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Processo n.º 218/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. pede aclaração do acórdão n.º 171/2010, mediante requerimento do seguinte teor:
“1. Atento o teor da douta decisão, não deixa o recorrente de lamentar o facto de aparentemente não ter sido percepcionado qual o âmbito do recurso apresentado;
2. Tal facto ter-se-á ficado a dever a lapso seu ou incapacidade na exposição da questão, pelo qual se penitencia, uma vez que o ponto II pretendia unicamente demonstrar o que estaria em causa para ser decidido perante o Supremo Tribunal de Justiça, caso o recurso apresentado viesse a ser aceite;
3. Todavia, não deixará de corresponder à verdade o facto de nunca ter havido qualquer convite ao aperfeiçoamento, o que se mostrava possível nos termos do n.ºs 5 e 6 do art. 75.º-A LTC;
4. Todavia, não deixa de estranhar que a posição ora assumida abra portas a que fiquem os arguidos “de pés e mãos atadas” sempre que em situações similares o Tribunal ad quem pura e simplesmente se não pronuncie e/ou viole lei processual, uma vez que sempre não será admissível recurso;
5. Fica escancarada a porta a tais violações, sem que possa haver reacção ou, havendo-a,
venha a mesma a não obter algum efeito prático;
6. Tecnicamente, poderá assim suceder que o recurso seja pura e simplesmente rejeitado pelo Tribunal ad quem sem fundamentação ou remissão para os fundamentos do acórdão recorrido;
7. E caso se alegue qualquer nulidade ou violação de lei sempre será o autor da decisão recorrida a decidir, ficando sempre com “a faca e o queijo na mão”;
8. De facto, diga-se, à imagem da reclamação, uma vez que fazendo parte da conferência o relator da decisão sumária, para haver provimento de tal reclamação, sempre se teria de lograr obter vencimento de 100% dos demais elementos;
9. Na verdade, e na gíria futebolística, sempre se entrava já a perder por uma bola a zero.., com tudo o que tal facto acarreta, não se desconhecendo todavia que se trata da decorrência da Lei n.º 3 do art. 78.°-A LTC;
10. E relativamente à douta resposta do Ministério Público, teria sido relevante a concessão de exercício de contraditório, maxime relativamente ao vertido sob os pontos 16º, 17º, 18º, 21º e 22º, saudando-se todavia o explanado em 20º.
11. Todavia, tem o recorrente tentado lutar no sentido de um alerta para os efeitos nocivos de uma interpretação literal e não teleológíca das normas legais, concretamente do n.º1 do art. 400º CPP;
12. E foi por tal diferenciação que o recorrente se tem batida, no sentido de que tal inadmissibilidade de recurso se terá de cingir unicamente às situações em que o recorrente invoca unicamente a reapreciação da questão de Direito ou de facto subjacente à condenação;
13. Ora, a actuação do recorrente sempre esteve nos antípodas de tal situação, uma vez que o que se pretendia era unicamente a reposição da legalidade processual, com a realização da audiência de recurso, a eliminação da nulidade sobre a qual se verificou omissão de pronúncia;
14. Todavia, tal reposição só terá lugar se um Tribunal superior, distinto do Tribunal que proferiu a decisão e portanto um terceiro imparcial, que não actue em causa própria, o ordenar;
15. De facto, nunca pretendeu o exponente que lhe fosse dada razão em tais aspectos no recurso apresentado perante V/ Exas., ou seja, da violação das normas processuais, uma vez que se pretendia unicamente que o recurso interposto perante o Supremo Tribunal de Justiça fosse admitido para, aí sim, tal questão ser analisada;
16. Feito este enquadramento prévio, o qual Se entende relevante, importa delimitar devidamente o âmbito do presente pedido de aclaração do douto acórdão, pretende-se unicamente obter dois esclarecimentos muito rápidos e curtos:
1) saber se o entendimento explanado no douto acórdão, a fls. 24 4º e 5º parágrafos constitui uma resposta negativa à questão da inconstitucionalidade (por violação da alínea b) do n.º 1 art. 70º LTC) expressamente alegada no ponto 14º da reclamação e em que medida se conjuga com a ausência de convite ao aperfeiçoamento, que sempre impendia sobre o Tribunal, na senda de múltiplos acórdãos a julgar inconstitucional a rejeição pura e simples do recurso ou o seu não conhecimento sem convite ao aperfeiçoamento (pense-se no art. 690º-A do anterior CPC); e
2) saber em que medida foi tomado em consideração o vertido em 17º da reclamação apresentada para a alegada não impugnação das alíneas e) do nº 1 do art. 400º e c) do n.º 1 do art. 432º, ambos CPP, quando a identidade e a maioria de razão dos fundamentos invocados para a inconstitucionalidade da alínea f) sempre permitiria remover ambos os fundamentos de rejeição do recurso e consequente utilidade rio processo.”
2. O Ministério Público responde que do acórdão resulta claramente uma resposta negativa quanto à primeira questão colocada pelo recorrente e uma resposta afirmativa quanto à segunda, não constituindo o pedido de aclaração formulado um verdadeiro pedido de aclaração, mas uma forma de colocar novamente em causa o decidido.
3. O pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos) (Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio nora, Manual de Processo Civil, p. 693). Não é meio, ainda que com uma retórica interrogativa, para demonstrar divergência com os fundamentos ou com a decisão.
Ora, não parece que um destinatário normal, colocado na posição do recorrente, possa ter dúvidas acerca do que se decidiu e porque se decidiu desse modo. O que se disse foi que o despacho recorrido contém dois fundamentos: no entendimento maioritário, o recurso para o Supremo não é admissível face à alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal; mas, mesmo que assim não se entenda, nunca será admissível face à alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do mesmo Código. O recorrente apenas suscitou a inconstitucionalidade da norma respeitante a um deles (a da alínea f): dupla conforme). Tendo o recurso de constitucionalidade natureza instrumental, no caso é inútil conhecer dele porque a decisão de não admissão sempre se manteria com o outro fundamento (aliena e): aplicação de pena não superior a cinco anos de prisão) fosse qual fosse o juízo que recaísse sobre a norma que constitui objecto do recurso.
As perguntas que o recorrente coloca não incidem sobre qualquer falta de clareza, ambiguidade ou incompletude perturbadora da compreensão do texto face a esta ratio decidendi. O que revelam é divergência com a decisão ou a fundamentação que, no entender do recorrente, deveria considerar outros aspectos da questão ou subordinar-se a outra perspectiva de tutela por parte do Tribunal Constitucional. Mas para isso não serve o pedido de aclaração, como começou por dizer-se. Efectivamente, a definição do objecto do recurso de constitucionalidade incumbe ao recorrente de acordo com o princípio da auto-responsabilidade das partes (n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC). Excede os deveres de cooperação estabelecidos no n.º 5 do artigo 75.º.-A da LTC convidar o recorrente a ampliar esse objecto.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir o pedido de esclarecimento e condenar o recorrente nas custas, com 15 (quinze) UCs de taxa de justiça.
Lx., 2/06/2010
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão