Imprimir acórdão
Processo n.º 404/2010
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A., foi proferida decisão sumária de não conhecimento dos dois recursos de constitucionalidade interpostos, com os seguintes fundamentos que a seguir se transcrevem:
II
Fundamentos
2. Como vimos, o Tribunal Constitucional é confrontado com dois recursos de constitucionalidade, ambos interpostos pela arguida nestes autos.
Importa, assim, proceder à análise de cada um deles em separado.
Quanto ao primeiro recurso de constitucionalidade
3. O recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos termos do qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º da LTC, entende-se não se poder conhecer parcialmente do objecto do mesmo, sendo caso de proferir decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A do mesmo diploma.
Quando interpostos ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1 do artigo 70.º, os recursos de constitucionalidade têm de respeitar um conjunto de requisitos específicos, sem os quais deles se não poderá tomar conhecimento.
Em primeiro lugar, é necessário que o objecto do recurso seja uma norma (em si mesma ou numa sua interpretação), tal como que tal norma (ou dimensão interpretativa questionada) tenha sido aplicada na decisão recorrida.
Em segundo lugar, torna-se necessário que a questão de constitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo, de forma que a intervenção do Tribunal Constitucional se possa fazer, verdadeiramente, em via de recurso.
E, em terceiro lugar, é mister que tenha havido o prévio esgotamento dos recursos ordinários.
Assim, importa verificar o preenchimento desses pressupostos processuais relativamente a cada uma das questões de constitucionalidade.
Integram o objecto deste primeiro recurso de constitucionalidade, tal como delimitado pela recorrente no requerimento de interposição do mesmo, três questões, a saber:
a) a inconstitucionalidade do artigo 340.º, n.º 4, alínea a) do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de ser irrelevante uma diligência de prova, requerida, pelo facto de uma testemunha não se recordar de determinado facto, sendo que as restantes presenciaram parcialmente o mesmo;
b) a inconstitucionalidade do artigo 371.º do Código Penal, quando interpretado no sentido de se verificar violação do segredo de justiça quando é difundida notícia de extracção de certidão para inquérito criminal, mesmo que o requerimento tenha sido apresentado em diligência processual, mas que não afecte a validade desta, e não se encontrando concretizados na notícia, pessoas específicas e factos concretos, que ponham em causa a efectivação da justiça;
c) a inconstitucionalidade do artigo 371.º do Código Penal, quando interpretado no sentido de que viola o segredo de justiça o advogado que ao conferenciar com o seu constituinte dentro das instalações do tribunal após interrogatório de arguido detido, seja o teor da conversa reproduzida pelos meios de comunicação social, sem que para isso a advogada tenha prestado qualquer declaração aos agentes de comunicação.
De seguida, proceder-se-á à análise de cada uma das questões de constitucionalidade em separado.
Questão A)
4. A recorrente solicita ao Tribunal Constitucional que aprecie a inconstitucionalidade do artigo 340.º, n.º 4, alínea a) do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de ser irrelevante uma diligência de prova, requerida, pelo facto de uma testemunha não se recordar de determinado facto, sendo que as restantes presenciaram parcialmente o mesmo.
A delimitação da interpretação normativa dada ao preceito do artigo 340.º, n.º 4, alínea a) do Código de Processo Penal não constitui objecto idóneo para efeitos de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, na medida em que não contém uma vocação de generalidade e abstracção na enunciação do critério normativo que lhe está subjacente, autonomizável da pura actividade subsuntiva, ligada irremediavelmente a particularidades específicas do caso concreto e, portanto, passível de controlo jurídico-constitucional.
Com efeito, não obstante, do ponto de vista formal, ser ainda defensável aí se equacionar uma questão de constitucionalidade de “norma” – no sentido em que a recorrente se não limitaria a impugnar directamente a própria decisão e tendo até, na sua aparência, indicado o sentido ou interpretação com que considera ter sido tomado e aplicado o preceito alegadamente violador da Constituição – a delimitação da “interpretação normativa” efectuada, configura, quando analisada na sua substância, um abusivo expediente consistente em forjar artificialmente uma “norma” para assim aceder à jurisdição constitucional.
Embora sob a capa da concreta aplicação da norma constante do artigo 340.º, n.º 4, alínea a) do Código de Processo Penal – preceito que estabelece a possibilidade de indeferimento de requerimentos de prova se for notório que as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas – é manifesto que, in casu, o que a recorrente realmente pretende controverter é a concreta e casuística adequação e correcção do juízo de irrelevância ou superfluidade da diligência de prova requerida, ou seja, o próprio juízo de indeferimento do requerimento.
Ora, inexistindo entre nós a figura do recurso de amparo ou outra equivalente, não tem o Tribunal Constitucional competência para conhecer de recurso que tenha como objecto não uma questão de constitucionalidade normativa mas a própria decisão judicial.
Tanto basta para que, na parte que respeita a este pedido da recorrente, se não possa conhecer do recurso de constitucionalidade.
Questão B)
5. Solicita ainda a recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade do artigo 371.º do Código Penal, quando interpretado no sentido de se verificar violação do segredo de justiça quando é difundida notícia de extracção de certidão para inquérito criminal, mesmo que o requerimento tenha sido apresentado em diligência processual, mas que não afecte a validade desta, e não se encontrando concretizados na notícia, pessoas específicas e factos concretos, que ponham em causa a efectivação da justiça.
Também aqui a delimitação da interpretação normativa dada ao preceito do artigo 371.º do Código Penal não constitui objecto idóneo para efeitos de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, na medida em que não contém uma vocação de generalidade e abstracção na enunciação do critério normativo que lhe está subjacente, autonomizável da pura actividade subsuntiva, ligada irremediavelmente a particularidades específicas do caso concreto e, portanto, passível de controlo jurídico-constitucional.
Com efeito, não obstante, do ponto de vista formal, ser ainda defensável, aí se equacionar uma questão de constitucionalidade de “norma” – no sentido em que a recorrente se não limitaria a impugnar directamente a própria decisão e tendo até, na sua aparência, indicado o sentido ou interpretação com que considera ter sido tomado e aplicado o preceito alegadamente violador da Constituição – a delimitação da “interpretação normativa” efectuada, configura, quando analisada na sua substância, um abusivo expediente consistente em forjar artificialmente uma “norma” para assim aceder à jurisdição constitucional.
Embora sob a capa da concreta aplicação da norma constante do artigo 371.º do Código Penal – preceito que tipifica como crime a violação do segredo de justiça – é manifesto que, in casu, o que a recorrente realmente pretende controverter é a concreta e casuística adequação e correcção do juízo sobre o preenchimento do tipo criminal, ou seja, o próprio juízo de condenação pela prática do crime previsto e punido nesse preceito legal.
Ora, inexistindo entre nós a figura do recurso de amparo ou outra equivalente, não tem o Tribunal Constitucional competência para conhecer de recurso que tenha como objecto não uma questão de constitucionalidade normativa mas a própria decisão judicial.
Tanto basta para que, na parte que respeita a este pedido da recorrente, se não possa conhecer do recurso de constitucionalidade.
Questão C)
6. Solicita ainda a recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade do artigo 371.º do Código Penal, quando interpretado no sentido de que viola o segredo de justiça o advogado que ao conferenciar com o seu constituinte dentro das instalações do tribunal após interrogatório de arguido detido, seja o teor da conversa reproduzida pelos meios de comunicação social, sem que para isso a advogada tenha prestado qualquer declaração aos agentes de comunicação.
Tal interpretação normativa não foi, porém, ao contrário do que sustenta a recorrente, efectivamente aplicada na decisão recorrida, não integrando, portanto, a sua ratio decidendi.
Ora, em sede de fiscalização concreta, tratando-se de formular um juízo que tem por objecto uma norma tal como foi aplicada num caso concreto, é um pressuposto de conhecimento do recurso de constitucionalidade que a decisão que o Tribunal Constitucional venha a proferir sobre a questão de constitucionalidade suscitada seja susceptível de produzir algum efeito sobre a decisão de que se recorre (nesse sentido, entre muitos outros, v. Acórdãos do TC n.ºs 169/92, 463/94, 366/96 e 687/2004, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Tendo ficado provado que a recorrente, na qualidade de advogada do arguido então em julgamento, prestou declarações a agentes de comunicação, não teria qualquer utilidade, in casu, o juízo que o Tribunal Constitucional viesse a proferir sobre a questão da conformidade com a Constituição da norma contida no artigo 371.º do Código Penal, quando interpretada no sentido de que viola o segredo de justiça o advogado que ao conferenciar com o seu constituinte dentro das instalações do tribunal após interrogatório de arguido detido, seja o teor da conversa reproduzida pelos meios de comunicação social, sem que para isso a advogada tenha prestado qualquer declaração aos agentes de comunicação.
Tanto basta para que, na parte que respeita a este pedido da recorrente, se não possa conhecer do recurso de constitucionalidade.
Quanto ao segundo recurso de constitucionalidade
7. O recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da LTC, entende-se não se poder conhecer do objecto do mesmo, sendo caso de proferir decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A do mesmo diploma.
Solicita a recorrente ao Tribunal Constitucional que aprecie a conformidade com a Constituição da interpretação dada ao artigo 412.º, n.º 3, alínea a) e b) e n.º 4, do Código de Processo Penal, no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito o não conhecimento da impugnação da matéria de facto e a improcedência do recurso do arguido nessa parte, sem que ao mesmo seja dada a oportunidade de suprir tal deficiência.
Ora, em sede de fiscalização concreta, tratando-se de formular um juízo que tem por objecto uma norma tal como foi aplicada num caso concreto, é um pressuposto de conhecimento do recurso de constitucionalidade que a decisão que o Tribunal Constitucional venha a proferir sobre a questão de constitucionalidade suscitada seja susceptível de produzir algum efeito sobre a decisão de que se recorre (nesse sentido, entre muitos outros, v. Acórdãos do TC n.ºs 169/92, 463/94, 366/96 e 687/2004, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Tendo o tribunal a quo considerado que a recorrente não fez, no recurso, um efectivo pedido de reapreciação da matéria de facto, não teria qualquer utilidade, in casu, o juízo que o Tribunal Constitucional viesse a proferir sobre a questão da conformidade com a Constituição da interpretação dada ao artigo 412.º, n.º 3, alínea a) e b) e n.º 4, do Código de Processo Penal, no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito o não conhecimento da impugnação da matéria de facto e a improcedência do recurso do arguido nessa parte, sem que ao mesmo seja dada a oportunidade de suprir tal deficiência.
2. Notificada dessa decisão, A. veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
Na realidade a recorrente, após acusação veio a ser condenada pelo crime p. e p. no art° 370º do CP.
No seguimento do mesmo foi apresentado o atinente recurso para o Tribunal da Relação de Évora onde, entre outras, foi suscitada a questão de reapreciação da prova.
Tal veio a ser indeferido pelo Tribunal de Recurso, exarando para o efeito que não havia sido cumprido cabalmente a estatuição do art° 411° n.º 3 a), b) e n.º 4 do CPP.
Ao mesmo foi requerida nulidade, que não logrou seus intentos.
Ora perante tal cronologia o Venerando Tribunal Constitucional decide pela impossibilidade de conhecimento dos recurso de constitucionalidade.
Desde logo, quanto ao primeiro recurso, e estando as questões suscitadas intrinsecamente conectadas, salienta-se que a prova requerida ao abrigo do art° 340º do CPP, prendia-se precisamente com a necessidade de consubstanciação de um facto, que a verificar-se poderia abalar a convicção do Tribunal no tocante à integração dos factos ao ilícito crime pela qual a recorrente era acusada.
Assim numa primeira instância, a recorrente nunca pretendeu fazer uso de um abusivo expediente para aceder à jurisdição constitucional.
Na realidade, sendo tangível em sede probatória, a verificação de um facto, e potenciado a lei a faculdade da realização diligências adicionais para almejar tal fim, e de que a recorrente fez uso.
Em face do indeferimento, limitou-se a recorrente a sindicar tal despacho, suscitando para o efeito, entre outros, a questão da interpretação conferida à norma, com base na qual foi preferida decisão de indeferimento.
Aliás, esta questão será pertinente, para a verificação do crime pela qual a recorrente foi condenada.
Como tal, é verdade que em ultima ratio pretende-se “atacar” a decisão judicial, mas o expediente utilizado, e salvo melhor opinião, foi o de suscitar a questão da constitucionalidade, relativamente à interpretação dada aos normativos legais, que foram pilar à prolação das decisões.
Ora, se as questões de constitucionalidade foram suscitadas, pretende a recorrente ver as mesmas serem apreciadas, e designadamente qual o alcance da interpretação que está no cerne da fundamentação dos despachos judiciais, e se os mesmos se adequam às prerrogativas constitucionais.
Quanto ao segundo recurso,
Estamos perante uma situação em que não se conhece o mesmo, pelo facto de “tendo o Tribunal a quo considerado que a recorrente não fez, no recurso, um efectivo pedido de reapreciação da matéria de facto, não teria qualquer utilidade, in casu, o juízo que o Tribunal Constitucional viesse a proferir (...)”.
Ora realmente o Tribunal da Relação decide no sentido de não renovar a prova (vide pág. 22, 3º parágrafo “in fine” do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora).
Mas também é verdade, e como consta dos parágrafos subsequentes, o toque basilar para o sustento de tal decisão reside no facto de a recorrente que queira ver reapreciados determinados pontos da matéria de facto tem que dar cumprimento a um tríplice ónus:”.
Assim entendendo que esta trindade não está verificada, será na óptica do Tribunal, o fundamento essencial para não reapreciação da prova.
É precisamente com esta interpretação, conferida ao preceito legal, que a recorrente suscitou a questão da constitucionalidade da interpretação que alias até foi exarada em Acórdão, quando menciona inclusivamente, que não há lugar a despacho de aperfeiçoamento das conclusões, por entender, o Tribunal, que existem deficiências de fundo na motivação.
Ora é perante tal decisão que é suscitada a questão da constitucionalidade, pois que a recorrente na realidade requereu a reapreciação de facto, mas não tendo a mesma sido realizada, perante as deficiências apontadas no Acórdão, e que seriam sobejamente suficientes para inviabilizar a aludida reapreciação.
Nesta conformidade suscitou-se a nulidade do Acórdão, no tocante a esta questão, e em face do indeferimento apresentou-se o atinente recurso de constitucionalidade, com a qual se pretende ver apreciada a aludida questão.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. A reclamante vem reclamar da decisão sumária por discordar do não conhecimento do objecto dos dois recursos de constitucionalidade interpostos.
No âmbito do objecto do primeiro recurso de constitucionalidade, integrado por três questões de constitucionalidade distintas, a reclamante apenas reclama da decisão sumária na parte respeitante à interpretação conferida ao artigo 340.º, n.º 4, alínea a) do Código de Processo Penal.
Com efeito, embora afirme que as questões suscitadas estão intrinsecamente conectadas – afirmação que não pode deixar de causar perplexidade face à sua anterior autonomização pela própria recorrente, ora reclamante, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade –, perante a fundamentação específica da decisão sumária relativamente a essas questões, incumbiria à reclamante impugnar essa fundamentação de forma autónoma relativamente à questão de constitucionalidade respeitante à interpretação conferida ao artigo 340.º, n.º 4, alínea a) do Código de Processo Penal.
Não só não o fez, como nem sequer se refere às interpretações normativas conferidas na decisão recorrida ao artigo 371.º do Código Penal.
Assim, excluída do âmbito da presente reclamação fica, desde logo, a parte da decisão sumária relativa às questões de constitucionalidade respeitantes à interpretação conferida ao artigo 371.º do Código Penal.
No âmbito do segundo recurso de constitucionalidade, integrado pela interpretação dada ao artigo 412.º, n.º 3, alínea a) e b) e n.º 4, do Código de Processo Penal, no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito o não conhecimento da impugnação da matéria de facto e a improcedência do recurso do arguido nessa parte, sem que ao mesmo seja dada a oportunidade de suprir tal deficiência, a reclamante questiona o fundamento oferecido na decisão sumária reclamada para o não conhecimento do recurso, o da inutilidade para a decisão recorrida do juízo que o Tribunal Constitucional viesse a proferir sobre a questão de constitucionalidade.
Analisar-se-á em separado as duas objecções que, na reclamação, são dirigidas à decisão sumária.
Da interpretação conferida ao artigo 340.º, n.º 4, alínea a),
do Código de Processo Penal
4. A decisão sumária reclamada considerou que a delimitação da interpretação normativa dada ao preceito do artigo 340.º, n.º 4, alínea a) do Código de Processo Penal – no sentido de ser irrelevante uma diligência de prova, requerida, pelo facto de uma testemunha não se recordar de determinado facto, sendo que as restantes presenciaram parcialmente o mesmo – não constitui objecto idóneo para efeitos de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, na medida em que não contém uma vocação de generalidade e abstracção na enunciação do critério normativo que lhe está subjacente, autonomizável da pura actividade subsuntiva, ligada irremediavelmente a particularidades específicas do caso concreto e, portanto, passível de controlo jurídico-constitucional.
A reclamante reitera ter suscitado a questão da interpretação conferida a essa norma bem como a pertinência de tal questão para a verificação do crime pela qual fora condenada, reconhecendo, porém, que «[…] é verdade que em ultima ratio pretende-se “atacar” a decisão judicial».
Simplesmente, o fundamento oferecido na decisão sumária reclamada para o não conhecimento do objecto do primeiro recurso de constitucionalidade interposto na parte respeitante à interpretação conferida ao artigo 340.º, n.º 4, alínea a) do Código de Processo Penal não foi o de não ter tal questão sido previamente suscitada ou a da sua inutilidade para a resolução da questão controvertida nos autos – como, face à argumentação utilizada na reclamação – parece ser a leitura que dela faz a reclamante, mas antes, como se disse, o da inidoneidade do seu objecto para efeitos de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.
Assim sendo, e não oferecendo a reclamante qualquer argumento susceptível de abalar esse fundamento de não conhecimento do objecto do recurso, – antes pelo contrário, reconhecendo, aliás, que, na verdade, pretende “atacar” a própria decisão – confirma-se a decisão sumária reclamada de não conhecimento do mesmo na parte respeitante à interpretação conferida ao artigo 340.º, n.º 4, alínea a) do Código de Processo Penal.
Da interpretação conferida ao artigo 412.º, n.º 3, alínea a) e b) e n.º 4,
do Código de Processo Penal
5. A reclamante questiona o fundamento oferecido na decisão sumária para o não conhecimento do recurso, o da inutilidade para a decisão recorrida do juízo que o Tribunal Constitucional viesse a proferir sobre a conformidade com a Constituição da interpretação conferida ao artigo 412.º, n.º 3, alínea a) e b) e n.º 4, do Código de Processo Penal, no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito o não conhecimento da impugnação da matéria de facto e a improcedência do recurso do arguido nessa parte, sem que ao mesmo seja dada a oportunidade de suprir tal deficiência.
Não tem razão a reclamante.
Em primeiro lugar, o não conhecimento do recurso pelo Tribunal a quo não se deveu, pelo menos exclusivamente, ao facto de a recorrente, ora reclamante, não ter cumprido as exigências constantes do artigo 412.º, n.º 3, alínea a) e b) e n.º 4, do Código de Processo Penal, pelo que, mesmo que o Tribunal Constitucional viesse a decidir que essa norma é inconstitucional, ainda assim subsistiria um dos fundamentos oferecidos pelo Tribunal a quo para não conhecer do recurso relativo à matéria de facto, pelo que o juízo sobre a questão de constitucionalidade seria inútil.
Em todo o caso, atendendo à interpretação normativa conferida ao artigo 412.º, n.º 3, alínea a) e b) e n.º 4, do Código de Processo Penal, tal como delimitada pela recorrente, ora reclamante, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – o de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito o não conhecimento da impugnação da matéria de facto e a improcedência do recurso do arguido nessa parte, sem que ao mesmo seja dada a oportunidade de suprir tal deficiência – verifica-se que tal interpretação não foi efectivamente aplicada na decisão recorrida.
Não o foi, porque a deficiência a que a recorrente, ora reclamante, se está a referir respeita às conclusões da motivação, ao passo que a decisão recorrida aponta como deficiência o facto de se não ter dado cumprimento ao disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea a) e b) e n.º 4 não apenas nas conclusões mas no próprio corpo da motivação do recurso.
Assim, confirma-se a decisão sumária reclamada de não conhecimento do objecto do recurso.
III – Decisão
6. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Julho de 2010. – Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão