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Processo n.º 163/10
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Incidente de arguição de nulidade
O Recorrente vem arguir a nulidade do Acórdão n.º 192/2010, que indeferiu a reclamação da decisão sumária de não conhecimento do recurso por si interposto para o Tribunal Constitucional.
Conclui o seu requerimento nos seguintes termos:
“…Sobre estas normas que constituem a base do indeferimento pelo Supremo Tribunal de Justiça da Reclamação do Recorrente e sobre o pedido de apreciação da sua constitucionalidade não existiu qualquer tipo de pronúncia, o que resultou para a reclamante no impedimento de ver o processo apreciado por um tribunal superior, resultado da interpretação que foi feita pelo Supremo dos artigos 922.º e 923.º, 721.º, n.º 1, 687.º, n.º 3 e 754.º.
Sendo certo porém que a Conferência (e bem assim a decisão sumária) apenas se pronunciaram sobre as normas que constam do pedido de apreciação de constitucionalidade e que não serviram de base à prolação da decisão de indeferimento pelo Supremo Tribunal de Justiça, que logicamente não constituíram a ratio decidendi da decisão em causa.
Bem como deverá a Conferência pronunciar-se também sobre o pedido do Reclamante colocado à consideração deste Tribunal e que não foi objecto de qualquer apreciação, nem da decisão sumária, nem do acórdão da Conferência, relativamente à inaplicabilidade e incorrecta interpretação do disposto no art.º 447 – B, a) que levou a que fosse aplicado pelo Supremo Tribunal de Justiça, de indeferimento da Reclamação, a título de taxa sancionatória, em consequência da apresentação da reclamação, o valor de 5 uc´s.
Termos em que o Acórdão da Conferência é nulo, por omissão de pronúncia, de acordo com o preceituado no artº 668.º, n.º 1, alínea d), do C.P.C., devendo em consequência ser substituído por outro que conheça daquelas questões colocadas à sua consideração e não somente sobre as que não constituíram ratio decidendi da Decisão do Supremo Tribunal de Justiça e ainda pela falta de fundamentação da decisão, nos termos da alínea b), do n.º 1, daquele mesmo artigo 668.º, do C.P.C.”
A Recorrida respondeu, alegando que aquele requerimento “…nada mais é que um novo expediente dilatório, tendo em vista protelar mais uma vez a decisão final…” solicitando a condenação do Recorrente como litigante de má-fé em multa e procuradoria.
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O Recorrente invoca três causas de nulidade do Acórdão n.º 192/2010:
- o acórdão tem falta de fundamentação;
- o acórdão não apreciou a questão da inaplicabilidade e incorrecta interpretação do disposto no artigo 447 – B, a), do C.P.C..
- o acórdão apenas se pronunciou sobre as normas que constam do pedido de apreciação de constitucionalidade e que não serviram de base à prolação da decisão de indeferimento da reclamação apresentada ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, não se tendo pronunciado sobre as restantes normas em que se fundamentou a decisão recorrida.
Da leitura do Acórdão em causa verifica-se que o mesmo indeferiu a reclamação apresentada por ter concordado com o teor da decisão sumária que havia recusado o conhecimento do mérito do recurso apresentado, com o fundamento de que a interpretação normativa cuja fiscalização de constitucionalidade se pedia não integrava a ratio decidendi da decisão recorrida.
Esta concordância com o sentido da decisão sumária encontra-se suficientemente fundamentada, pelo que o acórdão recorrido não padece do vício da ausência de fundamentação.
Quanto à apontada omissão de pronúncia sobre a inaplicabilidade e incorrecta interpretação do disposto no artigo 447 – B, a), do C.P.C., da leitura da reclamação apresentada à conferência constata-se desde logo que em momento algum se questionou a necessidade de apreciação de tal questão, pelo que nunca esta poderia ser objecto de apreciação pela conferência.
No que respeita à omissão de pronúncia sobre o conhecimento da inconstitucionalidade de normas aplicadas pela decisão recorrida, constata-se que o Recorrente no requerimento de interposição de recurso pediu a “apreciação da interpretação, sentido e alcance dados aos arts 680.°, dos n.os 2 e 3 do art. 678.º, do art. 721,°, n.º 1, do art. 734.º, n.º 1 a), 754.°, n.º 1, 2 e 3, todos do C.P.C ., interpretação essa defendida no Despacho do Exm.º Sr. Vice Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que indeferiu a Reclamação apresentada pela não admissão de Recurso de Revista ou Agravo de 2.ª Instância do Acórdão da Relação do Porto, interpretados que foram, no sentido de que se exceptua da regra geral de admissibilidade de recurso de Revista ou Agravo de 2.ª Instância, do Acórdão da Relação que decidiu, in casu, dos Agravos interpostos em processo Executivo, em consequência do prescrito nos arts. 922.º e 923.º do C.P.C., interpretação essa inconstitucional por violação dos arts. 20.º, 202.º, 204.° e 205.° da Constituição da República Portuguesa”.
Da leitura do pedido constata-se que se pretendeu a fiscalização duma determinada interpretação normativa referente a um conjunto de preceitos legais. A inconstitucionalidade foi apontada não às diversas normas contidas em todos estes preceitos legais, mas sim a uma determinada interpretação que deles foi feita pela decisão recorrida, a qual, por ter um conteúdo geral e abstracto, tem um conteúdo normativo.
Por isso apenas competia ao Tribunal Constitucional verificar, no juízo de admissão do recurso, se esse conteúdo normativo reunia todos os pressupostos exigidos para o conhecimento da sua alegada inconstitucionalidade, nomeadamente se integrava a ratio decidendi da decisão recorrida, e não o de outras normas contidas nos preceitos legais apontadas como fonte daquela interpretação.
Muito menos competia ao Tribunal Constitucional verificar da correcção da aplicação daqueles preceitos legais ao caso concreto ou da constitucionalidade do resultado dessa aplicação, uma vez que a sua competência se restringe à verificação da constitucionalidade de normas e não do resultado da sua aplicação e muito menos da correcção da aplicação do direito infra-constitucional.
Daí que o Acórdão em causa se tenha limitado a verificar se a decisão sumária de não conhecimento da inconstitucionalidade da interpretação normativa indicada pelo Recorrente no seu requerimento de interposição de recurso tinha fundamento nos pressupostos exigidos pela Constituição e pela lei para a apreciação dos recurso dirigidos ao Tribunal Constitucional em sede de fiscalização sucessiva concreto.
Por isso não constitui qualquer omissão de pronúncia a não apreciação da inconstitucionalidade da aplicação pela decisão recorrida dos preceitos legais ao qual era reportada pelo Recorrente a interpretação normativa questionada, sendo suficiente a verificação dos pressupostos do recurso constitucional relativamente ao pedido de fiscalização dessa interpretação que foi formulada pelo Recorrente.
Por estes motivos deve ser indeferida a arguição de nulidade deduzida pelo Recorrente.
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A Recorrida pediu a condenação do Recorrente como litigante de má-fé, por entender que este apenas arguiu esta nulidade para protelar o trânsito da decisão final.
Se é verdade que o requerimento apresentado revela algum desconhecimento do regime do recurso constitucional, não há razões suficientes para que se possa concluir que à dedução do mesmo apenas presidiram intuitos dilatórios, pelo que se indefere este pedido.
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Decisão
Pelo exposto, indefere-se a arguição de nulidade deduzida pelo Recorrente e o pedido de condenação em litigância de má-fé deduzido pela Recorrida.
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Custas do incidente de arguição de nulidade deduzido pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98 (artigo 7.º, do mesmo diploma).
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Lisboa, 17 de Junho de 2010
João Cura Mariano
Catarina Sarmento e Castro
Rui Manuel Moura Ramos