Imprimir acórdão
Processo n.º 25/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por acórdão de 12 de Novembro de 2009, o Supremo Tribunal Administrativo concedeu provimento a recurso excepcional de revista interposto por A. e (revogando a decisão que havia julgado a acção administrativa especial improcedente) condenou o Ministério da Administração Interna (Direcção Nacional da PSP) a requerer a submissão do autor a uma junta médica da Caixa Geral de Aposentações, para reavaliação da respectiva situação clínica, face ao relatório médico por aquele apresentado e ao disposto no n.º 2 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro.
Para assim decidir, o Supremo Tribunal Administrativo considerou o seguinte:
“(…)
Ora, entendemos que, em situações como a sub judicio, em que o autor, aquando da alta, foi declarado curado e sem qualquer incapacidade e só decorridos mais de dez anos sobre a alta, veio a saber que, na sequência normal do tipo de cirurgia a que foi submetido aquando do acidente, ficou com sequelas, apresentando actualmente vestígios evidentes de troclea femural com uma área de desnudamento cartilagíneo, o que agrava o prognóstico futuro e a que corresponde, de acordo com a TNI, uma IPP de 8%, segundo relatório médico, o que revela que a situação verificada à data da sua alta clínica, não se pode ter, afinal, por consolidada, interpretar a referida norma do artº 24, nº 1 do DL 503/99, como o fizeram as instâncias, ou seja, como estabelecendo um prazo absolutamente preclusivo, contado a partir da alta clínica, tornaria impossível ao sinistrado, ou pelo menos, dificultaria gravemente, o exercício do seu direito à justa reparação pelo acidente em serviço sofrido, constituindo, desse modo, uma restrição intolerável do direito consagrado no artº 59º, nº 1 f) da CRP, restrição que, já vimos, não é permitida face ao artº 18º, nº 2 e 3 da CRP e, por isso, inconstitucional.
Com efeito, neste concreto circunstancialismo, seria, de todo, desrazoável e desproporcional exigir que o sinistrado requeresse uma junta médica dentro dos 10 anos seguintes à alta, com vista à revisão da sua situação clínica, quando tinha sido declarado curado, sem qualquer incapacidade e desconhecia que do acidente tinham resultado e/ou poderiam resultar sequelas.
Não se está a afirmar que o direito à justa reparação por acidentes de trabalho, incluindo o direito à revisão da situação clínica, deva ser temporalmente ilimitado, para estar em conformidade com a Constituição.
No entanto, os limites temporais definidos pelo legislador não podem, a nosso ver, pôr em causa uma protecção jurídica temporalmente adequada às situações materiais, o que, no caso concreto, como vimos, não acontece.
Como tal, deve ser recusada, a aplicação, à situação sub judicio, do referido prazo, por violar o direito do autor à justa reparação pelo acidente sofrido, consagrado no artº 59, nº 1 f) da CRP, reconhecendo-se ao autor o direito a requerer a pretendida junta médica, com vista a reavaliar a sua situação clínica, face ao relatório médico apresentado pelo mesmo.”
2. O Ministério Público interpôs recurso deste acórdão, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 3 do artigo 72.º (recurso obrigatório) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), para apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro.
Alegou no sentido de que “A norma constante do artigo 24.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, ao consagrar um prazo preclusivo de 10 anos contado da alta, como prazo-limite à ocorrência de recidivas, agravamentos ou recaídas, para a revisão da incapacidade de trabalho e, consequentemente, da pensão devida ao sinistrado por acidente em serviço, com fundamento em invocado agravamento superveniente das lesões sofridas, num caso em que decorridos cerca de 14 anos sobre a data da alta, não ocorreu qualquer actualização intercalar do grau de incapacidade, nem se verifica qualquer outra circunstância que afaste, de modo irrecusável, a presunção de estabilização da situação clínica, não afronta o direito à justa reparação, previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa”.
O recorrido contra-alegou sustentando as seguintes conclusões:
“(…)
1 – O limite temporal imposto pelo Legislador para a revisão de pensões atribuídas em virtude de acidente de trabalho ou doença profissional não pode ter por base a “experiência médica” já que ao longo do tempo esse limite sofreu várias alterações, passando da ausência a 5 e 10 anos, para voltar à ausência (actual) do mesmo.
2 – O argumento é tão volátil que durante a vigência, em simultâneo, da Lei 2127 de 03 de Agosto de 1965 e da Lei 100/97 de 13 de Setembro, o Decreto-Lei nº 38.523 de 23.11.1951, que se aplicava aos servidores civis do Estado subscritores da Caixa Geral de Aposentações, no seu artº 20º, previa que o exame (médico) podia ser sempre revisto, diferenciando a possibilidade de evolução de uma lesão no corpo humano, conforme a pessoa em causa fosse ou não funcionária pública!
3 – Por ser perfeitamente possível em termos clínicos configurar situações de agravamento ou melhoria das lesões após o decurso do referido prazo de 10 anos – consoante tem acontecido na prática e verificável na quantidade de situações submetidas a decisão jurisprudencial - e ao não se admitir, nesses casos, a revisão, coarcta-se e diminui-se de forma grave e significativa a possibilidade de adequar o estado clínico do respectivo titular ao direito que lhe assiste, violando-se um direito constitucionalmente consagrado.
4 – O artº 24º DL 503/99 que prevê um prazo de 10 anos não têm subjacente qualquer fundamento racional e contrariam em absoluto o disposto no art.º 59.º n.º 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa.
5 – Ainda que assim não se entenda, o caso sub judicio terá de ser uma excepção à aplicação daquele prazo de 10 anos, na medida em que ao sinistrado foi dada alta clínica sem qualquer incapacidade, quando, na realidade, ela existia desde aquela data, sem que o sinistrado tivesse conhecimento, pelo que não faria qualquer sentido pedir a revisão de uma incapacidade que desconhecia existir, estando a sua situação ainda não definida e/ou determinada.
6 – Dado que o sinistrado só teve conhecimento que resultaram sequelas do acidente por si sofrido, em serviço, após 14 anos, não permitir que seja avaliada a sua situação é restringir de forma intolerável o exercício do seu direito à justa reparação pelo acidente em serviço sofrido, em violação flagrante do direito consagrado no artº 59º, n° 1, f) da CRP.”
Além disso, o recorrido pretende que seja colocada ao Tribunal de Justiça em reenvio prejudicial, invocando o artigo 234.º do TCE, a questão da compatibilidade entre o regime legal em causa e o direito comunitário.
II – Fundamentação
3. O recorrido pede que recaia decisão sobre o requerimento em que referiu que os prazos para alegações devem ser fixados entre 10 e 30 dias, uma vez que se trata de recurso de decisão proferida em processo qualificado por lei como urgente, nos termos do n.º 2 do artigo 79.º da LTC.
Pode, efectivamente, considerar-se que o processo onde foi proferida a decisão recorrida tem carácter urgente. O artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 503/99 assim dispunha para a acção de reconhecimento de direito, que era o meio processual adequado para exercer pretensões deste tipo anteriormente ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, devendo entender-se que o mesmo sucede com a acção que no actual regime do contencioso administrativo, deva ser intentada.
Todavia, no que respeita ao prazo de alegações, não pode agora extrair-se qualquer efeito dessa verificação. Efectivamente, as partes foram notificadas para alegar no prazo de 30 dias e foi nessa notificação que confiaram ou, pelo menos, em que confiou o recorrente. O princípio do processo equitativo impõe que o erro na indicação de um prazo para a prática de um acto superior ao legal não produza nulidade senão quando seja possível repetir a notificação. É o que dispõe para a citação o n.º 3 do artigo 198.º do Código de Processo Civil (CPC), em concretização de um princípio geral.
4. O recorrido requer que se submeta ao Tribunal de Justiça, em reenvio prejudicial, ao abrigo do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (anteriormente, artigo 234.º TCE), a seguinte questão: “É compatível com os Princípios do Direito Comunitário uma legislação nacional que prevê um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data alta, para a reapreciação do estado clínico com fundamento em recidiva, agravamento e recaída superveniente-”
Ora, no recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a questão que ao Tribunal Constitucional compete apreciar é tão somente a da conformidade à Constituição da República Portuguesa da norma a que a decisão recorrida recusou aplicação com fundamento em inconstitucionalidade. No caso, está em apreciação a constitucionalidade de uma norma de direito interno. Essa norma apresenta-se ao Tribunal, no presente recurso, como um “dado”, quer no que respeita à sua aplicabilidade ao caso, quer no que respeita à sua interpretação. Não cabe ao Tribunal aplicar essa norma aos factos da causa, nem determinar o seu sentido, mas, apenas, apreciar a sua conformidade com normas e princípios constitucionais. Consequentemente não tem de proceder à pretendida verificação da sua compatibilidade com o direito comunitário, porque não lhe é submetido um litígio que, na parte que é da sua competência, envolva a interpretação ou aplicação de direito comunitário. Essa é questão que, se relevar para a decisão do caso, compete aos tribunais da causa apreciar e decidir.
Consequentemente, indefere-se o pedido de reenvio prejudicial.
5. Resolvidas as questões prévias, cumpre passar ao conhecimento da questão de constitucionalidade submetida a apreciação e que consiste em saber se viola o direito dos trabalhadores à justa reparação quando vítimas de acidentes de trabalho, garantido pela alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, que dispõe o seguinte:
“Artigo 24.º
Recidiva, agravamento e recaída
1 – No caso de o trabalhador se considerar em situação de recidiva, agravamento ou recaída, ocorrida no prazo de 10 anos contado da alta, deve apresentar à entidade empregadora requerimento de submissão à junta médica referida no artigo 21.º, fundamentado em parecer médico.
(…).”
Entendeu o acórdão recorrido que, aplicada a uma situação com o a dos autos, em que o trabalhar sinistrado foi declarado como curado sem qualquer incapacidade e só mais de 10 anos depois (cerca de 14 anos depois) veio a saber que, como consequência normal do tipo de cirurgia a que foi submetido aquando do acidente, apareceram sequelas a que corresponde uma IPP de 8% (indiciariamente, segundo o relatório médico apresentado para reabertura do processo, porque o pedido de submissão a junta médica para determinação da incapacidade foi indeferido, com fundamento na caducidade do direito), o referido prazo de caducidade restringe desproporcionadamente o direito à justa reparação reconhecido aos trabalhadores quando vítimas de acidente de trabalho pela alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição. Para tanto, o acórdão socorre-se da jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente dos Acórdãos n.ºs 147/06 e 59/07, a que equipara a situação em apreciação.
Com efeito, a questão da constitucionalidade da fixação de um prazo de 10 anos de caducidade do direito à revisão das pensões fixadas, quando ocorra agravamento superveniente da incapacidade resultante de acidente de trabalho (ou doença profissional), já foi apreciada pelo Tribunal diversas vezes, embora a propósito do regime jurídico de acidentes de trabalho e doenças profissionais no âmbito das relações de direito privado. Dos diversos matizes dessa jurisprudência, em consequência da disparidade dos casos e, portanto, da dimensão aplicativa concreta da norma, dá pormenorizada conta, por último, o Acórdão n.º 161/09, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
Embora a disposição agora em causa esteja inserida noutro diploma, no regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas (os denominados “acidentes em serviço”), a questão de constitucionalidade é a mesma.
Dessa jurisprudência resultam as seguintes directrizes fundamentais:
1.ª- O legislador dispõe de alguma margem de conformação na concretização do direito à justa reparação por acidentes de trabalho e doenças profissionais constitucionalmente consagrado, não lhe estando vedado considerar estabilizada a situação do trabalhador ao fim de um prazo razoável e condicionar o direito à revisão em função disso;
2ª – O prazo de 10 anos contado a partir da fixação inicial da pensão é suficientemente dilatado, segundo a normalidade das coisas, para permitir considerar como consolidado o juízo sobre o grau de desvalorização funcional do sinistrado e, por razões de segurança jurídica, estabelecer a caducidade do direito à revisão;
3.ª – Mas já não o será quando aplicado a hipóteses em que, no decurso do prazo de 10 anos a contar da fixação inicial da pensão, tenham ocorrido revisões em consequência de agravamento da incapacidade, porque essas revisões intercorrentes demonstram que o pressuposto de estabilização da situação não se verifica.
É certo que no Acórdão n.º 161/09 se prescindiu, para chegar ao juízo de inconstitucionalidade, da ocorrência de revisões intermédias fundadas em agravamento da incapacidade. Mas para isso foi determinante a particularíssima dimensão aplicativa em apreciação, em que foi considerado um elemento que o Tribunal entendeu afastar, de modo irrecusável, a presunção de estabilidade que justifica a solução normativa em causa e que consistiu em ter sido determinada uma prestação de natureza cirúrgica a cargo da seguradora. Intervenção essa inexistente à data do acidente e tornada possível pela evolução das técnicas médicas, mas que, afinal, resultou em agravamento da incapacidade.
6. Aplicando ao caso esse entendimento, verifica-se que a dimensão normativa julgada inconstitucional não contém elementos que substancialmente a distingam daquelas em que o Tribunal não julgou inconstitucional o estabelecimento do referido prazo de caducidade, designadamente daquela que apreciou no Acórdão n.º 612/08, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
Efectivamente, para este efeito da razoabilidade do estabelecimento de um prazo de caducidade do direito fundado na pressuposição legislativa, não arbitrária porque fundada em dados da experiência médica, de estabilidade da situação segundo critérios de normalidade, não há diferença material entre a pretensão de que ocorreu agravamento da incapacidade [artigo 3.º, n.º 1, alínea p) do Decreto-Lei n.º 503/99] ou de que ocorreu recidiva [artigo 3.º, n.º 1, alínea o) do mesmo diploma], entendido este conceito no acórdão recorrido como abrangendo as situações em que o trabalhador, inicialmente considerado curado sem qualquer incapacidade, vem posteriormente a revelar a situação geradora da incapacidade, como sequência normal do tipo de cirurgia a que foi submetido. A diferença entre as duas situações consiste em que no “agravamento” há uma incapacidade funcional determinada à data da cura clínica que evolui desfavoravelmente enquanto na recidiva a limitação da capacidade funcional surge posteriormente à data da alta. Mas essa diferença é irrelevante na perspectiva do interesse da segurança jurídica prosseguido com o estabelecimento do prazo e não se vê em que se torne a segunda situação mais gravosa para o sinistrado do que a primeira. Em qualquer dos casos o que se exige é que situação que justifica a revisão ocorra dentro de 10 anos e, portanto, que o trabalhador a detecte e accione os meios correspondentes a fazê-la reconhecer dentro desse prazo. Afigura-se que para o sinistrado identificar o agravamento da lesão antiga ou o (re)surgimento dela após a alta e fazer reconhecer uma e outra situação apresentam grau idêntico de dificuldade semelhante.
E também não é de molde a justificar diverso juízo sobre a proporcionalidade do prazo a diferença quanto ao modo de contagem; no regime geral (acidentes de trabalho), a contar da fixação originária da pensão; no regime do direito público (acidentes em serviço), a contar da data da alta.
Esta diversidade, que pode explicar-se pelo diferente regime procedimental de determinação das consequências do acidente (cfr. artigos 20.º, 21.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 503/99), não afecta a razoabilidade do prazo de 10 anos, suficientemente longo, para tornar tais diferenças irrelevantes.
Ora, como se disse no Acórdão n.º 612/2008:
“O ponto é que o legislador dispõe de alguma margem de livre conformação na concretização do direito à justa reparação por acidentes de trabalho e doenças profissionais constitucionalmente consagrado. Pelo que a questão que poderá colocar-se, para além das já analisadas, é a de saber se a fixação de um prazo de dez anos para a admissibilidade da revisão – que, como se viu, tanto é aplicável aos pensões por acidente de trabalho como às pensões por doença profissional não evolutiva –, é susceptível de violar o próprio direito constitucional previsto no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Lei Fundamental.
Assentando na ideia, que já antes se aflorou, de que o direito à justa reparação por acidentes de trabalho apresenta natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, a fixação de um prazo para a revisão da pensão, nos termos previstos na n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, configura um mero requisito relativo ao modo de exercício do direito.
E como tem sido sublinhado pelo Tribunal Constitucional, «[s]ó as normas restritivas dos direitos fundamentais (normas que encurtam o seu conteúdo e alcance) e não meramente condicionadoras (as que se limitam a definir pressupostos ou condições do seu exercício) têm que responder ao conjunto de exigências e cautelas consignado no artigo 18º, nºs 2 e 3, da Lei Fundamental». Para que um condicionamento ao exercício de um direito possa redundar efectivamente numa restrição torna-se necessário que ele possa dificultar gravemente o exercício concreto do direito em causa (acórdão n.ºs 413/89, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Setembro de 1989, cuja doutrina foi reafirmada, designadamente, no acórdão n.º 247/02).
Ora, no caso concreto, a lei fixa um prazo suficientemente dilatado, que, segundo a normalidade das coisas, permitirá considerar como consolidado o juízo sobre o grau de desvalorização funcional do sinistrado, e que, além do mais, se mostra justificado por razões de segurança jurídica, tendo em conta que estamos na presença de um processo especial de efectivação de responsabilidade civil dotado de especiais exigências na protecção dos trabalhadores sinistrados.
E, nesse condicionalismo, é de entender que essa exigência se não mostra excessiva ou intolerável em termos de poder considerar-se que afronta o princípio da proporcionalidade.”
Não há, pois, motivo para manter o julgado de inconstitucionalidade formulado pelo acórdão recorrido, que assenta em jurisprudência do Tribunal Constitucional que não é inteiramente transponível para o caso dos autos. Efectivamente, não ocorreu, neste caso, qualquer actualização intercalar do grau de incapacidade, nem se verifica qualquer circunstância que afaste, de modo irrecusável, a presunção de estabilização da situação clínica. Pelo que a norma do n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, interpretada no sentido de que se considera caducado o direito de pedir o reconhecimento de recidiva ocorrida mais de 10 anos contados da data da alta, quando o sinistrado tenha sido considerado curado das lesões sofridas sem que das mesmas tenha resultado qualquer incapacidade funcional e não tenha ocorrido actualização intercalar do grau de incapacidade dentro do mesmo prazo, nem qualquer circunstância que afaste de modo irrecusável a presunção de estabilização da situação clínica, não viola a alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição.
III – Decisão
Pelo exposto, concedendo provimento ao recurso, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, interpretada no sentido de que se considera caducado o direito de pedir o reconhecimento de recidiva ocorrida mais de 10 anos contados da data da alta, quando o sinistrado tenha sido considerado curado das lesões sofridas sem que das mesmas tenha resultado qualquer incapacidade funcional e não tenha ocorrido actualização intercalar do grau de incapacidade dentro do mesmo prazo;
b) Determinar a reforma da decisão recorrida, em conformidade com o agora decidido quanto à questão de constitucionalidade;
c) Sem custas.
Lisboa, 29 de Junho de 2010. – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilhe – Ana Maria Guerra Martins (com declaração anexa) – Gil Galvão.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não estou de acordo que a situação subjacente ao caso em apreço possa ser equiparada à que estava em causa no acórdão nº 612/08, não podendo, pois, aplicar-se aqui a jurisprudência então consagrada. – Ana Maria Guerra Martins.