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Processo n.º 252/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):
“1. A recorrente foi condenada pelo Tribunal Judicial de Braga (1º Juízo Criminal), pela prática de um crime de violação de medida de interdição de entrada em território nacional [previsto e punido pelo artigo 187.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho] na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 6,00, sendo ainda determinado o seu afastamento do território português para cumprimento do remanescente do período de interdição de entrada que lhe fora aplicado pela decisão administrativa infringida.
Por acórdão de 1 de Fevereiro de 2010, o Tribunal da Relação de Guimarães, julgou improcedente o recurso interposto pela arguida, que considerou restringido à questão da medida da pena de multa, e confirmou a sentença recorrida.
2. A arguida interpôs recurso para o Tribunal Constitucional mediante requerimento do seguinte teor:
“A., com os demais elementos de identificação constantes dos autos do processo crime à margem referenciados, porque não se conforma com o Douto Acórdão proferido,
- dele interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1, nº 2 e nº 4 do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alterada pelas Leis 143/85, de 26 de Novembro, 85/89 de 7 de Setembro e 13-A/98 de 26 de Fevereiro, para apreciação da
- inconstitucionalidade material decorrente da aplicação dos arts. 40º, 50º, 70º, 71º, nºs. 1 e 2, todos do CPV e do art. 187º, nºs. 1, 2 e 3 do DL n.º 23/2007 de 4 de Julho, por violação do princípio constitucional da proporcionalidade consagrado pelo art. 18º da CRP, questões estas de inconstitucionalidade que o arguido suscitou na interposição do recurso para este Venerando Tribunal.”
3. O recurso foi admitido no tribunal a quo, mas não pode prosseguir, o que imediatamente se decide, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC) (cfr. artigo 76.º, n.º 3, da LTC).
Obstam ao conhecimento do recurso quer o facto de não ter objecto idóneo para recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade tal como a Constituição (artigo 280.º da CRP) e a LTC (artigo 70.º) o configuram, quer a circunstância de não ter sido suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Com efeito,
A) O controlo de constitucionalidade confiado ao Tribunal Constitucional é um controlo da constitucionalidade de normas jurídicas, e não um contencioso de decisões, designadamente de decisões judiciais a que sejam imputadas ponderações violadoras da Constituição. Ora, o que a recorrente pretende do Tribunal, segundo o requerimento de interposição do recurso, é a apreciação da inconstitucionalidade material “decorrente da aplicação” das normas de direito ordinário que enumera, por violação do princípio da proporcionalidade. Não há no enunciado do objecto (material) do recurso interposto, que o recorrente tem o ónus de definir no requerimento de interposição (artigo 75.º-A da LTC) e que acima se transcreveu, a sujeição de uma norma (ou normas) ou de um critério normativo à verificação de constitucionalidade. O que se apresenta ao Tribunal para objecto de confronto com o princípio constitucional da proporcionalidade é a decisão judicial em si mesma, por se considerar que foi aplicada uma sanção desproporcionada. É a “aplicação das normas” de direito ordinário pela decisão recorrida e não qualquer critério normativo desse acto diferenciável que se considera violador do artigo 18.º da Constituição.
B) A recorrente não suscitou a questão de constitucionalidade de quaisquer normas no recurso para o Tribunal da Relação, em termos de este dever saber que tinha uma questão dessa natureza para resolver, ou seja, que se pretendia que exercesse o poder a que se refere o artigo 204.º da Constituição. Limitou-se a censurar a determinação da medida da pena, por desproporcionada face às circunstâncias do caso. A mera referência a preceitos constitucionais não cumpre o ónus, que decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 2 do artigo 72.º da LTC, de suscitar a questão de constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de modo processualmente adequado, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
Assim, por qualquer destas razões, não pode conhecer-se do objecto do recurso.
4. Decisão
Pelo exposto decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar a recorrente nas custas, com 7 (sete) UCs de taxa de justiça, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.”
2. A recorrente reclamou desta decisão, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, afirmando que, contrariamente ao entendido na decisão sumária, cumpriu o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade.
O Ministério Público responde que a reclamação deve improceder porque a recorrente não invoca quaisquer argumentos que possam abalar os fundamentos da decisão reclamada.
3. A reclamação é manifestamente improcedente.
Em primeiro lugar, como se considerou no fundamento A) da decisão reclamada, a recorrente não pretende ver apreciada a inconstitucionalidade de qualquer norma, mas a concreta aplicação do bloco de preceitos respeitante à determinação da medida da pena ao caso concreto. Ora, a recorrente não impugna este fundamento da decisão de não conhecimento do recurso que consiste em este não ter objecto idóneo ao sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade instituído pelo nosso sistema jurídico, o que bastaria para a reclamação ser julgada improcedente.
E, em segundo lugar, o que a recorrente alega para contrariar o fundamento B) da decisão é manifestamente inconsistente. Na motivação e das conclusões do recurso interposto para o Tribunal da Relação a recorrente limitou-se a sustentar o carácter excessivo da medida da pena de multa em que foi condenada, face às circunstâncias do caso. Fê-lo de modo desenvolvido, mas foi a graduação da pena que questionou, não o critério normativo por confronto com a Constituição.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar a reclamação improcedente e condenar a recorrente nas custas, com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça, sem prejuízo do regime de apoio judiciário.
Lx., 27/05/2010
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão