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Processo n.º 839/09
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., Lda., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da sentença daquele Tribunal de 16 de Junho de 2009.
2. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra decidiu “julgar inconstitucional o artigo 15.º, n.º 1, alínea j) do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, na redacção que lhe foi introduzida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro, quando interpretado no sentido de abranger a taxa impugnada nos autos” e, em consequência, “anular o acto de liquidação impugnado, com todas as consequências legais”.
Com relevo para o que importa apreciar e decidir, transcreve-se o seguinte da decisão recorrida:
«4. O DIREITO
A presente impugnação tem por objecto taxa cobrada pela Direcção de Estradas de Coimbra da Estradas de Portugal, E.P.E., ao abrigo dos artigos 10.º, n.º 1, alínea b), e 15.º, n.º 1, alínea j), ambos do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n.° 25/2004, de 24 de Janeiro
À liquidação desta taxa opõe a Impugnante diversos vícios numa relação de subsidiariedade (cfr. parte final do pedido). Cabendo, por isso, ao Tribunal conhecer de cada um pela ordem indicada pela Impugnante, atento o disposto no artigo 124.º, n.º 2, alínea b), do C.P.P.T.
(…)
4.3. Vício de violação da Lei (Ilegalidade da Tributação de uma Taxa que Equivale a um Imposto)
Nos artigos 27.º a 37.º da douta P.I., a Impugnante pugna pela ilegalidade da taxa pela emissão de parecer porque a função da taxa não é pagar o preço de um serviço mas limitar a procura desse serviço, finalidade que se atinge com o pagamento da licença.
A questão já não é, aqui, a de saber se a tributação tem cabimento na lei ordinária: a questão é agora de saber se o tributo constitui uma verdadeira taxa à luz dos princípios supra legais que informam o sistema fiscal.
A lei não fornece uma noção de taxa, limitando-se a prever, no artigo 4.º, n..º 2, da L.G.T., que as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem de domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico. O legislador limitou-se aqui a elencar três casos «em que se justifica, na prática, a cobrança de taxas e em que essa cobrança é, a priori, aceite pelos sujeitos passivos, que a encaram com a normalidade de quem, digamos simplificando, paga um preço por uma qualquer prestação pública. Estes pressupostos fácticos ou circunstanciais da figura tributária podem integrar a sua definição, mas não são, por si só, o seu género próximo. São, pela natureza das coisas, e tendencialmente, condições circunstanciais necessárias mas não suficientes.(…)
No entanto, há uma característica comum a estas três situações que encerra a noção de taxa: a existência de uma contraprestação específica, que exprime a sua bilateralidade. A existência de uma contraprestação específica é, por isso, condição necessária para a adopção de uma taxa, constituindo, por isso, seu elemento distintivo, por contraposição aos impostos, também designados de tributos unilaterais.
Mas é também um limite: a adopção de uma taxa só se justifica enquanto essa contraprestação específica existe e, até certo ponto, na medida em que existe.
Por isso se diz que «para sabermos se, do ponto de vista jurídico-constitucional, estamos perante um tributo unilateral ou imposto ou perante um tributo bilateral ou taxa, há que fazer o teste da sua medida ou do seu critério, estando perante um imposto se apenas puder ser medido ou aferido com base na capacidade contributiva do contribuinte, ou perante uma taxa se for susceptível de ser medida ou aferida com base na (...) ideia de proporcionalidade. Concretizando um pouco mais, podemos dizer que, em rigor, há aqui dois testes: o da bilateralidade e o da proporcionalidade» (…).
Avancemos um pouco mais.
O primeiro indicador legal da natureza bilateral de um tributo é o facto de o mesmo ser devido pela prestação de um serviço público.
É claro que o produto da cobrança dos impostos também é aplicado, em maior ou menor medida, em serviços públicos. Por isso, o legislador só poderá estar a referir-se a um serviço público prestado de forma individualizada ao sujeito passivo a quem é cobrada a taxa. Ora, a taxa só é verdadeiramente uma contraprestação de um serviço público individualizado se esse serviço for divisível por tantos quantos forem os sujeitos passivos que a ele recorrem e se tiver por medida o custo individualizado do recurso a esse serviço.
O segundo indicador legal da natureza bilateral de um tributo é o facto de o mesmo ser devido pela utilização de um bem do domínio público.
Parece seguro que só podem ser cobradas taxas pela utilização de bens do domínio público quando os mesmos são susceptíveis de utilização individualizada que impeça ou fraccione o direito de outros utilizadores privados. De outro modo, não é possível surpreender uma utilização específica que possa constituir uma medida para a sua contraprestação.
O terceiro indicador legal da natureza bilateral de um tributo é o facto de o mesmo ser devido pela remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
Neste caso, a contraprestação resulta da pré-existência de um obstáculo jurídico a um comportamento de um sujeito passivo, da existência de uma solicitação do sujeito passivo com vista à remoção desse obstáculo no seu caso particular e da necessidade de uma actividade administrativa com vista à verificação das condições necessárias à remoção desse obstáculo. A taxa deve, nestes casos, ser justificada pelo dispêndio de meios necessários à remoção desse obstáculo.
Apliquemos estas noções ao caso dos autos.
Como já acima foi dito, a “Estradas de Portugal, E.P.E.” fiscalizam, no âmbito da sua intervenção no mesmo licenciamento de publicidade na proximidade de infra-estruturas rodoviárias nacionais, a observância das condições de segurança e de circulação. Nesta medida, incumbe-lhes verificar, designadamente, se o conteúdo publicitário não interfere com a sinalização da estrada, se «a estrada ou a perfeita visibilidade de trânsito não são afectadas», bem como a necessidade de imposição de quaisquer outras condições «que, por circunstâncias especiais, se torne necessário estabelecer» – cfr. artigo l2.º do Decreto-Lei n.º 13/71.
A fiscalização das condições de segurança e a protecção do domínio público rodoviário cabem sem esforço no conceito de prestação de um serviço público, incluindo o serviço necessário à remoção de um obstáculo jurídico ao exercício da actividade de exploração de espaços publicitários.
Diga-se em abono da verdade que não é fácil entrever a necessidade de fiscalização de condições de visibilidade de trânsito se os objectos publicitários já nem sequer estão colocados em zona de estrada (mas numa faixa de 100 metros para além da zona non eædificandi respectiva), mas poderá admitir-se a necessidade de actos de natureza verificativa (confirmar se os objectos publicitários se encontram mesmo fora da zona non eædificandi e, mais ocasionalmente, se não interferem com a zona de visibilidade a que alude o artigo 8.º, n.º 3, do mesmo Decreto-Lei). A ser assim, será também intuitiva a necessidade de despender meios humanos e materiais para a sua verificação e, por conseguinte, de emissão de taxas para suportar o dispêndio dos custos correspondentes. Pelo que a taxa em causa resiste ao teste da bilateralidade.
Passemos ao teste da proporcionalidade.
O teste da proporcionalidade pode ser feito de dois ângulos: saber se ela existe entre a taxa e o beneficio obtido pelo seu destinatário; saber se ela existe entre a taxa e o custo do serviço.
Importa começar por salientar que não está em causa, no caso concreto, que a faixa de publicidade em causa é visível da estrada nacional e se encontra a uma distância que torna a mensagem publicitária perceptível por quem ali circule. Pelo que também não está em causa que quem explora a publicidade retira beneficio da infra-estrutura rodoviária, não sendo mesmo de excluir que tenha sido ali estrategicamente colocada para abranger a grande massa dos transeuntes que só uma via de circulação principal potencia.
A atribuição de uma taxa em função do metro quadrado ocupado pelo objecto publicitário também potencia alguma proporcionalidade entre a taxa e o benefício, visto que, quanto maior for o objecto, maior é o impacto potencial da mensagem nele contida e a possibilidade de ser apreendida de um veículo em movimento.
Mas a proporção que possa existir entre o valor taxado e o benefício não chega no caso para caracterizar o tributo em causa como taxa. Desde logo porque a cobrança pela “Estradas de Portugal, E.P.E.” de taxas pela afixação de publicidade em zonas municipais e na proximidade das vias nacionais ocorre mesmo que quem explora a publicidade não pretenda beneficiar e não beneficie mesmo desse serviço (designadamente porque o painel não se encontre virado para lá). Se bem vejo, as razões de segurança que justificam a sua intervenção são as mesmas.
E o que não se vê é a desejada proporcionalidade entre a taxa e o custo do serviço.
De um lado, não se percebe que a taxa seja a mesma quando cabe às Estradas de Portugal o licenciamento e quando lhe cabe apenas emitir o supra referido parecer.
É notório que a intervenção das Estradas de Portugal tende a ser maior quando procede ao licenciamento do que quando se limita a emitir autorização. A colocação de objectos de publicidade nas estradas, quando permitida, reclamará – se bem vejo – intervenção directa no local no sentido de assegurar que não se confundam com ou não afectem a visibilidade da sinalização de estrada, nomeadamente ao nível da marcação dos alinhamentos e cotas necessárias, que são da competência dos seus funcionários (artigo l2.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 13/71). Será também nestes casos que, potencialmente, poderão ser impostas quaisquer outras condições, bem como a atribuição de caução para prevenção dos «prejuízos resultantes do não cumprimento das condições exaradas nos respectivos diplomas de licença» (artigo 12.º, n.º 2, do mesmo diploma). Por isso, os custos do serviço serão também diversos. E a taxa não reflecte essa desproporção, nem sequer de forma convencionada.
De outro lado, não se percebe que o cálculo da taxa se faça em função do metro quadrado dos objectos publicitários.
O cálculo da taxa por metro quadrado é adequado e proporcionado quando está em causa a utilização de bens de domínio público, visto que exprime a medida dessa ocupação. Mas não quando está em causa a prestação de um serviço ou a remoção de um obstáculo a um comportamento, porque a contraprestação específica é aqui medida a partir do custo do serviço respectivo.
Poderá contrapor-se que quem explora a publicidade na proximidade e em zona de visibilidade das estradas nacionais também se aproveita de um bem do domínio público, visto que beneficia da circulação na estrada para melhor difundir a mensagem publicitária. O que não pode dizer-se é que se trate de uma utilização individualizada e que impeça ou fraccione o direito de outros utilizadores privados, sempre possível ao longo da via e a maior ou menor distância consoante a natureza da mensagem e a qualidade ou dimensão do suporte.
Resulta do exposto, em suma, que a taxa em causa não supera o teste da proporcionalidade, ao menos sob o prisma do custo com o serviço respectivo. A tributação não teve aqui por escopo, assegurar a remuneração de qualquer serviço relacionado com a emissão da autorização mas pura e simplesmente obter financiamento para a prossecução das suas atribuições gerais.
O que aqui temos, por isso, é um verdadeiro imposto.
Ora, a definição das taxas dos impostos é matéria de reserva de lei parlamentar. O que inclui o seu agravamento por actualização.
Sendo que, no caso, o que está em causa é a taxa actualizada pela alteração ao artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23.01, que lhe foi introduzida pelo artigo l.º do Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24.01. A que o Governo procedeu invocando competência própria (a alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da C.R.P.).
Enfatize-se que não está em causa se o Decreto-Lei n.º 13/71 está conforme com a Constituição vigente à data em que foi aprovado, mas se poderia ser actualizada a taxa correspondente na vigência da actual C.R.P. sem autorização parlamentar para tanto.
Entende este Tribunal que o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24.01 viola os artigos 103.º, n.º 2. 165.º, n.º 1. alínea i), e 198.º, n.º 1. alínea b), da C.R.P. quando interpretado no sentido de abranger a cobrança das taxas ali actualizadas pela aprovação pela “Estradas de Portugal, E.P.E.” de publicidade a licenciar pelas câmaras municipais nos termos do disposto no artigo l.º, n.º 2, da Lei n.º 96/88, de 17.08, com a redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 23/2000, de 23.08.».
3. Notificado para alegar, o recorrente conclui o seguinte:
«20.º
Por todo o exposto, e na linha do anteriormente decidido por este Tribunal Constitucional, cuja jurisprudência se julga de manter, dever-se-á, no âmbito do presente recurso:
1) julgar o art. 15.º, n.º 1, alínea j), do Decreto-Lei 13/71, na redacção dada pelo Decreto-Lei 25/2004, como enfermando do vício de inconstitucionalidade orgânica e, nessa medida, conceder provimento ao presente recurso;
2) com efeito, o referido pagamento, na medida em que respeita à remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinada actividade por parte do tributado – processo de licenciamento –, só poderia configurar-se como «taxa» se, com essa remoção, se viesse a possibilitar a utilização de um bem semi-público, o que não é o caso no âmbito do presente recurso, em que está em causa a afixação de uma tela impressa em edifício que se crê privado;
3) não decorre, por outro lado, dos factos em apreciação, que o ente tributador – Estradas de Portugal, E.P.E. - venha a ser constituído numa situação obrigacional de assumpção de maiores encargos pelo levantamento do obstáculo jurídico ao tributado, neste caso, a arguida:
4) assim, o pagamento de qualquer contribuição, a título do referido licenciamento, terá de haver-se como um verdadeiro “imposto”, e não como uma “taxa”;
5) imposto esse, por outro lado, que deveria ter sido actualizado, não por Decreto-Lei – o Decreto-Lei 25/2004, de 24 de Janeiro -, mas, nos termos dos arts. 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, al. i) da Constituição, por diploma emanado da Assembleia da República, uma vez que o Governo não dispunha de autorização parlamentar para efectuar a referida actualização».
A recorrida não contra-alegou.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, para apreciação do artigo 15.º, n.º 1, alínea j) do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro.
É o seguinte o teor do preceito identificado no requerimento de interposição de recurso:
«Artigo 15.º
(Taxas)
1 – Sem prejuízo de legislação específica, as taxas a pagar por cada autorização ou licença são as seguintes:
(…)
j) Pela implantação de tabuletas ou objectos de publicidade, por cada metro quadrado ou fracção dos mesmos - € 56,79;
(…)»
Segundo o recorrente, a norma que é objecto do presente recurso enferma do vício de inconstitucionalidade orgânica, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (CRP), uma vez que o Governo não dispunha de autorização parlamentar para efectuar a actualização do montante previsto na alínea i) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71.
2. A alegação do Ministério Público no sentido da inconstitucionalidade da norma que é objecto do presente recurso assentou na qualificação prévia da contribuição liquidada pela empresa “Estradas de Portugal – E.P.E como um verdadeiro imposto. O critério desta qualificação foi o que se extrai da jurisprudência deste Tribunal em matéria de distinção entre taxa e imposto, nomeadamente dos Acórdãos n.ºs 558/98, 63/99, 32/00 e 346/01 (disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt).
De acordo com esta jurisprudência, estando em causa a remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas actividades por parte dos particulares, é de rejeitar a qualificação como taxas de receitas em que não há qualquer forma de utilização de um bem público ou semi-público e em que o tributador não vem a ser constituído numa situação obrigacional de assunção de maiores encargos pelo levantamento de tal obstáculo. O que, segundo o recorrente, ocorre nos presentes autos, levando à qualificação da receita em causa como imposto: está em causa a afixação de uma tela impressa em edifício privado; e não decorre dos factos em apreciação que o ente tributador venha a ser constituído numa situação obrigacional de assunção de maiores encargos pelo levantamento do obstáculo jurídico.
3. Sucede, porém, que esta jurisprudência foi alterada, recentemente, no Acórdão n.º 177/10 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt), tirado em plenário. O Tribunal acordou em “não julgar organicamente inconstitucionais as normas do artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento de Taxas e Licenças (aprovado por deliberação da Câmara Municipal de Guimarães, de 9.11.2006 e sancionado pela Assembleia Municipal de Guimarães, em sessão de 24.11.2006) e do artigo 31.º da Tabela de Taxas àquele anexa, na medida em que prevêem a cobrança da taxa aí referida pela afixação de painéis publicitários em prédio pertencente a particular”.
Extrai-se deste aresto que a distinção a fazer não é:
“entre as remoções que facultam e as que não facultam a utilização de um bem semipúblico, mas entre as que afastam um obstáculo real, ditado por um genuíno interesse administrativo, e as que eliminam um obstáculo artificialmente erguido para, através da remoção, propiciar à administração a cobrança de uma receita (…). O tratamento, de modo constitucionalmente adequado, das prestações devidas pela concessão de licenças municipais não exige a diferenciação que o critério restritivo de taxa propugna, mas uma outra, decorrente do indispensável controlo sobre a verdadeira funcionalidade do obstáculo cujo levantamento justifica a contrapartida pecuniária. O modo de combater a “fuga” para o regime mais benévolo das taxas, sem que a natureza substancial da relação com o administrado o legitime, passa, como acentua CARDOSO DA COSTA, por esse meio – o do «teste de verosimilhança, destinado (…) a afastar a qualificação de “taxa” nos casos em que ela se ligue à remoção de um obstáculo “artificial”, criado apenas para se proporcionar a cobrança de uma receita (dito por outras palavras, nos casos em que à criação do obstáculo não vá subjacente um interesse “administrativo” autónomo, mas unicamente um interesse “fiscal”»”.
4. Importa, pois, avaliar se, nos presentes autos, se trata de uma remoção que afasta um obstáculo real, ditado por um genuíno interesse administrativo, caso em que a receita se configura como taxa; ou antes de uma remoção que elimina um obstáculo artificialmente erguido para, através dela, propiciar à administração a cobrança de uma receita, hipótese em que não se configura como taxa.
Está em causa tributo pago à Estradas de Portugal, E.P.E. pela afixação de objecto publicitário em prédio de propriedade particular (edifício …, de acordo com os factos dados como provados, fl. 76 dos presentes autos), visível da estrada nacional e a uma distância que torna a mensagem publicitária perceptível por quem ali circule, na sequência de autorização dada no âmbito de processo de licenciamento da competência da câmara municipal (artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, e 10.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 13/71).
A autorização que dá origem ao pagamento do tributo previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, supõe a verificação de que a estrada ou a perfeita visibilidade do trânsito não são afectadas ou de que não é necessário impor quaisquer outras condições que, por circunstâncias especiais, se torne necessário estabelecer (artigo 12.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 13/71). O que permite concluir que se trata do levantamento de um obstáculo jurídico real, ditado por um genuíno interesse administrativo. Há aqui a remoção de uma proibição (relativa) da actividade publicitária para salvaguarda das condições de segurança rodoviária, com a consequência de se dever qualificar a receita em causa como taxa.
Esta qualificação afasta a alegação do recorrente no sentido da inconstitucionalidade orgânica do artigo 15.º, n.º 1, alínea j) do Decreto-Lei n.º 13/71, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 25/2004. Tratando-se de uma taxa e não de um imposto, o Governo não necessitava de autorização parlamentar para efectuar a actualização do montante previsto nesta alínea. Em matéria de taxas, a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República abrange apenas o regime geral das mesmas (artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP).
5. Face ao teor da decisão recorrida, fica, contudo, em aberto a questão de saber se há desproporcionalidade entre a taxa prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, e o custo do serviço prestado pela entidade autorizadora, a ponto de ser posto em causa o que, verdadeiramente, distingue este tributo do imposto – o carácter bilateral ou sinalagmático da primeira por contraposição ao carácter unilateral do segundo.
Este Tribunal tem rejeitado o entendimento de que uma taxa cujo montante exceda o custo do serviço prestado se deve qualificar como imposto, acentuando que “o carácter sinalagmático do nexo entre o pagamento desse tributo e a prestação da actividade pelo ente público não é descaracterizado se não existir equivalência económica, bastando, essencialmente, a correspondência jurídica” (Acórdão n.º 410/00 e, entre muitos outros, Acórdãos n.ºs 1140/96, 115/02, 269/02 e 258/08, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, é esta correspondência jurídica que não pode ser negada nos presentes autos, sendo irrelevante, porque está em causa este tipo de correspondência e não uma qualquer equivalência económica, a argumentação da sentença recorrida no que se refere à não distinção entre taxa de autorização e taxa de licença e ao cálculo da taxa em função do metro quadrado dos objectos publicitários (artigo 15.º, n.º 1, alínea j), do Decreto-Lei n.º 13/71).
Por não ser condição da qualificação de um tributo como taxa a correspondência económica entre este e o custo do serviço prestado, “as opções feitas pelo legislador (ou pela Administração) na fixação do montante das taxas são, em princípio, insindicáveis por este Tribunal, que, quando muito, poderá cassar as decisões legislativas (ou regulamentares), se, entre o montante do tributo e o custo do bem ou serviço prestado, houver uma desproporção intolerável – se a taxa for de montante manifestamente excessivo” (Acórdão n.º 1140/96).
Nos presentes autos, nada permite concluir que a taxa prevista no artigo 15.º, n.º 1, alínea j), do Decreto-Lei n.º 13/71, actualizada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, seja de montante manifestamente excessivo. Lê-se até na exposição de motivos deste diploma que as taxas em questão encontram-se “actualmente muito desajustadas”, tornando-se “necessário adoptar um critério de actualização do valor das receitas que estes serviços possibilitam, utilizando para o efeito o coeficiente de desvalorização da moeda relativo ao ano de 1982, o que determina uma actualização com o coeficiente de 5,69”.
Em suma, o artigo 15.º, n.º 1, alínea j) do Decreto-Lei n.º 13/71, na redacção vigente, prevê uma taxa e não um imposto, o que afasta o vício de inconstitucionalidade orgânica que lhe é apontado pela decisão recorrida.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido quanto à questão de constitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 13 de Julho de 2010. – Maria João Antunes – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos.