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Processo n.º 943/09 3ª
SecçãoRelator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A., juíza de direito, interpôs recurso contencioso para o Supremo Tribunal de
Justiça da deliberação do plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 14
de Julho de 2009, relativa ao Movimento Judicial Ordinário de 2009, em vista à
anulação contenciosa dessa deliberação, por a ter preterido na colocação como
juiz auxiliar no Tribunal de Execução das Penas de Lisboa, em violação do
disposto nos artigos 43º a 45º-A do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 13º da
Constituição da República.
O Ministério Público, na vista inicial, emitiu parecer no sentido de não haver
obstáculo ao prosseguimento do recurso.
O relator no Supremo Tribunal de Justiça entendeu verificar-se a
extemporaneidade do recurso e determinou a inscrição do processo para
julgamento, com dispensa de vistos e sem quaisquer outras formalidades.
Por acórdão de 1 de Outubro de 2009, decidiu-se rejeitar o recurso, por
extemporaneidade, com base no entendimento de que, sendo o prazo de recurso
contencioso de 30 dias contados da data da publicação da deliberação, quando
esta seja obrigatória, e tendo o movimento judicial a que se refere a
deliberação impugnada sido publicado em 31 de Agosto de 2009, é intempestiva a
apresentação da petição inicial em 13 de Agosto desse ano, e, portanto, ainda
antes de se ter iniciado formalmente o prazo de interposição de recurso.
O Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70°, n°. 1, alínea b), da Lei do
Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade das
seguintes normas:
a) a do artigo 173°, n° 3, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, quando
interpretada no sentido de permitir a rejeição do recurso por extemporaneidade
sem que previamente tenha sido dado conhecimento à recorrente e ao Ministério
Público para se pronunciarem sobre essa questão prévia, com fundamento em
violação do direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20°, n° 4, da
Constituição, na sua dimensão do direito ao contraditório e de proibição de
decisões-surpresa;
b) a do artigo 169°, n° 2, alínea a), do mesmo Estatuto, quando interpretada no
sentido de não dever ser admitida por extemporânea a impugnação de acto
alegadamente lesivo, sujeito a publicação em Diário da República, antes de esta
ter efectivamente ocorrido, tendo o procedimento administrativo sido
electronicamente tramitado e aquele acto pela mesma via publicitado, na página
oficial da Internet da entidade recorrida, por violação do direito a um processo
equitativo, como processo materialmente informado pelos princípios materiais da
justiça e do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos artigos
20°, n° 5, e 268°, n° 4, da Constituição.
Nada tendo obstado ao prosseguimento do recurso, o Ministério Público apresentou
alegações, em que formula as seguintes conclusões: 1º Em recurso contencioso de
anulação de deliberação do Conselho Superior da Magistratura, previsto e
regulado pelos arts. 168º a 178º do EMJ, aberta vista ao Ministério Público, nos
termos e para os efeitos do art. 173º, nº 1, deste mesmo diploma, foi emitida
promoção no sentido de nada obstar ao seu prosseguimento. 2º No entanto, tendo
o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Relator entendido verificar-se extemporaneidade na
interposição do recurso, impunha-se que fosse dada à recorrente, bem como ao
Ministério Público, oportunidade de se pronunciarem sobre essa questão prévia,
antes de o Tribunal proferir decisão final sobre a mesma.3º Essa imposição
decorre do direito a um processo equitativo, consagrado no nº 4 do art. 20º da
CRP, e do princípio do contraditório, ínsito no direito de acesso à justiça e
aos tribunais, consagrado no nº 1, desta mesma disposição da Constituição. 4º
Não tendo a recorrente, nem o Ministério Público, cuja intervenção na fase
preliminar do recurso é ditada pelo nº 1 do art. 173º do EMJ em defesa da
legalidade objectiva que estatutariamente lhe compete, sido anteriormente
confrontados com o entendimento do Exmo. Sr. Conselheiro Relator, da verificação
de questão prévia que obstava ao conhecimento do recurso, o acórdão recorrido
constituiu uma “decisão – surpresa”, em manifesta violação dos referido direitos
constitucionalmente consagrados. 5º Consequentemente, deve ser julgada
inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo, na vertente
do princípio do contraditório, que também se insere no direito de acesso à
justiça, consagrados nos nºs. 4 e 1, do art. 20º, da CRP, a norma constante do
nº 3, do art. 173º, do EMJ, tal como interpretada implicitamente no acórdão
recorrido, no sentido de permitir a rejeição do recurso por extemporaneidade,
conforme questão suscitada no parecer do Relator, sem que desse parecer fosse
previamente dado conhecimento nem à recorrente, nem ao Ministério Público. 6º
Por outro lado, contrariamente ao decidido pelo acórdão recorrido (nesta matéria
com dois votos de vencido), a deliberação impugnada, de publicação obrigatória
no Diário da República, era já impugnável, à data da interposição do recurso,
muito embora essa publicação ainda não tivesse ocorrido. 7º Com efeito, o art.
54º do CPTA, aplicável ao regime de recursos das deliberações do Conselho
Superior da Magistratura, por força do disposto no art. 178º do EMJ, permite a
impugnação de acto administrativo ineficaz, nomeadamente, dos actos de eficácia
diferida, relativamente aos quais exista a certeza ou uma forte probabilidade de
iniciarem a produção de efeitos (al. b), do nº 1, do citado art. 54º). 8º É o
caso da situação sub judice, em que o acto impugnado, embora apenas tenha sido
publicado no Diário da República de 31 de Agosto de 2009, havia já sido
publicitado na Internet, à data da interposição do recurso contencioso (13 de
Agosto de 2009), na página oficial do CSM, onde foi igualmente tramitado o
procedimento administrativo em que se insere.9º Acresce que o Tribunal, no
exercício dos seus poderes de apreciação dos pressupostos processuais, está
vinculado ao imperativo do art. 7º do CPTA que consagra o princípio pro actione,
pelo que, em caso de dúvida, tem o dever de interpretar as normas processuais
num sentido que favoreça a emissão de uma pronúncia sobre o mérito das
pretensões formuladas. 10º Para além de ser impugnável o acto recorrido, o
recurso nunca poderia ser considerado extemporâneo, dado que interposto antes
mesmo de se iniciar o prazo legal para a sua interposição. 11º Isto porque, a
publicação obrigatória da deliberação no Diário da República constitui o facto
propulsor do início da contagem do prazo, de 30 dias, para a sua impugnação
(art. 169º, nºs 1 e 2, al. a), do EMJ). 12º O que significa que o prazo para a
impugnação contenciosa do acto, não se esgota enquanto não decorrerem os 30 dias
seguintes à data da sua publicação do Diário da República. 13º Mas, nada impede
o destinatário do acto, ainda não publicado no jornal oficial, mas que já tenha
sido objecto de publicitação na Internet, na página oficial do órgão da
Administração que o proferiu, de exercer, desde logo, o seu direito de
impugnação contenciosa. 14º A rejeição do recurso interposto, por
extemporaneidade, a despeito do acto ser de publicação obrigatória e esta ainda
não ter tido lugar, revela-se profundamente atentatória dos princípios
antiformalistas e pro actione, cerceando o acesso ao direito e à tutela judicial
efectiva. 15º Como tal, deve também ser julgada inconstitucional, por violação
dos artigos 20º, nº 5, e 268º, nº 4, ambos da CRP, a norma constante do art.
169º, nº 2, alínea a), do EMJ, tal como interpretada no acórdão recorrido, no
sentido de não ser admitido, por extemporâneo, o recurso interposto de acto
sujeito a publicação obrigatória no Diário da República, antes de esta ter
ocorrido, mas de que a recorrente, uma das destinatárias desse acto, tomou
conhecimento através da publicitação efectuada na Internet, na página oficial da
entidade recorrida. 16º Deve, pois, ser dado provimento ao recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
2. A primeira questão de constitucionalidade que vem colocada refere-se à norma
do artigo 173°, n° 3, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), quando
interpretada no sentido de poder decidir-se a rejeição do recurso contencioso
por extemporaneidade sem que previamente tenha sido dado conhecimento à
recorrente e ao Ministério Público para se pronunciarem sobre essa questão
prévia.
Dispõe esse preceito, sob a epígrafe «questões prévias», que «quando o relator
entender que se verifica extemporaneidade, ilegitimidade das partes ou manifesta
ilegalidade do recurso, fará uma breve e fundamentada exposição e apresentará o
processo na primeira sessão sem necessidade de vistos».
Essa disposição, entendida no sentido que é possível rejeitar o recurso
contencioso quando se verifique circunstância que afecte o seu prosseguimento,
logo na fase inicial do processo, sem qualquer prévia audição do interessado,
não tem paralelo nem nas disposições contemporâneas que regulavam o regime de
impugnação de actos administrativos na jurisdição administrativa (cfr. artigo 57
§ 3º do Regulamento do STA), nem nas subsequentes reformas de contencioso
administrativo, que sempre previram, ou por disposição expressa ou por remissão
supletiva para o disposto no Código de Processo Civil, a audição do impugnante
quando fosse suscitada questão (ainda que oficiosamente através do parecer do
relator) que obstasse ao conhecimento do objecto do processo (cfr. artigo 54º,
n.º 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo
Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, e artigo 3º, n.º 3, do Código de
Processo Civil por remissão do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos).
Pretende o recorrente que uma tal interpretação da referida norma do EMJ, à
revelia do que sempre consignaram as correspondentes disposições da lei
processual administrativa, viola o direito a um processo equitativo, tal como
consagrado no artigo 20°, n° 4, da Constituição, na sua dimensão do direito ao
contraditório e de proibição de decisões-surpresa.
O artigo 20.º da CRP garante a todos o direito de acesso aos tribunais para
defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente
que esse direito se efective – na conformação normativa pelo legislador e na
concreta condução do processo pelo juiz - através de um processo equitativo (n.º
4). Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente sublinhado, o
direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução
jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância
das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correcto
funcionamento das regras do contraditório (acórdão n.º 86/88, publicado nos
Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11º, pág. 741). Como concretização
prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da
igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na
possibilidade concedida a cada uma das partes de “deduzir as suas razões (de
facto e de direito)”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do
adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e outras” (entre
muitos outros, o acórdão n.º 1193/96).
Importa reter, no entanto, que o legislador dispõe de uma ampla margem de
liberdade na concreta modelação do processo, cabendo-lhe designadamente ponderar
os diversos direitos e interesses constitucionalmente relevantes, incluindo o
próprio interesse de ambas as partes; em qualquer caso, à luz do princípio do
processo equitativo, os regimes adjectivos devem revelar-se funcionalmente
adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da
proporcionalidade, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que
dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o
direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva (Lopes do
Rego, Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da
proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil,
in «Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa», Coimbra,
2003, pág. 839, e ainda os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 122/02 e
403/02).
O Código de Processo Civil consagra o princípio do contraditório, nos termos
tradicionalmente aceites, estipulando no seu artigo 3º que «o tribunal não pode
resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe
seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir
oposição» (n.º 1), e circunscrevendo a «casos excepcionais previstos na lei a
possibilidade de ser adoptada uma providência contra determinada pessoa sem que
esta seja previamente ouvida» (n.º 2). Com este alcance, o preceito do Código
reflecte a estrutura dialéctica e polémica do processo, visando assegurar um
direito de resposta a qualquer das partes quanto às posições assumidas no
processo pela contraparte e, portanto, em relação a qualquer acto processual
(requerimento, alegação ou acto probatório) apresentado pelo outro
interveniente.
A reforma de 1996/1997, através do aditamento a esse artigo de um novo comando
(n.º 3), acentuou a relevância concedida à garantia do contraditório no aspecto
relativo ao direito de resposta, impondo ao juiz o «dever de observar e fazer
cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório», com a
consequência de não lhe ser lícito, «salvo caso de manifesta desnecessidade,
decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem
que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
Várias outras novas normas constituem uma concretização prática deste
princípio, como sejam as dos artigos 264º, n.º 3, 266º, n.º 2, 508º, n.º 4,
684º-B, n.º 4, 700º, n.º 3, 725º, n.º 2, e 787º do CPC, que contemplam
expressamente um direito de resposta em relação a diversas incidências
processuais aí especialmente previstas.
Neste sentido mais amplo, a regra do contraditório deixa de estar exclusivamente
associada ao direito de defesa, no sentido negativo de oposição à actuação
processual da contraparte, para passar a significar um direito de participação
efectiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade
de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objecto da
causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes
para a decisão (Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, págs.
96-97).
Podendo considerar-se consagrada nos sobreditos termos, no plano
infraconstitucional, uma acepção ampla da garantia do contraditório que vai além
do mero direito de contraditar as razões de facto e de direito e as provas
oferecidas pela parte contrária, a questão que se coloca é a de saber se essa é
também uma imposição constitucional decorrente do due process of law. Como se
deixou exposto, a exigência de um processo equitativo, constante do artigo 20º,
n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na
concreta estruturação do processo e apenas impõe, no seu núcleo essencial, que
as normas processuais proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa
dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes
na dialéctica que elas protagonizam no processo (Jorge Miranda/Rui Medeiros,
Constituição Portuguesa Anotada, I Tomo, Coimbra, 2005, pág. 192, e acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 632/99). Um processo equitativo postula, por
conseguinte, a efectividade do direito de defesa por aplicação das garantias do
contraditório e da igualdade de armas, e de um direito de participação activa no
processo, mas não em termos tais que qualquer solução que venha a ser adoptada
pelo juiz deva ter sido antes debatida pelas partes em todos os seus possíveis
contornos jurídicos ou se torne sempre numa solução previsível por dever ter
sido necessariamente equacionada pelos sujeitos processuais.
É assim que a jurisprudência constitucional entendeu já não serem
inconstitucionais certas interpretações normativas que considerem não ser
exigível a audição da parte em relação a intervenções processuais do Ministério
Público ou da contraparte que não coloquem qualquer questão nova (acórdãos n.ºs
255/03 e 342/09), mas, contrariamente, julgou inconstitucional, por violação do
direito a um processo equitativo, a norma do artigo 173.º do Estatuto dos
Magistrados Judiciais, quando interpretada no sentido de permitir, em recurso de
deliberação do Conselho Superior da Magistratura, a emissão de parecer pelo
Ministério Público sobre a questão prévia da legitimidade activa sem que desse
parecer tivesse sido dado conhecimento ao recorrente para se poder pronunciar
(acórdão 82/2007).
O caso vertente, como logo se entrevê, identifica-se mais com esta última
situação do que com aquelas outras em que Tribunal formulou um juízo de não
inconstitucionalidade. Na verdade, o que está em causa é a não audição do
recorrente contencioso sobre uma questão prévia que foi suscitada oficiosamente
pelo relator e que determinou a imediata remessa do processo para julgamento com
a consequente rejeição do recurso. Trata-se, por isso, de uma questão relevante,
que implicava a impossibilidade de prosseguimento do processo e obstava,
portanto, à emissão de uma pronúncia de mérito quanto à pretensão formulada pelo
recorrente, e que nunca fora antes discutida no processo, e relativamente à qual
o interessado, enquanto sujeito processual, deveria ter tido a oportunidade de
expor as suas razões em vista a convencer o tribunal a seguir diferente
entendimento. Tanto mais que a solução jurídica adoptada não é, de nenhum modo,
consensual nem isenta de dúvida, face aos princípios e critérios legais que
resultam do regime geral de impugnação dos actos administrativos.
Não pode deixar de concluir-se, por conseguinte, que ao permitir a decisão do
recurso sem a notificação prévia ao recorrente, a interpretação normativa do
citado artigo 173º, n.º 3, do EMJ, efectuada pelo tribunal recorrido, é
violadora do direito a um processo equitativo, constitucionalmente consagrado no
artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República, na sua dimensão essencial de
direito ao contraditório (“audiatur altera pars”).
3. A questão não se coloca, no entanto, nos mesmos termos em relação à não
audição, no mesmo processo e relativamente à mesma questão, do magistrado do
Ministério Público.
De facto, o Ministério Público intervém no processo de recurso contencioso das
deliberações do Conselho Superior da Magistratura, tal como decorre do disposto
nos artigos 173º, n.º 1, e 176º do EMJ - onde se prevê uma vista inicial do
processo para suscitar quaisquer questões prévias que possam obstar ao
prosseguimento do recurso e a emissão de parecer sobre o mérito da causa – numa
posição de super partes e, portanto, num plano de equidistância em relação aos
titulares da relação jurídica controvertida, agindo em defesa da legalidade e,
assim, no uso dos poderes que lhe são conferidos estatutariamente (artigo 5º,
n.º 1, alínea f). do Estatuto dos Ministério Público) e estão previstos na
Constituição (artigo 219º, n.º 1).
O Ministério Público não é parte no processo nem tem interesse directo na
demanda e a omissão da sua audição em relação a qualquer questão prévia
oficiosamente suscitada pelo juiz apenas pode prejudicar a qualidade da decisão
que venha a ser adoptada sobre a matéria, na medida em que se prescinde da
opinião de um magistrado independente que se coloca numa posição objectiva e
imparcial, e que poderia servir como uma garantia adicional de ponderação da
decisão judicial.
Esta possível vantagem processual não está, no entanto, coberta pelo princípio
do processo equitativo. O legislador dispõe, no plano da organização do
processo, de uma ampla margem de liberdade conformativa e nada obstava que
pudesse até configurar o recurso contencioso como um mero processo de partes,
numa perspectiva subjectivista do contencioso anulatório. De resto, o CPTA veio
limitar o âmbito de intervenção processual do Ministério Público na acção
administrativa especial, impedindo que este actue em defesa da legalidade
processual, designadamente para o efeito de suscitar a regularização da petição,
excepções, nulidades processuais e quaisquer questões que obstem ao
prosseguimento do processo, e bastando-se com uma pronúncia “sobre o mérito da
causa” e, portanto, sobre aspectos relativos à violação da lei substantiva
(artigo 85º, n.º 2, do CPTA).
Restrição esta que pode explicar-se à luz de um princípio de eficiência
processual, destinado a evitar que o processo termine por decisões formais, e
que pode entender-se como um dos interesses a que o legislador pode dar primazia
na definição de um modelo processual.
Afigura-se, pois, não ser possível estender o juízo de desconformidade
constitucional ao segmento da interpretação normativa que se refere à não
audição do Ministério Público relativamente à referida questão prévia.
4. Uma segunda questão de constitucionalidade vem colocada em relação à norma do
artigo 169°, n° 2, alínea a), do EMJ, quando interpretada no sentido de não
dever ser admitida por extemporânea a impugnação de acto administrativo lesivo,
sujeito a publicação em Diário da República, antes de esta ter efectivamente
ocorrido, quando o procedimento administrativo foi electronicamente tramitado e
o acto publicitado na página oficial da Internet da entidade recorrida.
Alega-se, neste caso, ter sido violado o direito a um processo equitativo, na
vertente de direito à tutela jurisdicional efectiva e a uma decisão judicial
justa, tal como consagrado nos artigos 20°, n° 5, e 268°, n° 4, da Constituição.
A norma em causa fixa em 30 dias o prazo de interposição de recurso das
deliberações do CSM, que manda contar (a) da data da publicação da deliberação,
quando esta seja obrigatória, (b) da data da notificação do acto, quando esta
tiver sido efectuada, e se a publicação não for obrigatória, (c) da notificação,
conhecimento ou início da execução da deliberação, nos restantes casos.
Essa norma tem correspondência com a do artigo 29º, n.º 1, da LPTA, que
estabelecia que o prazo para a interposição de recurso de acto expresso se
contava “da respectiva notificação ou publicação, quando esta seja imposta por
lei”, sugerindo, numa interpretação literal do preceito, que o prazo para a
impugnação se iniciava com a publicação, quando o acto devesse ser
obrigatoriamente publicado, e com a notificação, quanto aos actos que não
carecessem de publicação.
Posteriormente à entrada em vigor da LPTA e da referida disposição legal, a Lei
Constitucional n.º 1/89 conferiu nova redacção ao artigo 268.°, n.° 3, da
Constituição, que passou a estatuir que “os actos administrativos estão sujeitos
a notificação aos interessados, na forma prevista na lei”, daqui resultando que
os actos devam ser sempre notificados aos interessados mesmo quando tenham de
ser oficialmente publicados.
Na sequência dessa exigência constitucional, através do acórdão n.° 489/97, de 2
de Julho de 1997, publicado no DR, II série, de 18 de Outubro de 1997, o
Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma do artigo 29º, n.º 1, da
LPTA, quando interpretada no sentido de mandar contar o prazo para o recurso
contencioso de actos administrativos sujeitos a publicação obrigatória da data
dessa publicação, tendo aí constatado que, após a revisão constitucional de
1989, o dever de notificação é constitucionalmente imposto, mesmo quando os
actos tenham de ser oficialmente publicados.
A razão de ser dessa imposição constitucional estaria no reconhecimento de que a
notificação é um elemento para o exercício, em tempo útil, do recurso
contencioso e dos demais meios procedimentais então admitidos no âmbito da
jurisdição administrativa, assim se concluindo que, «sendo a notificação do acto
administrativo essencial para o efectivo conhecimento pelos interessados dos
actos da Administração susceptíveis de os atingirem na sua esfera jurídica,
seria irrazoável e claramente excessivo contar o prazo para o recurso
contencioso da publicação de tais actos, quando esta seja obrigatória, em vez de
tal contagem se fazer da notificação».
O CPTA, em cumprimento do estabelecido no artigo 268º, n.º 3, da Constituição,
veio entretanto a estipular o princípio da prevalência da notificação sobre a
eventual publicação do acto, em relação aos destinatários directos do acto,
passando a dispor, no seu artigo 59º, n.º 1, do seguinte modo: «[o] prazo para a
impugnação pelos destinatários a quem o acto administrativo deva ser notificado
só corre a partir da data da notificação, ainda que o acto tenha sido objecto de
publicação obrigatória».
As mesmas razões que conduziram ao julgamento de inconstitucionalidade
relativamente à norma do artigo 29º, n.º 1, da LPTA, seriam também aplicáveis à
disposição do artigo 169º, n.º 2, alínea a), do EMJ, que conserva uma redacção
similar à que constava daquele outro preceito, dando assim relevo à publicação
em detrimento da notificação pessoal. A interpretação normativa que está, no
entanto, agora em causa é uma outra: é a que faz depender da publicação do acto,
sendo esta obrigatória, o início da contagem do prazo de impugnação,
independentemente do conhecimento pessoal que o recorrente dele tenha por efeito
da publicitação do acto, por iniciativa da própria entidade recorrida, através
de meios informáticos.
A publicação dos actos administrativos constitui uma forma de publicidade que
tem em vista assegurar que os correspondentes actos administrativos se tornem do
conhecimento do público e consubstancia, como tal, um requisito de eficácia
(cfr. art. 130.° do CPA). Diferentemente, a notificação destina-se a permitir
aos interessados o conhecimento oportuno dos actos que são susceptíveis de
afectarem a sua esfera jurídica. E, desse modo, como se explanou no acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 72/2009, a notificação deve consistir numa
comunicação individual do conteúdo do acto ao seu destinatário específico em
vista a possibilitar a efectiva cognoscibilidade do acto notificando, nos seus
elementos essenciais, de forma a não tornar excessivamente oneroso o acesso do
particular à justiça administrativa.
A imposição constitucional do dever de notificar radica assim na tutela de dois
diferentes valores constitucionais: o princípio da segurança jurídica, do qual
decorre a necessária cognoscibilidade, por parte dos destinatários, dos actos da
Administração, de todos os elementos que o integram; o princípio da tutela
jurisdicional, no ponto em que só é possível assegurar uma adequada protecção
jurisdicional do direito se o interessado tiver ao seu dispor a informação
suficiente sobre o acto lesivo.
Em necessária decorrência do que estabelece o artigo 268º, n.º 3, da
Constituição, a notificação pessoal só deve poder ser afastada em situações de
impossibilidade resultante do desconhecimento da identidade dos interessados ou
de manifesta inconveniência por virtude do elevado número de pessoas abrangidas.
Face a tudo o que se expôs, sempre que um acto administrativo deva ser
notificado e publicado, o prazo para a impugnação apenas poderá começar a correr
a partir do momento em que se efectua a notificação, visto que o objectivo desta
formalidade – sendo exigida constitucionalmente – é justamente o de permitir aos
destinatários um conhecimento oficial e formal do acto.
A lei não impede, no entanto, a impugnação de acto administrativo ineficaz (e,
portanto, de um acto administrativo que ainda não tenha sido publicado ainda que
essa publicação seja obrigatória e constitua uma condição da sua eficácia), e
permite que um acto administrativo possa ser impugnado ainda que não tenha
começado a produzir efeitos jurídicos, quando tenha sido desencadeada a sua
execução ou seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos
(artigo 54º do CPTA). Em articulação com essa disposição, o artigo 59º, n.º 2,
do CPTA, admite que o destinatário directo de um acto possa impugná-lo ainda
antes de ter sido notificado, tomando-se como momento relevante para a contagem
do prazo de impugnação o conhecimento da prática do acto por qualquer meio ou da
sua execução (artigo 59º, n.º 3, alínea c), do CPTA).
A situação vertente, como vimos, é aquela em que o interessado reage contra um
acto administrativo tido como ilegal a partir do conhecimento da sua prática e
do seu conteúdo, por publicitação efectuada por iniciativa da entidade
administrativa na página da Internet. Independentemente da questão de saber se
havia lugar à notificação pessoal ou esta era, no caso, dispensável, o certo é
que, tendo a entidade administrativa optado por aquela forma de divulgação, a
subsequente publicação em Diário da República – constituindo um mero requisito
de eficácia – não poderia trazer qualquer novo dado informativo quanto aos
elementos essenciais do acto, e mormente no que se refere aos seus fundamentos,
em termos de permitir ampliar o âmbito de cognoscibilidade do acto e colocar o
interessado numa posição mais favorável para decidir se deveria ou não
impugná-lo ou para organizar de forma mais eficiente os meios processuais de
defesa.
E porque assim é, a rejeição do recurso apenas com fundamento no facto de o acto
ainda não ter sido publicado no jornal oficial não tem outra consequência
prática que não seja a de sujeitar o recorrente a renovação da instância através
da apresentação num momento ulterior da mesma petição de recurso que já antes
havia dado entrada em juízo, sem que entretanto beneficie de quaisquer outros
elementos de informação de que já não dispusesse.
O princípio da tutela jurisdicional efectiva, como dimensão
jurídico-constitucional do direito ao processo equitativo, implica, numa das
suas componentes, o direito a pressupostos processuais materialmente adequados.
Como observa Gomes Canotilho, «o direito à tutela jurisdicional não pode ficar
comprometido em virtude da exigência legal de pressupostos processuais
desnecessários, não adequados e desproporcionados. Compreende-se, pois, que o
direito ao processo implique: (1) a proibição de requisitos processuais
desnecessários ou desviados de um sentido conforme ao direito fundamental de
acesso aos tribunais; (2) a exigência de fixação legal prévia dos requisitos e
pressupostos dos recursos e acções; (3) a sanação de irregularidades processuais
como exigência do direito à tutela judicial» (Direito Constitucional e Teoria da
Constituição, 2ª edição, Coimbra, 1998, pág. 454). Não podendo deixar de
aceitar-se estes critérios como afloramento do due process, afigura-se ser
contrário ao princípio da tutela jurisdicional efectiva que um interessado,
tendo tido conhecimento oficioso do acto através da publicitação efectuada pela
própria autoridade recorrida, tenha de aguardar a publicação no Diário da
República, para interpor o competente recurso contencioso, quando essa
formalidade, relevando para efeito de conferir eficácia ao acto, nada mais
acrescentaria quanto à cognoscibilidade do acto, nem poderia relevar para efeito
da contagem do prazo de impugnação, visto que este carecia, em regra, de ser
pessoalmente notificado ao interessado.
Por outro lado, a rejeição do recurso com fundamento na falta de publicação do
acto impugnado no jornal oficial põe em causa a celeridade e eficiência
processuais sem qualquer vantagem evidente para os interesses da boa composição
do litígio, traduzindo-se apenas numa decisão inútil, dado que tem como único
efeito obrigar o recorrente a apresentar, após a publicação do acto, a mesma
petição de recurso que já havia dado entrada num momento anterior.
Acresce que quando veio a ser proferido o acórdão ora recorrido – em 1 de
Outubro de 2009 – a deliberação impugnada havia já sido objecto de publicação no
Diário da República – o que ocorreu em 31 de Agosto de 2009 -, circunstância a
que, aliás, é feita expressa menção nesse acórdão, pelo que, na data em que foi
efectuada a sua notificação à recorrente – em 9 de Outubro de 2009 - ,
encontrava-se já transcorrido o prazo de 30 dias cominado no artigo 169º, n.º 1,
do EMJ, quando contado a partir dessa publicação. O que significa que, na
prática, a decisão recorrida coarctou objectivamente o direito ao recurso, sem
qualquer justificação plausível.
Neste condicionalismo, a interpretação normativa efectuada pelo tribunal
recorrido afecta desnecessariamente o direito de acesso aos tribunais e que,
como tal, viola o princípio do processo equitativo na vertente da tutela
jurisdicional efectiva.
III. Decisão
Termos em que se decide:
a) julgar inconstitucional a norma do artigo 173°, n° 3, do Estatuto dos
Magistrados Judiciais, quando interpretada no sentido de permitir a rejeição do
recurso por extemporaneidade sem que previamente tenha sido dado conhecimento à
recorrente para se pronunciar sobre essa questão prévia, com fundamento em
violação do direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20°, n° 4, da
Constituição, na sua dimensão do direito ao contraditório e de proibição de
decisões-surpresa;
b) julgar inconstitucional a norma do artigo 169°, n° 2, alínea a), do mesmo
Estatuto, quando interpretada no sentido de que é extemporânea a impugnação de
acto administrativo sujeito a publicação em Diário da República, antes de esta
ter efectivamente ocorrido, quando o mesmo acto, à data da impugnação, tinha já
sido publicitado, pela entidade recorrida, na página oficial da Internet, neste
caso, por violação do direito a um processo equitativo, na vertente de direito à
tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos artigos 20°, n° 5, e 268°, n° 4,
da Constituição;
c) determinar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o juízo de
inconstitucionalidade agora formulado.Sem custas
Lisboa, 12 de Maio de 2010Carlos Fernandes CadilhaAna Maria Guerra MartinsMaria
Lúcia AmaralVítor Gomes (com declaração anexa)Gil Galvão (votei a alínea b) da
decisão por entender que a interpretaçãonormativa em causa coarctou, concreta e
objectivamente, o direito ao recurso, sem qualquer justificação plausível)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Quanto à alínea b) da decisão só acompanho o acórdão pela
circunstância – que, nesta medida, integra a dimensão normativa concretamente
aplicada – de à data em que foi proferida a decisão recorrida o acto ser já
eficaz e, até, ter já decorrido o prazo de impugnação, quando contado a partir
da publicação do acto impugnado. Não fora esse elemento, que é seguramente
integrante da dimensão normativa apreciada, e a solução interpretativa adoptada
seria, porventura, uma opção legislativa discutível, mas caberia na liberdade do
legislador quanto ao estabelecimento de pressupostos processuais, por não ser
inteiramente destituída de fundamento, nem comprometer ou dificultar
desrazoavelmente o acesso ou afectar a efectividade da tutela jurisdicional
efectiva contra actos administrativos lesivos. Efectivamente, como do acórdão
decorre, a garantia de plenitude da tutela jurisdicional em matéria
administrativa impede que o legislador estabeleça pressupostos ou condições de
accionabilidade que vedem ou dificultem desproporcionadamente a impugnação de
actos (materialmente) administrativos eficazes ou a que, mesmo não o sendo,
tenha sido dada execução. Se o acto não for juridicamente eficaz e se não
ocorrer a circunstância anómala de, apesar de lhe faltar tal atributo, o acto
ter produzido ou estar a produzir (ser posto a produzir) efeitos objectivamente
lesivos para o impugnante, a necessidade de tutela jurisdicional não é actual.
Assim sendo, pode o legislador fazer depender a impugnação de um acto
administrativo da respectiva publicação quando esta seja condição de eficácia
dele (ressalvada, repete-se, a impugnabilidade de actos juridicamente ineficazes
mas em efectiva execução). Esta questão não se confunde com a exigência
constitucional de notificação dos actos administrativos para efeito de preclusão
do respectivo prazo de impugnação. Na realidade, nem sequer nela (directamente)
se filia. Considerar que a publicação não é condição suficiente para desencadear
o prazo de impugnação, não significa que se proíba instituí-la como condição
necessária para instauração do processo. Uma coisa é não poder o prazo decorrer
sem um acto que garanta o conhecimento oficial e pessoal do acto administrativo
por parte do destinatário; outra é não se permitir o acesso ao tribunal para
atacar um acto administrativo enquanto esse acto não for dotado de um atributo
que torne a tutela jurisdicional objectivamente necessária. A introdução de
pressupostos ou condições de accionabilidade que sirvam o interesse de não
sobrecarregar os tribunais (e até a Administração e os contra-interessados que
têm de intervir neles) com litígios que não correspondam a uma situação de
necessidade efectiva e actual de tutela é constitucionalmente legítima,
correspondendo à gestão de meios escassos em ordem à eficiência global da
administração da justiça. A garantia constitucional não obsta a que a lei exija
uma necessidade concreta de protecção judicial do particular, por vezes
inexistente em casos de actos já constituídos mas ainda não eficazes e que podem
ver a lesividade eliminada por vicissitudes de procedimento, dissipando-se o
conflito.
Ora, a deliberação que aprova o movimento judicial só produz efeitos a partir da
sua publicação no Diário da República (artigo 70.º, n.º, 1, alínea c) do EMJ) e
não há notícia de que, apesar da falta desse requisito integrativo de eficácia,
o acto em causa estivesse a ser efectivamente executado. Pelo que interpretar a
norma no sentido de fazer depender a (abertura da) impugnação de tal tipo de
acto da respectiva publicação, devendo rejeitar-se o recurso na falta desta,
pode ser uma opção discutível mas cabe na discricionariedade legislativa. Além
da desnecessidade actual de tutela, bem pode suceder que o acto não venha a
tornar-se eficaz com aquele conteúdo, por virtude de “revisão” oficiosa ou por
iniciativa do interessado ou de terceiros com reflexos na posição do
interessado. O que, relativamente a um acto colectivo ou, pelo menos, de efeitos
em cadeia, como é o movimento judicial, bem pode suceder.Porém, o que viola os
princípios constitucionais invocados é uma interpretação da norma que conduza à
rejeição da impugnação, apenas por ter sido apresentada prematuramente, num
momento em que já se verificou esse mesmo facto de que (na interpretação em
causa) a lei faz depender a impugnabilidade. E, seguramente, que os infringe
quando já tenha expirado (ou se torne impraticável) o prazo para a apresentação
de nova impugnação. Essa solução normativa – que corresponde aos termos em que a
norma foi aplicada pelo acórdão recorrido – apresenta-se como arbitrária, por
não servir qualquer interesse constitucionalmente atendível, seja de
racionalidade da actuação administrativa (lato sensu) ou de tutela de interesses
de terceiros, seja do funcionamento dos tribunais ou da boa ordenação
processual. E tem um custo manifestamente desproporcionado para o impugnante que
se vê, na prática, privado da tutela jurisdicional contra actos administrativos
lesivos por virtude da apresentação prematura da impugnação, mesmo quando tal
facto é insusceptível de ter reflexos nos fins que justificam a imposição do
requisito em causa. É, pois, nesta estrita medida e por esta decisiva razão –
que o acórdão também refere, embora num considerando adicional – que acompanho o
julgamento de inconstitucionalidade incidente sobre a norma da alínea a) do n.º
2 do artigo 169.º do EMJ, tal como a decisão recorrida a interpretou e aplicou.
Vítor Gomes
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/20100186.html ]