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Processo n.º 924/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
O Sindicato dos Professores da Região Centro, em representação da sua associada A., instaurou acção administrativa especial contra o Ministério da Educação, que correu seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, sob o n.º 1031/07.5 BECBR, visando a declaração de nulidade ou a anulação do acto administrativo de não provimento da referida associada na categoria de professora titular do Departamento de Ciências Sociais e Humanas, no âmbito do primeiro concurso interno de acesso, aberto na Escola Secundária Infanta D. Maria, destinado a docentes de nomeação definitiva com a categoria de professor posicionados no 10.º escalão da carreira e no índice remuneratório 340, nos termos do disposto no artigo 15.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, e no artigo 2.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 200/2007, de 22 de Maio.
Por acórdão datado de 24 de Setembro de 2009, o referido tribunal julgou a acção procedente, nomeadamente, anulou o aludido acto administrativo e condenou ainda o réu a reintegrar a associada do autor no seu direito de se candidatar, com a classificação final de 94 pontos, à segunda fase do primeiro concurso de acesso à categoria de professor titular, prevista no artigo 15.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, e no artigo 2.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 200/2007, de 22 de Maio, em liberdade e igualdade de condições e oportunidades com todos os demais candidatos (nomeadamente os docentes de nomeação definitiva, com a categoria de professor, posicionados nos 8.º e 9.º escalões da carreira e nos índices remuneratórios 245 e 299), caso tivessem sido postas a concurso, na aludida escola secundária, vagas para o departamento curricular que a referida docente integrava.
O Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante referida como LTC), com vista à «apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 15.º, n.º 1, do DL n.º 15/2007, e dos artigos 2.º, 18.º, n.os 2 e 3, e 22.º, do DL n.º 200/2007, cuja aplicação foi recusada pelo acórdão recorrido, por serem inconstitucionais, por violação dos artigos 13.º e 47.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.»
Na sequência de notificação para efeito de produção das pertinentes alegações de recurso, apenas o Ministério Público viria a apresentar as respectivas alegações, onde concluiu pela não inconstitucionalidade das aludidas normas.
Entretanto, foram aprovadas alterações recentemente introduzidas no Estatuto da Carreira Docente (originariamente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril) pelo Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 Junho, já entradas em vigor.
Fundamentação
A interpretação normativa sob análise no presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade respeita ao primeiro concurso de acesso para lugares da categoria de professor titular, previsto no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, cujo regime se encontra estabelecido no Decreto-Lei n.º 200/2007, de 22 Maio.
Imediatamente antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, o pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário integrava-se numa carreira única com 10 escalões (artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 312/99, de 10 de Agosto).
A partir de 20 de Janeiro de 2007, a carreira docente passou a desenvolver-se pelas categorias hierarquizadas de professor e professor titular, sendo cada categoria integrada por escalões, a que correspondem índices remuneratórios diferenciados (artigo 34.º, n.ºs 2 e 3, e anexo I do Estatuto da Carreira Docente, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 15/2007).
O recrutamento para a nova categoria de professor titular fazia-se mediante concurso documental a que podiam ser opositores os professores previamente aprovados em prova pública e que reunissem as demais exigências em matéria de antiguidade e avaliação (artigo 38.º do Estatuto da Carreira Docente, e regime ulteriormente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 104/2008, de 24 de Junho).
Porém, o artigo 15.º, n.º 1, do referido Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, estabeleceu um regime transitório de recrutamento para o primeiro concurso de acesso para lugares da categoria de professor titular, com duas fases sequenciais destinadas, sucessiva e respectivamente, aos professores posicionados no 10.º escalão e aos professores posicionados nos 8.º e 9.º escalões (ulteriormente concretizado pelo Decreto-Lei n.º 200/2007, de 22 de Maio).
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, a carreira docente passou, novamente, a estruturar-se numa única categoria (professor), com 10 escalões e igual número de índices remuneratórios, terminando, assim, a distinção entre professores e professores titulares (artigo 34.º, n.º 2, e anexo I, do Estatuto da Carreira Docente, na novíssima redacção).
Simultaneamente, o referido Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, apresenta um regime transitório imediatamente aplicável aos professores já providos na categoria de professor titular, cujo conteúdo não pode deixar de se repercutir na utilidade do presente recurso de constitucionalidade.
Para esse efeito, concretizando, o regime transitório em apreço apresenta os seguintes traços relevantes:
- Os lugares ocupados nas categorias de professor e professor titular são automaticamente convertidos em igual número de lugares da categoria de professor (artigo 5.º);
- Os cargos e as funções específicas da categoria extinta de professor titular mantêm-se ocupados pelos docentes que actualmente os exercem, até à sua substituição, caso se mostre, de acordo com as regras previstas no Estatuto da Carreira Docente, no início do ano escolar de 2010-2011 (artigo 6.º, n.º 1);
- Os docentes que, independentemente da categoria, se encontram posicionados nos escalões da estrutura da carreira docente prevista no Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, transitam para a categoria de professor da nova estrutura de carreira para índice a que corresponda montante pecuniário de remuneração base idêntico ao que actualmente auferem (artigo 7.º, n.º 1);
- Da transição entre estruturas de carreira não pode decorrer diminuição do valor da remuneração base auferida pelo docente (artigo 7.º, n.º 3);
- A transição para o índice e escalão da nova estrutura de carreira efectua-se sem quaisquer formalidades, para além da elaboração, pelo agrupamento de escolas ou escola não agrupada, de uma lista nominativa de transição a afixar em local apropriado que possibilite a consulta pelos interessados (artigo 7.º, n.º 6);
Os docentes que, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, estejam, independentemente da categoria, posicionados no índice 340 são, a partir do ano civil de 2012, reposicionados no índice 370, de acordo com as seguintes regras cumulativas:
- Possuam no índice pelo menos seis anos de tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira;
- Reúnam os requisitos legais necessários para a aposentação, incluindo a antecipada, e demonstrem que a requereram;
- Tenham obtido nos dois ciclos de avaliação do desempenho imediatamente anteriores a menção qualitativa mínima de Bom (artigo 8.º, n.º 2);
- Da transição entre a estrutura da carreira regulada pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, e a estrutura de carreira definida no Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, não podem ocorrer ultrapassagens de posicionamento nos escalões da carreira por docentes que, no momento da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, tivessem menos tempo de serviço nos escalões (artigo 10.º, n.º 1).
No processo-base de que emerge o presente recurso de constitucionalidade, o Autor pretende que uma docente, sua associada, com a categoria de professora, posicionada no 10.º escalão e no índice remuneratório 340 da estrutura da carreira aprovada pelo Decreto-Lei n.º 312/99, de 10 de Agosto, seja provida na categoria de professora titular, com manutenção do referido índice remuneratório, por via do primeiro concurso de acesso previsto no artigo 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro.
Antes da interposição pelo Ministério Público do presente recurso obrigatório de constitucionalidade, a primeira instância, por decisão ainda não transitada em julgado, reconheceu à associada do Autor o direito de se candidatar à segunda fase do primeiro concurso de acesso à categoria de professor titular.
À face do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho – cujos traços mais relevantes para o caso concreto se deixaram atrás enunciados –, mesmo que a associada do Autor já tivesse sido provida, por decisão judicial transitada em julgado, na categoria de professora titular em decorrência da abertura do referido primeiro concurso de acesso, com manutenção do índice remuneratório 340 – correspondente ao escalão mais elevado da categoria de professor titular previsto na estrutura da carreira aprovada pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro –, essa decisão não assumiria qualquer utilidade prática na carreira docente da associada do Autor.
A lei nova acabou com a distinção entre professores e professores titulares e todos os professores, incluindo os professores titulares já providos até à entrada em vigor da lei nova, transitam inexorável e automaticamente, sem qualquer prejuízo em matéria de tempo de serviço e de posicionamento no índice remuneratório, para a nova estrutura da carreira docente que conta apenas com a categoria única de professor.
Assim, o juízo de inconstitucionalidade emitido pelo Tribunal recorrido não só não produziu qualquer efeito na ordem jurídica, como, face à alteração legislativa ocorrida, já não é susceptível de vir a produzir.
Ora, tendo o julgamento de constitucionalidade a proferir neste recurso o seu efeito útil na eventual reapreciação da causa face ao conteúdo das normas desaplicadas, neste caso, esse efeito não se verifica, uma vez que tal reapreciação nunca poderia produzir quaisquer consequências jurídicas, por força da alteração legislativa entretanto ocorrida.
Assim, atenta a exigível instrumentalidade da fiscalização concreta da constitucionalidade, afigura-se completamente inútil o prosseguimento do presente recurso de constitucionalidade (artigo 287.º, alínea e), do Código de Processo Civil, por força do disposto no artigo 69.º da Lei do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro).
Decisão
Pelas razões expostas, julga-se extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide e, consequentemente, não se toma conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto pelo Ministério Público do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 24 de Setembro de 2009, no âmbito dos presentes autos.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Julho de 2010 – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos