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Processo nº 778/93
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção
do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de recurso de constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, pelo essencial das razões constantes da EXPOSIÇÃO do Relator de fls. 56 e seguintes, as quais se dão por inteiramente reproduzidas, para todos os efeitos legais, e que mereceram, aliás, a 'inteira concordância' do Ministério Público, decide-se não tomar conhecimento do presente recurso, fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades conta, a cargo do recorrente.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 1994
Guilherme da Fonseca Messias Bento José de Sousa e Brito Bravo Serra Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa
EXPOSIÇÃO
1. A., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 6 de Outubro de 1993, que negou provimento ao recurso por ele interposto da sentença do Tribunal Judicial de Odemira, de 15 de Novembro de 1992, que o condenou, em processo de transgressão, 'pela prática de uma contravenção prevista e punida nos arts. 8º e 7º nº 1 alínea b) da Lei nº 3/82 de 29 de Março na multa de 10 000$00 e na medida de inibição do direito de conduzir veículos automóveis pelo período de 9 meses' (e o Acórdão da Relação alterou aquela 'sentença recorrida condenando o arguido pela prática da referida contravenção na multa de oito mil escudos, decretando-se a medida de inibição do direito de conduzir pelo período de 4 meses', mantendo 'no mais o decidido').
2. No requerimento de interposição do recurso, diz o recorrente que ele 'tem o seu suporte legal nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 70º da Lei 28/82' (de 15 de Novembro).
E acrescenta-se no requerimento:
'O recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a violação pelo douto acórdão recorrido dos nºs 1 e 5 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, bem como do nº 1 do artigo 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem recebida directamente no direito interno português por força do artigo 8º da Lei Fundamental.
A violação daquelas normas constitucionais e da Declaração Universal dos Direitos do Homem pelo Tribunal de 1ª Instância foi suscitada nas alegações do recurso interposto para o Venerando Tribunal desta Relação, como consta sucintamente na parte final das referidas alegações' (onde se pode ler, na oitava conclusão: 'Foi igualmente violado pelo Mmº Juiz a quo o disposto nos nºs 1 e 5 do artº 32º da Constituição da República Portuguesa e, ainda o artº
11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem').
3. O Acórdão recorrido enunciou as 'três questões levantadas no recurso':
'- nulidade da sentença por não ter sido imputado ao arguido qualquer facto na acusação;
- nulidade da sentença por falta de alegações após a produção de prova; e
- substituição da medida de inibição de conduzir por caução de boa conduta'.
Para, depois, e na parte que interessa, fazer o seguinte resumo: 'não foram violados (pela sentença recorrida) os preceitos legais indicados pelo recorrente, designadamente os que garantem a defesa dos arguidos em processo penal: os nºs 1 e 5 do artº 32º da Constituição e o artº 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem'.
4. Perante este quadro, e de acordo com a posição assumida pelo recorrente, é fácil de ver que a espécie de recurso em causa tem relação imediata com uma arguição de inconstitucionalidade de norma durante o processo
(alínea b) do artigo 70º, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição).
Só que, tal arguição dirige-se a uma norma, em consonância com o regime de fiscalização da inconstitucionalidade previsto nos artigos 277º e seguintes da Constituição, escapando a tal regime por um lado, 'as decisões judiciais e os actos administrativos propriamente ditos (...), e, por outro lado, os 'actos políticos' ou 'actos de governo' em sentido estrito (in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, pág. 434; 'objecto do recurso não é a decisão judicial em si mesma, mas apenas a parte dessa decisão em que o juiz a quo recusou a aplicação de uma norma por motivo de inconstitucionalidade ou aplicou uma norma cuja constitucionalidade foi impugnada' - na linguagem de Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5ª ed.,
1992, pág. 1062).
'Necessário e suficiente é, pois, que se esteja perante um preceito constante de um 'acto normativo' público e não perante um mero acto administrativo, judicial ou político' (in Estudos citado pág. 434, fazendo-se apelo ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 472/89, publicado no Diário da República, II série, nº 219, de 22 de Setembro de 1989).
Ora, o recorrente nunca suscitou nos autos nenhuma questão de inconstitucionalidade de norma, nem da parte do Acórdão recorrido houve aplicação de norma que se entendeu ser conforme à Constituição.
A arguição do recorrente teve sempre por objecto a decisão judicial. Ou a decisão da primeira instância ('Foi igualmente violado pelo Mmº Juiz a quo (...)' - lê-se nas alegações ou na motivação que acompanhou o recurso perante o Tribunal da Relação) ou o Acórdão recorrido ('(...) a violação pelo douto Acórdão recorrido dos nºs 1 e 5 do artº 32º da Constituição da República Portuguesa (...)' - lê-se no requerimento de interposição do recurso).
Assim sendo, falta um pressuposto processual, relativo ao objecto do recurso de constitucionalidade, e que é uma decisão negativa de inconstitucionalidade, uma decisão que tivesse aplicado uma norma, não obstante a sua inconstitucionalidade tivesse sido arguida no processo. Nem há, in casu, uma decisão desse tipo, nem há da parte do recorrente uma arguição de inconstitucionalidade da norma, dirigindo-se a censura ao acto judicial.
5. Apenas uma nota final para registar que não tem cabimento a invocação que o recorrente faz da alínea c) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pois não se está perante hipótese de 'lei com valor reforçado', nem ela é identificada pelo recorrente (trata-se de lei, em sentido material, que, embora não tendo um valor formalmente constitucional, regula assuntos materialmente constitucionais, como sejam as leis orgânicas, leis de autorização, leis de bases ou leis estatutárias).
E, acresce que não se detecta no Acórdão recorrido nenhum tipo de decisão de recusa de aplicação de normas, havendo apenas a síntese resumida de que 'não foram violados (pela sentença recorrida) os preceitos legais indicados pelo recorrente'.
6. Em conclusão, não se pode conhecer do objecto do presente recurso, por faltar um seu pressuposto, pelo que determino que se ouçam as partes por cinco dias (nº 1 do artigo 78-A, da citada Lei nº 28/82).
Lisboa, 14 de Janeiro de 1994