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Processo nº 718/92.
2ª Secção. Relator: Consº Bravo Serra
(Consº GUILHERME DA FONSECA).
I
1. A. foi, por acórdão proferido em 27 de Janeiro de
1992 pelo tribunal colectivo do Tribunal de Círculo de Alcobaça, condenado, como autor de um ilícito de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 23º, nº 1, e 27º, alíneas c) e g), do Decreto-Lei nº 430/ /83, de
13 de Dezembro, na pena de 8 anos de prisão e 400 000$00 de multa, e acessoriamente, na pena de demissão da função pública.
Não se conformando com tal condenação, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, defendendo na respectiva motivação, de entre o mais, serem inconstitucionais as normas constantes dos artigos 410º, nº 2, e
433º do Código de Processo Penal.
Aquele Alto Tribunal, por acórdão de 9 de Julho do dito ano, veio a negar provimento ao recurso, o que consequenciou que o A. recorresse para o Tribunal Constitucional dizendo, no respectivo requerimento de interposição, que pretendia que fosse 'apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 410-2 e 433 do Cód. Proc. Penal que violam o princípio do Duplo Grau de Jurisdição de Facto consagrado nos artigos 32 da Constituição da República Portuguesa, artigo 14-5 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Protocolo n. 7 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem'.
2. Na alegação que aqui produziu, conclui do seguinte modo:
'1. Da protecção jurídica às garantias de defesa prevista no art. 32 da Constituição da República Portuguesa decorre a consagração constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição, sendo certo que o actual sistema de recursos viola tal princípio.
2. No âmbito do Conselho da Europa, face à lacuna da Convenção Europeia dos Direitos do Homem na consagração do princípio do duplo grau de jurisdição de facto foi elaborado o Protocolo nº 7 que visa acolher uma norma similar à do art. 14-5 do Pacto Internacional sobre Direitos Cívicos e Políticos e determinar a realização de um segundo julgamento de facto no Tribunal Superior àquele que proferiu a decisão de culpabilidade.
3. O Tribunal Constitucional veio reconhecer, entre outras decisões, pelo Acórdão nº 219/90 que está constitucionalmente imposto um duplo grau de jurisdição de facto.
4. Só o funcionamento de uma segunda instância de facto pode garantir a suficiência do presente recurso tal como decorre do disposto em várias convenções e cartas internacionais que os países civilizados têm vindo a adoptar em ordem e permitir uma justiça eficaz e que respeite a dignidade humana.
5. Nestes termos a não realização de um julgamento de facto e de direito por parte do Supremo Tribunal de Justiça relativamente a todos os elementos de prova constantes do processo e sua revaloração em II Instância de facto constitui uma violação do mencionado princípio do duplo grau de jurisdição de facto
6. O artigo 410-2 do actual C.P.P. ao limitar a reapreciação da decisão condenatória ao próprio texto da decisão recorrida - sem a conjugar com quaisquer outros elementos processuais e nomeadamente com a reinquirição de testemunhas e reinterrogatório de arguidos - é manifestamente inconstitucional pois que viola os artigos 32 da Constituição da República, artigo 14-5 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos o Protocolo n. 7 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, acima de tudo, o respeito pela dignidade humana do arguido, base fundamental de qualquer Estado Democrático e livre.
7. O artigo 433 do C.P.P. ao apontar no sentido de que o recurso visa exclusivamente o reexame da matéria de direito impede o S.T.J. de reapreciar de facto, pelo que viola igualmente o princípio do duplo grau de jurisdição de facto e é manifestamente inconstitucional.
8. Só com um autêntico reexame de toda a matéria de facto no Supremo Tribunal de Justiça se dará pleno cumprimento ao disposto no artigo 32 da Constituição da República, ao art. 14-5 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e ao Protocolo nº 7 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem'.
Por seu turno, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal, concluiu a alegação por si formulada, na qual propugna pela improcedência do recurso, dizendo que não sofriam de inconstitucionalidade, pois não violavam 'as garantias de defesa, consagradas no artigo 32º, nº 1, da Constituição, as normas conjugadas dos artigos 433º e 410º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal, que estabelecem os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça nos recursos penais para ele interpostos das decisões finais dos tribunais colectivos'.
Porque o defendido no projecto de acórdão apresentado pelo primitivo Juiz Relator não obteve concordância por banda da maioria dos restantes Juízes, mudaram os autos de relator.
II
1. Rezam do seguinte modo os artigos onde se inserem as normas ora sub specie:
2. ARTIGO 410º
(Fundamento do recurso)
1. Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2. Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3. O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.
ARTIGO 433º
(Poderes de cognição)
Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, nºs 2 e 3, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito.
2. Sobre a questão de saber se os preceitos ora em questão violam, ou não, normas ou princípios constitucionais, teve já este Tribunal, por intermédio da sua 2ª Secção, ocasião de se pronunciar por mais de uma vez.
Fê-lo através dos seus Acórdãos números 234/93
(publicado na 2ª Série do Diário da República, de 2 Junho de 1993 - estando, então, em causa tão somente a norma do artº 433º do C.P.P., desligada de qualquer conexão com o artigo 410º do mesmo corpo de leis, cuja compatibilidade constitucional se entendeu não fazer parte do objecto do recurso apreciado em tal aresto), 322/93, publicado na 2ª Série do Diário da República de 19 de Outubro de 1993), 356/93 e 443/93, estes ainda inéditos.
2.1. No segundo desses arestos, para os quais remetem os terceiro e quarto, foram expendidas, de entre o mais, as seguintes considerações que, no caso e na óptica deste Tribunal, merecem especial relevância:
'.............................................
Dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, recorre-se directamente para o Supremo Tribunal de Justiça [cf. artigo 432º, alínea c), do Código de Processo Penal]: é o princípio do recurso penal em um único grau, por contraposição ao sistema do duplo grau de recurso.
O Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de recurso, só conhece, em regra, de matéria de direito (cf. artigo 433º do Código de Processo Penal).
No que concerne à questão de facto, os seus poderes de cognição restringem-se a verificar:
(a). se há ou não 'insuficiência para a decisão da matéria de facto provada';
(b). se existe ou não 'contradição insanável da fundamentação';
(c). se sim ou não se cometeu 'erro notório na apreciação da prova'
(isto é, erro de tal modo evidente, que o homem médio o detecte com facilidade).
Enquanto tribunal de revista, o Supremo só pode concluir pela existência de qualquer destes vícios, se tal resultar do próprio texto do acórdão recorrido, 'por si só ou conjugado com as regras da experiência comum'
(...)
O recurso para o Supremo pode também ter sempre como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada (cf. artigo 410º, nº 3, do Código de Processo Penal).
Se o Supremo Tribunal de Justiça concluir pela existência de algum dos vícios apontados (insuficiência da matéria de facto, contradição insanável da fundamentação ou erro notório na apreciação da prova) - e, assim, pela impossibilidade de decidir a causa - determina o reenvio do processo para um tribunal de 1ª instância, a fim de que a renovação da prova se faça em nova audiência de outro tribunal colectivo (cf. artigos 426º e 436º do Código de Processo Penal). O que ele não pode é substituir-se ao tribunal de 1ª instância na apreciação directa da prova, nem realizar, ele próprio, diligências de prova
(...)
O recurso penal, interposto do acórdão final do tribunal colectivo para o Supremo Tribunal de Justiça, é, assim, um recurso de revista alargada ou ampliada, em que o tribunal de recurso é chamado a reapreciar a decisão da 1ª instância, em regra, apenas no tocante à questão de direito, pois que, quanto ao facto, ele intervém, tão-só, para 'despistar situações indiciadoras de erro judiciário' (...). É um recurso do qual, no que concerne à reapreciação do facto, se pode dizer que constitui uma válvula de segurança contra erros notórios de julgamento (ou análogos) - erros que hão-de poder detectar-se no próprio texto da decisão recorrida, 'por si só ou conjugada com as regras da experiência comum'.
5. Pergunta-se, então: será que - ... - este sistema de recurso directo (do tribunal colectivo para o Supremo Tribunal de Justiça), tendo em conta essas limitações no que concerne ao conhecimento da matéria de facto por parte do tribunal de recurso, viola (no que se refere à questão da culpabilidade) a garantia constitucional do direito ao recurso contra sentenças penais condenatórias, em virtude de, quanto a tal questão (a questão da culpabilidade), nele acabar por reduzir-se a muito pouco a garantia do duplo grau de jurisdição?
Entende-se que não.
Convém esclarecer, antes de mais - ... -, que 'são muitos os sistemas, mesmo na Europa a que pertencemos, que, e o que é mais significativo na criminalidade mais grave, se satisfazem com uma única instância quanto ao apuramento dos factos'.
..............................................
'Também não será dispiciendo assinalar -... - que o princípio do duplo grau de jurisdição não se acha consagrado em todos os instrumentos internacionais que os recorrentes citam.
Assim, tal princípio não recebeu consagração expressa na Declaração Universal dos Direitos do Homem, designadamente no seu artigo 11º, nº 1, que dispõe que 'toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se público em que todas as garantias de defesa lhe sejam asseguradas'. E o mesmo se diga quanto à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cujo artigo 6º, nº 1, prescreve que
'qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá [...] sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela'.
É no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (aprovado, para ratificação, pela Lei nº 29/78, de 12 de Junho) que se consagrou a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria penal, nos termos seguintes: 'qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença, em conformidade com a lei' (cf. artigo 14º, nº 5). Duplo grau de jurisdição sim, mas 'em conformidade com a lei' - o que significa que os Estados Membros gozam de liberdade para determinar as modalidades que o reexame da causa por um tribunal superior há-de revestir.
No âmbito do Conselho da Europa, foi também elaborado o Protocolo nº
7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 51/90 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº
51/90, ambos publicados no Diário da República, I série, de 27 de Setembro de
1990).
Este Protocolo não está ainda em vigor em Portugal, uma vez que ainda se não procedeu ao depósito dos instrumentos de ratificação. No seu artigo
2º, dispõe-se que 'qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados pela lei (nº 1).
'Este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em 1ª instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição' (nº 2).
No Relatório explicativo deste Protocolo, escreve-se, a propósito deste artigo 2º, o seguinte:
O exame por uma jurisdição superior é regulado diferentemente nos diversos Estados Membros do Conselho da Europa. Em certos países, esse exame pode limitar-se, segundo os casos, à aplicação da lei, tal como o recurso de cassação. Outros países conhecem a apelação, que permite submeter a uma jurisdição superior tanto os factos como as questões de direito. Este artigo deixa à legislação interna o cuidado de determinar as modalidades do exercício deste direito, incluindo os motivos pelos quais pode ser exercido (sublinhou-se).
Acrescentar-se-á ainda - à semelhança do que se fez noutras ocasiões
(...) - que, nesses instrumentos internacionais relativos aos direitos do homem, nada se diz que se não contenha já na Constituição da República Portuguesa, maxime no seu artigo 32º, nº 1. Por isso, o princípio jurídico-internacional que deles se extrai (ou seja, o princípio do direito ao recurso contra sentenças penais condenatórias) será aqui tomado em consideração apenas 'enquanto elemento coadjuvante da clarificação do sentido e alcance do princípio constitucional das garantias de defesa (recte, da garantia constitucional do direito ao recurso contra sentenças penais condenatórias), e não 'como padrão autónomo de um juízo de inconstitucionalidade'.
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'O processo penal de um Estado de Direito há-de 'assegurar ao Estado a possibilidade de realizar o seu ius puniendi'; mas há-de também 'oferecer aos cidadãos as garantias necessárias para os proteger contra abusos que possam cometer-se no exercício desse poder punitivo, designadamente contra a possibilidade de uma sentença injusta' (...).
Tal processo há-de ser, assim, um due process of law, no sentido de que, nele, há-de o arguido poder sempre defender-se. Este, o núcleo essencial do princípio da defesa, que, no artigo 32º, nº 1, da Constituição, se proclama.
Pois bem: constitui jurisprudência firme deste Tribunal que uma das garantias de defesa, de que fala o nº 1 do artigo 32º, é, justamente, o direito ao recurso contra sentenças penais condenatórias - o que vale por dizer que, no domínio processual penal, há que reconhecer, como princípio, o direito a um duplo grau de jurisdição (...).
Como, porém, logo se advertiu no Acórdão nº 124/90, retomando o que se escrevera no Acórdão nº 61/88:
Tratando-se de matéria de facto, há razões de praticabilidade e outras
(decorrentes da exigência da imediação da prova) que justificam não poder o recurso assumir aí o mesmo âmbito e a mesma dimensão que em matéria de direito: basta pensar que uma identidade de regime, nesse capítulo, levaria, no limite, a ter de consentir-se sempre a possibilidade de uma repetição integral do julgamento perante o tribunal de recurso.
Ora - acentuou-se no mesmo Acórdão nº 124/90 -, 'uma repetição integral da prova perante o tribunal de recurso, se fosse praticada por sistema, seria, desde logo e como facilmente se compreende, absolutamente impraticável. Mas, a mais do que isso, revelar-se-ia de todo inconveniente'.
É que - como chama a atenção CUNHA RODRIGUES, ... -, 'há cada vez mais razões para olhar com cepticismo os segundos julgamentos montados sobre cenários já utilizados e com prévio ensaio geral'.
É, de igual modo, de chamar à colação o facto (...) de que a leitura ou a audição pelo Supremo Tribunal de Justiça da prova produzida perante o tribunal colectivo - para além de se tornar pouco menos que insuportável - acabaria por fazer com que a prova se perdesse como prova, justamente porque lhe faltava a força da imediação.
De preocupações deste tipo dava, aliás, também conta FIGUEIREDO DIAS, quando, ainda no domínio do Código de 1929, escrevia:
E todavia, a apelação penal está hoje sob o fogo cerrado da crítica, que procura demonstrar ser ela, em si mesma considerada, uma espécie má de recurso. A jurisdição de apelação - diz-se -, qualquer que seja a perfeição e a fidelidade técnicas do registo de prova, e mesmo perante uma renovação do julgamento, será sempre «de segunda mão», não tem as mesmas possibilidades de descoberta da verdade material que o juiz de 1ª instância; quanto mais não seja porque está temporalmente mais distanciada dos factos, sendo estes de mais difícil acesso para ela: os princípios da oralidade e da imediação dão os seus melhores frutos somente no decurso de uma audiência e, na verdade, da primeira. Ao que acresce a circunstância de a possibilidade de apelação contribuir inevitavelmente para a diminuição de qualidade da justiça prestada na 1ª instância: ela representa, na verdade, um convite implícito, tanto a um menor cuidado na apreciação dos factos a troco de um ganho de tempo, como a uma injustificável atitude sistemática de favor reum com que o tribunal de 1ª instância procurará antecipar a situação, sem dúvida mais favorável, em que o arguido se apresentará perante o tribunal de apelação (cf. 'Para uma reforma global do processo penal português', in Para uma nova justiça penal, páginas 189 e seguintes).
7. Dir-se-á, no entanto, que esta argumentação não é inteiramente probante.
E, de facto, este Tribunal entendeu que o não era, para o efeito - que, então, estava em causa - de saber se a solução que se achava consagrada no Código de Processo Penal de 1929, quanto ao recurso para a Relação dos acórdãos finais dos tribunais colectivos, era (ou não) constitucionalmente legítima. E, em consequência, pelo Acórdão nº 401/91, declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, o artigo 665º daquele Código, na interpretação do Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Junho de 1934.
Isso, porém, não significa que este Tribunal tenha entendido que, constitucionalmente admissível, fosse apenas uma solução legal que, nos recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo, previsse a repetição da prova em audiência pública perante o tribunal de recurso (na época, perante a Relação, hoje, perante o Supremo Tribunal de Justiça).
Entre essa solução e o sistema que, então, vigorava - o qual, no entender maioritário do Tribunal, 'na prática e na grande maioria dos casos, reduz[ia] a zero os poderes das relações nos recursos penais em matéria de facto' - 'outros há certamente [...] que não porão em causa as garantias de defesa que o processo criminal deve assegurar' - ....
8. Pois - entende, agora, o Tribunal - um sistema de recurso que, justamente, não dá o flanco às críticas de que é alvo a apelação penal (de que, atrás, se deixou constância) e que, simultaneamente, preserva o núcleo essencial do direito ao recurso, em matéria de facto, contra sentenças penais condenatórias - direito que decorre do princípio das garantias de defesa, consagrado no artigo 32º, nº 1, da Constituição - é, como vai ver-se, o que se acha consagrado no actual Código de Processo Penal, maxime, nos artigos 410º e
433º.
Um tal sistema - um sistema de revista alargada - protege o arguido dos perigos de um erro de julgamento (designadamente, de erro grosseiro na decisão da matéria de facto); e, desse modo, defende-o do risco de uma sentença injusta.
De facto, o recurso que, aqui, está em causa é o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos finais dos tribunais colectivos.
Ora, o tribunal colectivo (tendo em conta as regras do seu próprio modo de funcionamento e as que presidem à audiência de julgamento) constitui, ele próprio, uma primeira garantia de acerto no julgamento da matéria de facto.
Na verdade, o tribunal colectivo ouve a prova numa audiência pública, com observância das regras da oralidade, da imediação e do contraditório (cf. artigos 86º, 321º, 327º, 363º e 96º, conjugados com os artigos 340º e 345º a
348º e com os artigos 355º e 356º, do Código de Processo Penal). Depois, as testemunhas são inquiridas por quem as indicou e sujeitas a contra-interrogatório (a recordar o sistema da cross examination do direito anglo-americano) - o que, porém (em obediência ao princípio da investigação, que assim se conjuga com o princípio do acusatório) não dispensa os juízes de, por sua iniciativa, esclarecerem o facto sujeito a julgamento (cf. artigo 340º): na verdade, cada um dos juízes pode, 'a qualquer momento', 'formular às testemunhas as perguntas que entender necessárias para esclarecimento do depoimento prestado e da boa decisão da causa' (cf. artigo 348º, nº 5) - o que tudo releva de uma preocupação que é fundamental no processo: a busca da verdade material.
Acresce que se proíbe a 'testemunha de ouvir dizer' (cf. artigo 129º) e que só podem perguntar-se factos (cf. artigo 124º) - e factos que não incriminem quem os revela (cf. artigo 132º, nº 2): é cláusula de não incriminação.
Mais: após as alegações orais (nas quais, o advogado do assistente, o Ministério Público e o defensor do arguido exporão 'as conclusões de facto e de direito, que hajam extraído da prova'), é dada ao arguido mais uma oportunidade de, ele próprio, dizer o que se lhe oferecer em sua defesa (cf. artigo 361º, nº
1).
Além disso, adopta-se, ao menos parcialmente, um sistema de 'césure', entre a 'questão da culpabilidade' e a 'questão da determinação da sanção', que, por isso, são votadas separadamente (cf. artigo 366º e 369º). E, com isso, visa-se assegurar um exame objectivo da prova produzida, um exame (...) 'não antecipadamente condicionado e subvertido por um qualquer pré-juízo condenatório ou absolutório'.
Sucede também que, para a determinação da 'espécie e da medida' da pena a aplicar, o tribunal pode reabrir a audiência de julgamento, para a produção de prova suplementar (cf. artigos 369º, nº 2, e 371º).
Mais ainda: os juízes votam pela ordem inversa da sua antiguidade, sendo o presidente o último a votar (cf. artigo 365º) - o que, naturalmente, assegura a independência de juízo. Além disso, votam separadamente cada uma das questões, devendo cada um deles enunciar 'as razões da sua opinião' e indicar,
'sempre que possível, os meios de prova que serviram para formar a sua convicção' (cf. artigo 365º, nºs 3 e 4). Ou seja: a decisão não é produto de uma qualquer impressão subjectiva ou da reflexão isolada de cada julgador, mas, antes, fruto de um debate e do confronto dos pontos de vista de cada um dos três juízes.
Por último: a sentença - que é elaborada 'de acordo com as posições que tiverem feito vencimento' (cf. artigo 372º, º 1) - tem que ser fundamentada, enumerando os factos provados e os não provados, e expondo, ainda que de forma concisa, 'os motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal' (cf. artigo 374º, nº 2); e, sendo condenatória, deve ainda especificar 'os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada' (cf. artigo
375º, nº 1)'.
..............................................
'Assegurada a efectiva colegialidade do tribunal, garantido o contraditório e obtida uma tanto quanto possível imediação, o recurso do tribunal colectivo tem características particularmente nítidas de remédio jurídico. A previsão de um mecanismo de reapreciação dos factos não pode - não deve - ser senão uma válvula de segurança (...).
A tudo isto há que acrescentar ainda que, no recurso de revista alargada, aqui sub iudicio, sendo, também ele, de estrutura acusatória, há lugar a uma audiência; e, nesta, pode haver alegações orais (cf. artigos 434º e 435º).
E mais: embora o recurso vise, em regra, tão-só o reexame da matéria de direito (cf. artigo 433º), no entanto - e como já atrás se disse -, o Supremo Tribunal de Justiça pode, não apenas anular a decisão recorrida (cf. artigo
410º, nº 3, conjugado com os artigos 379º e 380º, nº 2), como decretar o reenvio do processo para novo julgamento. Questão (para este último efeito) é que detecte erros grosseiros no julgamento do facto (a saber: insuficiência da matéria de facto; contradição insanável da fundamentação; ou erro notório na apreciação da prova) e que o vício detectado resulte do 'texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum' (cf. artigo 410º, nº 1).
9. Face às críticas que têm sido dirigidas contra a apelação penal e que atrás se referiram, FIGUEIREDO DIAS, antes da publicação do actual Código de Processo Penal, dizia, justamente, que a eventual procedência das mesmas havia de conduzir à criação de um tipo novo de recurso penal que, então, designou por revista ampliada e que caracterizou do modo seguinte:
Um recurso, pois, que - continuando a supor uma qualquer forma de registo de prova produzida em 1ª instância - se não restringisse à tradicionalmente chamada
'questão de direito', mas devesse ser admissível face a contradições insanáveis entre as comprovações constantes da sentença e a prova registada, a erros notórios ocorridos na apreciação da prova ou, em geral, a dúvidas sérias suscitadas contra os factos tidos como provados na sentença recorrida'
(cf. Para uma reforma global do processo penal português cit.).
10. No intuito, porém, de concluir pela inconstitucionalidade das normas aqui sub iudicio, argumentar-se-á com o facto de a prova produzida perante o tribunal colectivo só ser registada ('documentada na acta' - diz o artigo 363º), 'quando o tribunal puder dispor de meios esteneotípicos, ou estenográficos, ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas' - o que, dir-se-á, torna praticamente nula a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça detectar qualquer dos vícios relativos ao julgamento do facto e de, assim, vir a decretar o reenvio do processo para novo julgamento.
É esta, porém, uma argumentação improcedente, como se mostrou no Acórdão nº 253/92.'.
..............................................
'11. Pode, de igual modo, argumentar-se (no sentido da inconstitucionalidade das normas sub iudicio) com o facto de que, tendo o vício
(para conduzir ao reenvio do processo para novo julgamento) que resultar do
'texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum', só muito dificilmente ele poderá ser despistado pelo Supremo Tribunal de Justiça. E, por isso, só muito dificilmente também este poderá censurar o julgamento do facto, mesmo em casos em que ele seja grosseiramente errado.
É que - dir-se-á - a fundamentação da sentença resume-se, muitas vezes, a uma remissão genérica para os diferentes meios de prova (para os depoimentos destas ou daquelas testemunhas, por exemplo). Ora, se ela não explicitar o que é que, de acordo com as regras da experiência e da lógica, fez com que a convicção do tribunal se formasse num determinado sentido (e não noutro) e, bem assim, por que é que se teve por fiável certo meio de prova (e não outro), o Supremo ver-se-á impossibilitado de, a partir do texto do acórdão recorrido, concluir pela 'insuficiência para a decisão da matéria de facto provada', pela 'contradição insanável da fundamentação' ou pela existência de
'erro notório na apreciação da prova'.
Perante tal argumentação há, desde logo, que advertir que, por força do que dispõe o artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, a fundamentação da sentença - para além de dever conter uma 'enumeração dos factos provados e não provados' -, tem que consistir numa 'exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal'.
Este dever de fundamentação foi interpretado pelo Supremo Tribunal de Justiça [cf. acórdão de 13 de Fevereiro de 1992, Colectânea de Jurisprudência, ano XVII (1992), tomo I, páginas 36 e 37] no sentido de que a sentença - para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova - há-de conter também os 'elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal colectivo se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação', ou seja, ao cabo e ao resto, um 'exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal colectivo' num determinado sentido.
Estando em causa uma decisão de um tribunal colectivo e tendo a fundamentação, por isso, que traduzir ou reflectir o 'mínimo de acordo ou convergência consensual ou maioritariamente apurada no seio do tribunal' (onde pode ser diverso, de juiz para juiz, o fundamento da resposta num dado sentido ou 'oferecer entre todos cambiantes significativas'), há-de ela (a fundamentação) permitir, no entanto (e sempre), avaliar cabalmente o porquê da decisão.'
..............................................
'Feita esta advertência, há que acrescentar que a dificuldade de o Supremo Tribunal de Justiça despistar o vício invocado como fundamento do recurso, relativo ao julgamento do facto, a partir do texto da decisão recorrida, 'por si ou conjugada com as regras da experiência comum', tem mais propriamente a ver com a completude ou incompletude da fundamentação do acórdão recorrido do que com o facto de o vício ter de concluir-se a partir do texto da decisão.
12. No sentido da inconstitucionalidade das normas sub iudicio, argumenta-se também dizendo que o facto de o vício, invocado como fundamento do recurso, ter que resultar do 'texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum' é, nalguns casos, susceptível de impedir que o Supremo Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso, atenda a factos constantes de documentos. Basta que - diz-se - o texto da decisão recorrida não lhes faça referência. Pense-se, por exemplo - acrescenta-se - no caso de estar junta aos autos uma certidão de uma escritura pública, sem que a sua autenticidade tenha sido posta em causa, da qual conste que o arguido, no dia e hora em que foi cometido o crime por cuja autoria material o tribunal colectivo o condenou, se encontrava em local diverso do locus delicti e, quiçá, muito distante dele.
Essa é, porém, uma hipótese que, a verificar-se, não teria a consequência apontada, pois que não impediria o Supremo Tribunal de Justiça de, no julgamento do recurso, tomar em consideração o facto documentado pela escritura pública, junta por certidão aos autos.
É que, ela legitimaria um recurso (a interpor ao abrigo do nº 3 do artigo 410º aqui sub iudicio), que se saldaria pela anulação do acórdão do tribunal colectivo, a fim de que fosse elaborado um outro acórdão pelos mesmos juízes, do qual constasse aquele facto. Ou seja: anulado o acórdão recorrido, em virtude de não constar dele aquele facto (ou, sendo o caso, a razão por que o mesmo se houve por não provado), o tribunal colectivo havia de elaborar um outro acórdão, de cujo relatório constaria que o arguido negava a autoria material do crime, defendendo-se com a alegação de que, no dia e hora em que o mesmo fora perpetrado, ele se encontrava noutro local (quiçá, muito distante do locus delicti), e de cuja fundamentação constaria se esse facto sim ou não se provou e a razão por que se decidiu num ou noutro sentido (cf. artigo 374º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal).
O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pode, na verdade, ter por fundamento 'a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada' (cf. nº 3 do artigo 410º citado). Pois, um desses requisitos é, justamente, que a sentença contenha 'a enumeração dos factos provados e não provados' e 'uma exposição [...] ainda que concisa, dos motivos
[...] que fundamentam essa decisão'« [cf. artigo 374º, nº 2, conjugado com o artigo 379º, alínea a) do Código de Processo Penal]. E, para fazer essa enumeração, tem o tribunal colectivo que atender - a mais que à acusação ou pronúncia - às 'conclusões contidas na contestação'[cf. alínea d), conjugada com a alínea c), do nº 1 do artigo 374º citado].
Significa isto que, se o tribunal colectivo, com base na certidão da escritura, houvesse dado como provado que o arguido, no dia e hora do crime, se encontrava em local diverso e distante do local em que o mesmo fora prepetrado, não poderia condená-lo por autoria material do mesmo, sob pena de 'contradição insanável' entre os fundamentos e a decisão (cf. artigo 410º, nº 2, alínea b)] - vício que resultava do 'texto da decisão, por si só'. Se, ao invés, o tribunal colectivo houvesse esse facto por não provado, resultava do 'texto da decisão recorrida [...], conjugada com as regras da experiência comum', que tinha havido
'erro notório na apreciação da prova' [...] [...].
Em qualquer destes casos, sempre o Supremo Tribunal de Justiça, ao julgar, tomava em consideração a escritura pública, de que se juntara certidão aos autos.
Mas se, acaso - como atrás se figurou -,o tribunal colectivo omitisse esse facto no relatório ou na fundamentação do acórdão, este seria nulo [cf. artigo 374º, nº 1, alínea d), e nº 2, conjugado com o artigo 379º, alínea a), já citados] - nulidade que o Supremo Tribunal de Justiça havia de decretar, a fim de que, como se disse, o tribunal colectivo elaborasse outro acórdão, no qual se relatasse esse aspecto da defesa do arguido e em cuja fundamentação se tomasse posição sobre ele (dando-o como provado ou como não provado, fundamentando a decisão tomada) e extraindo, dessa decisão, as necessárias consequências jurídicas.'
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'13. Dir-se-á, no entanto (...), que, se na audiência perante o Supremo Tribunal de Justiça fosse possível proceder à renovação da prova documentada na acta da audiência da 1ª instância, os vícios apontados seriam mais facilmente detectados do que apenas a partir do texto da decisão.
Simplesmente - e sem prejuízo do que se disse atrás sobre uma eventual leitura ou audição pelo Supremo Tribunal de Justiça da prova produzida perante o tribunal colectivo (...) - ao Tribunal Constitucional não cabe censurar, sub specie constitutionis, as soluções legais, por elas não serem, eventualmente, as melhores ou, sequer, por se estar perante mau direito. A sua missão é bem mais modesta: só lhe cumpre julgar incompatível com a Constituição
(e, nalguns casos, eliminar do ordenamento jurídico) as normas de direito ordinário que se apresentem como não direito.
Pois bem: as soluções legais, que se contêm nas norma sub iudicio, como já atrás se assinalou, preservam o núcleo essencial do direito ao recurso em matéria de facto.
Para assim se concluir, basta lembrar aqui o que atrás se disse, maxime, sobre constituir a intervenção do tribunal colectivo (tendo em conta as regras do seu próprio funcionamento e as que presidem à audiência) garantia de acerto no julgamento do facto. E lembrar, bem assim, a circunstância de a revista alargada (atentos os inconvenientes da apelação penal, atrás também assinalados) não dever ser senão um remédio jurídico, uma válvula de segurança contra erros grosseiros do julgamento do facto - erros que, há-de convir-se, o Supremo Tribunal de Justiça necessariamente detectará a partir do texto da decisão recorrida, que tem que ser elaborada e fundamentada nos termos que atrás se indicaram.
É que, não é só ao texto da decisão recorrida que o Supremo há-de atender para o efeito. É, antes, a esse texto, nos seus dizeres, conjugado com as regras da experiência comum.
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3. É toda esta argumentação que, aqui e agora, se reitera, sendo que toda a corte de fundamentos que o recorrente tentou carrear na alegação por si apresentada não tem, na perspectiva da maioria dos Juízes que compõem a 2ª Secção deste Tribunal, a virtualidade de abalá-la em termos de conduzir a diferente postura deste órgão de administração de justiça sobre o particular em causa.
Em consequência, concluir-se-á que as normas sub iudicio não enfermam de desconformidade com normas ou princípios insertos na Constituição.
III
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 26 de Janeiro de 1994
Bravo Serra Messias Bento Fernando Alves Correia
Guilherme da Fonseca (vencido, conforme declaração de voto junta)
A. A questão posta pode assim enunciar-se:
O recurso penal, interposto do acórdão final do tribunal colectivo para o Supremo Tribunal de Justiça, apresenta-se como um recurso de revista ampliada, em que este último é chamado a reapreciar a decisão da 1ª instância, em regra, apenas no tocante a matéria de direito, podendo intervir, porém, dentro de um determinado condicionalismo, e quanto à matéria de facto, naqueles casos em que se desenham fortemente situações indiciadoras de potencial erro judiciário.
Mas, será que este sistema de recurso colide com as garantias de defesa consagradas no artigo 32º, nº 1, da Constituição, quando, como diz o recorrente, dele, do sistema, decorre a violação do princípio do duplo grau de jurisdição, no que toca à matéria de facto? Porque, como também sustenta o recorrente, só 'com um autentico reexame de toda a matéria de facto no Supremo Tribunal de Justiça se dará pleno cumprimento ao disposto no artigo 32º da Constituição da República, ao art. 14-5 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e ao Protocolo nº 7 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem' (ainda que este não vigore ainda no nosso País).
B. A questão, como se regista no Acórdão, já obteve concretamente resposta nos Acórdãos nºs 356/93 e 443/93, ainda inéditos, no sentido da constitucionalidade das normas em causa, e na linha do entendimento do Acórdão nº 234/93 (Diário da República, II Série, nº 28, de 2 Junho de 1993), que considerou, embora só relativamente à norma do artigo 433º, que ela 'não viola o disposto nos artigos 12º, nº 1, 13º, nº 1, 32º, nº 1, da Constituição'.
Todavia, aqueles primeiros Acórdãos têm votos de vencido, apontando para a inconstitucionalidade, e para tal entendimento propendo, aderindo às razões constantes desses votos (e também o Acórdão nº 234/93 é acompanhado de uma declaração de voto de vencido).
Na verdade, e em síntese, não trazendo nenhuma novidade o sistema do Código vigente relativamente ao diploma de 1929, ou, pelo menos, nenhuma novidade substancial, quanto ao modelo do recurso penal, na parte que aqui interessa do desrespeito pelo princípio do duplo grau de jurisdição, parecem-me continuar a ser relevantes as razões invocadas nos Acórdãos 340/90 e
401/91 (Diário da República, II e I Séries, nos 65 e 6, de 19 de Março de 1991 e
8 de Janeiro de 1992, respectivamente), quanto à norma do artigo 665º, do Código de Processo Penal de 1929, na interpretação que lhe foi dada pelo assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1934. Razões que conduziram mesmo à declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade daquela norma do artigo 665º, 'por violação do disposto no artigo 32º, nº 1, da Constituição', e que naturalmente o legislador de 1987 não teve oportunidade de ponderar, ao aprovar o vigente Código de Processo Penal.
Havendo apenas que adaptar esse discurso dos Acórdãos citados à hipótese sub judicio, votei, pois, que o Tribunal se pronunciasse sobre a inconstitucionalidade do artigo 433º, conjugado com o artigo 410º, nº 2 e 3, ambos do citado Código.
(Guilherme da Fonseca)
José de Sousa e Brito
(vencido nos termos da minha declaração de voto no Acórdão nº 234/93)
Luís Nunes de Almeida
(vencido, nos termos da declaração de voto junta ao Acórdão nº 234/93). José Manuel Cardoso da Costa