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Processo n.º 1031/09
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Comarca de Viseu, em que é recorrente o MINISTÉRIO PÚBLICO e recorrido A., foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal de 10.09.2008, nos seguintes termos:
«A Magistrada do Ministério Público, nesta comarca, vem interpor recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional da sentença proferida pelo Mm° Juiz, no PE 4711721, dado recusar-se a aplicar o anexo à Lei n.° 34/2004 de 29/07, conjugado com os arts. 6.° a 10.° da Portaria n.º 1085-A/2004 de 31/08, alterada pela Portaria n.º 288/2005 de 21/03 com fundamento na violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20.° da Constituição da República Portuguesa, a subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito devolutivo, ao abrigo dos arts. 280.°, n.°1 al. b) da CRP, 70.°, n.°1 al. b), 72.°, n.° 3, 78.°, n.° 2 e 79.° da L28/82 de 15/11 (lei da organização, funcionamento e processo do tribunal Constitucional) e 3.°, n.°2 da Lei 60/98 (EMP).»
2. Convidado a esclarecer o objecto do recurso, o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional veio dizer o seguinte:
«1º
Na parte decisória, o Senhor Juiz recusou aplicar, com fundamento em inconstitucionalidade, “o anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10. da Portaria, n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, alterado pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, na parte em que impõem que seja considerada para efeitos de cálculo do rendimento relevante do requerente de apoio judiciário, o rendimento auferido pelo cônjuge do requerente”.
2º
O Ministério Público quando interpôs recurso para este Tribunal Constitucional apenas refere as normas que, na parte decisória, o Senhor Juiz tinha recusado aplicar, não especificando expressamente qualquer dimensão normativa.
3.º
Concretizando melhor os preceitos legais, dir-se-á que, na decisão (fls.196), se refere o critério de insuficiência económica previsto “no ponto I, n.º 1, alínea c) do anexo à lei n.º 34/2004”
4.º
Por outro lado, da fundamentação resulta que, para além da dimensão normativa expressamente referida na parte decisória (já anteriormente transcrita), foi decisivo para o juízo de inconstitucionalidade formulado, que o montante dos encargos do agregado familiar, tenham de ser calculados por aplicação automática de critérios rígidos e pré - estabelecidos, não estando, sequer, previsto, as despesas médicas do requerente.
5º
Pelo exposto, parece-nos que constituirá objecto do recurso, a questão da inconstitucionalidade das normas do ponto I, n.º 1, alínea c) do anexo à lei 34/2004, de 29 de Julho, conjugada com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, alterada pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, enquanto impõem que seja considerado, para efeitos de cálculo do rendimento relevante do requerente do apoio judiciário, o rendimento auferido pelo seu cônjuge e enquanto fixam critérios rígidos e pré - estabelecidos para calcular o montante dos encargos do agregado familiar, não estando aí, sequer, incluído, as despesas médicas do requerente.»
3. O Ministério Público apresentou alegações onde conclui o seguinte:
«1- As normas do ponto I, n.º 1, alínea c) do anexo à lei 34/2004, de 29 de Julho, conjugada com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, alterada pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, enquanto impõem que seja considerado, para efeitos de cálculo do rendimento relevante do requerente do apoio judiciário, o rendimento auferido pelo seu cônjuge, não viola o direito de acesso aos tribunais consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição.
2- As mesmas normas, enquanto fixam critérios rígidos e pré – estabelecidos para calcular o montante dos encargos do agregado familiar, dessa forma não possibilitando qualquer ponderação sobre os reais encargos suportados pelo agregado familiar, designadamente com despesas de saúde do cônjuge do requerente do benefício, violam aquele princípio constitucional, sendo, pois inconstitucionais.
3- Pelo exposto deve, em parte, negar-se o provimento ao recurso.»
4. O recorrido não contra-alegou.
5. A sentença recorrida decidiu nos seguintes termos:
«- Não aplicar o anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, alterada pela portaria n.º 288/2005, de 21 de Maço, na parte em que impõem que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do benefício do apoio judiciário o rendimento auferido pelo cônjuge do requerente, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa;
- Conceder provimento ao recurso e em consequência e pelos fundamentos expostos, conceder ao requerente o benefício do apoio judiciário nas modalidades peticionadas: dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo.»
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
«- O agregado familiar do recorrente é composto por ele e pela sua cônjuge;
- A mulher do recorrente auferiu um rendimento médio de € 455,70 por mês a que corresponde um rendimento anual ilíquido de € 6 380,00;
- O recorrente na qualidade de sócio gerente auferiu um rendimento mensal de € 450,00 mensais, a que corresponde um rendimento anual ilíquido de € 6 300,00.
- O rendimento total do agregado é de € 12 680,00 a que corresponde um rendimento mensal de € 905,71.
- O recorrente encontra-se a pagar, juntamente com a sua mulher, um empréstimo bancário para aquisição de habitação própria de cerca de € 415,23, ao que acresce as despesas mensais normais com os encargos da vida diária (água, luz e alimentação), apresentando ainda elevadas despesas médicas e medicamentosas.»
Com base nestes factos, o tribunal recorrido fundamentou a decisão da seguinte forma:
«[…] O Instituto de Segurança Social, indeferiu o pedido de apoio judiciário ao requerente, levando em linha de conta que o rendimento do agregado familiar, na aplicação dos critérios matemáticos supra descritos, indicava, apenas, o direito usufruir do benefício do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado.
Sublinhe-se, então, o facto de a segurança social ter analisado a insuficiência económica à luz do rendimento do agregado familiar, quer dizer, somando o rendimento do requerente e o rendimento da sua mulher.
Ora, a lei do apoio judiciário estipula de facto que se leve em conta o rendimento do agregado familiar. Parte-se, erradamente, do princípio de que, se as pessoas fazem parte do mesmo agregado familiar, se vivem em economia comum, o rendimento a ter em conta é o de todos os elementos do agregado familiar. O n.º 3 do Anexo, I apreciação da insuficiência económica estipula que, “para os efeitos desta lei, considera-se que pertencem ao mesmo agregado familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente do apoio judiciário”.
Esquecem-se, no entanto, que determinados direitos há, que não existem para serem utilizados colectivamente antes se cingem à pessoa singular, titular desse direito. E esta perspectiva é verdadeiramente concretizadora de uma dignidade humana, quando se pensa que o Homem existe individualmente e é, enquanto ser único e irrepetível, que deve ser defendido pela sociedade e pelo ordenamento jurídico.
O conceito de “economia comum” pressupõe uma comunhão de vida, com base num lar em sentido familiar, moral e social, uma convivência conjunta com especial ligação entre as pessoas pertencentes a essa unidade familiar, unidade essa, que conta com uma economia doméstica comum.
No caso sub judice é facto notório que o requerente vive em economia comum com a sua mulher.
No entanto, a aplicação do anexo à Lei n.º 34/2004, que remete a apreciação da insuficiência económica para o rendimento relevante do agregado familiar, e das fórmulas matemáticas previstas nos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, e portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, conduzem a um resultado absolutamente atentatório do elementar direito de acesso aos tribunais e à justiça.
Violam, assim, o princípio da proporcionalidade em sentido restrito – as leis inibitórias de direitos, e os fins obtidos, devem situar-se num grau de razoabilidade, não sendo possível a adopção de medidas legais restritivas, desproporcionadas e excessivas, em relação aos fins tidos em vista.
Caso contrário, seria atingido o princípio da igualdade, visto como o garante de que se trata igual o que é igual e diferente o que é diferente. Assim, o rendimento relevante, tido em conta pela Segurança Social, fundamenta-se no rendimento auferido pelo requerente e pela sua mulher, sendo certo que se trata de rendimentos recebidos individualmente.
A segurança social, partiu da soma destes dois rendimentos, subtraiu o “montante dedutível” e chegou a um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o valor do salário mínimo nacional, considerando, por isso, que o requerente, rectius, o agregado familiar, tem condições objectivas para suportar os custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 16.º.
A segurança social, não considerou os gastos existentes nesta concreta situação, especialmente, os gastos com os medicamentos que a mulher do requerente, necessita para sobreviver.
É que o partir desta noção fixa e abstracta de “agregado familiar” é manifestamente insuficiente para que se possa apurar com justiça as reais necessidades da requerente. E é evidente que o Estado deve proporcionar as condições de acesso às pessoas que efectivamente não tenham essas condições, independentemente dos resultados nascidos das fórmulas matemáticas. Como este caso comprova, tais fórmulas não preenchem o infinito enquadramento que cada pessoa tem e constitui.
Em resumo, o apoio judiciário foi parcialmente recusado tendo em base a (in)suficiência económica de duas pessoas e não só do requerente. Ora, o rendimento que deve ser considerado relevante para efeitos do apoio judiciário é o rendimento auferido unicamente pelo requerente.
Na mesma medida, as despesas a serem tidas em conta, são as que se podem englobar no funcionamento normal de uma casa – luz, água, alimentação, vestuário – mas também aquelas que dizem respeito somente ao requerido – as despesas médicas por exemplo.
Complementarmente, o facto de o método de cálculo ser o único elemento decisor da decisão de deferimento de apoio judiciário configura igualmente uma restrição a direitos fundamentais.
Cite-se, a esse propósito, o já identificado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 263/2008, “(…) o legislador ordinário concebeu, dentro da sua discricionariedade constitutiva, um método de apuramento da insuficiência económica para efeitos de protecção jurídica, construído em torno da consideração de elementos rígidos ou estáticos, aptos a obviarem à variabilidade subjectiva da decisão decorrente da subjectividade da apreciação do decisor administrativo.
Em termos abreviados, esse método consiste na imputação ao agregado familiar de todos os rendimentos líquidos dos seus membros, incluindo a renda financeira implícita calculada nos termos definidos (art.º 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004) sobre os activos patrimoniais traduzidos pelos valores dos imóveis, participações sociais e valores mobiliários (considerando-se como tal o rendimento depois da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos empregados para regimes da segurança social e das contribuições dos empregadores para a segurança social) e na subtracção a esse valor da soma do valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar com o montante da dedução de encargos com a habitação.
O valor da dedução de encargos com a satisfação das necessidades básicas do agregado familiar relevante para o efeito é determinado, de acordo com o referido art.º 8.º da Portaria n.º 1085-A/2004, em função do número de elementos do agregado familiar e de um coeficiente pré-determinado, variável em função de diversos escalões de rendimento, também pré-estabelecidos, constantes do anexo da mesma Portaria.
Por seu lado, o montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar é igualmente o resultado da aplicação de um coeficiente pré-estabelecido sobre o valor do rendimento líquido completo, variando aquele coeficiente em função de diversos escalões de rendimento pré-determinados, não podendo, porém, ser superior ao montante da despesa efectivamente suportada (art. 8.º, n.ºs 3 e 4, e anexo II da mesma Portaria).
A concessão ou denegação de protecção jurídica, total ou parcial, encontra-se associada pelo legislador, no anexo I, da Lei n.º 34/2004, à relação proporcional que intercede entre o valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, resultante da subtracção ao rendimento líquido das deduções relevantes para o mesmo efeito, acima assinaladas, e o valor do salário mínimo nacional.
Ora, se é certo que o método assim construído pelo legislador permite afastar a subjectividade do decisor administrativo na ponderação dos elementos económico-financeiros que seriam susceptíveis de evidenciar a capacidade económico-financeira para pagar as custas devidas na acção (sistema de custas esse conformado em função do valor da acção e que deve atender ao nível geral dos rendimentos dos cidadãos, conforme se faz notar no Acórdão n.º 102/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), também não é menos certo que ele se mostra insensível para atender às especificidades da situação económica de muitos cidadãos requerentes do apoio judiciário.
Em certa perspectiva, a concreta inadequação do modelo para responder a essas situações resulta, essencialmente, do facto de em caso de baixos rendimentos ou aproximados e de algumas composições do agregado familiar, os coeficientes e os escalões de rendimento fixados, no âmbito das deduções, constantes nos anexos I a IV da Portaria, não serem capazes de deixar disponível para o cidadão uma margem de rendimento com o qual possa satisfazer as custas da acção, mesmo na forma faseada, sem que isso corresponda, perante a emergência de satisfação de necessidades básicas ou essenciais não relevadas ou não relevadas suficientemente pelo legislador, a um impedimento ou dificuldade incomportável, próprios de uma situação de insuficiência económica”.
Pelo exposto, porque se entende que a aplicação do critério de apreciação de insuficiência económica previsto no ponto I, 1, alínea c), do anexo à lei n.º 34/2004, de 29 de Julho e dos critérios matemáticos da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto conduzem, no caso concreto, pelo que se expôs, a uma desproporcionada e injustificada restrição do direito fundamental de acesso ao direito, desaplicam-se, por inconstitucionalidade material o critério de apreciação de insuficiência económica previsto no ponto I, 1, alínea c), do anexo à lei n.º 34/2004, de 29 de Julho e os artigos 6.º, 8.º e 9.º e os anexos para que remetem, tudo da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto.
Considerando um rendimento mensal líquido de € 450,00, tendo em conta as despesas com que o requerente se confronta, despesas essas essenciais ao “viver com dignidade”, e tendo ainda em devida conta as despesas com que o requerente se terá que confrontar num processo judicial, afiguram-se-nos reunidas as condições para que se conclua que o requerente não tem condições económicas para suportar a mencionada taxa de justiça.
Em resumo, da análise dos elementos documentais juntos aos autos, resulta que o rendimento do requerente, quando confrontado com as despesas dadas como provadas, não é suficiente para custear os encargos normais de uma causa judicial, sem contender com a satisfação das necessidades básicas do seu agregado familiar.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
6. Delimitação do objecto do recurso
O tribunal recorrido decidiu:
«Não aplicar o anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, alterada pela portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, na parte em que impõem que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do benefício do apoio judiciário o rendimento auferido pelo cônjuge do requerente, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.» [itálico nosso].
O Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, dispõe como segue:
«I – Apreciação da insuficiência económica
1 – A insuficiência económica é apreciada da seguinte forma:
a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os custos de um processo;
b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do valor do salário mínimo nacional considera-se que tem condições objectivas para suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar de consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio judiciário;
c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 16º da presente lei;
d)…
2 – Se o valor dos créditos depositados em contas bancárias e o montante de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado de que o requerente ou qualquer membro do seu agregado familiar sejam titulares forem superiores a 40 vezes o valor do salário mínimo nacional, considera-se que o requerente de protecção jurídica não se encontra em situação de insuficiência económica, independentemente do valor do rendimento do agregado familiar.
3 – Para os efeitos desta lei, considera-se que pertencem ao mesmo agregado familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção jurídica
Por sua vez, os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 288/2005, têm o seguinte teor:
«SECÇÃO II
Apreciação do requerimento
Artigo 6.º
Rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
1 — Para efeitos do disposto no anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é o montante que resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC) e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A), ou seja, YAP = YC–A.
2 — O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é expresso em múltiplos do salário mínimo nacional.
Artigo 7.º
Rendimento líquido completo do agregado familiar
1 — O valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC) resulta da soma do valor da receita líquida do agregado familiar (Y) com o montante da renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do agregado familiar (YR), ou seja, YC= Y+ YR.
2 — Por receita líquida do agregado familiar (Y) entende-se o rendimento depois da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos empregados para regimes de segurança social e das contribuições dos empregadores para a segurança social.
3 — O cálculo da renda financeira implícita é efectuado nos termos previstos no artigo 10.º da presente portaria.
Artigo 8.º
Dedução relevante para efeitos de protecção jurídica
1 — O valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A) resulta da soma do valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar (D) com o montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H), ou seja, A = D + H.
2 — O valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar (D) resulta da aplicação da seguinte fórmula:
em que n é o número de elementos do agregado familiar e d é o coeficiente de dedução de despesas com necessidades básicas do agregado familiar, determinado em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo I.
3 — O montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H) resulta da aplicação do coeficiente h ao valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC), ou seja, H = h×YC, em que h é determinado em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo II.
Artigo 9.º
Cálculo do valor do rendimento relevante
para efeitos de protecção jurídica
O valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, especificado nos artigos anteriores, é calculado através da fórmula prevista no anexo III desta portaria.
Artigo 10.º
Cálculo da renda financeira implícita
1 — O montante da renda financeira implícita a que se refere o n.º 1 do artigo 7.º é calculado mediante a aplicação de uma taxa de juro de referência ao valor dos activos patrimoniais do agregado familiar.
2 — A taxa de juro de referência é a taxa EURIBOR a seis meses correspondente ao valor médio verificado nos meses de Dezembro ou de Junho últimos, consoante o requerimento de protecção jurídica seja apresentado, respectivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil em curso.
3 — Entende-se por valor dos bens imóveis aquele que for mais elevado entre o declarado pelo requerente no pedido de protecção jurídica, o inscrito na matriz predial e o constante do documento que haja titulado a respectiva aquisição.
4 — Quando se trate da casa de morada de família, no cálculo referido no n.º 1 apenas se contabiliza o valor daquela se for superior a € 100 000 e na estrita medida desse excesso.
5 — O valor das participações sociais e dos valores mobiliários é aquele que resultar da cotação observada em bolsa no dia anterior ao da apresentação do requerimento de protecção jurídica ou, na falta deste, o seu valor nominal.
6 — Entende-se por valor dos veículos automóveis o respectivo valor de mercado».
Apontando este conjunto heterogéneo de normas como objecto da decisão de inaplicação, por inconstitucionalidade, o tribunal recorrido precisou explicitamente que esse juízo só incidia sobre parte do conteúdo dessas disposições – aquela parte de que resulta que o rendimento auferido pelo cônjuge do requerente deve ser considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante para a decisão de concessão de protecção jurídica.
Este enunciado restritivo da fórmula decisória final suscita dificuldades sérias de delimitação do objecto do presente recurso, por força do seu contraste notório com a estrutura lógico-jurídica da argumentação expendida na fundamentação.
Na verdade, a fundamentação da sentença recorrida não se cinge ao tratamento da dimensão normativa expressamente referida na parte decisória, nela se abordando extensamente a imposição legal da aplicação automática de critérios rígidos e pré-estabelecidos, sem possibilidade de dedução das despesas médicas do recorrente – não como simples obter dictum, mas como razão complementarmente decisiva para o juízo de inconstitucionalidade.
A questão a resolver in casu começa, aliás, por ser identificada como sendo a de saber se as normas em causa «são ou não violadoras do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, porque restringem o acesso ao direito e à justiça, através da aplicação de uma fórmula matemática, e independente de qualquer análise casuística das concretas circunstâncias dos cidadãos que manifestem vontade em aceder aos tribunais.» (fls. 193).
E, na parte conclusiva da fundamentação, deparamos com o seguinte trecho:
«Pelo exposto, porque se entende que a aplicação do critério de apreciação de insuficiência económica previsto no ponto I, 1, alínea c), do anexo à lei n.º 34/2004, de 29 de Julho e dos critérios matemáticos da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto conduzem, no caso concreto, pelo que se expôs, a uma desproporcionada e injustificada restrição do direito fundamental de acesso ao direito, desaplicam-se, por inconstitucionalidade material o critério de apreciação de insuficiência económica previsto no ponto I, 1, alínea c), do anexo à lei n.º 34/2004, de 29 de Julho e os artigos 6.º, 8.º e 9.º e os anexos para que remetem, tudo da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto.» (fls.199).
Isto é, chamando expressa e repetidamente à colação a exposição anterior, onde se inclui argumentação no sentido da desconformidade constitucional dos critérios matemáticos rígidos legalmente fixados, o trecho transcrito refere-os (e às normas que os consagram) como abrangidos pela decisão de desaplicação. E a este trecho é de atribuir, substancialmente, pelos termos em que vem formulado, alcance decisório, a tal não obstando a sua inserção sistemática na fundamentação.
Atendendo ao conteúdo da fundamentação, as dúvidas suscitadas devem, pois, ser resolvidas no sentido da abrangência, pelo objecto do pedido, também da desconformidade constitucional da utilização de uma fórmula rígida de cálculo, que não comporta a dedutibilidade das despesas médicas.
O entendimento amplo do objecto da recusa de aplicação, sem a restrição que a fórmula decisória parece contemplar, foi também o do Ministério Público.
De facto, no requerimento de interposição do recurso (onde, por lapso manifesto, se refere, como fundamento normativo, a alínea b), e não a alínea a) do artigo 70.º, n.º 1, da LTC) é indicado que a sentença recorrida se recusou a aplicar “o anexo à Lei n.º 34/2004 de 29/07, conjugado com os arts. 6.º a 10.º da P1085-A/2004 de 31/08 […]”.
Em termos mais precisos, mas igualmente sem interpretar a decisão recorrida nos termos restritivos que ela, em si mesma considerada, literalmente sugere, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal, instado a melhor esclarecer o objecto do recurso, veio dizer (ponto 5.º) que ele incide sobre «a questão da inconstitucionalidade das normas do ponto I, n.º 1, alínea c) do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugada com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, alterada pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, enquanto impõem que seja considerado, para efeitos de cálculo do rendimento relevante do requerente do apoio judiciário, o rendimento auferido pelo seu cônjuge e enquanto fixam critérios rígidos e pré-estabelecidos para calcular o montante dos encargos do agregado familiar, não estando aí, sequer, incluído, as despesas médicas do requerente.»
O Tribunal sufraga este entendimento, com a correcção de que não estão em causa despesas de saúde do requerente, mas antes do seu cônjuge, como o próprio Ministério Público reconhece, nas suas alegações. Deste modo, são tidas como estando abarcadas pelo objecto do pedido duas distintas questões de constitucionalidade, dizendo uma respeito à determinação dos rendimentos a considerar, e outra à identificação dos encargos dedutíveis para o cálculo do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica.
Mais concretamente, estará sob juízo a imposição legal de atendimento, para determinação do rendimento relevante, também do rendimento auferido pelo cônjuge do requerente, e não apenas do auferido por este, bem como o critério de cálculo dos encargos do agregado familiar, na medida em que desconsidera as despesas médicas do cônjuge do requerente.
7. Do mérito do recurso
7.1. Quanto à primeira questão, ela, na concreta dimensão normativa que aqui se nos depara, ainda não foi objecto de apreciação por parte deste Tribunal Constitucional.
Importa, no entanto, relembrar a jurisprudência firmada em casos parcialmente idênticos ao dos presentes autos.
A respeito da consideração dos rendimentos do cônjuge para efeitos de determinação da insuficiência económica do agregado familiar, no Acórdão n.º 272/08 decidiu-se não julgar inconstitucionais as normas constantes da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do § I do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, bem como as normas constantes dos artigos 6.º, n.º 1, 7.º, n.ºs 1 e 2, 8.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 9.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, quando interpretadas no sentido de permitirem a consideração de rendimentos pertencentes ao agregado familiar de um requerente de apoio judiciário, para efeitos de determinação da insuficiência económica deste, quando auferidos por cônjuge, na constância de casamento sujeito ao regime de comunhão de adquiridos, quando o pedido de apoio judiciário vise dedução de oposição à execução movida contra um dos cônjuges, no âmbito da qual possam vir a ser penhorados bens comuns do casal.
Em sentido próximo, pronunciou-se o Acórdão n.º 326/08, que julgou não inconstitucional o conjunto normativo constante do anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício de apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, incluindo os rendimentos auferidos pelo cônjuge, independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento.
Não obstante as particularidades diferenciadoras, o caso sub judicio apresenta a mesma nota característica, que, nos mencionados arestos, forneceu a razão decisiva para a decisão de não inconstitucionalidade. Referimo-nos ao facto de “o rendimento líquido completo do agregado familiar” (artigo 6.º, n.º 1, da Portaria n.º 1085-A/2004) ser, neste caso, formado pela soma do rendimento do requerente com o do seu cônjuge. Isto é, muito embora o n.º 3 do Anexo à Lei n.º 34/2004 adopte um conceito muito amplo de “agregado familiar”, como sendo constituído pelas “pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção jurídica”, o agregado familiar concretamente em causa corresponde à comunidade conjugal. Comunidade que, do ponto de vista patrimonial, deu azo a um regime de comunhão de bens (neste caso, conforme declarações nas escrituras referidas a fls. 59, 82, 88 e 92, de comunhão geral).
Não estamos, pois, perante uma situação de voluntária entreajuda económica entre dois sujeitos titulares apenas de patrimónios próprios, mas perante titulares de um património comum, uma massa de bens unitariamente detida, em comunhão, pelos dois cônjuges. É o próprio vínculo conjugal, com o regime de bens que lhe está, neste caso, associado, que cria obrigatoriamente uma situação de partilha de rendimentos e de comparticipação nos encargos contrária à representação estritamente individualista que a fundamentação da sentença recorrida exprime.
Em configurações em que o agregado familiar é constituído por sujeitos unidos pelo casamento, em regime de comunhão geral, os rendimentos de cada um dos cônjuges não são isoláveis em esferas separadas, de titularidade individual, antes se constituem como componentes, desde o momento da sua aquisição, sem mais, de um património unitário, de titularidade comum. A imputação ao recorrente, para efeitos de avaliação da insuficiência económica justificativa de apoio judiciário, dos rendimentos do cônjuge-mulher surge, assim, como decorrência imediata e quase que diríamos forçosa do regime de bens do seu casamento.
Acresce que, no caso sub judicio, é sobremodo patente a comunhão de interesses na acção que suscita o pedido de protecção jurídica. O requerente pretende propor uma acção de indemnização emergente de acidente de viação. Tudo indica que o veículo sinistrado é um bem comum. A obter ganho de causa, o montante da indemnização integrar-se-á no património comum. O que significa que, apesar de o pedido de apoio judiciário ter sido interposto apenas pelo recorrente, o evento lesivo também afectou directamente a integridade do património do seu cônjuge (a sua meação no bem lesado), património que será reposto pela acção de indemnização, em caso de vencimento.
Por tudo, temos por incontroverso que a determinação do rendimento relevante para efeitos de concessão de apoio judiciário a partir do rendimento do agregado familiar, composto pelo requerente e pelo cônjuge, casados em regime de comunhão geral, não viola o direito de acesso aos tribunais.
7.2. Importa agora ajuizar da outra questão de constitucionalidade suscitada nos autos, atinente à forma tabelar e rígida de cálculo dos montantes dos encargos do agregado familiar, que não permite a contabilização, como tais, de despesas de saúde.
A correlação causal entre uma coisa e outra é expressamente estabelecida na resposta que os serviços de Segurança Social deram à reclamação do requerente (fls. 162):
«Quanto às despesas descritas, o simulador não as aceita, pois mediante os rendimentos, os activos patrimoniais e a dimensão do agregado familiar, efectua um cálculo da dedução de encargos com necessidades básicas e com a habitação por fórmulas matemáticas».
O regime legal de dedução de encargos, para apuramento do rendimento relevante, é descrito no Acórdão n.º 126/2008 do seguinte modo:
«Concretizando um pouco mais os critérios legais aplicáveis à matéria em questão, importa observar que as despesas consideradas como elegíveis correspondem a duas categorias da classificação económica das despesas de consumo:
a) Despesas pessoais básicas, que incluem as efectuadas com alimentação, vestuário e higiene.
b) Despesas com a habitação.
O volume destas despesas é calculado através da aplicação de coeficientes de dedução que variam em função do rendimento e que, no caso do coeficiente de dedução das despesas pessoais, variam também em função do número de elementos que constituem o agregado familiar.
Os coeficientes de dedução das despesas são fixados em função da despesa média anual por agregado familiar e segundo os escalões de rendimento líquido do agregado familiar.
Uma vez que se trata de despesas com bens e serviços necessários, os coeficientes são decrescentes em função do aumento do nível de rendimento, o que confere um carácter progressivo ao critério de avaliação da insuficiência económica, ou seja, o benefício médio concedido é decrescente com o rendimento.
Os acima referidos propósitos de tornar a decisão de concessão de apoio judiciário objectiva e uniforme, além de terem conduzido ao desprezo de despesas correspondentes à satisfação de necessidades básicas de cariz não permanente, como as despesas com saúde e educação, determinaram que o montante das despesas a considerar seja um valor tabelado presumido, resultante da aplicação de um coeficiente legalmente determinado ao valor do rendimento do agregado familiar do requerente, não permitindo, assim, a ponderação de todas as despesas efectivamente realizadas.
Este critério de avaliação das situações de insuficiência económica para efeito de concessão de apoio judiciário, pela sua rigidez, permite que lhe possam escapar situações de efectiva incapacidade económica para satisfazer os custos com uma acção judicial (v.g. pessoas que tenham avultados gastos permanentes com despesas médicas).»
A questão da constitucionalidade deste regime já foi objecto de várias decisões deste Tribunal, que se pronunciou pela inconstitucionalidade de o rendimento relevante ser calculado em termos rigidamente impostos, de acordo com fórmulas matemáticas, sem permitir aferir da real situação económica, em concreto, do requerente, em função dos seus rendimentos e encargos (cfr. os Acórdãos n.ºs 654/2006, 46/2008, 126/2008, 127/2008 e 53/2009).
A questão decidida pelo Acórdão n.º 515/2008 identifica-se com a agora em juízo, pois também aí esteve em causa a não atendibilidade de despesas de saúde. Decidiu-se nesse Acórdão julgar inconstitucionais por violação do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, as normas constantes dos artigos 6.º, 8.º e 9.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, e do ponto I, 1, alínea c) do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, interpretadas no sentido de que, na determinação da insuficiência económica do requerente do benefício de apoio judiciário, não há lugar à ponderação dos encargos concretamente suportados pelo agregado familiar, designadamente, com despesas de saúde.
Reproduz-se a parte essencial das considerações em que a decisão se apoiou, às quais inteiramente se adere:
«Decisivo é que o critério legal é insensível à existência concreta de encargos especiais a que o interessado (e restantes membros do agregado familiar relevante) não pode razoavelmente eximir-se, como são as despesas de saúde, e que afectam negativamente a sua capacidade para fazer frente aos pagamentos que são condição da prática de actos processuais correspondentes à defesa dos seus direitos e interesses legítimos pela via judiciária. Ao não consentirem a sua ponderação, as normas em causa não permitem determinar a capacidade efectiva do requerente do apoio judiciário para suportar os custos do processo. O sistema impede que se considerem como despesas relevantes dispêndios a que os interessados se não podem subtrair e que efectivamente diminuem a sua capacidade económica. Não se garante, como é constitucionalmente imposto, de acordo com reiterada jurisprudência deste Tribunal, que o sistema de apoio judiciário assegure efectivamente o acesso aos tribunais por parte dos cidadãos economicamente carenciados.
Acresce que, se pode aceitar-se a irrelevância, para este efeito, de certo tipo de despesas ou encargos que traduzem a opção por um trem de vida que não é razoável “repercutir” sobre a comunidade através dos mecanismos de apoio judiciário, tal não pode suceder quanto às despesas de saúde, que são, em regra, forçadas e a cuja compressão ou diferimento não é exigível que o cidadão proceda para fazer face ao pagamento da taxa de justiça, porque são elas próprias expressão da realização de um direito constitucionalmente previsto (n.º 1 do artigo 64.º da Constituição).»
A dimensão normativa em causa é, pois, violadora do direito de acesso aos tribunais, plasmado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP.
III - Decisão
Pelo exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucionais as normas constantes do anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, em conjugação com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, alterada pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, quando interpretadas no sentido de imporem que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário inclua os rendimentos auferidos pelo cônjuge, na constância de casamento sujeito ao regime de comunhão geral de bens;
b) Julgar inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, as normas constantes do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e dos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, alterada pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, quando interpretadas no sentido de que, na determinação da insuficiência económica do requerente do benefício de apoio judiciário, não há lugar à ponderação das despesas de saúde concretamente suportadas pelo cônjuge;
c) Conceder provimento ao recurso, na parte referida na alínea a), e confirmar o juízo de inconstitucionalidade feito pela decisão recorrida, na parte referida na alínea b), e, consequentemente, negar, nessa parte, provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 29 de Junho de 2010
Joaquim de Sousa Ribeiro
Catarina Sarmento e Castro
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos