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Processo n.º 291/10
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A fls 650 dos autos foi proferida a seguinte decisão sumária:
Nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, decide-se:
1. A. pretende recorrer para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:
«[...] O recurso tem em vista declarar que a Decisão recorrida partiu da presunção de culpa. Por forma que não se consegue apurar no Douto Acórdão presume-se a culpa.
O Tribunal da Relação Lisboa ao considerar que os factos provados integram o crime p. e p. pelo art. 192- 1- b) C.P. violou o Princípio da Presunção de Inocência do arguido consagrado no art. 32- 2 da Lei Fundamental.
O Principio de Presunção de Inocência do arguido é qualificado em matéria de prova pela nossa Doutrina de in dubio pro reo cfr. PROF. CAVALEIRO FERREIRA, Curso Proc. Penal, 2º Vol- 1956- pág. 47.
Este importante Princípio impõe que o Juiz Julgador valore sempre a favor do arguido um non liquet – cfr. PROF FIGUEIREDO DIAS – Direito Proc. Penal, 15 vol- 1974, 211 e RUI PINHEIRO e ARTUR MAURÍCIO, A Constituição e o Processo Penal, 2 Ed- 1983, pag. 133. O Principio da Presunção de Inocência proíbe a inversão do ónus da prova.
Os arts. 137 -1 e 15 do Cód. Penal e 374-2 – e 379 CPP são inconstitucionais por violação dos arts. 32- 2 e 205 da Lei Fundamental, art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, quando entendidos, como o foram pela Veneranda Relação, sem que explicite o estabelecimento de um nexo objectivo-subjectivo a título de dolo entre o domínio dos factos e o arguido A. e sem que se apure a velocidade e o local exacto do embate e quem embateu em quem e à forma como ocorreu o acidente.
O recurso é interposto ao abrigo 70-1 – b) da Lei do Tribunal Constitucional e as questões foram suscitadas na Conclusão 11 do Recurso interposto.»
2. O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (n.º 2 do artigo 72º LTC).
A suscitação da questão de inconstitucionalidade implica que a parte interessada identifique claramente uma norma jurídica infraconstitucional que, por ser contrária à Constituição, não pode ser aplicada ao caso concreto.
Acontece que o recorrente nunca suscitou uma tal questão no processo, limitando-se a imputar a desconformidade constitucional à decisão então em causa e não a uma norma devidamente identificada. Falta, portanto, o aludido requisito.
3. Termos em que se decide não conhecer do objecto do recurso. [...]
2. Inconformado, o recorrente reclama, dizendo:
A., arguido e recorrente nos autos supra id. tendo sido notificado da Douta Decisão Sumária que não conheceu do objecto do recurso vem reclamar para a Conferência com os seguintes argumentos:
1- O recorrente viu-se confrontado ab initio com a presunção de culpa.
2- A presunção de inocência tem assento constitucional e vigora em todas as fases processuais sendo de conhecimento oficioso a sua violação.
3- O Tribunal da Relação Lisboa ao considerar que os factos provados integram o crime p. e p. pelo art. 192- 1- b) C.P. violou o Princípio da Presunção de Inocência do arguido consagrado no art. 32- 2 da Lei Fundamental.
4- O recurso tem em vista declarar que a Decisão recorrida partiu da presunção de culpa. Por forma que não se consegue apurar no Douto Acórdão presume-se a culpa.
5- O Principio de Presunção de Inocência do arguido é qualificado em matéria de prova pela nossa Doutrina de in dubio pro reo cfr. PROF. CAVALEIRO FERREIRA, Curso Proc. Penal, 2º Vol- 1956- pág. 47.
6- Este importante Princípio impõe que o Juiz Julgador valore sempre a favor do arguido um non liquet – cfr. PROF FIGUEIREDO DIAS – Direito Proc. Penal, 1º vol- 1974, 211 e RUI PINHEIRO e ARTUR MAURICIO, A Constituição e o Processo Penal, 2ºEd- 1983, pág. 133. O Principio da Presunção de Inocência proíbe a inversão do ónus da prova.
7- Há muito tempo que se comentava em surdina o que um alto juiz conselheiro relatou em público:
“as relações estão a ter muita dificuldade para apreciar a matéria de facto. há uma rebeldia...” – dixit Sr. Juiz Conselheiro Simas Santos, in Jornal Público 28-5- 2006 - “Tertúlia no Café Majestic, Porto”
8- A violação do Principio da Presunção de Inocência é patente na 1.ª Instância maxime na Relação de Lisboa na decisão recorrida e é de conhecimento oficioso, sendo anómalo que, denunciada nos autos tal desrespeito ao comando da Lei Fundamental se negue agora o direito ao recurso ora,
9- Estamos em crer que o Tribunal Constitucional não transformará em “mazela incurável” o mal decidido pela Veneranda Relação Lisboa pois já alertava o Mestre CUNHA GONÇALVES que:
“...os Juízes têm e devem ter a faculdade de julgar segundo os ditames da sua consciência, que se presume inflexível e recta, conforme o critério da sua razão, que se supõe lúcida e esclarecida e as directivas da sua inteligência, que mercê de prévios estudos se reputa culta e abarrotada de ciência jurídica. Podem estes postulados falhar na prática; mas os erros da justiça esgotados todos os recursos, devem ser tidos por mazelas incuráveis, que os litigantes vencidos hão-de suportar como suportariam o cancro ou um terramoto…” Cunha Gonçalves In Tratado – Volume XIII—pág 492.
Pelo que deve ser dado provimento à Reclamação e julgado que os arts. 137 -1 e 15 do Cód. Penal e 374-2- e 379 CPP são inconstitucionais por violação dos arts. 32- 2 e 205 da lei fundamental art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, quando entendidos, como o foram pela Veneranda Relação, sem que se explicite o estabelecimento de um nexo objectivo – subjectivo a título de dolo entre o domínio dos factos e o arguido A.e sem que se apure a velocidade e o local exacto do embate e quem embateu em quem e à forma como ocorreu o acidente.
Sendo esta a vexata questio que teve acolhimento favorável pelo Ministério Público na Veneranda Relação Lisboa, parece ao recorrente que a mazela do Acórdão recorrido deve e pode ser reparada / sanada com a admissão e provimento do recurso e da presente Reclamação.
3. O representante do Ministério Público neste Tribunal, notificado da reclamação deduzida no processo em epígrafe, veio dizer o seguinte:
1º
No requerimento de interposição do recurso para este Tribunal Constitucional, não vinha enunciada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
2º
Durante o processo também não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade que se reportasse a normas ou interpretações destas.
3.º
Assim, como não se verificavam os pressupostos da admissibilidade do recurso, foi proferida a Decisão Sumária de fls. 649 e 650, pela qual não conheceu do objecto do recurso.
4º
Na reclamação agora apresentada, o recorrente insiste na violação do princípio de presunção de inocência, nada dizendo quando à inverificação dos pressupostos processuais de levaram ao não conhecimento do objecto do recurso.
5º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.
4. Cumpre decidir. O recurso interposto para o Tribunal Constitucional não foi aqui recebido porque se verificou que o recorrente não havia dado cumprimento ao dever de suscitar, perante o tribunal recorrido, a questão de inconstitucionalidade que pretendia ver tratada. Trata-se de um pressuposto de fácil concretização, prevista expressamente na letra da lei (artigos 70º n.º 1 alínea b) e 72º n.º 2 ambos da LTC) e que radica na necessidade de dar ao tribunal recorrido a possibilidade de resolver a questão de inconstitucionalidade antes do o Tribunal Constitucional sobre ela se pronunciar.
Na reclamação apresentada, o reclamante nada diz sobre esta matéria que constitui, afinal, a razão pela qual o Tribunal entende que não pode conhecer do recurso.
Sendo assim, deve concluir-se que, se o Tribunal Constitucional transformar em “mazela incurável” o mal decidido, conforme vaticina o reclamante, isso fica a dever-se inteiramente à actividade processual do próprio reclamante que não adequou a sua pretensão às exigências legais, necessárias ao conhecimento do seu recurso.
Na verdade, não resta ao Tribunal outra alternativa do que confirmar nos precisos termos a decisão sumária reclamada.
5. Termos em que se decide indeferir a reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 1 de Junho de 2010
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão