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Processo n.º 163/10
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
No âmbito da acção executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum, instaurada pela sociedade CAIXA A. DA PÓVOA DE VARZIM contra B., que corre seus termos, sob o n.º 1728/06.7 TBPVZ-C.P1, no 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, foram interpostos recursos de agravo na 1.ª instância, pelo Executado, do despacho judicial que ordenara a venda dos bens imóveis ali penhorados, bem como do despacho judicial que indeferira a correcção do valor base atribuído a uma dessas verbas para efeito de venda.
O Tribunal da Relação de Porto, mediante acórdão proferido em 17 de Setembro de 2009, negou provimento aos aludidos agravos e manteve as decisões recorridas.
Insatisfeito com esta decisão, o Executado interpôs recurso de revista da mesma para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não foi admitido por despacho do Desembargador Relator datado de 16 de Outubro de 2009.
O Executado reclamou então desta última decisão, tendo sido proferido, em 6 de Fevereiro de 2010, o seguinte despacho pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (na parte que ora releva):
«[…]
II. Cumpre decidir.
(…)
1.Como escreve Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução”, 9.ª Edição, pág. 452:
“Apenas dois preceitos contemplam, presentemente, em sede de processo de execução para pagamento de quantia certa, a matéria dos recursos, quais sejam os arts. 922.º e 923.º, com nova redacção resultante do DL n.º 38/2003, prevendo, respectivamente, os casos de admissibilidade da apelação e do agravo. Isto sem prejuízo de ser igualmente admissível, nos termos gerais, recurso de revista nas acções declarativas que dependam do processo de execução (sublinhado nosso).
Não constituem os despachos impugnados paradigma de decisões proferidas em acções declarativas dependentes do processo de execução que tenham decidido do mérito da causa (art. 721.º, n.º 1 do CPC).
Logo, sempre se estaria ante hipótese de erro na espécie de recurso.
Pergunta-se:
Acaso merece censura o não se ter mandado o recurso seguir os termos do agravo interposto na 2.ª instância, com amparo no art. 687.º, n.º 3 do CPC-
Não, como brota líquido do art. 923.º do CPC (redacção a considerar, a dada pelo DL n.º 38/2003, de 8 de Março) – cfr. Amâncio Ferreira, in obra citada, pág. 458.
Nem, frise-se, seria admissível o agravo interposto na 2.ª instância, quer ante acção declarativa se estivesse, por não se perfilar “in casu”, hipótese ressalvada no n.º 2 do art. 754.º do CPC ou contemplada no n.º 3 de tal artigo da lei.
Que a decisão impugnada não põe termo ao processo, tal é apodíctico.
2. Conclusão
Destarte, sem necessidade de considerações outras, indefere-se a reclamação.»
O Executado interpôs então recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do do artigo 70.º, da LTC, requerendo a “apreciação da interpretação, sentido e alcance dados aos arts 680.°, dos n.os 2 e 3 do art. 678.º, do art. 721,°, n.º 1, do art. 734.º, n.º 1 a), 754.°, n.º 1, 2 e 3, todos do C.P.C ., interpretação essa defendida no Despacho do Exm.º Sr. Vice Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que indeferiu a Reclamação apresentada pela não admissão de Recurso de Revista ou Agravo de 2.ª Instância do Acórdão da Relação do Porto, interpretados que foram, no sentido de que se exceptua da regra geral de admissibilidade de recurso de Revista ou Agravo de 2.ª Instância, do Acórdão da Relação que decidiu, in casu, dos Agravos interpostos em processo Executivo, em consequência do prescrito nos arts. 922.º e 923.º do C.P.C., interpretação essa inconstitucional por violação dos arts. 20.º, 202.º, 204.° e 205.° da Constituição da República Portuguesa”.
Foi proferida decisão sumária em 17 de Março de 2010 de não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:
“Nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP), e no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que 'apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo'.
O recorrente suscitou a inconstitucionalidade material das normas constantes dos artigos 680.º, 678.º, n.os 2 e 3, 721.º, n.º 1, alínea a), 754.º, n.os 1, 2 3, todos do CPC - na redacção resultante do DL n.º 38/2003, de 8 de Março – “interpretados (...) no sentido de que se exceptua da regra geral de admissibilidade de recurso de Revista ou Agravo de 2.ª Instância, do Acórdão da Relação que decidiu (...) dos Agravos interpostos em processo Executivo, em consequência do prescrito nos arts. 922.º e 923.º do C.P.C.”.
Sucede que a decisão de confirmação da rejeição de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não assentou na aplicação das normas constantes de todas as referidas disposições legais e muito menos as mesmas foram interpretadas nos precisos termos enunciados pelo recorrente em sede de recurso de constitucionalidade, conforme resulta do conteúdo do despacho recorrido acima transcrito.
No caso concreto, e diversamente do alegado pelo recorrente:
a) a decisão recorrida não aplicou, como ratio decidendi, as normas constantes dos artigos 680.º e 754.º, n.º 1, do Código de Processo Civil;
b) a decisão recorrida não enunciou nenhuma regra geral de admissibilidade de recurso de revista ou de recurso de agravo interpostos na 2.ª instância;
c) e, acima de tudo, a decisão recorrida não diferenciou, com relevância para o caso concreto, o regime do agravo interposto na 2.ª instância em processo executivo do regime do agravo interposto na 2.ª instância em processo declarativo ordinário.
Pelo contrário – e sendo certo que não compete ao Tribunal Constitucional apreciar a bondade da actuação do tribunal recorrido no que respeita à qualificação da espécie de recurso e respectiva admissibilidade –, a verdade é que, não se pode deixar de constatar que a decisão recorrida começou por afastar a qualificação do recurso interposto pelo Executado como sendo recurso de revista, por não ter cabimento legal no caso concreto, para depois entender que o recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação do Porto não era sequer admissível a título de agravo em virtude do terceiro grau de jurisdição estar vedado nos termos do artigo 923.º do Código de Processo Civil. E, nesta parte, o tribunal recorrido não só não enunciou nenhuma especialidade do regime do agravo interposto na 2.ª instância em sede de processo executivo, como ainda verificou e concluiu que igual solução de inadmissibilidade de recurso de agravo seria alcançada no caso concreto pela aplicação do regime do agravo interposto na 2.ª instância em sede de processo declarativo ordinário que consta do artigo 754.º, n.os 2 e 3, do CPC.
Uma vez que a interpretação normativa configurada pelo recorrente não corresponde a qualquer ratio decidendi da decisão do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o presente recurso de constitucionalidade não seria dotado de qualquer repercussão útil no processo concreto de que emerge, isto é, o tribunal a quo nunca seria confrontado com a obrigatoriedade de reformar o sentido do seu julgamento no que respeita à admissibilidade do recurso.
Verificada a falta de aplicação da referida interpretação normativa, importa concluir que não estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto nas alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, devendo, assim, ser proferida decisão sumária de não conhecimento, nos termos do artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.
O Recorrente reclamou desta decisão, com os seguintes fundamentos:
Na realidade o Recorrente não suscitou a inconstitucionalidade apenas das normas que são indicadas na fundamentação (2.º parágrafo) da decisão sumária, mas também designadamente a interpretação que foi feita do art. 734.º, n.º 1 do C.P.C. que obstou a que o recorrente visse coarctado o seu direito a interpor recurso.
Mesmo que, e usando as palavras do Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator - “não compete ao Tribunal Constitucional apreciar a bondade da actuação do tribunal recorrido no que respeita à qualificação da espécie de recurso e respectiva admissibilidade” a realidade é que a interpretação que foi feita do disposto no art. 734.º, n.º do C.P.C pelo Sr. Vice Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, vedou por completo a possibilidade de o Recorrente ver o seu recurso apreciado e decidido.
Com o devido respeito, que muito é, os poderes de cognição do Tribunal Constitucional são restritos à questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade, podendo este Tribunal julgar inconstitucional a interpretação e sentido dado à norma que a decisão recorrida, tenha aplicado ou haja recusado aplicar, como é o caso.
O Recorrente defende que é inconstitucional o sentido e interpretação do Supremo Tribunal de Justiça e bem assim do Venerando Tribunal da Relação do Porto, no sentido em que foram interpretados os artigos. 721.º, n.º 1 e 754.º, n.ºs 1,2 e 3 e 734.º, todos do C.P.C., pois que considerando aquelas instâncias que ao caso e às decisões concretas, não era aplicável a Revista e porque o art. 923.º daquele código veda ao recorrente a possibilidade de interpor Agravo de 2.ª instância em processo executivo, ficam coarctados todos os direitos do executado de ver a questão suscitada apreciada por um tribunal superior.
Assim, quando se defende na fundamentação da Decisão sumária que cabe recurso do Tribunal Constitucional das decisões que “apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo” e que “sucede que a decisão sumária e confirmação ou rejeição de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não assentou na aplicação das normas constantes de todas as referidas disposições legais e muito menos as mesmas foram interpretadas nos precisos termos enunciados pelo recorrente em sede de recurso de constitucionalidade...” o recorrente não poderá concordar com esta decisão.
Na realidade o recorrente diz no ponto 44.º da reclamação que apresentou ao Supremo Tribunal e Justiça o seguinte: “pelo que, o indeferimento da interposição de Recurso de Revista do Acórdão da Relação ora em causa constitui uma grave e injusta violação do direito constitucionalmente consagrado no artigo 20.º da Constituição, bem como de o executado ver corrigida a omissão de pronuncia das questões colocadas à consideração do Tribunal da Relação e ainda da incorrecta aplicação e interpretação que fez, dos artigos indicados em cada um dos agravos sobre os quais recaiu o Acórdão”
E durante toda a sua reclamação apresentada ao Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente defende o alcance e sentido com que entende que deveriam ter sido interpretados os arts. 678.º, 721, n.º 1, 734.º, n.º 1 a), 754.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 922 e 923.º, do C.P.C. aduzindo as razões de tal discordância e arguindo a inconstitucionalidade do alcance e sentido que foi feito dos citados artigos.
Sendo certo que pronunciando-se o Supremo Tribunal de Justiça, na pessoa do Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente, e com referência aqueles mesmos artigos e estribando-se na interpretação que dos mesmos faz, foi negado ao recorrente a interposição do Recurso.
Deste despacho de indeferimento da Reclamação, o Recorrente defende precisamente que o Recurso de Constitucionalidade de destina à apreciação, sentido e alcance que foi dado aos artigos 680, dos n.ºs 2 e 3 do art. 678.º, do art. 721.º, n.º 1, do art. 734, n.º 1 a 9, 754.º, n.ºs 1, 2 e 3 do C.P.C., no sentido de que se exceptua da regra geral de admissibilidade de Recurso de Revista ou agravo de 2.ª instância, o recurso interposto do Acórdão da relação que decidiu in casu, dos agravos interpostos em processo executivo, em consequência do prescrito nos art.s 922.º e 923.º do C.P.C., interpretação essa inconstitucional por violação dos arts 20.º, 202.º, 204.º e 205.º da C.R.P.”
Pelo que não poderá concordar com o Digníssimo Senhor Juiz Relator quando este defende que a decisão recorrida não aplicou, como ratio decidendi, as normas constantes dos art 680.º e 754, n.º 1 do C.P.C.;
Se quanto à norma do art. 680.º é pacifico que a mesma não terá sido directamente aplicada, pois é uma norma geral de admissibilidade de recurso, já quanto à norma constante do art. 754.º, o mesmo entendimento não é perfilhado pelo recorrente. A decisão recorrida entende que o recurso de revista não é aplicável ao caso concreto por as decisões em causa não constituírem paradigma de decisão de mérito, concluindo ainda que por exclusão do art. 923.º do C.P.C., também não lhe será aplicável o art. 754.º, “por não se perfilar “in casu”, hipótese ressalvada no n.º 2 do art.º 754.º do CPC ou contemplada no n.º 3 de tal artigo da lei”.
O artigo 754.º do CPC encontra-se assim subjacente à decisão proferida.
Defende-se ainda na alínea b) do parágrafo 3º da fundamentação da decisão sumária, que a decisão recorrida não enuncia nenhuma regra geral de admissibilidade do recurso de revista ou de agravo de 2.ª instância. Que dizer da decisão recorrida quando esta diz que “não constituem os despachos impugnados paradigma de decisões proferidas em acções declarativas dependentes ao processo de execução que tenham decidido do mérito da causa (art. 721, n.º 1 do C.P.C.)”-
Não é esta uma regra geral de admissibilidade do recurso de revista que na interpretação que da mesma foi feita obstou a que o Recurso de Revista interposto pelo executado prosseguisse-
Considerando que as decisões que decidem do mérito da causa são apenas e só as proferidas em acção declarativa e não também as que decidem do pedido em termos do procedência ou improcedência, resumindo assim a questão a um problema processual.
Embora com o maior respeito quanto ao entendimento perfilhado na douta decisão sumária de que não compete ao Tribunal Constitucional a apreciação da bondade no tocante à qualificação da espécie de recurso e respectiva admissibilidade, compete-lhe, no entanto, a nosso ver apreciar a legalidade e a interpretação feitas pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto ao sentido e alcance do artigo 721.º do C.P.C., sobre a qual o Senhor Vice Presidente fez a sua interpretação relativamente ao caso concreto.
Bem como aferir se a interpretação defendida pelo Recorrente, de que aquele artigo não se aplicará ao Recurso interposto pelo Recorrente está ou não conforme aos princípios constitucionais postulados na constituição, designadamente por violação dos artigos 20.º, 202.º, 204.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito a decisão recorrida abarca mais artigos do que aqueles que são especificados na fundamentação da decisão sumária e que não foram objecto de apreciação.
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Fundamentação
O Recorrente, no requerimento de interposição de recurso, solicitou ao Tribunal a fiscalização da constitucionalidade duma determinada interpretação normativa reportada a uma conjugação de preceitos do Código de Processo Civil.
É nesse momento que o Recorrente define o objecto do recurso que pretende que o Tribunal Constitucional conheça.
O Recorrente pediu a verificação da constitucionalidade da interpretação, dos arts 680.°, dos n.os 2 e 3 do art. 678.º, do art. 721,°, n.º 1, do art. 734.º, n.º 1 a), 754.°, n.º 1, 2 e 3, todos do C.P.C ., no sentido de que se exceptua da regra geral de admissibilidade de recurso de Revista ou Agravo de 2.ª Instância, do Acórdão da Relação que decidiu, in casu, dos Agravos interpostos em processo Executivo, em consequência do prescrito nos arts. 922.º e 923.º do C.P.C..
É essencial para esse conhecimento que a interpretação normativa questionada integre a ratio decidendi da decisão recorrida, pois, só assim ele terá alguma utilidade prática.
Ora, da leitura do despacho proferido pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça constata-se que aí nunca se sustentou que existia uma regra geral de admissibilidade de recurso de Revista ou Agravo de 2.ª Instância, à qual, excepcionalmente, estavam subtraídos os agravos interpostos em processo executivo dos Acórdãos da Relação, em consequência do prescrito nos art.s 922.º e 923.º do C.P.C. Em nenhum passo se admitiu estarmos perante uma excepção a uma regra geral, como, pelo contrário, entendeu-se que o recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação do Porto não era admissível, a título de agravo, em virtude do terceiro grau de jurisdição estar vedado nos termos do artigo 923.º do Código de Processo Civil, verificando-se que igual solução de inadmissibilidade de recurso de agravo seria alcançada no caso concreto pela aplicação do regime do agravo interposto na 2.ª instância em sede de processo declarativo ordinário que consta do artigo 754.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Civil.
Não tendo a interpretação normativa colocada pelo Recorrente à apreciação deste Tribunal integrado a ratio decidendi do despacho do Vice-Presidente do S.T.J., não é possível conhecer do recurso de constitucionalidade interposto, devendo indeferir-se a reclamação apresentada.
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Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por B. da decisão sumária proferida nestes autos em 17 de Março de 2010.
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Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios constantes do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 12 de Maio de 2010
João Cura Mariano
Catarina Sarmento e Castro
Rui Manuel Moura Ramos