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Processo n.º 308/10
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e B., o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, com o seguinte fundamento:
«(…)2. Contrariamente ao que afirma no requerimento de interposição do recurso, o recorrente não suscitou, nas alegações do recurso que interpôs para Tribunal da Relação de Évora, qualquer questão de constitucionalidade normativa. Na verdade, o recorrente limitou-se a imputar o vício de inconstitucionalidade à decisão recorrida, em si mesma (cfr. conclusões 5. e 6. das alegações de recurso a fls. 613 e s. dos autos), bem como a afirmar que uma dada interpretação do disposto no artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, viola a Constituição, sem nunca enunciar minimamente que interpretação seria essa (conclusão 13 das referidas alegações de recurso).
3. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não conhecer do objecto do recurso. (…)»
2. Notificado da decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
«(…) Nas conclusões que extraiu no recurso que interpôs junto do Tribunal da Relação de Évora, o recorrente afirma, designadamente, que (...) Tal decisão condenatória contende, ainda, com o disposto no artigo 37.º n.° 1 da Constituição da República Português, onde se consagra o princípio da liberdade de expressão (ponto 5 das conclusões) Constitui, pois, a decisão recorrida uma clara violação do referido preceito, à luz do qual, a todo o individuo é reconhecido o direito de exprimir e divulgar o seu pensamento pela palavra (ponto 6 das conclusões).Tal direito de livre expressão, com consagração constitucional, descaracteriza a atitude do arguido enquanto (aparente) ilícito criminal (ponto 7 das conclusões), A interpretação que o tribunal a quo faz do disposto no art.º 31 n.° 2 alínea b) do Código Penal, viola o disposto no n.° 1 da Constituição da República Portuguesa, pois põe tal interpretação em causa a efectiva garantia de defesa do arguido (ponto 13 das conclusões).
Ora, ainda que se possa entender que o recurso foi interposto com deficiência técnica, em face do que aqui se diz, tal erro colocaria o mesmo recurso na fronteira da legalidade, sendo que o mesmo só deverá ser rejeitado se for manifestamente infundado (n.° 1 do art°. 78 A da CRP).
O mesmo é dizer que entendeu o Legislador que tal rejeição só poderá acontecer no extremo.
Conclusões:
1- O recurso interposto cumpre os requisitos de recorribilidade impostos, designadamente, na alínea b) do n.° 1 do art°. 70.° da CRP;
2- Deverá a decisão reclamada ser revogada por outra que receba o recurso, conhecendo do seu objecto.»
3. A recorrida B. veio responder o seguinte:
«(…)1. Não assiste qualquer razão ao reclamante.
2. Nas suas alegações de recurso para a Relação de Évora o reclamante limitou-se a dizer que “... tal decisão condenatória contende, ainda, com o disposto no artigo 37 n°. 1 da Constituição ...” e violou “... o disposto no nos artigos 1.º n.º 1, 13.º, 14.º e 181.º n°. 1 do Código Penal …”.
3. Não indicou o reclamante nas suas alegações qual disposição do Código Penal entendia ser em si mesma inconstitucional ou de qual dessas disposições pensava ter sido feita interpretação violadora de principio constitucionais.
4. Os recursos para o Tribunal Constitucional são restritos à questão da inconstitucionalidade suscitada artigo 71 n.° 1 da Lei 28/82.
5. Não suscitou o reclamante a questão de inconstitucionalidade de qualquer norma, por forma expressa, ou da sua interpretação.
6. O recurso é pois inadmissível e bem andou o Sr. Conselheiro Relator em declara-lo como tal - o que deverá ser confirmado pela Conferência.(…)»
4. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional apresentou a seguinte resposta:
«(…)1°
A Decisão Sumária de fls. 789 e 790, considerando que o recorrente não suscitou, na motivação de recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Évora, qualquer questão de constitucionalidade normativa, limitando-se a imputar o vício de inconstitucionalidade à decisão recorrida, não tomou conhecimento do recurso.
2°
A reclamação apresentada pelo recorrente não abala essa decisão, cingindo-se a afirmar que o recurso interposto para este Tribunal Constitucional cumpre os requisitos da alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da CRP (certamente por lapso, pois quereria, obviamente, referir-se à LTC), reproduzindo parte das conclusões da motivação de recurso que interpôs para o Tribunal da Relação.
3º
Ora, tendo o recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 70.º da LTC, a sua admissibilidade depende de a questão de constitucionalidade normativa ter sido suscitada, durante o processo, «(...) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (cfr. artigo 70.°, n.° 2, da LTC).
4º
No entanto, a leitura das peças processuais pertinentes, como a motivação do recurso para a Relação de Évora e o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, não nos deixam dúvidas quanto ao acerto da Decisão Sumária aqui proferida.
5º
Com efeito, na motivação do recurso para o Tribunal da Relação, o recorrente invoca que a decisão recorrida, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila Viçosa, violou o princípio da liberdade de expressão consagrada no artigo 37.º, n.° 1, da C.R.P., pondo ainda em causa a garantia de defesa do arguido consagrado no artigo 32.°, nº 1 da C.R.P.
6°
Por sua vez, no requerimento de interposição do presente recurso para o Tribunal Constitucional, o recorrente esclarece que o mesmo é interposto, nos termos da alínea b) do artigo 70.° da LTC, versando a fiscalização sucessiva e concreta da constitucionalidade da norma contida nos art.°s 1.º, n.° 1, 13.°, 14.°, n.º 1 e 181, n.º 1 , do Código Penal, bem como da norma contida no art.° 32.°, n.° 2, alínea b), do Código Penal, na interpretação dada pelo Tribunal a quo, por tais interpretações colidirem, respectivamente, com o disposto n.° 1 do art.° 37.º da C.R.P e com o disposto no n.° 1 do artigo 32.° da C.R.P.
7º
Do exposto, parece-nos evidente que, o recorrente não sindicou perante o Tribunal da Relação de Évora, na motivação do recurso que interpôs, a constitucionalidade dos critérios normativos de interpretação dos citados artigos do Código Penal, nem a conformação constitucional de uma concreta interpretação, de alcance geral e abstracto, que deles tivesse sido feito pelo Tribunal da Relação.
8°
Efectivamente, o recorrente não suscitou, durante o processo uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa, limitando-se a imputar o vício de inconstitucionalidade à decisão do Tribunal Judicial da comarca de Vila Viçosa e ao acórdão do Tribunal da Relação de Évora.
9º
Pelo que, deve a reclamação ser indeferida confirmando-se, na íntegra, a decisão reclamada.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. A decisão sumária ora reclamada pronunciou-se pelo não conhecimento do objecto do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com fundamento na não suscitação, perante o tribunal recorrido, de uma questão de constitucionalidade normativa.
A presente reclamação em nada abala o fundamento desta decisão.
Pelo contrário, a própria reclamação acaba por confirmar o assim decidido na parte em que transcreve o ponto 13 das conclusões da motivação do recurso que o reclamante apresentou junto do Tribunal da Relação de Évora. Pois daí resulta, de forma evidente, que o reclamante não enunciou uma norma ou uma dimensão normativa do artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, para depois a pôr em confronto com a Constituição. Antes se limitou a imputar o vício de inconstitucionalidade à própria decisão recorrida (acusando-a de violar o princípio da liberdade de expressão) e a afirmar que o tribunal fez “uma interpretação” inconstitucional daquela norma do Código Penal, sem nunca enunciar, ainda que em termos mínimos, a que “interpretação” se refere.
Tem pois que se concluir, como concluiu a decisão sumária, pela não suscitação de uma qualquer questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido.
Por último, não colhe o argumento do reclamante de que o recurso foi interposto “com deficiência técnica”, que o colocaria “na fronteira da legalidade” e que, como tal, não poderia ser qualificado como “manifestamente infundado” para efeitos de poder ser proferida decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
Pois a decisão sumária reclamada foi proferida ao abrigo da primeira parte deste n.º 1 do artigo 78.º-A, por se entender que o Tribunal “não pode conhecer do objecto do recurso” e não por se entender que aqui está em causa uma questão “manifestamente infundada”, qualificação esta que sempre implicaria que se conhecesse do objecto recurso, o que, como vimos, não foi nem é possível no caso vertente.
Pelo que a decisão sumária reclamada é de manter integralmente.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 14 de Julho de 2010. – Joaquim de Sousa ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos