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Processo n.º 156/2009
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A., foi proferido acórdão de conferência de indeferimento da reclamação, confirmando o despacho reclamado, com o seguinte fundamento:
[…]
2. Não faz qualquer sentido a invocação pelo reclamante da questão de constitucionalidade referida ao artigo 77.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional nem a impugnação do parecer emitido pelo Representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional a fls. 1997-verso e 1998 dos autos. Com efeito, a presente reclamação visa, tão-somente, a apreciação dos requisitos e pressupostos de admissibilidade e conhecimento do recurso de constitucionalidade apresentado perante o Supremo Tribunal de Justiça.
3. Ora, na linha da jurisprudência deste Tribunal, importa acentuar que um dos requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional traduz-se no esgotamento dos recursos ordinários, resultando da consideração deste requisito de recorribilidade que o recurso de constitucionalidade interposto a fls. 1949 e segs., a par com a apresentação de dois requerimentos que consubstanciam incidentes pós-decisórios, não era admissível, uma vez que, no momento da sua interposição, a decisão de fls. 1926 e segs. ainda não era definitiva na óptica do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, por ainda não ter sido proferida a última palavra dentro da ordem judicial de que emergiu o recurso.
Tal circunstância não precludia ao recorrente a possibilidade de renovar o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade num momento em que se tivesse tornado definitiva a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, o que ocorreu com o despacho de fls. 1971 e segs.
Por esta razão, não podia, pois, admitir-se o recurso de constitucionalidade, pelo que há que confirmar o despacho reclamado.
2. Notificado dessa decisão, A. veio dizer e requerer o seguinte:
1. O acórdão n.º 286/2009, de 02/06/2009 diz, nos seus fundamentos, que o recurso não era admissível, uma vez que no momento da sua interposição, a decisão de fls. 1926 e ss. ainda não era definitiva, na óptica do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 70.º da LTC.
2. O n.º 2 do art. 70.º da LTC diz que cabe recurso da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo das decisões que não admitam recurso ordinário.
3. Assim, o sentido do fundamento é obscuro:
Não era definitivo significa que admite recurso ordinário-
É o que, com a devida vénia, se pede seja esclarecido.
3. Por acórdão de conferência, decidiu-se indeferir o requerimento apresentado, por se não vislumbrar, na fundamentação do acórdão reclamado obscuridade que carecesse de esclarecimento.
4. Notificado desse acórdão, o reclamante veio dizer e requerer o seguinte:
I – NULIDADE DO ACÓRDÃO N.° 88/2010
1. A questão objecto do requerimento de 22.06.2009, encontra-se formulada nos termos seguintes:
1.1. «O acórdão n.° 286/2009, de 02/06/2009 diz, nos seus fundamentos, que o recurso não era admissível, uma vez que no momento da sua interposição, a decisão de fls. 1926 e ss. ainda não era definitiva, na óptica do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 70° da LTC».
1.2. «O n.° 2 do art. 70° da LTC diz que cabe recurso da alínea b) do n.° 1 do mesmo artigo, das decisões que não admitam recurso ordinário».
1.3. «Assim, o sentido do fundamento é obscuro: Não era definitivo significa que admite recurso ordinário-» «É o que, com a devida vénia se pede seja esclarecido».
2. O artigo 70.°, n.° 2, da LTC, estatui: «Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência». Assim,
a) verifica-se que a letra da lei refere decisões que não admitam recurso ordinário.
b) verifica-se que a letra da lei não refere «decisão definitiva»;
c) o conceito de «decisão definitiva» tem várias interpretações possíveis;
d) sendo o acórdão n.° 286/2009 passível de reclamação ao abrigo do disposto nos artigos 668.°, n.° 1, e 669.°, n.º 1 e 2, do CPC, o Reclamante tem o direito de conhecer o exacto sentido com que nele foi utilizado o conceito de «decisão definitiva» com referência ao disposto no artigo 70.°, n.° 2, da LTC, para poder compreender o teor do mesmo acórdão e o seu sentido jurídico.
3. O direito de conhecer o exacto sentido do conceito de «decisão definitiva» utilizado no acórdão n.° 286/2009, e o do próprio acórdão – que dele depende – é conferido pelos artigos 669.°, n.° 1, alínea a), do CPC, e 20.°, n.° 1, da Constituição; a tal direito corresponde a obrigação estatuída nos artigos 156.°, n.° 1, 660.°, n.° 2, e 666.°, n.° 2, do CPC, e 202.°, n.° 2, e 203.° da Constituição. Sendo que, ao direito conferido pelo artigo 20.°, n.° 1, da Constituição, se aplica o disposto no seu artigo 18°, n.° 1.
4. O acórdão n.° 88/2010 deixou de pronunciar-se sobre a questão efectivamente posta no requerimento de 22.06.2009, como é notório.
• Pelo que, ele enferma da nulidade da primeira parte da alínea d) do n.° 1 do artigo 668.° do CPC.
5. O acórdão n.° 88/2010 diz: «Ao contrário do que é afirmado pelo requerente, não se vislumbra, na fundamentação do acórdão, obscuridade que careça de esclarecimento». Este texto nega uma pretensa alegação do requerente de que o Tribunal «vislumbra» obscuridade. Ora, o requerente não fez tal alegação. Pelo que, dela não podia o Tribunal curar.
• Assim, ele enferma da nulidade da segunda parte da alínea d) do n.° 1 do artigo 668°, do CPC.
6. O acórdão n.° 88/20 10, ao invocar que não «vislumbra» coloca questão de natureza pessoal dos seus subscritores: limitação objectiva ou subjectiva do julgador. É, porém, óbvio que o dever legal e constitucional de fundamentar as decisões quer judiciais quer administrativas se reporta à substanciação dos fundamentos de facto e de direito da decisão – não de razões inerentes às capacidades do julgador para verificar as razões de facto e de direito da decisão.
A violação do dever legal e constitucional de fundamentação objectiva das decisões, é cominada de nulidade pelo artigo 668°, n.° 1, alínea b), do CPC.
• Pelo que, o acórdão n.° 88/2010 é nulo por cominação do artigo 668.°, n.° 1, alínea b), do CPC.
II – VIOLAÇÃO DAS GARANTIAS DOS ARTIGOS 18.°, N.° 2,
E 205.°, N.° 1, DA CONSTITUIÇÃO
7. A nulidade do acórdão n.° 88/2010 implica a nulidade da respectiva decisão sobre custas, ex vi o disposto no artigo 201.°, n.° 2, do CPC. Mas, ainda que assim não fosse – como inquestionavelmente é, e, com a devida vénia, aqui se reitera – a decisão sobre custas é inválida por cominação do artigo 3°, n.° 3, da Constituição, por consubstanciar acto desconforme com a Constituição, violador dos direitos fundamentais do requerente. Com efeito,
a) o acórdão n.° 286/2009 tem oito (8) páginas de texto e vinte e seis (26) linhas de apreciação e decisão, tendo dado lugar a condenação em custas no valor de 20 UC;
b) o acórdão n.° 88/2010 tem duas (2) páginas de texto, e quatro (4) linhas incompletas de “apreciação e decisão»;
• pelo que, este último viola ostensivamente o princípio constitucional da proporcionalidade consignado nos artigos 18.°, n.° 1, e 266.°, n.° 2, da Constituição.
8. Acresce que a decisão sobre custas consubstancia, manifestamente, uma sanção aplicada ao requerente, sem fundamentação de facto e de direito, visando demovê-lo de exercer os seus direitos processuais consignados nos artigos 668.°, n.° 1, e 669.°, n.° 2, do CPC, relativamente aos vícios de que enferma o acórdão n.° 286/2009. Com efeito, tal condenação consubstancia uma penalização, por o requerente haver exercido um direito expressamente consagrado na lei em concretização da garantia constitucional de acesso ao direito, e, em especial, o de acesso ao direito consignado no artigo 280°, n.° 1, alínea b), da Constituição.
• Pelo que, sendo inválida a condenação em 20 UC, pelo acórdão n.° 88/20 10, este não pode deixar de ser reformado ao abrigo do disposto no artigo 669.°, n.° 1, alínea b), do CPC.
III – NULIDADE E ERRO DE JULGAMENTO DO ACÓRDÃO N.° 286/2009
9. Por força do disposto no artigo 670.°, n.° 3, do CPC, o momento processual adequado à arguição de nulidades, e de pedido de reforma das decisões, só ocorre após a notificação da decisão proferida sobre pedidos de rectificação e de aclaração das mesmas. Assim, exercido o direito consagrado no artigo 669.°, n.° 1, alínea a), relativamente ao acórdão n.° 286/2009, cumpre, agora, ao Reclamante, arguir nulidades e pedir a reforma deste ao abrigo do disposto nos artigos 668.°, n.° 1, e 669.°, n.° 2, alíneas a) e b), do CPC – o que faz nos termos infra.
10. Diz o acórdão n.° 286/2010: «Não faz qualquer sentido a invocação pelo reclamante da questão de constitucionalidade referida ao artigo 77.°, n.° 2, da Lei do Tribunal Constitucional» ... Ora, foi graças à invocação da inconstitucionalidade do disposto no artigo 77.°, n.° 2, da LTC, com o sentido de que, havendo parecer do representante do Ministério Público, ao cumprir-se o nele disposto, o “parecer” tinha de ser-lhe previamente notificado para poder responder, que a Exma. Relatora proferiu o despacho de 03.04.2009, e este foi objecto de notificação por ofício de 17.04.2009. Com efeito, noutro processo, o mesmo representante emitira “parecer” contrário ao Reclamante e não lhe fora dada a oportunidade de responder, apesar de ser evidente que o “visto” previsto no artigo 77.°, n.° 2, da LTC, não autoriza a emissão de “parecer”, e de ser óbvio que a intervenção desfavorável de um terceiro relativamente à relação processual em causa, não pode deixar de ser previamente notificada ao prejudicado.
• Pelo que, o acórdão n.° 286/2009 não pode deixar de ser reformado ao abrigo do disposto no artigo 669.°, n.° 2, alínea b), do CPC, no sentido de se considerar legal, constitucional legítima e pertinente a suscita ção da referida inconstitucionalidade normativa, para efeito do disposto no artigo 72.°, n.° 2, da LTC.
11. Diz o acórdão n.° 286/2009: “nem a impugnação do parecer emitido pelo Representante do MINISTÉRIO PÚBLICO no Tribunal Constitucional a fls. 1997-verso e 1998 dos autos”. Ora, o próprio facto de a Exma. Relatora ter proferido o seu despacho de 03.04.2009, contradiz a apreciação feita da impugnação objecto do requerimento de 28.04.2009 (data do registo postal). Por certo que a notificação ordenada visava assegurar o exercício do direito fundamental ao contraditório plasmado nos artigos 2.° e 20.°, n.° 4, da Constituição.
• Pelo que, o acórdão n.° 286/2009 não pode deixar de ser reformado ao abrigo do disposto no artigo 669.°, n.° 2, alínea b), do CPC, no sentido de considerar legal, constitucional legítima e pertinente a impugnação do “parecer” de fls. 1997-verso e 1998 dos autos.
12. Diz o acórdão n.° 286/2009: «a presente reclamação visa, tão-somente, a apreciação dos requisitos e pressupostos de admissibilidade e conhecimento do recurso de constitucionalidade apresentado perante o Supremo Tribunal de Justiça». Ora, o objecto primeiro da reclamação dos artigos 76.°, n.° 4, e 77.°, n.° 1, da LTC, é a decisão impugnada. Com efeito,
a) nos termos da lei, a reclamação daqueles preceitos legais é um verdadeiro recurso (cf. artigo 70°, n.° 3, da LTC);
b) segundo a doutrina, só a reclamação para o autor da decisão impugnada, não é recurso: a “reclamação”, por exemplo, dos artigos 688.°, n.° 1, do CPC, 405°, n.° 1, do CPP, e 76.°, n.° 2, da LTC, é um verdadeiro recurso;
c) assim, a decisão impugnada mediante pedido da sua reapreciação por uma entidade diferente do seu autor, bem pode designar-se, indistintamente, de “decisão reclamada” ou de “decisão recorrida”;
d) e a verificação dos requisitos e pressupostos da admissão de recurso, inicia-se pela reapreciação dos termos e fundamentos por que o requerimento de interposição do recurso foi indeferido pela decisão reclamada;
e) a lei não permite substituir a reapreciação por mera “apreciação” como se o requerimento de interposição do recurso fosse apresentado no Tribunal ad quem e sem intervenção do Tribunal a quo.
• Pelo que, o acórdão n.° 286/2009 não pode deixar de ser reformado ao abrigo do disposto no artigo 669.°, n.° 2, alíneas a) e b), do CPC, considerando que o primeiro objecto da reclamação é a decisão reclamada nos seus concretos termos, e que o “parecer” do representante do Ministério Público com o sentido de adesão às razões invocadas no despacho reclamado, notificado ao reclamante para o contraditório legal e constitucionalmente imposto, e a resposta a esse “parecer” também constituem objecto do processo da reclamação.
13. Estribando-se nos supra impugnados sentidos da sua fundamentação, o acórdão n.° 286/2009 deixou de, contra o disposto na lei, pronunciar-se sobre:
a) os concretos termos e fundamentos da decisão reclamada,
b) os termos da adesão do representante do Ministério Público no seu “parecer” de fls. 1997-verso e 1998 – embora deles se tenha servido,
c) os termos e fundamentos da impugnação desse “parecer”, feita por requerimento de 28.04.2009.
• Pelo que, o acórdão n.° 286/2009 padece da nulidade do artigo 6680, n.° 1, primeiro segmento, do CPC, que não pode deixar de ser agora declarada, com os devidos efeitos legais (cf. artigo 20 1°, n.° 2, do CPC).
14. Os concretos termos e fundamentos da decisão de não admissão do recurso interposto por requerimento de 7.1.2009, parte VIII, n.°s 20, 21 e 22, a fls. 1964 e 1965, dos acórdãos de 24.9.2008 e 10.12.2008, impugnados na Reclamação, são:
a) «o acórdão de fls. 1926-1946» – que é o de 10.12.2008 – «foi notificado aos mandatários das partes, por serviço postal registado, em 11 de Dezembro de 2008, quinta-feira (fls. 1948), sendo que, nos termos do n.° 3 do artigo 254° do Código de Processo Civil, aplicável por força da alínea a) do n.º 2 do artigo 1º do Código de Processo do Trabalho, coincidindo o terceiro dia posterior ao do registo com um domingo, presume-se feita a notificação, em 15 de Dezembro de 2008; portanto, tendo decorrido férias judiciais entre 22 de Dezembro de 2008 e 3 de Janeiro de 2009, o prazo de 10 dias para a respectiva impugnação terminava em 7 de Janeiro de 2009, pelo que, somente em 8 de Janeiro seguinte, se tornou definitiva «a decisão que não admite recurso”;
b) «Todavia o autor interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, em 7 de Janeiro de 2009, ou seja, antes do trânsito em julgado do acórdão de fls. 1926-1946, pelo que, tendo sido interposto fora do prazo previsto no n.° 2 do artigo 75.° citado, indefere-se o requerimento de interposição do recurso (artigo 76° da Lei n.° 28/82)».
15. Foi a estes termos e fundamentos que o representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional, deu a sua adesão. Mas, ao fazê-lo, fez também outras considerações manifestamente erróneas do ponto de vista factual e jurídico. E é no “parecer” do dito representante que se fundamenta o acórdão n.° 286/2009, como se pode ver no respectivo n.° 3, omitindo pronúncia sobre a insólita decisão acima reproduzida, de indeferir o requerimento de interposição do recurso com o fundamento único e exclusivo – e nunca ouvido em parte alguma – de que tal requerimento só podia ser apresentado depois do trânsito em julgado (!) do acórdão recorrido de 10.12.2008, a fls. 1926 a 1946. Com a devida vénia, repete-se e enfatiza-se:
a) o único e exclusivo fundamento da decisão de não admissão do recurso, é o facto de o respectivo requerimento ter sido apresentado antes do trânsito em julgado das decisões recorridas;
b) nela não foi invocado, designadamente, a apresentação desse requerimento «a par com a apresentação de dois requerimentos que consubstanciam incidentes pós-decisórios»;
c) nem esses erroneamente designados requerimentos pós decisórios existem!
d) nem os requerimentos apresentados em 7 de Janeiro, a fls. 1949, alíneas a) e b) têm alguma incidência sobre a matéria do recurso de constitucionalidade, ou constituem questão nova!
e) basta ver o elenco das normas que são objecto do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional para se perceber que a “queixa” dirigida ao Exmo. Presidente do STJ, e a denúncia crime apresentada para efeito do disposto nos artigos 242.°, n.° 1, alínea b), e 245.° do Código de Processo Penal, não afectam a admissão do recurso para o Tribunal Constitucional!
• O acórdão n.° 286/2009 deixou, pois, de pronunciar-se sobre todas as questões efectivamente postas na Reclamação, e conheceu de questões inexistentes;
• Pelo que, enferma dos vícios da alínea d) do n.° 1 do artigo 668° do CPC, e, como tal, não pode deixar de ser, agora, declarado, para os devidos efeitos legais, designadamente para efeito do disposto no artigo 201°, n.° 2, do CPC, e o deferimento da Reclamação.
16. Diz o acórdão n.° 286/2009: «no momento da sua interposição, a decisão de fls. 1926 e segs. ainda não era definitiva na óptica do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 70.° da Lei do Tribunal Constitucional, por ainda não ter sido proferida a última palavra dentro da ordem judicial de que emergiu o recurso». Ora,
a) o disposto no n.° 3 do artigo 70.° da LTC, é manifestamente inaplicável ao caso;
b) a óptica do disposto no n.° 2 do artigo 70.° da LTC, é a de que os recursos previstos na alínea b) do número anterior – como é o caso – apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário – como é, também manifestamente, o caso ... e todos os magistrados judiciais o sabem;
c) não se encontravam pendentes de apreciação requerimentos dos artigos 667.°, n.° 1, 668.°, n.° 1, e 669.°, n. 1 e 2, do CPC;
d) o pedido de esclarecimento sobre o conceito de “decisão definitiva” (-) utilizado no acórdão n.° 286/2009, foi recusado pelo acórdão n.° 88/20 10;
e) a própria decisão de indeferimento do recurso declara que já tinha sido proferida a última palavra dentro da ordem judicial de que emergiu o recurso ... só que faltava-lhe um dia para transitar em julgado (!) e, segundo ela, o recurso só podia ser interposto depois de ... já não haver direito ao recurso (!).
• Pelo que, o acórdão n.° 286/2009 não pode deixar de ser reformado ao abrigo do disposto no artigo 669.°, n.° 1, alíneas a) e b), do CPC, no sentido de ser ordenada a admissão do recurso interposto um dia antes do trânsito em julgado dos acórdãos recorridos.
17. Diz o acórdão n.° 286/2009: «Tal circunstância não precludia ao recorrente a possibilidade de renovar o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade num momento em que se tivesse tomado definitiva a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, o que ocorreu com o despacho de fls. 1971 e segs.». Ora,
a) o despacho de fls. 1971 e segs. é o que indefere o requerimento de interposição do recurso (cf. fls. 1973) e tem data de 20.01.2009;
b) em 20.01.2009, se o Recorrente não tivesse apresentado requerimento em 07.01.2009, já teria ocorrido o trânsito em julgado dos acórdãos recorridos, desde 08.01.2009, segundo o próprio despacho invocado;
c) assim, o acórdão n.° 286/2009 também entende que o recurso de constitucionalidade só pode ser interposto depois do trânsito em julgado das decisões em que foram aplicadas as normas arguidas de inconstitucionalidade, por só então se ter «tomado definitiva a decisão do Supremo Tribunal de Justiça».
• Pelo que, o acórdão 286/2009 ao desaplicar a norma do artigo 75°, n.° 1, da LTC, incorre em lapso manifesto do artigo 669.°, n.° 2, alínea a), do CPC, e, como tal, não pode deixar de ser reformado no sentido de reconhecer que o recurso foi interposto dentro do respectivo prazo legal.
18. Diz o acórdão n.° 286/2009: «pelo que há que confirmar o despacho reclamado». Ora, recorda-se, o despacho reclamado é de indeferimento do requerimento de interposição do recurso, com o único e exclusivo fundamento de que para ser deferido era necessário deixar transitar em julgado os acórdãos recorridos, fazendo aplicação de norma extraída do artigo 75.°, n.° 2, da LTC. Esta decisão do acórdão n.° 286/2009, é subsumível ao disposto no artigo 669°, n.° 2, alínea a), do CPC.
• Pelo que, o acórdão n.° 286/2009 não pode deixar de ser reformado no sentido de declarar ilegal a decisão de 20.1.2009, exarada a fls. 1793, por violar o disposto no artigo 75.°, n.° 1, da LTC, e haver feito aplicação da norma do n.° 2 do mesmo artigo, e, em conformidade, ordenar seja admitido o recurso ilicitamente indeferido.
19. Com a declaração de nulidade do acórdão n.° 286/2009, e com a reforma das respectivas decisões, não pode deixar de revogar-se a correspondente condenação em custas.
Da arguição de nulidade do acórdão n.º 88/2010
5. Afirma o reclamante que o acórdão n.º 88/2010 deixou de pronunciar-se sobre a questão efectivamente posta no requerimento de fls. 2020, pelo que o mesmo enfermaria da nulidade prevista na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil (CPC).
Além disso, no entender do reclamante, ao responder como respondeu, o Tribunal conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, por não ter sido essa a questão suscitada, enfermando, assim, o referido acórdão da nulidade prevista na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.
Não tem razão o reclamante.
Nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, «é nula a sentença […] quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Face ao requerimento apresentando, a única questão que o requerente pretendia ver apreciada relacionava-se com a alegada obscuridade do acórdão n.º 286/2009, mais precisamente, com o exacto sentido do conceito de «decisão definitiva» nele contida.
Foi em resposta a esse requerimento que o Tribunal proferiu o acórdão n.º 88/2010.
Nele decidiu o Tribunal indeferir o requerimento apresentado, com o fundamento de se não vislumbrar, na fundamentação do acórdão, obscuridade que carecesse de esclarecimento.
Perante a correspondência entre a única questão suscitada e aquela a que o Tribunal efectivamente respondeu, inexiste omissão de pronúncia.
Também não assiste razão ao reclamante, quando este afirma que o acórdão reclamado padece da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, «é nula a sentença […] quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
O Tribunal não se limitou, sem mais, a indeferir o requerimento.
O Tribunal enunciou qual o fundamento em que baseou a sua decisão de indeferimento, especificando que a mesma se devia à circunstância de se não vislumbrar, na fundamentação do acórdão, obscuridade que carecesse de esclarecimento.
Por aí se vê como o acórdão reclamado não padece da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.
Do pedido de reforma quanto a custas
6. O reclamante veio ainda requerer, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 669.º do CPC, a reforma do acórdão n.º 88/2010 quanto a custas.
Entende o reclamante que a decisão de condenação em 20 UC viola ostensivamente o princípio constitucional da proporcionalidade, consignado nos artigos 18.º, n.º 2 [por lapso, escreveu-se 18.º, n.º 1] e 266.º, n.º 2 da Constituição.
Não tem razão o reclamante.
Desde logo, não se vê como é que as normas constitucionais indicadas pelo recorrente são sequer susceptíveis de serem violadas por uma decisão judicial de condenação em custas.
O artigo 18.º n.º 2 da Constituição, sendo certo que consagra o princípio da proporcionalidade, fá-lo a propósito da restrição, pelo legislador, de direitos, liberdades e garantias. Dele decorre uma vinculação ao princípio da proporcionalidade do legislador ordinário na emanação de normas.
Dado dirigir-se ao legislador ordinário e ter como objecto uma norma jurídica, ele não serve de parâmetro idóneo de controlo para efeitos de apreciação da conformidade com a Constituição de uma decisão judicial em si mesma considerada.
Também o preceito do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição é inidóneo para efeitos de apreciação da conformidade com a Constituição de uma decisão judicial, uma vez que o mesmo apenas se dirige à Administração Pública e à actividade administrativa, não aos tribunais e à actividade jurisdicional.
Em qualquer caso, sempre se dirá que, atendendo a que, nos termos do disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 91/2008, de 2 de Junho, a taxa de justiça aplicável tem como limite mínimo 5 UC e como limite máximo 50 UC, a fixação da taxa de justiça, no caso dos autos, em 20 UC, i. é em menos de metade do limite máximo legalmente admitido, não se afigura de todo em todo excessiva.
Da arguição de nulidade do acórdão n.º 286/2009
7. Vem o reclamante arguir a nulidade do acórdão n.º 286/2009.
Entende o reclamante que o acórdão n.º 286/2009 padece da nulidade prevista na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, por se ter deixado de pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
Além disso, no entender do reclamante, o Tribunal conheceu de questões inexistentes, enfermando, assim, o referido acórdão da nulidade prevista na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.
Não tem razão o reclamante.
O acórdão n.º 286/2009 foi proferido no âmbito de uma reclamação de despacho que indeferiu a admissão do recurso para o Tribunal Constitucional (artigo 77.º da Lei do Tribunal Constitucional) cujo objecto é apenas a apreciação dos pressupostos processuais do recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente, ora reclamante.
Sendo esse o único objecto da reclamação, o Tribunal Constitucional não apreciou, nem tinha de apreciar, qualquer outra questão que o reclamante, por qualquer razão, tenha entendido suscitar, designadamente a questão de constitucionalidade referida ao artigo 77.º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional ou a impugnação do parecer emitido pelo Representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional.
A única questão apreciada – a única que cabia ao Tribunal apreciar – foi a verificação dos pressupostos processuais para efeitos de admissão do presente recurso de constitucionalidade.
Assim, improcede a arguição de nulidade do acórdão n.º 286/2009 por omissão de pronúncia.
Improcede igualmente a arguição de nulidade do referido aresto por excesso de pronúncia.
Todas as considerações que o reclamante, na reclamação apresentada, vem fazer a propósito da fundamentação oferecida no acórdão cuja nulidade argúi relativamente à não-verificação dos pressupostos de conhecimento do recurso de constitucionalidade são afirmações que pretendem pôr em causa a bondade ou a correcção jurídica dos fundamentos e da decisão a que o Tribunal chegou quanto à verificação desses pressupostos.
Ainda que o reclamante discorde da relevância que o Tribunal tenha dado a um ou outro elemento constante dos autos, é manifesto que tal matéria integra o objecto da questão que o Tribunal Constitucional tinha que apreciar para poder responder à reclamação apresentada – a verificação dos pressupostos processuais do recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente, ora reclamante.
Do pedido de reforma do acórdão n.º 286/2009
9. Vem o reclamante pedir a reforma do acórdão n.º 286/2009 ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 669.º do CPC.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 669.º do CPC, «é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando […] tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos».
Já nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 669.º do CPC, «é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando […] constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração».
A pretexto da ocorrência de lapso manifesto do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos (artigo 669.º, n.º 2, alínea a)) ou da existência de documentos ou elementos que, só por si, implicariam necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração (artigo 669.º, n.º 2, alínea b)), o que o reclamante pretende é, pura e simplesmente, a reapreciação da decisão a que se chegou no acórdão n.º 286/2009, quer na parte respeitante ao não conhecimento da questão de constitucionalidade referida ao artigo 77.º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional; quer na parte em que nele se decidiu não conhecer da impugnação do parecer do Representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional; quer, por último, no que respeita à extemporaneidade da interposição do recurso de constitucionalidade.
Simplesmente, o poder jurisdicional do Tribunal relativamente a essa matéria esgotou-se com a prolação do acórdão n.º 286/2009, não lhe sendo já possível tomar posição sobre a mesma.
Assim, indefere-se o pedido de reforma do acórdão n.º 286/2009.
Do pedido de revogação da condenação em custas
10. Face à requerida declaração de nulidade do acórdão n.º 286/2009 e reforma das respectivas decisões, vem ainda o reclamante requerer a revogação da sua condenação em custas pelo acórdão n.º 286/2009.
Simplesmente, decorre dos próprios termos desse pedido, tal como feito pelo reclamante, ao relacionar tal pedido com a declaração de nulidade do acórdão n.º 286/2009 e reforma das respectivas decisões, que a apreciação do mesmo fica irremediavelmente prejudicada a partir do momento em que se indeferiram todos os pedidos de arguição de nulidade e de reforma do acórdão n.º 286/2009.
Assim, decide-se não tomar conhecimento do pedido de revogação da condenação em custas.
11. Nestes termos, acordam em:
a) indeferir a arguição de nulidade do acórdão n.º 88/2010;
b) indeferir o pedido de reforma do acórdão n.º 88/2010 quanto a custas;
c) indeferir a arguição de nulidade do acórdão n.º 286/2009;
d) indeferir o pedido de reforma do acórdão n.º 286/2009;
e) não tomar conhecimento do pedido de revogação da condenação do reclamante em custas.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 6 de Outubro de 2010.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Rui Manuel Moura Ramos.