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Processo n.º 221/2010
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
***
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A.,
SA reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da
Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC),
do despacho do relator naquele Tribunal que não admitiu, por inobservância do
ónus de suscitação, o recurso por si interposto para este Tribunal
Constitucional.
Alega, no essencial, que o recurso para o Tribunal Constitucional é sempre
possível nos casos, como o vertente, «em que o próprio Acórdão do STJ tenha, ele
próprio, aplicado uma norma inconstitucional (…) ou ilegal (…) e quando hajam
decisões surpresa».
O Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional pronunciou-se no
sentido de que, efectivamente, não foi suscitada, no momento processual adequado
(alegações do recurso de revista para o STJ), a questão da inconstitucionalidade
que fundamenta o recurso de fiscalização da constitucionalidade interposto pela
ora reclamante (ou qualquer outra), pelo que, por não verificação de um dos
requisitos de admissibilidade do recurso, é do parecer que deve ser inferida a
reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
2. É ponto assente, e a própria reclamante o reconhece, que não foi previamente
suscitada junto do tribunal recorrido qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa, designadamente a que constitui fundamento do recurso por si
interposto para este Tribunal Constitucional.
A única questão que importa, pois, analisar é a de saber se era processualmente
exigível ao recorrente/reclamante que o fizesse, à luz do que dispõe o artigo
72º, nº 2, da LTC, ou se poderá estar em causa uma decisão surpresa que tornasse
dispensável o cumprimento desse especial ónus de suscitação.
O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade que o ora reclamante
pretende ver admitido tem por objecto as normas dos artigos 672º, 677º e 700º,
n.º 3, 668º e 669º, n.º 1, do CPC e fundamento a violação dos artigos 20º e 62º
da Constituição da República Portuguesa (CRP).
O referido artigo 668º do CPC reporta-se às «causas de nulidade da sentença».
E, um dos fundamentos invocados no recurso de revista interposto pela ora
reclamante junto do STJ foi, precisamente, a nulidade do acórdão proferido pelo
Tribunal da Relação de Lisboa, por alegada omissão de pronúncia e contradição
entre os fundamentos e a decisão, como previsto pelo invocado artigo 668º do CPC
(cf. conclusões 1ª, 3ª e 4ª).
Teve, pois, a recorrente oportunidade processual de questionar a
constitucionalidade deste normativo legal em sede de alegações de recurso, sendo
certo que o STJ se limitou a apreciar a verificação, no caso concreto, da
arguida nulidade, à luz do mesmo, sem adoptar qualquer específica e imprevisível
tese interpretativa.
Regula, por seu lado, o artigo 669º do CPC matéria atinente ao «esclarecimento
ou reforma da sentença».
Sucede que nunca a recorrente havia antes suscitado sequer a aplicação deste
normativo legal, deduzindo pretensão subsumível ao seu âmbito de previsão, não
constando do acórdão recorrido qualquer referência, expressa ou implícita, ao
artigo 669º do CPC ou à matéria por esta regulada, nem no sentido da sua
aplicação, nem no sentido da sua rejeição.
Assim sendo, é evidente, que, nesta parte, não houve, desde logo, efectiva
aplicação, pelo tribunal recorrido, da norma cuja constitucionalidade pretende a
reclamante suscitar, pelo que, em bom rigor, não foi proferida qualquer decisão,
muito menos «surpresa», que a tenha por fundamento.
Uma resposta negativa impõe-se igualmente em relação às questionadas normas dos
artigos 672º, 677º e 700º, n.º 3, do CPC.
Uma das questões suscitadas no recurso de revista interposto, pela ora
reclamante, junto do STJ prendeu-se com a admissibilidade legal da junção de
determinados documentos com as alegações de recurso da apelação antes
apresentadas, pela mesma, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, os quais
haviam sido mandados desentranhar, por despacho interlocutório proferido, nesta
última instância, pelo relator.
Entendeu o STJ que, não tendo a recorrente impugnado o teor do referido
despacho, suscitando a sua reapreciação em sede de conferência, nos termos do
disposto no artigo 700º, n.º 3, do CPC, o mesmo transitou em julgado, formando
caso julgado formal, nos termos dos artigos 672º e 677º do mesmo código.
Ora, se é certo que as citadas normas legais foram aplicadas pela primeira vez
no acórdão recorrido, não é verdade que fosse inesperada ou imprevisível a sua
aplicação ao caso concreto.
Com efeito, era obrigação do recorrente saber que os despachos não impugnados
pelo modo processualmente previsto transitam em julgado, formando caso julgado
formal; e isto mesmo decidiu o acórdão recorrido, no que respeita à enunciada
questão, aplicando linearmente o direito adjectivo ao caso vertente.
Era, pois, claramente expectável que o tribunal recorrido viesse a decidir como
decidiu, sendo certo que não está em causa questão nova, nem na perspectiva do
seu conteúdo, nem na perspectiva do seu enquadramento jurídico-processual mas,
ao invés, simples aplicação de normas adjectivas, no seu vulgar sentido
normativo, a um caso concreto sem quaisquer cambiantes processuais.
Ora, não se descortinando no acórdão recorrido qualquer traço de inesperada
novidade decisória que cause ao recorrente legítima surpresa, também no que
respeita à interpretação/aplicação das citadas normas legais, é evidente que
sobre o mesmo recaía o ónus de suscitar, em momento processual prévio, a questão
de constitucionalidade que ora pretende ver apreciada, como expressamente
imposto pelo n.º 2 do artigo 77º da LTC.
Não o tendo feito, como lhe competia, não está o recurso por si interposto junto
deste Tribunal Constitucional em condições processuais de prosseguir para a
apreciação de mérito, como decidido pelo tribunal recorrido.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20UC.
Lisboa, 28 de Abril de 2010
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão