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Processo n.º 442/09
Plenário
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. O Provedor de Justiça requer, ao abrigo do artigo 281.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa (CRP), a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, “da norma do artigo 10.º, n.º 4, da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, quando aplicada às mensagens de propaganda”, por violação da norma “constante do artigo 37.º, n.º 3, da Constituição, na parte em que atribui a entidade administrativa independente a competência para a apreciação dos ilícitos de mera ordenação social no âmbito do exercício dos direitos associados às liberdades de expressão e de informação”.
2. São aduzidas as seguintes razões:
«1.º
A Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, regula a afixação e a inscrição de mensagens de publicidade e de propaganda.
2.º
Após qualificar como contra-ordenação punível com coima a violação de determinadas condutas aí impostas (cf. art.º 10.º, n.º 1), o diploma em causa determina, na norma do art.º 10.º, n.º 4, aqui contestada, que a aplicação dessas coimas “compete ao presidente da câmara municipal da área em que se verificar a contra-ordenação, revertendo para a câmara municipal o respectivo produto”.
3.º
Esta disposição legal é, quando aplicada às mensagens de propaganda, inequivocamente violadora, na parte que lhe é aplicável, do dispositivo constante do art.º 37.º, n.º 3, da Constituição, que impõe que as infracções cometidas no exercício dos direitos associados à liberdade de expressão e de informação “ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei”.
4.º
Diga-se, antes de mais, que a Lei n.º 97/88 foi aprovada na vigência da versão de 1982 da actual Constituição, onde se estabelecia, no mesmo art.º 37.º, n.º 3, que as infracções aos direitos associados à liberdade de expressão e de informação se submetiam aos princípios gerais de direito criminal, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais.
5.º
No confronto com esta anterior redacção do preceito constitucional, mantida nas revisões constitucionais de 1989 e de 1992, a norma em análise foi julgada inconstitucional, pelo Tribunal Constitucional, pelo menos no seu Acórdão n.º 631/95, proferido em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, tendo o Tribunal considerado que a solução legal subtraía a apreciação das infracções aos tribunais judiciais e, implicitamente, aos princípios gerais do direito criminal, incluindo todas as garantias do processo criminal.
6.º
A Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, que procedeu à quarta revisão da Lei Fundamental, viria a conferir ao preceito constitucional em análise a sua actual redacção, designadamente aditando-lhe a dimensão, ora pertinente, da possibilidade de submissão das infracções em causa aos princípios gerais do ilícito de mera ordenação social, concretizando que, neste caso, a respectiva apreciação se faça por entidade administrativa independente.
7.º
É, pois, com a versão actual do art.º 37.º, n.º 3, da Constituição, que se imporá nesta sede confrontar a norma do art.º 10.º, n.º 4, da Lei n.º 97/88 – cuja redacção, de resto, se mantém desde o início intocada (…) –, quando aplicada especificamente às mensagens de propaganda.
Assim,
8.º
É assente, na jurisprudência do Tribunal Constitucional, a caracterização jurídico-constitucional da propaganda como manifestação da liberdade de expressão.
9.º
Chegando a esta mesma conclusão, e invocando arestos anteriores, diz-se no Acórdão n.º 258/2006, o seguinte:
“O Tribunal Constitucional foi, desde o início da sua existência, confrontado com a questão de saber se, e em que medida, a liberdade de propaganda, designadamente político-partidária, estaria garantida pelo artigo 37.º da Constituição, preceito respeitante à liberdade de expressão. Ora, da jurisprudência então produzida resulta inquestionável, e como tal tem sido repetidamente afirmado (...), não só uma determinada caracterização do direito de liberdade de expressão, mas também que a propaganda (nomeadamente, mas não apenas, a propaganda política), é uma forma de expressão do pensamento abrangida pelo âmbito de protecção daquele preceito”.
10.º
Deste modo, tem-se como igualmente assente a aplicação do n.º 3 do art.º 37.º do texto constitucional à afixação, inscrição ou colocação de mensagens de propaganda abrangidas pela Lei n.º 97/88 e, concretamente, pelas normas conjugadas do seu art.º l0.º, n.ºs 1 e 4.
11.º
Ora, sendo certo que a actual redacção do art.º 37.º, n.º 3, da Constituição, conforme já dito, possibilita que as infracções cometidas no exercício dos direitos associados à liberdade de expressão e de informação fiquem submetidas aos princípios gerais do ilícito de mera ordenação social (as infracções que, pela sua menor gravidade, não devam ser qualificadas como crime), concomitantemente impõe a Lei Fundamental que a respectiva apreciação se faça, neste caso, por entidade administrativa independente.
12.º
E não sendo claro de que entidade administrativa independente concreta fala o legislador constituinte – J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira entendem que “só pode ser a Entidade Reguladora da Comunicação Social, prevista no art.º 39.º [da Constituição]” (…), enquanto que Jorge Miranda e Rui Medeiros remetem para a autorização genérica conferida pela Lei Fundamental para a criação de entidades administrativas independentes (…) (isto é, o art.º 267.º, n.º 3, introduzido, aliás, na mesma revisão constitucional que conferiu a actual redacção ao art.º 37.º, n.º 3) –, a verdade é que não serão seguramente os presidentes das câmaras municipais das áreas em que se verifiquem as contra-ordenações as entidades habilitadas pela Constituição a apreciar as infracções e a aplicar as sanções legalmente estabelecidas.
13.º
Ao atribuir aos presidentes das câmaras municipais competência para a aplicação das coimas no âmbito das infracções cometidas no exercício dos direitos associados às liberdades de expressão e de informação, o legislador contraria de forma manifesta a norma do art.º 37.º, n.º 3, da Constituição, na parte em que determina que a apreciação das infracções que constituam ilícito de mera ordenação social seja feita por entidade administrativa independente.
14.º
A norma do art.º 10.º, n.º 4, da Lei n.º 97/88, em leitura conjugada com a do n.º 1 do mesmo artigo, e quando aplicada às mensagens de propaganda, é materialmente inconstitucional no seu confronto com a norma constante do art.º 37.º, n.º 3, da Lei Fundamental, na parte que atribui a apreciação das infracções cometidas no exercício dos direitos associados às liberdades de expressão e de informação no âmbito do ilícito de mera ordenação social a entidade administrativa independente».
3. Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos.
4. Debatido o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal Constitucional e fixada a orientação do Tribunal sobre as questões a resolver, procedeu-se à distribuição do processo, cumprindo agora formular a decisão.
II. Fundamentação
5. A norma que é objecto do presente pedido insere-se num artigo da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, diploma que regula a afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda, que tem a redacção que se segue:
«Artigo 10.º
Contra-ordenações
1 – Constitui contra-ordenação punível com coima a violação do disposto nos artigos 1.º, 3º, n.º 2, 4.º e 6.º da presente lei.
2 – (…).
3 – (…).
4 – A aplicação das coimas previstas neste artigo compete ao presidente da câmara municipal da área em que se verificar a contra-ordenação, revertendo para a câmara municipal o respectivo produto».
No que se refere às mensagens de propaganda, as disposições legais para que remete o n.º 1 deste artigo têm a seguinte redacção:
«Artigo 3.º
Mensagens da propaganda
2 – A afixação ou inscrição de mensagens de propaganda nos lugares ou espaços de propriedade particular depende do consentimento do respectivo proprietário ou possuidor e deve respeitar as normas em vigor sobre protecção do património arquitectónico e do meio urbanístico, ambiental e paisagístico;
Artigo 4.º
Critérios de licenciamento e de exercício
1 – Os critérios a estabelecer no licenciamento da publicidade, comercial assim como o exercício das actividades de propaganda, devem prosseguir os seguintes objectivos:
a) Não provocar obstrução de perspectivas panorâmicas ou afectar a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem;
b) Não prejudicar a beleza ou o enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros susceptíveis de ser classificados pelas entidades públicas;
c) Não causar prejuízos a terceiros;
d) Não afectar a segurança das pessoas ou das coisas, nomeadamente na circulação rodoviária ou ferroviária;
e) Não apresentar disposições, formatos ou cores que possam confundir-se com os da sinalização de tráfego;
f) Não prejudicar a circulação dos peões, designadamente dos deficientes.
2 – É proibida, em qualquer caso, a realização de inscrições ou pinturas murais em monumentos nacionais, edifícios religiosos, sedes de órgão de soberania, de regiões autónomas ou de autarquias locais, tal como em sinais de trânsito, placas de sinalização rodoviárias, interior de quaisquer repartições ou edifícios públicos ou franqueados ao público, incluindo estabelecimentos comerciais e centros históricos como tal declarados ao abrigo da competente regulamentação urbanística;
Artigo 6.º
Meios amovíveis de propaganda
1 – Os meios amovíveis de propaganda afixados em lugares públicos devem respeitar as regras definidas no artigo 4.º, sendo a sua remoção da responsabilidade das entidades que a tiverem instalado ou resultem identificáveis das mensagens expostas.
2 – Compete às câmaras municipais, ouvidos os interessados, definir os prazos e condições de remoção dos meios de propaganda utilizados».
6. A este Tribunal é requerida a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 10.º, n.º 4, da Lei n.º 97/88, quando aplicada às mensagens de propaganda, por violação do n.º 3 do artigo 37.º da CRP, segundo o qual “as infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei”.
Segundo o requerente, “ao atribuir aos presidentes das câmaras municipais competência para a aplicação das coimas no âmbito das infracções cometidas no exercício dos direitos associados às liberdades de expressão e de informação, o legislador contraria de forma manifesta a norma do art.º 37.º, n.º 3, da Constituição, na parte em que determina que a apreciação das infracções que constituam ilícito de mera ordenação social seja feita por entidade administrativa independente”.
7. O parâmetro constitucional convocado pelo requerente – o n.º 3 do artigo 37.º da CRP – e a descrição das infracções tipificadas nos artigos 3.º, n.º 2, 4.º, 6.º e 10.º, n.º 1, da Lei n.º 97/88 justificam que se comece por reiterar que “a propaganda (nomeadamente, mas não apenas, a propaganda política), é uma forma de expressão do pensamento abrangida pelo âmbito de protecção daquele preceito” e que “a liberdade de expressão, que o artigo 37.º, n.º 1, garante, compreende o direito de manifestar o próprio pensamento (aspecto substantivo) e bem assim o de livre utilização dos meios através dos quais esse pensamento pode ser difundido (aspecto instrumental)” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 258/2006, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, suportado em jurisprudência anterior).
8. A redacção actual do n.º 3 do artigo 37.º da CRP foi dada pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, a qual não corresponde à primitiva nem tão pouco à que, entretanto, lhe foi dada pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro.
Tendo como fonte o artigo 21.º, n.º 3, do Projecto de Constituição apresentado pelo Partido Popular Democrático (cf. Diário da Assembleia Constituinte, N.º 16, de 24 de Julho de 1975), o n.º 3 do artigo 37.º da CRP, estatui, na versão originária do preceito, que as infracções cometidas no exercício dos direitos de expressão e de informação ficarão submetidas ao regime de punição da lei geral, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais, não sendo propriamente significativa a alteração introduzida em 1982. À nova redacção – as infracções cometidas no exercício dos direitos de expressão e de informação ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais – correspondeu apenas uma “correcção técnica de linguagem”, que foi ao encontro da interpretação que a Comissão Constitucional já vinha fazendo do preceito em causa (neste sentido, cf. trabalhos preparatórios da revisão constitucional, Diário da Assembleia da República, II Série – Número 80, de 21 de Abril de 1982 e I Série – Número 103, de 16 de Junho de 1982; e Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 81/84, publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Janeiro de 1985, e 631/95, disponível em www.tribunalconstitucional.pt. Para uma síntese daquela interpretação, feita no Acórdão n.º 175, de 8 de Janeiro de 1980, Figueiredo Dias, “Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 115.º, N.º 3697, p. 102 e ss.).
Já é significativa a redacção dada ao artigo 37.º, n.º 3, em 1997. Mas não porque se retire da letra do preceito que, a partir desta data, as infracções cometidas no exercício dos direitos de expressão e de informação passaram a poder ser sancionadas quer no âmbito do direito penal quer no do direito de mera ordenação social. Quanto a isto, bem pode concluir-se que se tratou de alteração determinada pela criação e expansão do ilícito contraordenacional, que foi ao encontro da interpretação que o Tribunal Constitucional já vinha fazendo do n.º 3 do artigo 37.º, na redacção dada em 1982. A interpretação segundo a qual esta norma constitucional não impõe que todas as infracções cometidas no exercício dos direitos de expressão e de informação sejam sancionadas criminalmente (assim, Acórdãos n.ºs 81/84 e 631/95, já referidos).
A alteração do texto do n.º 3 do artigo 37.º, por via da Lei Constitucional n.º 1/97, é significativa, porque alargou a competência para a apreciação das infracções em causa a entidade administrativa independente, contrariando a redacção primitiva do preceito constitucional (mantida em 1982) e a interpretação que dele fez o Tribunal Constitucional no já mencionado Acórdão n.º 631/95. A interpretação segundo a qual também a aplicação das coimas, por infracções cometidas no exercício dos direitos de expressão e de informação, estava reservada aos tribunais judiciais, o que ditou o julgamento de inconstitucionalidade da norma contida no n.º 4 do artigo 10.º, em conexão com a do artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 97/88, “por subtraírem aos tribunais judiciais a apreciação das infracções”, entregando-a ao presidente da câmara municipal da área em que se verificar a contra-ordenação (julgamento que foi objecto de duas declarações de voto, por referência à “intenção normativa” do artigo 37.º, n.º 3).
Para decidir a questão de constitucionalidade posta a este Tribunal, importa, pois, averiguar qual é hoje o sentido e o alcance do n.º 3 do artigo 37.º da CRP. Na redacção actual do preceito, uma vez que é questionada a constitucionalidade material da norma que é objecto do pedido.
9. Em conjunto, os artigos 37.º, 38.º, 39.º e 40.º da CRP “integram uma ampla constituição da informação, que forma a base do regime jurídico desta”. Indo do geral para o particular, o primeiro “regula as liberdades e direitos de expressão e informação, em geral”; o segundo “ocupa-se desses direitos quando exercidos através da imprensa e demais meios de comunicação de massa”; o terceiro “prevê um órgão independente de garantia desses direitos”; e o quarto “garante um especial direito à expressão e à informação, que é o direito de antena” (cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 2007, anotação ao artigo 37.º, ponto I.).
O artigo 37.º, reconhecendo a existência de limites ao exercício dos direitos de expressão e de informação, começou por preceituar no n.º 3 que as infracções cometidas no exercício destes direitos ficavam submetidas ao regime de punição da lei geral (aos princípios gerais de direito criminal), sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais. Deste n.º 3 decorria, entre o mais, a proibição de um regime de excepção quanto aos tribunais competentes para apreciar infracções cometidas no exercício dos direitos de expressão e de informação, em consonância com a proibição constitucional de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias crimes, decorrente do então artigo 213.º, n.º 3 (assim, Acórdão da Comissão Constitucional n.º 175, já mencionado. Na doutrina, Figueiredo Dias, loc. cit., p. 104 e Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, anotação aos artigos 37.º, ponto IX. e 211.º, ponto XIV. Em sentido divergente, Acórdão n.º 631/95, já referido).
O entendimento segundo o qual “a ratio da norma é impedir um direito penal de excepção” (cf. declaração de voto da Conselheira Assunção Esteves aposta ao Acórdão n.º 631/95), com a consequência de a garantia consagrada no n.º 3 do artigo 37.º da CRP não abranger o ilícito de mera ordenação social, em nada se alterou com as alterações introduzidas pela Lei Constitucional n.º 1/97. A norma constitucional, na parte que se refere ao ilícito criminal, continua a proibir “um direito penal de excepção, quer quanto ao seu regime (sem prejuízo de qualificações), quer quanto aos tribunais competentes”, em consonância com o agora preceituado no n.º 4 do artigo 209.º da CRP (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., 2007, anotação ao artigo 37.º, ponto IX.).
Além disto, abrangendo expressamente o ilícito de mera ordenação social, o n.º 3 do artigo 37.º atribui a entidade administrativa independente competência para a apreciação de infracções contraordenacionais cometidas no exercício dos direitos de expressão e de informação. Sem que deixe de valer relativamente às contra-ordenações, praticadas no exercício destes direitos, a proibição de um regime de excepção, na medida em que se preceitua, de forma expressa, que quanto a elas valem os princípios gerais do ilícito de mera ordenação social.
10. No que se refere ao processamento, a proibição de um regime de excepção significa que não é constitucionalmente admissível a existência de uma autoridade administrativa com competência exclusiva para a apreciação das infracções contraordenacionais cometidas no exercício dos direitos de expressão e de informação, o que contrariaria aqueles princípios, nomeadamente os que se extraem do artigo 33.º e ss. do Regime geral das contra-ordenações. Sem prejuízo de poder haver especialidades do regime, “materialmente justificadas e adequadas à especificidade das matérias”, compatíveis com “os princípios fundamentais ou os princípios gerais que presidem à disciplina jurídica respectiva” (Acórdão da Comissão Constitucional n.º 175, já referido).
Assim sendo, a entidade administrativa independente a que se refere o n.º 3 do artigo 37.º é a entidade com competência para a regulação da comunicação social, nos termos do artigo 39.º da CRP, cabendo a este órgão independente a apreciação das infracções contraordenacionais cometidas no exercício dos direitos de expressão e de informação, através dos meios de comunicação social. Abonam neste sentido os trabalhos preparatórios da revisão constitucional de 1997, onde é clara a ligação entre aquele n.º 3 e o artigo 39.º, então dedicado à Alta Autoridade para a Comunicação Social, à qual sucedeu uma entidade administrativa independente com poderes de regulação, na sequência da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho (Diário da Assembleia da República, I Série – Número 95, de 17 de Julho de 1997. No sentido de que “a «entidade administrativa independente» a que se refere este número só pode ser a Entidade Reguladora da Comunicação Social, prevista no art. 39.º”, Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., 2007, anotação ao artigo 37.º, ponto IX.).
No n.º 3 do artigo 37.º – o preceito da “constituição da informação” que incide sobre as infracções cometidas no exercício dos direitos de expressão e de informação – prevê-se uma especialidade do regime: materialmente justificada, dada a especificidade de tais direitos quando exercidos através dos meios de comunicação social (artigo 38.º da CRP); e adequada, face às atribuições da autoridade encarregada da regulação da comunicação social e à natureza jurídica de tal entidade, relativamente à qual há uma garantia acrescida de imparcialidade (artigos 39.º e 267.º, n.º 3, da CRP).
11. De acordo com o n.º 4 do artigo 10.º da Lei n.º 97/88, compete ao presidente da câmara municipal, em matéria de mensagens de propaganda, aplicar as coimas decorrentes da violação do disposto nos artigos 3.º, n.º 2, 4.º e 6.º da mesma lei. Apesar de esta violação ocorrer no exercício do direito de expressão do pensamento (cf. supra ponto 7.), há que concluir que a norma não contraria o n.º 3 do artigo 37.º da CRP, atento o sentido e o alcance deste preceito constitucional (cf. supra pontos 9. e 10.), uma vez que as infracções não são cometidas através dos meios de comunicação social.
O n.º 3 do artigo 37.º não garante a jurisdicionalização do processo em que são apreciadas as infracções cometidas no exercício dos direitos de expressão e de informação, com a consequência de, independentemente da natureza da infracção (criminal ou contraordenacional), ser competente para tal apreciação um tribunal judicial. O preceito constitucional proíbe a existência de um regime de excepção quanto ao processamento de tais infracções.
A competência para a apreciação das infracções que constituem ilícito de mera ordenação social não é constitucionalmente atribuída a uma entidade administrativa independente. O n.º 3 do artigo 37.º impõe apenas que sejam apreciadas pela entidade administrativa independente encarregada da regulação da comunicação social as infracções contraordenacionais cometidas no exercício dos direitos de expressão e de informação, através dos meios de comunicação social.
III. Decisão
Face ao exposto, o Tribunal Constitucional decide não declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 10.º, n.º 4, da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, quando aplicada às mensagens de propaganda.
Lisboa, 2 de Junho de 2010
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Joaquim de Sousa Ribeiro
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão
Maria Lúcia Amaral (com declaração que segue em anexo)
Benjamim Rodrigues (com a declaração de que incluo no conceito dos meios de comunicação social todo o meio de expressão do pensamento, normativamente regulado, numa acepção, porém, mais ampla do que a actualmente qualificada como tal na lei infraconstitucional)
João Cura Mariano (vencido pelas razões constantes da declaração que junto).
José Borges Soeiro (vencido, de harmonia com a declaração de voto que junto).
Carlos Fernandes Cadilha (vencido pelas razões constantes da declaração de voto do Conselheiro Cura Mariano)
Rui Manuel Moura Ramos (Vencido, pelo essencial das razões constantes das declarações de voto dos Senhores Conselheiros Cura Mariano e Borges Soeiro).
DECLARAÇÃO DE VOTO
É minha convicção firme que uma constituição não pode ser interpretada como se fora um agregado de preceitos e de segmentos de preceitos, susceptíveis de serem isolados ad infinitum e susceptíveis de serem portadores, cada um deles, de um sentido prescritivo auto-suficiente que possa ser imputado à norma constitucional. Esta é uma leitura que, a meu ver, desconhecendo a estrutura particular das normas constitucionais e desconsiderando a unidade sistemática da Constituição, pode conduzir a resultados interpretativos inidóneos.
No caso, não considero que tenha sido inidóneo o resultado final a que conduziu o método interpretativo adoptado. Formulou-se um juízo de não inconstitucionalidade que, por inteiro, compartilho. Mas o que não posso acompanhar é o caminho que se seguiu para a formulação do juízo: a determinação do sentido do último inciso do nº 3 do artigo 37.º da Constituição tendo em conta o disposto no seu artigo 39.º, de modo a restringir, no caso, o conceito constitucional de liberdade de expressão às mensagens de propaganda difundidas, apenas, pelos meios de comunicação social. Não me parece que seja este o método adequado para resolver o problema que fora colocado ao Tribunal.
Pela especial natureza dos bens jurídicos que protege, a norma do artigo 37.º da Constituição deve ser vista, quanto ao âmbito de comportamentos a incluir na sua fattispecie, como uma norma de largo espectro. Na sua dimensão objectiva e institucional, a liberdade de expressão exerce uma função estruturante do sistema de direitos fundamentais e da arquitectura principial do Estado democrático. Por causa dessa sua função, não é legítimo que o Tribunal a entenda através dos apertados critérios que são defendidos pelas chamadas teorias do âmbito restrito de protecção das normas que consagram direitos. Tais teorias tendem a excluir a priori, e em termos gerais e abstractos, certos comportamentos do âmbito de protecção das normas constitucionais, sempre que esses comportamentos correspondam ao cumprimento de deveres que sejam decorrentes, ou de direitos dos outros, ou, simplesmente, da consagração objectiva de outros princípios constitucionais. Não está agora em discussão a questão de saber se tais teorias (as do âmbito restrito de protecção) devem ou não ser sempre afastadas, qualquer que seja o direito fundamental a que se reportem. Certo é que, no caso da liberdade de expressão, tudo, no sistema constitucional, parece recomendar o seu afastamento. É por isso que o Tribunal tem sempre dito, e com muita razão, que “a propaganda, nomeadamente, que não apenas, a propaganda política”, é uma forma de expressão do pensamento que está abrangida pelo âmbito de protecção da liberdade de expressão.
Uma coisa, no entanto, é fazer esta afirmação enquanto princípio geral; outra coisa é avaliar se tal princípio colhe ainda, perante as características peculiares de certa regulação ordinária que, em concreto, tenha que julgar-se.
No caso, estamos perante normas da Lei nº 97/88, que regula as condições de afixação e inscrição de mensagens de propaganda. Determina a lei que certos comportamentos (v.g inscrições em edifícios privados, em sedes de órgãos de soberania ou edifícios religioso ou em sinais de trânsito) constituam contra-ordenações, sancionáveis com coimas a aplicar pelo Presidente da Câmara Municipal.
Face ao disposto no artigo 37º, da CRP – mormente, face ao seu nº 3 – a questão central a resolver é a de saber se, ao qualificar como contra-ordenações estes comportamentos, a lei estará verdadeiramente a introduzir limites ou restrições à liberdade de expressão. Não importa agora saber se esses limites ou restrições serão legítimos ou ilegítimos; o que importa é saber se, aqui, de limites ou restrições verdadeiramente se trata. Por outras palavras, o que importa é saber se inscrever mensagens de propaganda política em edifícios religiosos ou em sinais de trânsito, por exemplo, é ainda exercer a liberdade de expressão a que se refere o artigo 37.º da Constituição (como é evidente, todo ele).
Não obstante o largo espectro “fáctico” que deve ser reconhecido ao campo de protecção do artigo 37.º da CRP, dou à pergunta que atrás formulei uma resposta negativa.
A Lei nº 97/88 estabelece regras mínimas de policiamento do espaço público. E fá-lo tendo em conta a necessidade de protecção de certos bens constitucionalmente tutelados, como a propriedade privada (artigo 3º, nº 2 da Lei; artigo 62.º da CRP), a natureza e o ambiente (artigo 3º, nº 2 da Lei; artigo 65.º da Constituição), a liberdade de religião e culto (artigo 4º, nº 2 da Lei; artigo 41º da CRP) ou a segurança do tráfego inerente à liberdade de circulação (artigo 4.º, nº 2, da Lei; artigo 44.º da CRP). Não está na livre disposição do legislador ordinário policiar ou deixar de policiar deste modo o espaço público. Sendo tarefa do Estado a protecção dos bens que por último enumerei, o estabelecimento destas normas de policiamento corresponde a um dever certo do legislador. Não está em causa uma ponderação sua sobre o grau óptimo de fazer concordar a existência da liberdade de expressão do pensamento com outros direitos ou interesses constitucionalmente tutelados. Em causa está antes o cumprimento, por parte do legislador ordinário, de deveres constitucionais de protecção normativa, dotados, eles próprios, de força vinculativa certa. Admitir-se-ia que a lei autorizasse (por acção ou omissão) que os sinais de trânsito viessem a ser cobertos por mensagens de propaganda política- Ou que as mesmas mensagens se impusessem em edifícios privados sem consentimento do respectivo proprietário- Ou que por qualquer forma produzissem evidente danosidade ecológica-
O cumprimento, por parte do legislador, destes deveres de protecção não é restrição ou limite à liberdade de expressão. É outra coisa. E para a realização dessa “outra coisa” – ou seja, para o cumprimento das regras mínimas de policiamento dos espaços públicos – são naturalmente competentes as autoridades, democraticamente legitimadas, do poder local.
Maria Lúcia Amaral
DECLARAÇÃO DE VOTO
Discordo da posição que fez vencimento, segundo a qual a exigência de que as infracções contra-ordenacionais cometidas no exercício dos direitos de expressão e de informação devem ser julgadas por entidade administrativa independente, contida no artigo 37.º, n.º 3, da C.R.P., apenas abrange as infracções praticadas através dos meios de comunicação social.
Entre os artigos 37.º e 38.º, da C.R.P., existe uma relação de especialidade. Enquanto no primeiro se dispõe sobre as liberdades e direitos de expressão e de informação em geral, abrangendo as mais diversas formas do seu exercício, o segundo preceito ocupa-se especificamente dessas liberdades e direitos quando exercidos através da imprensa e demais meios de comunicação social (vide, neste sentido, GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, em “Constituição da República Portuguesa anotada”, vol. I, pág. 571, da 4.ª ed., da Coimbra Editora).
A actual redacção do n.º 3, do artigo 37.º, da C.R.P., resultou da Revisão Constitucional de 1997, a qual visou reconhecer a possibilidade de infracções de menor gravidade passarem a estar sujeitas ao direito de mera ordenação social, exigindo-se, contudo, que o seu julgamento fosse efectuado por entidade administrativa independente.
Na verdade, na anterior redacção deste n.º 3 apenas se referia que as infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais, tendo o Tribunal Constitucional, em processo de fiscalização sucessiva concreta de constitucionalidade (Acórdão n.º 631/95) viabilizado a possibilidade de serem previstas na lei infracções contra-ordenacionais praticadas no exercício da liberdade de expressão e informação, mas decidindo que o seu julgamento só poderia ser efectuado por tribunais judiciais, aplicando os princípios vigentes no direito criminal, sob pena de violação daquele preceito constitucional.
O legislador constitucional de 1997 entendeu sujeitar as infracções de menor gravidade, cometidas no exercício da liberdade de expressão e informação, tipificadas como contra-ordenações, aos princípios do direito de mera ordenação social, excluindo assim um qualquer regime de excepção, salvo a atribuição da competência para julgar, numa primeira linha, essas infracções.
Enquanto, no regime geral das contra-ordenações, esse julgamento compete às autoridades administrativas determinadas pela lei (artigos 33.º e 34.º, n.º 1, do R.G.C.O.), no domínio das infracções cometidas no exercício das liberdades de expressão e informação, a Constituição impôs que ele fosse feito por uma entidade administrativa independente.
Entendeu-se que, atenta a especial sensibilidade da área onde ocorriam as infracções em causa, não podia o seu julgamento ficar entregue a quaisquer autoridades administrativas que não garantissem isenção, imparcialidade e independência face às maiorias políticas contingentes.
Daí que se tenha aproveitado a figura das entidades administrativas independentes, introduzida na Constituição pela mesma Revisão de 1997, no artigo 267.º, n.º 3, para lhes atribuir a competência para julgar estas infracções.
Assim, sem abandonar a regra do direito processual contra-ordenacional de que o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas cabe, numa primeira fase, a uma entidade administrativa, impôs-se que relativamente às contra-ordenações praticadas no exercício da liberdade de expressão e informação, a entidade administrativa julgadora gozasse de um estatuto especial que garantisse a sua independência face ao Governo ou a outros órgãos do poder político-administrativo.
Situando-se esta imposição no regime geral constitucional da liberdade de expressão e de informação (artigo 37.º) e não no regime especial dessa liberdade quando exercida através dos meios de comunicação social, ela abrange todas as infracções contra-ordenacionais cometidas por qualquer meio ou forma de expressão.
O facto do artigo 39.º, da C.R.P., prever a criação por lei duma entidade administrativa independente reguladora da Comunicação Social, não significa que só as contra-ordenações cometidas na utilização desta forma de expressão devam ser julgadas por uma entidade administrativa independente.
Se o legislador constitucional de 1997 desejasse essa construção restritiva, teria incluído o conteúdo da parte final do n.º 3, do artigo 37.º, no artigo 39.º, quando enumera as tarefas da referida entidade reguladora da Comunicação Social.
Não o tendo feito, não se vislumbra qualquer razão, nem o presente acórdão a indica, para restringir o âmbito de aplicação genérica da imposição de julgamento das contra-ordenações cometidas no exercício da liberdade de expressão e de informação por uma entidade administrativa independente.
E mesmo esquecendo a ausência de qualquer apoio literal ou sistemático para tal interpretação restritiva, o facto de actualmente os meios de comunicação de massas se distinguirem como o meio mais poderoso de divulgação de ideias, mensagens, opiniões e notícias, pelo elevado número de audiências que obtém, não justificaria um regime específico neste domínio. A necessidade de que a entidade que procede ao julgamento das contra-ordenações cometidas no exercício da liberdade de expressão e de informação seja dotada de independência, de modo a afastar quaisquer suspeitas que esse julgamento seja utilizado politicamente para condicionar o exercício dessa liberdade, sente-se independentemente do meio utilizado nesse exercício. Tenha-se presente, por exemplo, que a propaganda política utiliza dominantemente meios de expressão que não se incluem nos meios de comunicação social (v.g. afixação de cartazes), sendo esse um sector que reclama com maior evidência uma imagem de isenção da entidade julgadora das contra-ordenações cometidas no seu exercício.
Não se justificando, pois, a interpretação restritiva do artigo 37.º, n.º 3, da C.R.P., ela é aplicável às contra-ordenações cometidas em actividades de propaganda, uma vez que esta é uma forma de expressão do pensamento, abrangida pelo âmbito de protecção daquele preceito (vide, neste sentido o Acórdão deste Tribunal n.º 258/2006), pelo que entendo que a norma contida no artigo 10.º, n.º 4, da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, ao atribuir competência aos presidentes das câmaras municipais para aplicarem coimas pela prática de contra-ordenações relativamente a mensagens de propaganda, é inconstitucional.
João Cura Mariano
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido, face ao entendimento que perfilho e, que, sinteticamente, desenvolvo:
De harmonia com o disposto no artigo 10.º nº 4 da Lei nº 97/88, de 17 de Agosto, compete ao presidente da câmara municipal, em matéria de mensagens de propaganda, aplicar as coimas decorrentes da violação do disposto nos artigos 3.º nº 2, 4.º e 6.º da mesma lei.
Assim, sendo certo que o parâmetro aferidor da constitucionalidade do preceito sindicado é o nº 3 do artigo 37.º da CRP, há que, em meu juízo, circunscrever o âmbito de protecção da norma constitucional reportada às violações no exercício do direito de expressão do pensamento.
E, cotejando o artigo 10.º nº 1 da citada Lei nº 97/88, distinguiria, nomeadamente o disposto no artigo 3.º nº 2 do artigo 4.º nº 2.
Na primeira disposição, em que estarão em causa manifestações com a explicitação de mensagens de propaganda, afigura-se-me que terá de ser a “entidade administrativa independente”, a aplicar as coimas, porque se estará em sede de eventual violação do exercício do direito de expressão do pensamento.
Já, no que concerne à segunda disposição legal (artigo 4.º nº 2), julgo que a intenção do legislador foi tão somente evitar comportamentos de danosidade social, em nome da salvaguarda do bem público, pelo que são outorgados ao presidente da câmara funções de “polícia administrativa”, entre as quais se encontrará, também, o poder de aplicar, com esse propósito, as adequadas coimas.
Assim, distancio-me do acórdão que fez vencimento, no segmento assinalado, ou seja, no juízo de não inconstitucionalidade reportado ao artigo 3.º nº 2 da Lei nº 97/88, por considerar que se está perante mensagens de propaganda e, com tal, na área reservada do direito de expressão do pensamento, pelo que só a “entidade administrativa independente” seria competente para aplicar as coimas referidas no artigo 10.º nº 4, em análise.
Discordo, pois, da interpretação redutora feita no acórdão que fez vencimento, circunscrevendo as infracções contraordenacionais, cometidas no exercício de expressão e informação, somente através dos meios de comunicação social.
A interpretação assim efectuada ao nº 3 do artigo 37.º da CRP é, salvo o devido respeito, contraditória, por manifestamente restritiva, com a previsão do nº 1 do mesmo preceito, que abrange uma realidade bem mais ampla da mencionada no acórdão (“Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”).
Dissenti, por esta forma, do acórdão que fez vencimento.
J. Borges Soeiro