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Processo n.º 640/09
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em que é recorrente o Ministério Público, e recorridos A. e Instituto da Segurança Social, I.P., foi interposto recurso obrigatório de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), para apreciação da recusa de aplicação da norma vertida no artigo 72.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, por violação do direito dos trabalhadores a assistência material em situação de desemprego involuntário, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da Constituição.
2. O presente recurso emerge de acção administrativa especial, intentada por A. contra o Instituto da Segurança Social, I.P., na qual se pedia, além do mais, a declaração de nulidade/anulação do acto que indeferiu a atribuição de prestações de desemprego à autora e a condenação do réu a atribuir à autora as prestações de desemprego a partir da data de 31.07.2007.
Dos autos emergem os seguintes elementos, relevantes para a presente decisão:
- A autora exerceu funções no Município de Pampilhosa da Serra, tendo o respectivo contrato de trabalho cessado em 30.04.2007;
- No período compreendido entre 02.05.2007 e 16.07.2007, foi atribuído subsídio por doença à autora, na sequência de a mesma ter entregue “Certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho, por Estado de Doença” e de ter sido internada para intervenção cirúrgica.
- Em 31.07.2007 a autora requereu prestações de desemprego no Centro de Emprego da Lousã, tendo o pedido sido indeferido com fundamento, por último, na extemporaneidade do requerimento (que deu entrada em 31.07.2007, tendo o respectivo prazo terminado em 30.07.2007). E, ainda, no facto de a autora não poder beneficiar da suspensão do prazo por ocorrência de incapacidade por doença, na medida em que não requereu a intervenção do “sistema de verificação de incapacidades (SIV)”, para verificação dessa incapacidade temporária.
- A sentença recorrida julgou procedente a acção administrativa especial, e, recusando a aplicação ao caso do disposto no artigo 72.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 220/2006, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da Constituição, condenou a entidade demandada a «emitir acto administrativo que decida sobre o mérito do pedido de atribuição de subsídio de desemprego formulado pela autora».
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional apresentou alegações onde conclui o seguinte:
«V. Conclusões
24º
Nessa medida, julga-se que o presente recurso, interposto pelo digno magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, deverá ser julgado procedente, e, consequentemente, decidir este Tribunal Constitucional:
a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade conjugado com o artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 72.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, interpretado no sentido de que o incumprimento do prazo de 90 dias consecutivos, a contar da data do desemprego, para o interessado requerer, à Segurança Social, a atribuição do subsídio de desemprego, determina a irremediável preclusão do direito global a todas as prestações a que teria direito durante todo o período de desemprego involuntário; e, consequentemente,
b) Confirmar a sentença recorrida, de 26 de Maio de 2009, do Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.»
4. A recorrida A. contra-alegou, concluindo o seguinte:
«1. Trata-se de um direito à assistência material — na modalidade de subsídio de desemprego, prestação de cariz continuado, que se renova mensalmente reconhecido constitucionalmente, direito análogo aos direitos e liberdades e garantias
2. E que aproveita o regime próprio do catálogo dos direitos e liberdades e garantias, isto é: vincula directamente entidades públicas e privadas, não carecendo de decisão de Tribunal;
3. Assim sendo, o direito às prestações de desemprego não pode caducar de forma irremediável, sob pena de inconstitucionalidade material, conforme foi decidido recentemente pelo Tribunal Constitucional sobre causa concreta em tudo muito semelhante à presente
4. Neste sentido, vem esclarecer o recém-publicado Decreto-Lei 68/2009 de 20 de Marco. “…reafirmar o propósito de garantir uma maior eficácia no processo de atribuição das prestações sociais e no reforço da garantia de acesso aos direitos de protecção social dos cidadãos, num contexto de agravamento das condições económicas do País.
(....)
Aproveita-se também a oportunidade para clarificar o sentido de algumas normas de regime jurídico de protecção social na eventualidade de desemprego vigente....”
Artigo 3º
Alteração ao Decreto-Lei 220/2006, de 20 de Novembro
Os artigos 36.°, 37.°, 55.°, e 72.° do DL n.º 220/2006, de 3 de Novembro, passam a ter a seguinte redacção:
Artigo 36°
(...)
1-………..
2-……….
3-……….
4-……….
5- Nas situações a que se refere o n.° 2 do artigo 72.°, as prestações de desemprego são devidas desde a data de apresentação do requerimento ou das provas, deduzindo-se no período de concessão os dias decorridos entre o termo do prazo para a presentação do requerimento ou a apresentação das provas e a data da apresentação dos mesmos.
(...)
Artigo 72°
(...)
1-…………
2- A entrega do requerimento ou das provas previstas nos n.°s 1 e 2 do artigo 78.° após o decurso do prazo previsto no número anterior nos casos em que a mesma seja efectuada durante o período legal de concessão das prestações de desemprego determina a redução no período de concessão das prestações pelo período de tempo respeitante ao atraso verificado.
3- (anterior n.°2)
(…)
Pelo que deverá proceder, tal como o já alegado pelo Digníssimo Representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, o presente recurso e, consequentemente:
a) Julgar inconstitucional, por violação do principio da Proporcionalidade conjugado com o Artigo 59.°, n. 1, alínea e), da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 72.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 220/2006, de 3 de Novembro, interpretado no sentido de que o incumprimento do prazo de 90 dias consecutivos, a contar da data do desemprego, para o interessado requerer, à segurança Social, a atribuição do subsídio de desemprego, determina a irremediável preclusão do direito global a todas as prestações a que teria direito durante todo o período de desemprego involuntário; e
b) Confirmar-se a sentença recorrida, de 26 de Maio de 2009, do Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.»
5. Notificado o Instituto da Segurança Social, I.P., para, querendo, contra-alegar, nos termos do despacho de fls. 431, este nada disse.
6. Ocorrida mudança de relator, por o primitivo relator ter cessado funções neste Tribunal Constitucional, cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
7. O artigo 72.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, estabelece o seguinte:
«Artigo 72.º
Requerimento
1—A atribuição das prestações de desemprego deve ser requerida no prazo de 90 dias consecutivos a contar da data do desemprego e ser precedida de inscrição para emprego no centro de emprego.
2— (…)»
A sentença recorrida recusou a aplicação, por inconstitucionalidade, desta norma «quando interpretada no sentido de que o prazo de 90 dias consecutivos a contar da data do desemprego para o interessado requerer à Segurança Social a atribuição do subsídio de desemprego determina a irremediável preclusão do direito global a todas as prestações a que teria direito durante todo o período de desemprego involuntário».
Também no sentido da sua inconstitucionalidade se pronunciaram, no presente recurso, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal e a recorrida A..
A questão não é nova neste Tribunal Constitucional.
Pelo Acórdão n.º 49/2010, da 3.ª Secção, o Tribunal julgou inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade conjugado com o artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 72.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, interpretada no sentido de que o incumprimento do prazo de 90 dias consecutivos a contar da data do desemprego para o interessado requerer à segurança social a atribuição do subsídio de desemprego determina a irremediável preclusão do direito global a todas as prestações a que teria direito durante o período de desemprego involuntário.
Neste aresto, remete-se para a fundamentação do Acórdão n.º 275/2007, desta 2.ª Secção, que se pronunciou pela inconstitucionalidade da norma correspondente a esta, constante do artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril.
Os fundamentos deste Acórdão n.º 275/2007 são, em suma, os seguintes:
«I - Para além das situações de falta ou diminuição de meios de subsistência, em que incumbe ao sistema de segurança social a protecção dos cidadãos (artigo 63.º, n.º 3, da Constituição), a Constituição confere especificamente aos trabalhadores que involuntariamente se encontrem em situação de desemprego o direito a assistência material [artigo 59.º, n.º 1, alínea e)].
II - A inegável fundamentalidade deste direito dos trabalhadores à assistência material em situação de desemprego involuntário implica que a regulação do correspondente procedimento administrativo fique subordinada ao princípio da proporcionalidade, no sentido de que as exigências procedimentais devem ser necessárias e adequadas e de que as consequências do seu incumprimento devem ser razoáveis.
III - Apesar de se considerar razoáveis quer a exigência de formulação pelo próprio interessado de pedido de concessão de subsídio de desemprego, quer o estabelecimento de um prazo para tal formulação, importa, no entanto, distinguir o direito global ou complexo às prestações emergentes da verificação de uma situação de desemprego relevante e o direito a cada uma das prestações parcelares que sucessivamente se vão vencendo.
IV - Não se vê que as razões de segurança jurídica, subjacentes ao estabelecimento de prazos de caducidade, sejam suficientes para - com base em qualquer 'mora' do trabalhador desempregado - o privar, na totalidade, da percepção de todas as prestações pecuniárias substitutivas das remunerações salariais perdidas durante o período em que lhe deveriam ser concedidas, perdurando a situação de desemprego involuntário: o atraso na formulação da pretensão perante a Segurança Social não é susceptível de dificultar, de modo relevante, a actividade procedimental cometida à Segurança Social no âmbito do procedimento em causa.
V - Tendo o subsídio de desemprego uma função sucedânea da remuneração salarial de que o trabalhador se viu privado e sendo a situação de desemprego, geradora do direito àquele subsídio, por natureza uma situação permanente e não instantânea, que se prolonga e renova no tempo, é de todo desrazoável fulminar com a perda definitiva e irreversível do direito ao subsídio de desemprego, por todo o tempo (futuro) em que o trabalhador a ele teria direito (que se pode prolongar por anos), por qualquer atraso na formulação inicial do pedido.»
Tal como nos dois referidos arestos, também na situação presente a norma do artigo 72.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 220/2006, determinaria a perda definitiva e irreversível do direito ao subsídio de desemprego, por todo o tempo em que a trabalhadora a ele teria direito, em consequência de, no caso, esta ter efectuado o pedido de prestações de desemprego um dia depois de ter cessado o prazo de 90 dias referido naquela norma, sendo certo, ainda, que não foi tomada em consideração a situação de doença em que se encontrou durante parte do período em causa (pelos motivos acima referidos), para efeitos de suspensão desse mesmo prazo.
Os fundamentos constantes do Acórdão n.º 275/2007, igualmente adoptados no Acórdão n.º 49/2010, a que se adere na íntegra, são inteiramente aplicáveis ao caso em apreço, que não revela qualquer elemento novo que justifique uma reponderação dos mesmos.
III - Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade conjugado com o artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 72.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, interpretada no sentido de que o incumprimento do prazo de 90 dias consecutivos a contar da data do desemprego para o interessado requerer à segurança social a atribuição do subsídio de desemprego determina a irremediável preclusão do direito global a todas as prestações a que teria direito durante o período de desemprego involuntário;
b) Consequentemente, julgar o recurso improcedente, confirmando-se o juízo de inconstitucionalidade adoptado na sentença recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Maio de 2010
Joaquim de Sousa Ribeiro
Catarina Sarmento e Castro
Benjamim Rodrigues
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos