Imprimir acórdão
Processo n.º 54/10
2.ª Secção
Relator. Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. e mulher B. reclamam para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator que decidiu não conhecer do recurso de constitucionalidade interposto da decisão proferida pelo Presidente do Tribunal da Relação do Porto, no Processo de Reclamação n.º 83/2009, que indeferiu a reclamação deduzida, nos termos do artigo 688.º do Código de Processo Civil, pelos recorrentes contra o despacho do Tribunal Judicial da Comarca de Penafiel no Processo n.º 252-C/1998-Execução Comum.
2 – Fundamentando a sua reclamação esgrimem os reclamantes do seguinte modo:
«1. Consigna a douta Decisão reclamada, em 4 do seu teor, que:
“Analisando o caso sub judicio, constata-se que os recorrentes jamais colocaram perante o Presidente da Relação do Porto a questão da constitucionalidade do art. 158.º do Código de Processo Civil, na acepção normativa que descrevem como correspondente ao «sentido de confundir tanto a falta de exercício do direito ao contraditório como a falta absoluta de Fundamentação daquele Despacho do Tribunal Judicial de Amarante com a interpretação da sentença (título executivo»”
(…)
“Nessa reclamação, os recorrentes limitaram-se a apodar a decisão reclamada, de não admissão do recurso, de violar “até o disposto no art. 20.° da C.R.P., por vedar aos executados o seu direito de acesso a Justa Decisão sobre a supra invocada questão que os prejudica”.
Salvando o respeito devido, assim não é, porquanto, na aludida reclamação julgada pelo EX° Presidente da Relação do Porto, os ora reclamantes, que também ali o eram (com a matéria jurídica e judicial em causa), suscitaram a inconstitucionalidade conforme passam a transcrever aqui:
- O Despacho que transitou em julgado a que alude a Decisão reclamada foi cumprido pelos executados, não está agora em causa, o que ora se coloca é outro Despacho distinto daquele e que determina o cumprimento da sentença pela forma que consta do requerimento dos exequentes e, tal forma, porque não legítima, não pode ser imposta aos executados.
O mesmo Despacho recorrido, não sendo de mero expediente, está ferido de nulidade e é inconstitucional por falta de fundamento e de fundamentação legais – cfr. art. 158° e 668º, nº 1, b), do C.P.C. e nº 1 do art. 205º da C.R.P.
Além disso, colide com o princípio do contraditório e da igualdade das partes em juízo, consagrado no art. 3º do C.P.C. e nº 1 do art. 13° da C.R.P.
Por outro lado, o Despacho reclamado não admitindo o recurso da Decisão que ordena o cumprimento da Sentença da forma como foi DETERMINADO não nesse título executivo, mas ilegitimamente PELOS EXEQUENTES no seu requerimento de fls. 178, à margem do que está estabelecido na mesma Sentença, nega JUSTIÇA aos executados, ofende o direito fundamental dos mesmos à tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e consubstancia violação das disposições contidas nos artigos 13°, nº 1, 20º, nºs 4 e 5, 205º, nº 1 e desde logo no art. 2°, todos da Constituição da República Portuguesa.
2. Foi invocada a norma do art. 158° do C.P.C., que, havia sido aplicada pelo Tribunal Judicial de Amarante e voltou a sê-lo pelo Tribunal da Relação do Porto, numa acepção inconstitucional, e, como pode verificar-se, tal inconstitucionalidade foi suscitada à saciedade naquela reclamação.
Modestamente, entende-se que “suscitar” a inconstitucionalidade consistirá simplesmente em sugerir, ou, levantar tal questão, dado que a Lei não esclarece como deverá processar-se essa suscitação e, por outro lado, não se entende que possa a mesma Lei fazer exigência em termos de alegação sobre tal matéria, visto não ter o Tribunal Judicial competência para sindicar inconstitucionalidades, mas, incumbir-lhe, sim, o normal respeito e um zelo acrescido pela aplicação directa e automática das normas Constitucionais.
Assim, com a devida vénia:
Devem prosseguir os autos para conhecimento do objecto deste recurso».
3 – A decisão reclamada, na sua parte decisório-subsuntiva, tem o seguinte teor:
“[…]
4 – Analisado o caso sub judicio, constata-se que os recorrentes jamais colocaram perante o Presidente da Relação do Porto a questão da constitucionalidade do artigo 158.º do Código de Processo Civil, na acepção normativa que descrevem como correspondente ao «sentido de confundir tanto a falta de exercício do direito ao contraditório como a falta absoluta de Fundamentação daquele Despacho do Tribunal Judicial de Amarante “com a interpretação da sentença (título executivo)”».
Ora, tal ser-lhes-ia possível fazê-lo no articulado da reclamação deduzida nos termos do artigo 688.º do Código de Processo Civil contra o despacho do tribunal de 1.ª instância que não lhes admitiu o pretendido recurso de agravo para o Tribunal da Relação do Porto.
Nessa reclamação, os recorrentes limitaram-se a apodar a decisão reclamada, de não admissão do recurso, de violar “até o disposto no art.º 20.º da C.R.P., por vedar aos executados o seu direito de acesso a Justa Decisão sobre a supra invocada questão que os prejudica”.
Ou seja, os reclamantes controvertem directamente a constitucionalidade da decisão judicial, defendendo ter esta feito uma errada aplicação do preceito do artigo 20.º da C. R. P.
Já se viu, todavia, que o Tribunal Constitucional não sindica a constitucionalidade das decisões judiciais, ainda que estas façam aplicação directa de normas ou princípios constitucionais, mas apenas a validade constitucional das concretas normas de direito infraconstitucional determinadas pelo tribunal a quo e de cuja aplicação concreta haja derivado a decisão do caso.
De resto, em boa verdade, o que os recorrentes acabam por impugnar sob a aparente formulação de uma questão de constitucionalidade, ao alegarem como norma aplicada o artigo 158.º do Código do Processo Civil, segundo a formulação de “o sentido confundir tanto a falta de exercício do direito ao contraditório como a falta absoluta de Fundamentação daquele Despacho do Tribunal Judicial de Amarante com a interpretação da sentença (título executivo)” é o modo como o tribunal a quo elaborou o juízo aplicativo da norma ou seja, como aplicou a concreta norma às circunstâncias específicas do caso.
Mas esta dimensão da decisão judicial, enquanto condensante do momento de aplicação da norma através da subsunção das circunstâncias do caso, não pode ser conhecida pelo Tribunal Constitucional”.
4 – Os reclamados não responderam.
B – Fundamentação
5 – O discurso argumentativo dos reclamantes vem confirmar exactamente a bondade da fundamentação em que se abonou a decisão reclamada.
Em boa verdade, o que os reclamantes fazem não é mais do que apodar a decisão judicial, em si própria, de inconstitucionalidade, por ter feito uma errada aplicação directa do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição, que contempla o dever de fundamentação das decisões dos tribunais, bem como do “princípio do contraditório e da igualdade das partes em juízo, consagrado no art.º 3.º do CPC e n.º 1 do art.º 13.º da CRP”.
Ora, para que possa considerar-se suscitada em termos adequados, claros e perceptíveis, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade, de modo que o tribunal a quo ainda possa conhecer dela antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz, é necessário que se problematize a questão de validade constitucional da norma (dimensão normativa) através da alegação de um juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa e o(s) parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, pelo menos, as normas ou princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta.
Os reclamantes não recortaram, na reclamação para o Presidente da Relação do Porto, nenhum problema de validade constitucional de qualquer concreta acepção ou dimensão normativas do artigo 158.º do CPC por a mesma violar determinados preceitos ou princípios constitucionais, pelo que falece o pressuposto específico do recurso de constitucionalidade, de prévia e adequada suscitação da questão de constitucionalidade.
A reclamação é, pois, de indeferir.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs.
Lisboa, 12.05.2010
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos