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Processo n.º 697/10
Plenário
ACTA
Aos dezanove dias do mês de Outubro do ano de 2010, achando-se presentes o Conselheiro Presidente Rui Manuel Gens de Moura Ramos e os Conselheiros Maria João da Silva Baila Madeira Antunes, João Eduardo Cura Mariano Esteves, Joaquim José Coelho de Sousa Ribeiro, Vítor Manuel Gonçalves Gomes, Ana Maria Guerra Martins, José Manuel Cardoso Borges Soeiro, Gil Manuel Gonçalves Gomes Galvão, Maria Lúcia Amaral, Catarina Teresa Rola Sarmento e Castro e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, foram trazidos à conferência os presentes autos, para apreciação.
Após debate e votação, foi ditado pelo Excelentíssimo Conselheiro Presidente o seguinte:
Acórdão n.º 394/2010
I – Relatório
1. O Presidente da Assembleia Municipal de Santa Cruz da Graciosa submeteu ao Tribunal Constitucional, para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade, ao abrigo do disposto no artigo 25.º da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de Agosto (LORL), a deliberação de realização de um referendo local, tomada na sessão ordinária dessa Assembleia Municipal de 29 de Setembro de 2010.
2. O requerimento, que foi apresentado no Tribunal Constitucional no dia 13 de Outubro de 2010, vem instruído, na parte relevante, com cópia: do projecto de deliberação sobre a realização do referendo, apresentado pelo grupo municipal do Partido Social Democrata na Assembleia Municipal de Santa Cruz da Graciosa; da minuta da acta da reunião da mesma Assembleia Municipal, realizada a 29 de Setembro de 2010, que aprovou tal projecto; do edital que convocou a referida sessão ordinária da Assembleia Municipal, bem como daquele que publicitou a aludida minuta; e de declarações de voto produzidas na mesma sessão da Assembleia Municipal.
II – Fundamentação
3. Resulta dos documentos juntos aos autos o seguinte:
a) O grupo de deputados municipais do Partido Social Democrata na Assembleia Municipal de Santa Cruz da Graciosa apresentou um projecto de deliberação, datado de 06 de Setembro de 2010, tendo em vista a realização de um referendo municipal sobre a eventual demolição do actual Coreto da Praça Fontes Pereira de Melo, em Santa Cruz da Graciosa.
b) O referido projecto de deliberação prevê que os cidadãos eleitores recenseados no concelho de Santa Cruz da Graciosa sejam chamados a pronunciar-se, através de referendo, sobre a seguinte pergunta: “Concorda com a demolição do Coreto da Praça Fontes Pereira de Melo, em Santa Cruz da Graciosa-
Sim ( )
Não ( )”.
c) Na sua reunião ordinária de 29 de Setembro de 2010, a Assembleia Municipal de Santa Cruz da Graciosa pronunciou-se sobre o referido projecto de deliberação, aprovando por maioria a realização de um referendo local sobre a eventual demolição do Coreto existente na Praça Fontes Pereira de Melo, em Santa Cruz da Graciosa.
d) Tal sessão foi convocada através de edital de 20 de Setembro de 2010.
4. Compete ao Tribunal Constitucional, em fiscalização preventiva obrigatória, verificar a constitucionalidade e a legalidade do referendo, incluindo a apreciação dos requisitos relativos ao respectivo universo eleitoral, bem como ao âmbito material e limites temporais do referendo, e à validade das perguntas que nele se pretenda formular (cfr. artigos 223.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, artigos 11.º e 105.º da Lei do Tribunal Constitucional, e artigos 25.º e seguintes da Lei Orgânica do Referendo Local).
O requerente tem legitimidade para o pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade e legalidade do referendo local na qualidade de Presidente do órgão da autarquia que deliberou a sua realização (artigo 25.º da LORL).
A deliberação foi tomada em 29 de Setembro e o requerimento, remetido sob registo do correio em 07 de Outubro, só deu entrada no Tribunal Constitucional em 13 de Outubro de 2010. Porém, conforme afirmado já por este Tribunal (Acórdão n.º 359/2006), o facto de o pedido não ter sido recebido no Tribunal dentro do prazo estabelecido pelo artigo 25.º da LORL não suscita qualquer questão processualmente relevante, uma vez que o n.º 6 do artigo 28.º da mesma Lei expressamente dispõe que o incumprimento de tal prazo não prejudica a admissibilidade do requerimento.
O pedido não vem instruído com cópia da acta da sessão em que foi adoptada a deliberação, como prevê o artigo 28.º, n.º 1, da LORL, mas apenas com uma minuta dessa mesma acta, de cujo teor consta a aprovação do projecto de deliberação apresentado pelo grupo de deputados municipais respeitante à realização do referendo.
Segundo alegado pelo requerente, a impossibilidade de instruir o pedido com cópia da acta prende-se com a circunstância de a Assembleia Municipal ter por norma aprovar a acta referente aos seus trabalhos apenas na sessão subsequente de acordo com a previsão constante dos n.ºs 1 e 3 do art. 92.º da Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro.
Conforme já afirmado por este Tribunal (Acórdão n.º 100/2009), a prova documental que assim é efectuada, relativamente à deliberação de realização do referendo, apesar de não corresponder, em rigor, à exigência constante do citado artigo 28.º, n.º 1, da LORL, que impõe que o pedido seja «acompanhado do texto da deliberação e de cópia da acta da sessão em que tiver sido tomada», não deixa de fazer prova plena dos factos que se refere terem sido praticados, assumindo um valor certificativo equivalente ao que poderia resultar do registo lavrado em acta.
Acresce que o artigo 92.º, n.º 3, da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, admite expressamente que as actas ou o texto das deliberações mais importantes possam ser aprovadas em minuta, no final das reuniões, formalidade esta que, de acordo com o disposto no n.º 4 do referido artigo 92.º, confere aos actos em tais termos documentados uma imediata eficácia externa.
A conjugação do disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 92.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, com a norma constante do n.º 1 do art. 28.º, da LORL, conduz, assim, a que esta deva ser extensivamente interpretada no sentido de se considerar que a «acta da sessão» aqui referida possa ser a minuta da acta elaborada nos termos daquelas disposições.
Nada obsta, portanto, a que se considere o requerimento regularmente instruído.
5. O referendo local pode resultar de iniciativa representativa (artigo 10.º, n.º 1, da LORL) ou de iniciativa popular (artigo 10.º, n.º 2, da LORL).
No caso presente, a iniciativa referendária foi protagonizada por membros do órgão com competência para decidir sobre a realização de referendo municipal, não sendo exigido um número mínimo de subscritores quando a iniciativa referendária seja de membros da respectiva assembleia municipal (artigo 23.º da LORL e alínea g) do n.º 1 do artigo 53.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro].
O grupo de deputados municipais proponentes apresentou o projecto de deliberação exigido pelo art.11.º da LORL, tendo a deliberação da realização do referendo sido tomada pela Assembleia Municipal no prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 24.º do mesmo diploma legal e com a maioria dos votos exigida pelo respectivo n.º 5.
Do ponto de vista do quorum de deliberação não se suscita qualquer dúvida, uma vez que estiveram presentes e intervieram na votação os quinze membros directamente eleitos que integram a Assembleia Municipal de Santa Cruz da Graciosa, conforme se retira do mapa oficial n.º 1-A/2010 com o resultado das eleições para os órgãos das autarquias locais de 11 de Outubro de 2009, publicado no Diário da República, I Série, Suplemento, de 11 de Março de 2010.
Concluindo-se, assim, pela inexistência de irregularidades formais ou de procedimento de que cumpra conhecer, passar-se-á à apreciação dos demais aspectos que possam contender com a constitucionalidade e legalidade do referendo em perspectiva.
6. No âmbito da apreciação dos requisitos materiais do referendo, uma questão que cabe preliminarmente apreciar diz respeito aos limites temporais dentro dos quais podem ser praticados os actos relativos à convocação e à realização do referendo.
Segundo o disposto no artigo 8.º da LORL, «[n]ão pode ser praticado nenhum acto relativo à convocação ou à realização de referendo entre a data de convocação e a de realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, eleições do governo próprio das Regiões Autónomas e do poder local, dos deputados ao Parlamento Europeu, bem como de referendo regional autonómico ou nacional».
Através do Decreto do Presidente da República n.º 99/2010, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 14 de Outubro de 2010, foi fixado o dia 23 de Janeiro de 2011 para a eleição do Presidente da República.
Assim, de acordo com disposto no artigo 8º da LORL, nenhum acto relativo à convocação ou à realização do referendo em perspectiva poderá ser praticado até ao dia 23 de Janeiro de 2011.
Sucede que o processo relativo à convocação e à realização do referendo local se encontra, ele próprio, sujeito a diversos trâmites e prazos procedimentais.
Segundo o disposto no art. 26º da LORL, o Tribunal Constitucional procede à verificação da constitucionalidade e da legalidade do referendo no prazo máximo de 25 dias a contar da data da apresentação do pedido.
Proferida a decisão, o Presidente do Tribunal Constitucional manda notificar imediatamente o presidente do órgão autor da deliberação de referendo (artigo 31º). E se não houver obstáculo à sua realização, o presidente da assembleia municipal que o tiver deliberado notificará, no prazo de dois dias, o presidente do órgão executivo da respectiva autarquia para, nos cinco dias subsequentes, marcar a data do referendo (artigo 32.º).
Considerando o cômputo da totalidade dos prazos aplicáveis, correspondentes a cada uma das fases do procedimento, verifica-se, desde logo, que, mesmo na hipótese de todas as entidades envolvidas virem a esgotar os prazos legalmente previstos para a prática dos actos que se lhes encontram atribuídos, a convocação do referendo nunca poderia vir a ter lugar fora do período compreendido entre a data de convocação e a de realização da eleição para Presidente da República, ou seja, depois de 23 de Janeiro de 2010.
Assim sendo, por força das regras procedimentais aplicáveis, a convocação do referendo municipal teria forçosamente lugar em momento situado no período compreendido entre a data de convocação e a de realização da eleição para Presidente da República, o que, perante o disposto no art. 8º da LORL, inviabiliza juridicamente a possibilidade da sua realização.
Verifica-se, deste modo, que o referendo municipal intentado realizar nunca poderia efectuar-se sem violação dos limites temporais estabelecidos no referido artigo 8.º da Lei Orgânica n.º 4/2000, pelo que, mostrando-se a sua realização ilegal, se justifica a não admissão do pedido, de acordo com o artigo 28.º, nº 5, alínea a), da LORL.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se não admitir o pedido.
Maria João Antunes
João Cura Mariano
Joaquim de Sousa Ribeiro
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Maria Lúcia Amaral
Catarina Sarmento e Castro
Carlos Fernandes Cadilha
Rui Manuel Moura Ramos