Imprimir acórdão
Processo n.º 454/10
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), em que é recorrente A., Lda. e recorrida a Fazenda Pública, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 14 de Abril de 2010.
2. Em 13 de Julho de 2010, foi proferida a Decisão Sumária n.º 330/10, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, pela qual se entendeu não tomar conhecimento do objecto do recurso, com o seguinte fundamento:
«A recorrente requer a apreciação da “norma constante do artº 12º da Lei nº 15/2001, de 5/06, na interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida, em conjugação com o disposto no artº 4º do Dec Lei n°433/99, de 26/10, artº 2º da Lei nº 15/2001, de 5/06 e o nº 1, do artº 12º do Código Civil”.
Um dos requisitos do recurso interposto é a suscitação prévia, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, da questão de inconstitucionalidade normativa cuja apreciação é requerida (artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC). Este requisito não se pode dar como verificado, o que obsta ao conhecimento do objecto do recurso.
Na peça processual indicada em cumprimento do disposto na parte final do nº 2 do artigo 75º-A da LTC não foi questionada, de todo, a constitucionalidade de determinada interpretação normativa do artigo 12º da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, em conjugação com o disposto nos artigos 4º do Decreto-Lei nº 433/99, de 26 de Outubro, 2º da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho e 12º, nº 1, do Código Civil.
Quando recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, a recorrente questionou a constitucionalidade da decisão judicial que aplicou, no caso, o artigo 12º da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, sustentando expressamente que, ao proferir o despacho recorrendo o Tribunal a quo tinha violado o direito à tutela jurisdicional efectiva (artigos 17º, 18º, 20º e 268º, nº 4, da Constituição). Além de ter violado o próprio artigo 12º, o que é significativo de que, afinal, não estava a ser questionada a constitucionalidade de norma desta disposição legal.
Não se podendo dar como verificado o mencionado requisito, o Tribunal não pode tomar conhecimento do objecto do recurso, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC)».
3. Notificada desta decisão, a recorrente vem agora reclamar para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, nos seguintes termos:
«3 - A questão da inconstitucionalidade que se pretende ver apreciada nos presentes autos foi suscitada nos mesmos, de forma que nos permite concluir que se encontra verificado, no caso concreto, o requisito a que alude, o artº 70º, nº 1, alínea a), da LTC».
Com efeito,
4 – No requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, ao suscitar a questão da inconstitucionalidade, a recorrente afirmou:
“(…)
Ainda que não se entendesse que a não revogação expressa do artº 4º do Dec. Lei nº 433/99, de 26/10 conduz à necessária conclusão da tempestividade do recurso, por força da aplicação aos autos do CPT, a aplicação que o Tribunal a quo faz do artº 12º, da Lei nº 15/2001, de 5/06, que conduz à defesa da aplicação aos presentes autos do CPPT, sempre seria inadmissível, por inconstitucional.
Pois,
O Tribunal a quo interpretou e aplicou a referida norma no sentido de que aos presentes autos se aplica o CPPT, e não o CPT, sem qualquer limitação. A aplicação do artº 12º, da Lei nº 15/2001, de 5/06, não pode ser efectuada com prejuízo para os direitos dos cidadãos legalmente consagrados e constitucionalmente protegidos.
Ora,
A consequência directa e necessária de tal interpretação e aplicação da norma, implica a violação das garantias constitucionalmente consagradas, nomeadamente sob o nº 4, do artº 268º, da CRP, do direito à tutela jurisdicional efectiva, na medida em que o prazo de interposição do recurso de revisão foi reduzido no CPPT, relativamente ao que se encontra fixado no CPT.
O direito à tutela jurisdicional é aqui concretizado, sendo decorrência da sua consagração genérica no âmbito do artº 20º da CRP.
Ao reduzir o prazo de reacção jurisdicional da recorrente, o Tribunal a quo está a violar expressamente o direito constitucionalmente consagrado naquela norma da CRP.
O disposto no nº 4 do artº 268º da CRP obsta à limitação da tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos administrados, situação que no caso concreto se verificaria por redução do prazo de recurso.
Pois,
O nº 4, do artº 268º da CRP não consagra uma mera garantia institucional, mas antes um direito-garantia, o qual radica na esfera subjectiva daqueles no interesse dos quais é imposto. Encontra-se aqui consagrado um direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, gozando do regime específico de protecção aplicável às situações jurídicas dessa natureza, consagrado, nomeadamente, sob os artºs 17º e 18º da CRP.
Pelo que,
Ao proferir o despacho recorrendo, o Tribunal a quo pôs em causa o direito da recorrente a tutela jurisdicional efectiva, o qual se encontra constitucionalmente consagrado.”
5 – Do que antecede resulta como manifesto que a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos pela recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto, no artº 70º, nº 1, alínea a), da LTC, ao contrário do que foi decidido pelo Venerando Juiz Relator, nos termos da decisão de que ora se reclama.
E,
6 – Se dúvidas houvesse sobre a verificação deste requisito de que depende o conhecimento do recurso, as mesmas seriam dissipadas ao analisarmos a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, sobre o recurso interposto pela recorrente, já que o STA conheceu da questão da inconstitucionalidade suscitada pela recorrente, tendo tomado posição sobre a mesma.
Ora,
7 – O STA apenas se pronunciou sobre tal questão porque ela foi efectivamente suscitada pela recorrente, já que não se trata de matéria de conhecimento oficioso!
Com efeito,
8 – A fls... da decisão proferida pelo STA pode ler-se:
“Tal interpretação não implica a violação de qualquer garantia constitucionalmente consagrada, nomeadamente a prevista no nº 4 do artigo 268º da CRP (...).
(...)
Dai que não se verifique, pois, a aludida inconstitucionalidade.”
Assim, face a tudo o que antecede,
9 – A presente reclamação deve ser atendida»
4. Notificada, a recorrida respondeu nos termos seguintes:
«E - Salvo melhor opinião, não parece que a reclamante demonstre na presente reclamação que tenha suscitado prévia e devidamente tal questão;
Assim,
F - A mera menção da interpretação normativa alegadamente adoptada pelo tribunal recorrido não é considerada, pela jurisprudência constante do TC, como suficiente para cumprir a exigência legal de identificação da norma ou interpretação normativa que corporiza o objecto de um recurso.
G - Nos termos do nº 1 do artigo 277º da CRP, os tribunais (e o próprio TC) só podem fiscalizar a constitucionalidade de normas jurídicas, mas não já das decisões jurisdicionais, enquanto tal.
Daqui decorre, que a inconstitucionalidade de uma decisão judicial não poderá ser objecto de recurso nos presentes termos.
H - Salvo melhor opinião, no recurso para o STA, verdadeiramente, o que a recorrente invoca é a inconstitucionalidade da decisão de primeira instância, consequência da aplicação da norma do artº 12º da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, e não a interpretação desta norma, per si.
I - O que se demonstra pelo facto da recorrente invocar a violação do próprio artº 12º da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, assim como “..ao proferir o despacho recorrendo o Tribunal a quo tinha violado o direito à tutela jurisdicional efectiva….”
J - Mais, a recorrente não indicou perante o STA quais as interpretações reputadas inconstitucionais em relação ao artigo objecto do recurso».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos decidiu-se não tomar conhecimento do objecto do recurso por «não se poder dar como verificado o requisito da suscitação prévia, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, da questão de inconstitucionalidade normativa cuja apreciação foi requerida» (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC).
A reclamante sustenta que suscitou previamente a questão de inconstitucionalidade, transcrevendo parte do recurso por si interposto para o Supremo Tribunal Administrativo. Por outro lado, afirma que o Supremo Tribunal Administrativo apenas se pronunciou sobre a questão de inconstitucionalidade porque ela foi efectivamente suscitada pela recorrente.
Na decisão reclamada foi já considerada a passagem da peça processual cujo excerto a reclamante agora transcreve, para averiguar do cumprimento do ónus da suscitação prévia da questão de constitucionalidade. Concluiu-se, como agora se conclui pela sua mera leitura, que não foi ali suscitada nenhuma questão de inconstitucionalidade quanto a “norma constante do artigo 12.º da Lei n.º 15/01, de 5 de Junho (...), em conjugação com o disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, artigo 2.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho e o n.º 1, do artigo 12.º do Código Civil”. Sendo certo que foi assim definido, na peça processual pertinente – o requerimento de interposição de recurso –, o objecto do presente recurso.
Por outro lado, independentemente da questão de saber se a decisão do Supremo Tribunal Administrativo apreciou a questão de inconstitucionalidade posta no requerimento de interposição de recurso, o certo é que tal circunstância sempre se revelaria de todo irrelevante. O requisito em falta tem a ver com a legitimidade para recorrer, ou seja, a via do recurso de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional só se abre se o recorrente suscitar durante o processo e de forma adequada uma questão de inconstitucionalidade normativa (assim, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 76/2010 e 219/2010, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Sendo certo que, diferentemente do Tribunal Constitucional, que aprecia e decide questões de inconstitucionalidade normativa, os tribunais de instância têm de se pronunciar quando seja questionada a constitucionalidade de uma decisão judicial.
Importa, pois, concluir pelo indeferimento da presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 22 de Setembro de 2010.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.