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Processo nº 268/10
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo das alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 18 de Março de 2010.
2. Em 12 de Maio de 2010 foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto nos nº 1 do artigo 78º-A da LTC, pela qual se entendeu não tomar conhecimento do objecto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«1. Segundo o artigo 75º-A da LTC, o recorrente tem o ónus de indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie.
Convidado a satisfazer os requisitos do requerimento de interposição de recurso, o recorrente continua a não indicar, com a necessária precisão, a norma cuja apreciação pretende abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC. Tal obsta ao conhecimento do objecto do recurso, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nºs 1 e 2, da LTC).
Com efeito, o recorrente se, por um lado, requer a apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 188º, nº 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, por outro, requer a apreciação desta disposição legal segundo determinada interpretação que não chega a identificar. É certo que o recorrente pode requerer a apreciação de uma norma, considerada esta na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação (cf., entre muitos, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 232/2002, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Mas neste último caso tem “o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 21/2006, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), uma vez que o objecto do recurso é definido no requerimento de interposição de recurso (cfr., entre outros, os Acórdãos dos Tribunal Constitucional nºs 286/00 e 293/07, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC, como é o presente, só com uma indicação precisa da norma é possível averiguar se se trata ou não de norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, que o tribunal recorrido tenha aplicado como razão de decidir.
2. O recorrente requer, ainda, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 187º do Código de Processo Penal, na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, na medida em que, na parte respeitante à matéria susceptível de ser integradora da prática dos crimes pelos quais veio o recorrente a ser condenado, os conteúdos das transcrições efectuadas nos autos sempre seriam de ter como autênticos “conhecimentos fortuitos”, e, já não como “conhecimentos de investigação”, não sendo, por isso, os mesmos, e com fundamento de reserva constitucional de lei, susceptíveis de serem valorados enquanto meio de prova, mas, apenas e só, como uma mera “notitia criminis”.
Um dos requisitos do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC é o da suscitação prévia, durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, da questão de inconstitucionalidade normativa cuja apreciação é requerida. Da motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, designadamente na parte indicada pelo recorrente em cumprimento do disposto na parte final do nº 2 do artigo 75º-A da LTC, é manifesto que não foi ali suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa reportada ao artigo 187º do Código de Processo Penal, na redacção anterior à vigente».
3. Notificado desta decisão, o recorrente apresenta reclamação para a conferência, ao abrigo do artigo 78º-A , nº 3, da LTC, nos termos e com os seguintes fundamentos:
«2. Ora, salvo melhor opinião e com todo o devido respeito, entende o Recorrente que tal decisão se mostra indevidamente ajuizada, na medida em que, decide, desde logo, não tomar conhecimento do recurso interposto porquanto «(...) o recorrente continua a não indicar, com a necessária precisão, a norma cuja apreciação pretende ao abrigo da alínea g,) do n.º 1 do art.º 70.º da L. C. T. (...)»;
3. Quando, na verdade, resulta clara e notoriamente do requerimento de interposição de recurso a norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada – art.º 188.º, n.º 3 (na sua anterior redacção) – e, bem assim, toda uma série de decisões deste Egrégio Tribunal Constitucional que haviam decidido no “exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional”,
4. Designadamente, todo o vertido nos doutos Acórdãos n.º 660/2006, n.º 450/07 e 451/07 e na douta decisão sumária 454/07.
(…)
8. Ademais que, entende o Recorrente, aliás, conforme já vertido na sua resposta ao convite formulado, nos termos do art.º 75.º-A, n.º 6, da L.C.T., que o seu requerimento de interposição de recurso cumpria integralmente o preceituado na Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
9. Pois que, conforme o preceituado no artigo 75.º-A, n.º 3 da L. T. C., tendo o Recorrente interposto o seu recurso ao abrigo no preceituado na al. g.) do artº 70.º daquela Lei, deveria naquele seu requerimento de interposição «identificar-se também a decisão do Tribunal constitucional ou da comissão constitucional que, com anterioridade, julgou inconstitucional ou ilegal a norma aplicada pela decisão recorrida»;
10. Nada mais sendo dito ou exigido, na propalada L.T.C., no que se refere à validade e legalidade de um qualquer requerimento de interposição de recurso ao abrigo daquela alínea g) do art.º 70.º da mesma L.T.C..
(…)
14. E no que se refere ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º70.º da L.T.C., discorda ainda o aqui Reclamante do entendimento sufragado na douta decisão sumária em apreço. Isto porque,
15. Conforme referiu, e se penitenciou o Recorrente na resposta conferida ao douto despacho que o convidou ao aperfeiçoamento do seu requerimento de interposição de recurso, ainda que a questão da inconstitucionalidade do art.º 187.º do CPP não haja sido suscitada de forma absolutamente correcta e precisa.
16. A verdade é que, sempre se aludiu à falta de materialização legal dos requisitos de validade das escutas, daí resultando como suscitada durante o processo, mormente na parte indicada pelo Recorrente, a inconstitucionalidade daquele art.º 187.º, enquanto normativo que preceituava a admissibilidade das escutas enquanto meio de prova.
17. Pelo que, modestamente se entende que a considerar-se um qualquer vício quanto ao preenchimento dos requisitos do aludido 75.º.A, ns.º 1 e 2, sempre o mesmo seria de ter como um mero vício formal, em nada afectando a bondade e/ou validade do recurso interposto».
4. Notificados os recorridos, o Ministério Público veio dizer o seguinte:
«1º
O pressuposto de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea g), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, consiste em, na decisão recorrida, ser aplicada norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
2º
Ao recorrente incumbe indicar expressamente o acórdão do Tribunal e identificar, rigorosa e inequivocamente, a norma ou interpretação normativa aplicada em desconformidade com o decidido.
3.º
Na verdade, só ocorrendo identidade absoluta entre as duas dimensões normativas, se poderá falar em divergência de julgamento quanto à constitucionalidade.
4.º
No requerimento de interposição do recurso, o recorrente refere o artigo 188.º, n.º 3, do CPP, na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto e diz que ele “foi interpretado de forma inconstitucional ao longo de todo o processado” e que como consequência dessa interpretação, ele viu-se limitado no exercício dos seus direitos de defesa.
6.º
O recorrente cita diversos Acórdãos do Tribunal que julgaram inconstitucional aquela norma, sabendo nós, por eles, qual a exacta dimensão que foi julgada inconstitucional. Não vindo, no entanto, indicada, expressa e inequivocamente, qual a dimensão aplicada e questionada, não poderá conhecer-se do objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea g), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, como muito bem se entendeu na Decisão Sumária de fls. 8665 a 8674.
7.º
Mas mesmo que se aceitasse que o Supremo Tribunal de Justiça havia aplicado a norma do artigo 188.º, n.º 3 do CPP, em desconformidade com o decidido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 660/2006, sempre teria de se considerar a questão simples e negar provimento ao recurso, uma vez que, posteriormente, o Plenário do Tribunal, pelo Acórdão n.º 70/2008 (a que se seguiram muitos outros, vg. os Acórdãos nºs 128/2008, 204/2008 e 150/2010), alterou o sentido daquela jurisprudência vindo a decidir que tal norma não ofendia a Constituição.
8.º
Quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC reportado à norma do artigo 187.º do CPP, na redacção anterior à dada pela Lei n.º 48/2007, o momento processualmente adequado para suscitar a questão era na motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
9.º
Ora, aí, nessa parte, o recorrente limita-se a afirmar que “os quesitos de validade dos denominados “conhecimentos fortuitos” sempre deveriam constar da materialização legal, pelo que, o mesmo a não existir, sempre seria de ter por proibida a valoração como meio de prova (…)” (artigos 18.º, n.º 2, 32.º, n.º 8 e 34.º, n.º 4, da nossa Constituição).
10.º
Parece-nos claro que, desta forma, não pode considerar-se que o recorrente tenha suscitado adequadamente uma questão de inconstitucionalidade, referida à norma do artigo 187.º do CPP.
11.º
Ainda poderíamos acrescentar que tendo considerado, quer a Relação, quer o Supremo Tribunal de Justiça, que o conteúdo das transcrições telefónicas, deveriam ser tidos como “conhecimentos de investigação” e não como “conhecimentos fortuitos”, não se pode qualificar tais transcrições sem entrar na apreciação das específicas circunstância do caso concreto, tarefa que, obviamente, não cabe na competência deste Tribunal.
12.º
Assim sendo, mesmo a questão da inconstitucionalidade que o recorrente enuncia na sequência do convite que lhe foi dirigido (fls. 8662), nunca poderia ser conhecida por este Tribunal.
13.º
Por tudo o exposto, deve a reclamação ser indeferida».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos decidiu-se não tomar conhecimento do objecto dos recursos interpostos ao abrigo das alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º da LTC. No primeiro caso, por não se poder dar como satisfeito o requisito da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade; no segundo, por o recorrente não ter satisfeito, no requerimento de interposição de recurso, o requisito da indicação da norma cuja inconstitucionalidade pretendia apreciada.
1. Relativamente ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, o reclamante em nada contraria o decidido, acabando até por reconhecer que a questão da inconstitucionalidade do artigo 187º do CPP não foi suscitada de forma absolutamente correcta e precisa.
Reiterando que, quanto a esta disposição legal, não foi suscitada, durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, note-se que, em resposta ao convite que lhe foi dirigido para aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, o recorrente reconheceu que das peças processuais que então identificou “não constou referência expressa ao normativo em causa”.
2. Para contrariar o decidido quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea g), o reclamante começa por sustentar que “resulta clara e notoriamente”, do requerimento de interposição de recurso e das decisões do Tribunal Constitucional indicadas em cumprimento do nº 3 do artigo 70º da LTC, que a norma é o “art.º 188º, nº 3 (na sua anterior redacção)”.
Porém, o que decorre daquela peça processual é que o recorrente pretendia a apreciação da interpretação que foi feita de tal normativo legal. Interpretação que não identificou nem no requerimento de interposição de recurso nem na resposta ao convite que lhe foi dirigido para aperfeiçoar este requerimento. Por outro lado, resulta do artigo 75º-A da LTC que o recorrente tem o ónus de satisfazer dois requisitos distintos: indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie (parte final do nº 1); e identificar também a decisão do Tribunal Constitucional que, com anterioridade, julgou inconstitucional a norma aplicada pela decisão recorrida (nº 3). Foi precisamente o primeiro requisito que o recorrente não satisfez. Diferentemente do argumentado pelo reclamante, a LTC exige mais do que aquilo que resulta do nº 3 do artigo 75º-A, em matéria de requisitos do requerimento de interposição de recurso.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 30 de Junho de 2010
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão