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Processo n.º 800/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A. requereu, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa (11.ª Vara,
2.ª Secção), uma providência cautelar de suspensão de deliberações sociais
contra B. C.R.L., como incidente de uma acção declarativa que corre termos no
mesmo Tribunal.
Por despacho de 21 de Julho de 2008, foi ordenada a desapensação de tal
procedimento cautelar, por se considerar que não pode ser considerado
dependência daquela acção.
A requerente interpôs recurso deste despacho, que lhe foi notificado por carta
de 22 de Julho de 2008, mediante requerimento em que afirmou “Protesta
apresentar as respectivas alegações no prazo de 15 dias, previsto no n.º 5 do
artigo 691.º do Código de Processo Civil”. E apresentou a alegação do recurso em
11 de Agosto de 2008.
Por despacho de 2 de Setembro de 2008, o requerimento de interposição do recurso
foi indeferido com fundamento em não conter nem ter sido simultaneamente
apresentada a alegação de recurso. Despacho de que o requerente reclamou, ao
abrigo do artigo 688.º do Código de Processo Civil.
A reclamação foi indeferida por decisão do seguinte teor:
“(…)
Dispõe o artigo 684.º-B, n.º 2, do Código de Processo Civil, na redacção
introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que o requerimento
de interposição do recurso «deve incluir a alegação do recorrente».
O requerimento de interposição do recurso (vd. fls. 19) não contem a alegação da
recorrente, nem a alegação foi junta em simultâneo, como refere o despacho
proferido pelo Mmo. Juiz da 1ª Instância.
Estipula, por sua vez, o artigo 685.º-C, n.º 2, alínea b) do Código de Processo
Civil, que o requerimento é indeferido quando não contenha ou junte a alegação
do recorrente ou quando esta não tenha conclusões.
Perante tais circunstâncias não se vislumbra qualquer reparo ao despacho de não
admissão do recurso.
Cumpriu-se a lei.
Não se consegue entender como a recorrente consegue dizer expressamente que, com
requerimento de interposição de recurso juntou as alegações, quando no mesmo diz
que «protesta apresentar as respectivas alegações no prazo de 15 dias…» como
veio a juntar.
Tal afirmação raia a litigância [de má fé] para além de temerária.
A falta de alegação implica a deserção da instância de recurso, nos termos do
artigo 291.º, n.º 2 e 4, do Código de Processo Civil.”
Tendo a recorrente reclamado para a conferência, por acórdão de 26
de Fevereiro de 2009, o Tribunal da Relação julgou improcedente a reclamação e
manteve o despacho reclamado, com a seguinte fundamentação:
“(...)
O tribunal não pode acolher a alegação do recorrente quando diz que «a alegação
está incluída no requerimento de interposição do recurso», dado que
efectivamente não está.
A actuação do recorrente, advém, provavelmente de uma interpretação ainda do
anterior regime legal aplicável aos recursos.
Daí não resultar que a conduta do recorrente ainda que, revelando algum
desconhecimento do actual regime legal, se afigure passível de um juízo de
censura tal que legitime a sua condenação como litigante de má-fé.
O recorrente não tem razão mas parece estar convicto de a ter, ainda que como já
dissemos a sua afirmação raie a litigância para além de temerária.
Por isso, a conduta da outra parte não merece a condenação peticionada.”
A recorrente arguiu a nulidade deste acórdão, por omissão de
pronúncia, o que foi indeferido por acórdão de 10 de Maio de 2009.
2. A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional,
visando a apreciação da constitucionalidade da norma “resultante das disposições
combinadas dos artigos 684.º-B, n.º 2; 685.º-C, n.º 2, alínea b); e 291.º, n.ºs
2 e 4, todos do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º
303/2007, de 24 de Agosto, com a interpretação do acórdão sob recurso, de que
deve ser indeferido e julgado deserto o recurso, quando no requerimento de
interposição se protesta apresentar no prazo legal as respectivas alegações, e
estas, cujo protesto de apresentação se faz no requerimento de interposição do
recurso, realmente se achem nos autos dentro do prazo legal”.
Neste Tribunal, apresentou alegações em que conclui do seguinte
modo:
“A) O douto acórdão recorrido, de 14-5-2009, do Tribunal da Relação de Lisboa –
que decide «manter nos seus exactos termos» o acórdão de 26-2-2009, a «manter o
despacho reclamado» do Relator, de 4-11-2008, o qual, por sua vez, mantém «o
despacho reclamado» da 1ª instância, de 2-9-2008, a decretar que «nos termos do
art. 685.º-C n.º 2 al. b) do C.P.C., indefiro o requerimento de interposição do
recurso de fls. 283/284» – faz errada interpretação da norma que aplica à
situação, em violação de normas e de princípios constitucionais.
B) A norma efectivamente invocada e aplicada pelo Tribunal recorrido é a que
resulta das disposições combinadas dos artigos 684.º-B, n.º 2; 685.º-C, n.º 2,
alínea b); e 291.º, n.ºs 2 e 4, todos do Código de Processo Civil, na redacção
do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com a interpretação de que deve
ser indeferido e julgado deserto o recurso, ainda que estejam as respectivas
alegações (e conclusões) nos autos dentro do prazo legal de interposição do
recurso.
C) A interpretação da norma anteriormente dita, aplicada à situação aduzida
supra de 1º a 16º [que aqui expressamente se apropria], viola mormente os
princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva;
do direito a um processo equitativo; e da proporcionalidade, com previsão
especialmente no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4; e 18.º, n.ºs 2 e 3, ambos da
Constituição da República Portuguesa.”
A recorrida contra-alegou, tendo concluído nos seguintes termos:
“A – o presente Recurso improcede
B – não foi violada qualquer disposição nem qualquer principio Constitucional;
C – a Recorrente, ao ter apresentado o Recurso que está a fls 19 destes autos,
não inclui na mesma, as respectivas Alegações.
D – di-lo expressamente, ao afirmar que “protesta apresentar as respectivas
alegações no prazo de 15 dias”.
E – o art.º 684º-B, nº 2 do C.P.Civil, na redacção do Dec. Lei 303/2007, de 24
de Agosto, que dispõe que o requerimento de interposição do Recurso deve incluir
a Alegação do Recorrente, não viola qualquer principio Constitucional.
F – para que as partes litigantes possam ter acesso equitativo ao Direito, é
indispensável estabelecer regras processuais que sejam de cumprimento
obrigatório para todas os litigantes.
G – a violação dessas regras não pode ser admitida, como a Autora pretende no
caso em apreço.
H – a violação ocorrida das normas processuais pela Recorrente, constitui a
preterição de regras fundamentais que não podem ser afastadas – sob pena, até,
de se cometer inconstitucionalidade, em relação à contra-parte.
I – o art.º 20º, n.º 1 da Constituição não foi violado, porquanto o acesso ao
Direito e aos Tribunais foi sempre inteiramente assegurado à Recorrente, que a
eles tem acedido abundantemente.
J – Quanto á obtenção de uma decisão em prazo razoável, referido no nº 4 do
art.º 20º da Constituição, é a própria Recorrente que o tem impedido, de forma
intencional e propositada, como atrás se salientou.
L – o art.º 18º da Constituição também em nada foi violado.
Com efeito
M – as normas processuais cuja inconstitucionalmente se alega, destinam-se
justamente a regular e salvaguardar os direitos Constitucionalmente protegidos;
e as mesmas não são, manifestamente, restritivas de direitos, liberdades ou
garantias.
N – o não reconhecimento do Recurso, sancionado pela 1ª Instância, e pelo
Tribunal da Relação, primeiro em despacho e depois em conferência, não violou
qualquer preceito Constitucional.
O – a interposição feita pelos Tribunais da ia Instância e da Relação das
disposições referidas nas Alegações da Recorrente, e nestas Alegações, não viola
qualquer preceito ou princípio Constitucional.
P – o verdadeiro intuito do Recorrente ao interpor o presente Recurso foi
retardar de forma ilegítima e abusiva o proferimento de qualquer decisão na
Providência Cautelar em apreço – e até de modo desrespeitoso perante este Alto
Tribunal, que não dever ser utilizado para este tipo de finalidades, dada a
importância da Função que lhe está cometida.”
3. O relator suscitou oficiosamente a questão prévia do não
conhecimento do objecto do recurso, por se lhe afigurar plausível sustentar que
o acórdão recorrido não fez aplicação da particular dimensão normativa cuja
constitucionalidade a recorrente quer ver apreciada
A recorrente respondeu, em síntese, que o tribunal a quo, face aos
termos em que a questão da apresentação das alegações lhe foi colocada, não
podia deixar de considerar, como efectivamente considerou, muito embora a seu
modo, a dimensão normativa cuja constitucionalidade quer ver apreciada, pelo que
deve conhecer-se do objecto do recurso.
A recorrida pronuncia-se pelo não conhecimento do objecto do recurso
em conformidade com o despacho do relator.
II – Fundamentação
4. Em primeiro lugar, cumpre apreciar a questão prévia suscitada no
despacho do relator de fls.158.
Recorda-se que a recorrente, não tendo feito acompanhar o
requerimento de interposição do recurso das respectivas alegações, veio a
apresentá-las em peça entrada no tribunal no último dia do prazo legal de
recurso. Isto é, se nesse dia apresentasse o requerimento de interposição de
recurso e o fizesse acompanhar das alegações ainda estaria em tempo.
Além disso, deve reconhecer-se que a recorrente sempre apontou ao tribunal a quo
que a alegação respectiva estava junta ao processo e ao dispor do juiz “findos
os prazos para interpor recurso”.
Assim, embora houvesse modo mais directo de colocar a questão de saber se ainda
deve indeferir-se o requerimento de interposição nesta situação particular, o
reiterado silêncio do tribunal a quo a este propósito, confirmando a não
admissão do recurso com o fundamento de que a alegação não estava incluída nem
fora apresentada simultaneamente com o requerimento de interposição, deve ser
interpretado como significando aplicação da norma na dimensão que a recorrente
submete à apreciação de constitucionalidade. Para o acórdão recorrido, e para a
decisão do relator que confirmou, a junção da alegação em qualquer momento
posterior ao requerimento de interposição é sempre inadmissível porque a lei
exige que o requerimento inclua (ou junte) a alegação do recorrente. Vale por
dizer que, face a essa imposição taxativa de que a expressão da vontade de
recorrer e a motivação do recurso sejam concomitantes, tudo o mais é
irrelevante.
Nesta sequência, uma vez que a realidade dos autos suportava a
questão que o recorrente colocava, tem de entender-se que houve aplicação
implícita das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 684.º-B e da alínea b)
do n.º 2 do artigo 685.º-C.º do Código de Processo Civil no sentido de que o
requerimento de interposição do recurso deve ser indeferido quando não contenha
ou junte a alegação do recorrente, ainda que esta alegação venha a ser
apresentada dentro do prazo de interposição do recurso e esteja já nos autos no
momento em que o despacho é proferido. Foi relativamente a esse entendimento que
a questão de constitucionalidade foi suscitada e é essa dimensão normativa que
agora se pretende ver apreciada, pelo que estão reunidos os pressupostos para
que o Tribunal conheça do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC, como passa a conhecer.
5. A reforma do regime dos recursos em processo civil operada pelo
Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, eliminou a tradicional dualidade
entre o momento da manifestação da vontade de recorrer (interposição do recurso)
e respectiva apreciação (despacho de admissão) e o momento da apresentação das
razões do recurso (alegação). À semelhança do que já sucedia noutros ramos do
direito processual, designadamente no processo laboral (artigo 81.º do Código de
Processo de Trabalho) no processo penal (artigo 411.º do Código de Processo
Penal aqui quanto à designada “motivação”), relativamente a processos urgentes
no contencioso tributário (artigo 283.º do Código de Procedimento e de Processo
Tributário) e no contencioso administrativo (artigo 144.º do Código de Processo
nos Tribunais Administrativos) o requerimento de interposição do recurso deve
conter ou ser acompanhado da alegação do recorrente.
É que resulta do artigo 684.º-B do CPC que passou a dispor:
“Artigo 684.º-B
(Modo de interposição do recurso)
1. Os recursos interpõem-se por meio de requerimento dirigido ao tribunal que
proferiu a decisão recorrida, na qual se indica a espécie, o efeito e o modo de
subida do recurso interposto e, nos casos previstos na alínea a) e c) do n.º 2
do artigo 678.º, no recurso para uniformização de jurisprudência e na revista
excepcional, o respectivo fundamento.
2. O requerimento referido no número anterior deve incluir a alegação do
recorrente.
3. Tratando-se de despachos ou sentenças orais, reproduzidos no processo, o
requerimento de interposição pode ser imediatamente ditado para a acta.”
E o artigo 685.º-C dispõe que:
“Artigo 685.º-C
(Despacho sobre o requerimento)
1. Findos os prazos concedidos às partes para interpor recurso, o juiz emite
despacho sobre o requerimento, ordenando a respectiva subida, excepto no caso
previsto no n.º 3.
2. O requerimento é indeferido quando:
a) Se entenda que a decisão não admite recurso, que este foi interposto fora de
prazo ou que o recorrente não tem as condições necessárias para recorrer;
b) Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha
conclusões.
(…).”
O acórdão recorrido interpretou este regime no sentido de que a não
apresentação simultânea da alegação e do requerimento de interposição conduz ao
indeferimento deste, ainda que a alegação venha a ser apresentada dentro do
prazo de interposição do recurso e o despacho seja proferido num momento em que
essa alegação já se encontre nos autos. Neste entendimento, a apresentação do
requerimento tem um efeito absolutamente preclusivo, não podendo o acto da parte
ser espontaneamente completado dentro do prazo que o interessado teria para
praticá-lo, ainda que tenha feito essa reserva.
Não cabe ao Tribunal censurar o bem fundado deste entendimento do direito
ordinário, referindo-se apenas que ele não é a único que tem colhido aceitação.
Perante regimes semelhantes, já se tem sustentado, na prática jurisprudencial e
na doutrina, que a alegação pode ser apresentada até ao termo do prazo de
interposição do recurso, ainda que o requerimento o tenha sido anteriormente
(Cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo
nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., pág. 829; Acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo, de 8 de Março de 1994, P. 33.897,www.dgsi.pt/jsta).
6. A questão que no presente recurso se coloca não é inteiramente
nova na jurisprudência do Tribunal.
No acórdão n.º 260/02, julgou-se inconstitucional a norma contida no
nº 3 do artigo 411.º do Código de Processo Penal, quando entendida no sentido de
que o recurso é rejeitado sempre que a motivação não acompanhe o requerimento de
interposição de recurso, ainda que a sua falta decorra de lapso objectivamente
desculpável, e seja sanada antes de decorrido o prazo abstractamente fixado para
recorrer e antes da subida ao tribunal de recurso, por violação dos artigos 2.º
e 32.º, nº 1, da Constituição.
Embora a solução encontrada para hipótese aí apreciada tenha o
reforço resultante de se tratar de processo penal, com a especial protecção da
situação do arguido, a fundamentação adoptada nesse acórdão é em larga medida
transponível para a situação agora em análise, que tem com aquela forte
semelhança quanto aos elementos relevantes (Cfr., admitindo a possibilidade de
transposição daquela doutrina a outros domínios processuais, Carlos Lopes do
Rego, Os Princípios Constitucionais da Proibição da Indefesa, da
Proporcionalidade dos Ónus e Cominações e o Regime da Citação em Processo Civil,
in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, 2003, págs.
843-844).
7. Como o Tribunal Constitucional já por diversas vezes afirmou, o
legislador tem ampla liberdade de conformação no estabelecimento das regras
sobre recursos em cada ramo processual. Necessário é, porém, que essas regras
não signifiquem a imposição de ónus de tal forma injustificados ou
desproporcionados que acabem por importar lesão da garantia de acesso à justiça
e aos tribunais (Cfr., por exemplo, acórdão nº 299/93, Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 24º vol., p. 699 e segs., citado em vários acórdãos
posteriores).
O Tribunal tem jurisprudência sem discrepâncias no sentido de que,
no respeito desses limites, o legislador pode escolher o momento e o modo de
apresentação da motivação ou das alegações de recurso. Assim, e a propósito de
regime semelhante (necessidade de incluir as alegações no requerimento de
interposição de recurso) vigente do domínio do processo laboral, afirmou-se, por
exemplo, no acórdão nº 266/93: 'A exigência de a alegação ter de constar do
requerimento de interposição de recurso ou, quando muito, de ter de ser
apresentada no prazo de interposição do recurso de oito dias, não diminui, por
si mesma, as garantias processuais das partes, nem acarreta um cerceamento das
possibilidades de defesa dos interesses das partes que se tenha de considerar
desproporcionado ou intolerável. Na verdade, o legislador tem ampla liberdade de
conformação no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo
processual, não se vendo que o sistema constante do art. 76º, nº 1, do Código de
Processo de Trabalho, na interpretação agora impugnada, seja em si mais gravoso
do que o estabelecido no Código de Processo Civil, em que a alegação nos agravos
tem de ser apresentada também no prazo de oito dias, embora este prazo se conte
da notificação do despacho de admissão do recurso. Há uma preocupação de maior
celeridade e economia processual no domínio das leis regulamentadoras do
processo de trabalho, visando no fundamental evitar que as demoras do processo
penalizem as partes mais fracas do ponto de vista económico, os trabalhadores,
os sinistrados e os seus familiares. Só no caso de não vir a ser admitido o
recurso interposto é que as partes se poderão queixar da inutilidade da
apresentação de alegações (cfr. art. 77º, nº 1, do Código de Processo de
Trabalho), mas tal inconveniente não é susceptível de fundamentar, por si só, um
juízo de inconstitucionalidade do art. 76º, nº 1, do mesmo diploma”.
A convergência dos diversos ramos processuais neste modo concentrado
de processamento da fase inicial dos recursos, eliminando a dualidade entre a
interposição e a alegação, encontra a sua justificação principal em dois
aspectos relevantes da conformação dos meios processuais: a celeridade e a
economia processual. Em vez de sucessivos actos processuais (requerimento de
interposição -> conclusão ao juiz -> despacho -> notificação -> alegação) e de
sucessivos prazos e correspondentes hiatos (prazo de interposição + prazo para
conclusão do processo + prazo para despacho + prazo para notificação + prazo de
alegação + prazo de notificação + prazo de contra-alegação + prazo de conclusão
ao juiz + prazo de despacho a ordenar a expedição do processo ao tribunal
superior) o processo apenas é sujeito a despacho, em tramitação normal, findos
os prazos para interposição do recurso (recte, findo o prazo para a
contra-alegação do recorrido), de modo a que o juiz possa, com um só despacho,
decidir se o recurso sobe ou não ao tribunal superior para apreciação do
recurso. Há uma economia de tempo e, seguramente, de actos processuais por parte
do tribunal, que podem contribuir não só para que o andamento daquele concreto
processo seja mais célere, mas para maior eficiência do funcionamento global dos
tribunais, por não ficarem sobrecarregados com a prática de múltiplos actos
processuais. Além desse objectivo ou finalidade primordial, poderá ainda
creditar-se a esta disciplina de processamento o efeito colateral de contribuir
para que o recorrente proceda a um mais cuidado exame da viabilidade do recurso,
porque já não recorrerá com base num exame perfunctório da decisão recorrida,
mas só após ponderar as razões que contra ela pode esgrimir perante a instância
de recurso. A contrapartida é, pela necessidade de alargamento do prazo único,
ficarem as decisões mais tempo pendentes da incerteza sobre se as partes vão ou
não impugná-las.
8. No presente recurso não se questiona este regime ou o prazo de 15
dias para apresentar a motivação com o requerimento de interposição de recurso,
sob pena de rejeição do recurso. O que a recorrente considera injustificado,
desrazoável ou desproporcionado é o indeferimento do requerimento quando, embora
não tenha feito coincidir o momento da declaração da vontade de recorrer e da
apresentação da alegação, protestou no requerimento que alegaria dentro do
prazo, como efectivamente fez.
Começa por notar-se que não pode entender-se que o recorrente tenha
a faculdade de desdobrar em vários actos o que a lei disciplina como de
processamento concentrado ou que praticado um acto antes do termo do prazo se
mantenha o prazo ainda não decorrido para que o recorrente, se assim o entender,
altere ou corrija o que antes praticou. O processo está sujeito a um princípio
de preclusão, que decorre também do uso do direito ou faculdade processual e não
apenas do decurso dos prazos correspondentes. Se o acto processual for
deficiente e se desencadearem as consequências dessa imperfeição, não assiste à
parte o direito a subtrair-se a essas consequências que provocou e reabrir o
procedimento a pretexto do não esgotamento do prazo que tinha para praticar o
acto.
Sucede, porém, que a recorrente logo no requerimento, anunciou o
propósito de alegar dentro do prazo e que a alegação veio a ser entregue não só
dentro do prazo abstractamente fixado para a interposição de recurso, mas também
antes de o processo ser concluso ao juiz ou de ser praticado qualquer acto em
que a circunstância de a apresentação da alegação não ser concomitante com a
declaração da vontade de recorrer tenha influído. Nenhum prejuízo se verificou,
seja do ponto de vista da celeridade processual, seja da perspectiva da
preparação da decisão como consequência da actuação processual da recorrente. Os
prazos, os actos da secretaria e do juiz e a situação da parte contrária, nada
sofreram com o modo de agir da recorrente. O que se passou foi o que se teria
passado se só no dia em que apresentou a alegação a recorrente tivesse
apresentado o requerimento de interposição.
Nestas particulares circunstâncias, a norma que conduz ao
indeferimento do requerimento de interposição do recurso não se mostra
compatível, nem com a ideia geral da proporcionalidade ínsita no princípio do
Estado de Direito, nem com a garantia constitucional do processo equitativo,
consagrados no artigo 2.º e no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição,
respectivamente.
Na verdade, o direito de agir em juízo deve efectivar-se através de
um processo equitativo, cujo significado básico é o da exigência de conformação
do processo de forma materialmente adequada a uma tutela jurisdicional efectiva
e que se densifica através de outros subprincípios, um dos quais é o da
orientação do processo para a justiça material, sem demasiadas peias
formalísticas (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., págs. 415 e segs). Os ónus processuais
devem servir o fim para que são instituídos e a sanção para o seu incumprimento
deve ser adequada a compelir ao respectivo cumprimento, mas sem exceder a justa
medida, pondo em balança as consequências desvantajosas para o interessado e os
efeitos da conduta incumpridora na frustração dos objectivos visados com a
disciplina processual considerada.
Ora, da interpretação efectivamente adoptada pelo acórdão recorrido
decorre que o recurso é rejeitado sempre que a motivação não acompanhe o
requerimento de recurso, ainda que as alegações venham a ser apresentadas dentro
do prazo abstractamente fixado e no momento em que o juiz profere o despacho
elas estejam no processo e nenhuma consequência tenha tido o desfasamento, seja
na marcha do processo, seja na prática de actos pelo juiz ou em qualquer
acréscimo de trabalho para o tribunal, seja nas expectativas legítimas da parte
contrária que estava prevenida do propósito do adversário em alegar pelo
protesto contido na parte final do requerimento de interposição. Sanciona-se, no
grau máximo, com a perda do direito de recorrer um desvio formal materialmente
inócuo, considerando os fins para que a disciplina processual foi estabelecida.
A gravidade das consequências processuais é totalmente desproporcionada à
gravidade e relevância do desvio introduzido no modelo legalmente previsto.
Nesta dimensão, a norma que decorre do n.º 2 do artigo 684.º-B e da
alínea b) do n.º 2 do artigo 685.º-C do Código de Processo Civil estabelece uma
consequência desproporcionada e viola o princípio do processo equitativo
consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição.
III – Decisão
Pelo exposto, concedendo provimento ao recurso decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio do processo
equitativo consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, a norma que
decorre do n.º 2 do artigo 684.º-B e da alínea b) do n.º 2 do artigo 685.º-C do
Código de Processo Civil, quando interpretados no sentido de que o requerimento
de interposição do recurso deve ser indeferido quando não contenha ou junte a
alegação do recorrente, ainda que contenha o protesto de apresentação da
alegação dentro do prazo de interposição do recurso e esta venha a ser
efectivamente apresentada dentro desse prazo e esteja já nos autos no momento em
que o despacho é proferido;
b) Determinar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o
agora decidido quanto à questão de constitucionalidade.
c) Custas pela recorrida, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte
e cinco) Ucs.
Lx., 3/3/2010
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão