a jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional é inequívoca quanto à não inconstitucionalidade da norma em apreço nos autos. Não se justificando qualquer alteração, é de manter integralmente o entendimento já abundantemente expresso por este Tribunal.
Assim, não subsiste qualquer fundamento para reformar a decisão reclamada.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 1 de Julho de 2010
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão