Imprimir acórdão
Processo n.º 537/09
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I. Relatório1. A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC),
inconformado com o acórdão proferido na Relação de Coimbra em 26 de Maio de 2009
pelo qual improcedeu o recurso interposto de decisão do Tribunal de Execução de
Penas de Coimbra que indeferira o pedido de lhe ser descontado 1 ano e 9 dias na
pena de prisão que actualmente cumpre, por corresponder ao tempo em que esteve
em liberdade condicional.O requerimento de interposição do recurso circunscreve
o seu objecto ao seguinte: '[...] as normas cuja inconstitucionalidade se
pretende que o Tribunal aprecie são as constantes dos artigos 61.º, nº 5, 61.º,
nº 1, art. 64º, nº 2, art. 53.º e 54.º – todos do Código Penal – interpretados
no sentido de que o tempo que o arguido passou em liberdade condicional sem
cometer qualquer crime não deve ser considerado tempo de prisão e como tal
descontado no tempo de prisão que ao arguido falta cumprir em virtude da
revogação da liberdade condicional, violando o direito fundamental à liberdade,
previsto no texto constitucional no seu art. 27º. [...]' Recebido o recurso,
alegou o recorrente: 1. A. foi condenado no processo n.º 186/00, em cúmulo
jurídico, a uma pena unitária de 25 anos de prisão. 2. Anteriormente a esta
condenação, o arguido foi julgado e condenado a uma pena de prisão de 4 anos e 6
meses por tráfico de estupefacientes, 3. Pena esta que não foi inserida no
cúmulo jurídico do processo supra referido, atenta a data dos factos e o
respectivo cumprimento. 4. O arguido, porém, cumpriu 2 anos, 8 meses e 6 dias
desta pena, antes de lhe ter sido concedida a liberdade condicional, nos termos
do art. 61º do Código Penal (CP). 5. Em virtude de novos factos cometidos pelo
arguido (a partir de Janeiro de 2000), durante o cumprimento da liberdade
condicional, decidiu o douto Tribunal revogar a mesma por sentença de 18 de
Junho de 2002 e 6. Condenar o arguido no cumprimento da pena de prisão que lhe
faltava quando saiu em liberdade condicional, isto é, 1 ano, 9 meses e 24 dias
de prisão, 7. O que veio efectivamente a acontecer. 8. Ora, segue o arguido o
entendimento da ilustre Professora Universitária e, agora, Juíza Conselheira do
Tribunal Constitucional, Maria João Antunes, segundo o qual a liberdade
condicional é um incidente da execução da pena de prisão, como esta
expressamente refere nas Consequências Jurídicas do Crime – Notas complementares
para a cadeira de Direito e Processo Penal da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra: “A revogação da liberdade condicional determina a
execução da pena de prisão ainda não cumprida (...). Para determinar a pena
ainda não cumprida deve deduzir-se ao quantum da condenação o tempo de pena de
prisão já cumprido e o período em que o condenado esteve em liberdade
condicional. A dedução desse período é imposta pela natureza jurídica do
instituto da liberdade condicional – incidente da execução da pena de prisão”,9.
A ser assim, como, salvo melhor opinião, entendemos que é, o tempo de liberdade
condicional conta como tempo de pena de prisão, 10. razão, aliás, pela qual, com
reforma legislativa de 2005, a liberdade condicional não pode, hoje, ultrapassar
o tempo de prisão que ao condenado falta cumprir (art. 61.º, nº 5 do C.P) e 11.
depende do consentimento do condenado, que tem sempre, no entendimento
propugnado pelo insigne Professor Figueiredo Dias, direito à sua pena (art.
61.º, nº 1 do CP). 12. Destarte, se o instituto da liberdade condicional deve
ser visto como um incidente da pena de prisão, como alerta a ilustre professora
a posição por nós sufragada nesta matéria resulta da própria natureza jurídica
do instituto. 13. Sustenta ainda o Acórdão nº 477/07 do Tribunal Constitucional,
proferido em 25.09.2007, que “o instituto da liberdade condicional destina-se a
proporcionar uma cautelosa fase de transição entre uma longa prisão e a plena
liberdade, mas sem que o Estado largue inteiramente mão do condenado, o que pode
representar para este, em vez de benefício, um pesado e duradouro encargo
(...)”14. Ora, constituindo o instituto da liberdade condicional “uma
modificação substancial da condenação”, nas palavras de Figueiredo Dias, mas
ainda assim, cremos, “parte integrante” desta, este instituto só pode ser
entendido como um incidente da execução da pena de prisão e, como tal, 15. deve
relevar para efeitos do que se deva entender por “pena de prisão ainda não
cumprida”. 16. Pelo exposto, é entendimento do signatário que uma vez revogada a
liberdade condicional, A., não teria de cumprir 1 ano, 9 meses e 24 dias (o que
a acrescer aos 2 anos, 8 meses e 6 dias já cumpridos perfaz a pena de 4 anos e
meses a que foi condenado), 17. Mas tão só 9 meses e 15 dias, descontado o tempo
que cumpriu em liberdade condicional e durante o qual não cometeu qualquer
crime. 18. Assim sendo, o tempo que cumpriu indevidamente na prisão (1 ano e 9
dias), deve agora ser descontado nesta nova pena que se encontra a cumprir. 19.
Entendimento diferente daquele que aqui perfilhamos, leva-nos a concluir pela
inconstitucionalidade do segmento normativo resultante das normas contidas nos
artigos 61.º, nº 5, 1.º, nº 1, art. 4º, nº 2, art. 53.º e 54.º – todos do Código
Penal – interpretados no sentido de que o tempo que o arguido passou em
liberdade condicional, sem cometer qualquer crime, não deve ser considerado para
efeitos do tempo de prisão e como tal descontado na pena de prisão que ao
arguido falta cumprir em virtude da revogação da liberdade condicional,
violando-se assim o direito fundamental liberdade, previsto no texto
constitucional no seu art. 27º. Nestes termos e nos melhores de Direito que V.
Exas. entendam dever tomar em consideração, deve o presente recurso ser julgado
procedente e ser declarado inconstitucional o segmento normativo que resulta das
normas contidas nos artigos 81.º n.º 5, 61.º n.º 1, 64.º n.º 2, e 54.º – todos
do Código Penal – interpretadas no sentido de que o tempo que o arguido cumpriu
em liberdade condicional, sem cometer qualquer crime, não deve ser considerado
para efeitos do tempo de prisão e, como tal, descontado na pena de prisão que ao
arguido falta cumprir em virtude da revogação da liberdade condicional, por tal
interpretação violar o art. 27.º da Constituição da República Portuguesa.
Contra-alegou o representante do Ministério Público neste Tribunal, sustentando,
em conclusão: 1. Porque não é uma forma adequada de suscitar uma questão de
inconstitucionalidade, dizer-se que “outro entendimento” é inconstitucional, sem
nunca sequer se ter identificado expressa e inequivocamente qual a interpretação
correcta e qual a inconstitucional, não deverá conhecer-se do recurso. 2. A
liberdade condicional constitui um incidente de execução da pena de prisão e a
sua concessão exige que se verifique “um juízo de prognose favorável” sobre o
comportamento futuro, em liberdade, do condenado. 3. Constituindo a revogação da
liberdade condicional a última ratio de reacção ao incumprimento, ela significa
o falhanço daquela prognose, implicando que a situação seja reposta como se não
tivesse havido concessão, exigência essa que decorre, em última análise, do
respeito pela decisão condenatória. 4. Neste contexto, a irrelevância que tem,
para efeitos de determinar a pena não cumprida, o período de tempo que o
condenado esteve em liberdade condicional, não viola o artigo 27.º da
Constituição, não sendo, pois, a norma que constitui objecto do recurso,
inconstitucional. 5. Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso.
II. Fundamentos2. Na sua alegação, o representante do Ministério Público
começou por levantar um obstáculo ao conhecimento do recurso; em seu entender,
não teria sido adequadamente suscitada a questão de inconstitucionalidade que
constitui o objecto desta pretensão. A questão prende-se com um dos requisitos
de cuja verificação a lei faz depender a admissibilidade do recurso previsto na
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC. Exige, com efeito, o n.º 2 do artigo
72º LTC que tais recursos 'só podem' ser interpostos pela parte que haja
suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer. Em jurisprudência constante, o Tribunal tem entendido
esta exigência no sentido de o recorrente estar obrigado a identificar com o
necessário rigor uma determinada questão de inconstitucionalidade normativa, por
forma a que o tribunal comum dela possa conhecer. E, salientando-se a
circunstância de, em fiscalização concreta, o Tribunal ter apenas competência
para sindicar normas jurídicas aplicadas nas decisões dos tribunais e não as
próprias decisões desses tribunais, tem-se entendido que não pode haver-se como
suscitação adequada aquela que não corresponda a uma enunciação normativa, mas à
mera indicação de um sentido genérico não coincidente ao que é defendido pelo
interessado, a qual, obviamente, não habilita o tribunal a extrair o sentido
preciso da norma que seria inconstitucional. A necessidade de individualização
do segmento normativo, ou de enunciação do sentido ou interpretação normativa
que o recorrente reputa inconstitucional torna-se evidente quando o preceito em
causa se reveste de várias dimensões ou sentidos interpretativos, susceptíveis
de suscitar questões de constitucionalidade diversas, eventualmente passíveis de
tratamento autónomo (caso dos Acórdãos n.ºs 116/2002, 21/2006, 450/2006,
578/2007 e 131/2008). Compreende-se, por isso, que o ónus de suscitação de forma
clara e precisa da questão de constitucionalidade se não basta com uma afirmação
genérica de que uma “diferente interpretação” normativa será violadora da
Constituição (Acórdãos n.ºs 376/2006 e 141/2008), que não revela de forma clara
e perceptível o exacto sentido normativo considerado inconstitucional (acórdãos
n.ºs 21/2006, 126/2007, 50/2008, 476/2008, 16/2009), por não identificarem
“positiva e expressamente” o preciso sentido normativo que, na perspectiva do
recorrente, padece de inconstitucionalidade (Acórdão n.º 244/2007).No presente
caso, porém, há que reconhecer que, na sua alegação, o recorrente identificou
com suficiente clareza a questão normativa perante o tribunal comum, por forma
que este não teve dificuldade em a identificar e em a decidir. E, isto, porque,
circunscrevendo a questão a apenas duas soluções possíveis retiradas da mesma
norma, o recorrente identificou perfeitamente uma delas, e acusou a restante
('outro entendimento') de enfermar de inconstitucionalidade. Ficou, assim,
identificada a questão de inconstitucionalidade normativa, com menção dos
preceitos legais de onde é retirada a norma, o que inequivocamente habilita 'os
operadores do direito [...] a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com
que o preceito em causa não deve ser aplicado por, desse modo, afrontar a
Constituição.' Não há, pois, razões que obstem ao conhecimento do objecto do
recurso. 3. Impõe-se agora precisar o objecto do presente recurso, uma vez que o
recorrente interpôs recurso da decisão concluindo pela inconstitucionalidade do
segmento normativo resultante das normas contidas nos artigos 61.º, nº 5, 61.º,
nº 1, artigo 64º, nº 2, artigo 53.º e 54.º, todos do Código Penal, interpretados
no sentido de que o tempo que o arguido passou em liberdade condicional sem
cometer qualquer crime não deve ser considerado tempo de prisão e como tal
descontado no tempo de prisão que ao condenado falta cumprir em virtude da
revogação da liberdade condicional, violando o direito à liberdade, previsto no
texto constitucional no seu artigo 27.º.Conforme jurisprudência consolidada
neste Tribunal, apenas pode conhecer-se das normas que hajam sido efectivamente
aplicadas por parte do tribunal a quo. Decidiu-se, na decisão da Relação de
Coimbra, o seguinte: [...] Face ao conteúdo das conclusões a questão que importa
decidir consiste em saber se, havendo revogação da liberdade condicional, o
período em que o arguido esteve em liberdade condicional deve ou não deduzir-se
ao cumprimento da pena de prisão. Como é sabido a concessão da Liberdade
Condicional assenta num juízo de prognose, decorrente da análise de vida
anterior do arguido, da sua personalidade, a evolução da mesma no decurso da
execução da pena de prisão, de tal modo que possibilite concluir que o arguido,
em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer
crimes, sendo que a execução da pena de prisão, se deve orientar no sentido da
reintegração social do recluso (artigos 61.º e 42º, do CP). Medida de excepção
no cumprimento da pena, a Liberdade Condicional visa a suspensão da reclusão,
por forma a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, assim
permitindo que o recluso ganhe o sentido de orientação social que,
necessariamente, o período de encarceramento enfraqueceu. Implica pois, toda uma
simultaneidade de circunstancialismos, necessariamente verificáveis, e que são,
no fundo, o alcance da finalidade da execução da própria pena, ou seja, esta,
por si própria, terá de revelar a capacidade ressocializadora do sistema, com
vista a prevenir a prática de futuros crimes (cfr. artº 61.º a 63.º CP). E uma
vez concedida, nos termos do artº 57.º CP, aplicável por força do artº 64º nº 1
CP, a pena é considerada extinta, se não for revogada. Quer dizer o arguido
cumpriu a parte final da sua pena mediante a forma de liberdade condicional.
Tendo essa liberdade condicionada sido revogada, determina, segundo o artº 64º
nº 2 CP “a execução da pena de prisão ainda não cumprida”.Ora essa pena de
prisão é justamente aquele remanescente que lhe faltava cumprir aquando da
concessão da liberdade condicional, que o arguido, mercê da revogação demonstrou
não ser da mesma merecedor. Daí que o legislador tenha entendido que nesses
casos, a consequência será o cumprimento da prisão não cumprida. Acresce que se
o legislador entendesse que o período durante o qual o arguido beneficiou da
liberdade condicional até esta lhe ser revogada, fosse descontado no cumprimento
da pena de prisão aplicada, tê-lo-ia deixado consagrado, como o fez no artº 80.º
nº 1 CP, relativamente à detenção, prisão preventiva e obrigação de permanência
na habitação. Como se escreveu no AcTC nº 477/07 de 07.09.251 “O condenado, ao
infringir os deveres de comportamento resultantes de se encontrar em liberdade
condicional, sabe que esta medida poderá ser revogada, pelo que não lhe assiste
qualquer expectativa tutelada de que já não terá que cumprir a parte da pena
privativa de liberdade não executada.”. Assim, não se prevendo expressamente tal
desconto de tempo, bem andou a Mmª juiz ao indeferir a pretensão do arguido, por
falta de fundamento legal. Esta interpretação não viola qualquer preceito
constitucional, designadamente o invocado 27º CRP.[...] Tal como a própria
decisão aqui recorrida deixa claramente transparecer, a questão colocada ao
tribunal recorrido traduz-se em saber se, uma vez revogada a liberdade
condicional concedida ao condenado, o tempo de prisão em falta é a totalidade
daquele que lhe faltava cumprir quando lhe foi concedida a liberdade condicional
– conforme decidira o Tribunal de Execução de Penas de Coimbra – ou se a esse
período se deve subtrair o tempo que o condenado passou em liberdade condicional
sem cometer qualquer crime – conforme pretendia o recorrente.A Relação decidiu a
questão pela forma que ficou descrita, isto é, socorreu-se unicamente da norma
do n.º 2 do artigo 64º do Código Penal para concluir que a 'pena de prisão é
justamente aquele remanescente que lhe faltava cumprir aquando da concessão da
liberdade condicional, que o condenado, mercê da revogação, demonstrou não ser
da mesma merecedor.' Daqui resulta que a ratio decidendi da decisão tomada
repousa unicamente na norma retirada n.º 2 do artigo 64º do Código Penal,
interpretada no sentido de que o tempo que o condenado cumpriu em liberdade
condicional não deve ser considerado para efeitos do tempo de prisão, nem
deduzido na pena de prisão que ao condenado falta cumprir em virtude da
revogação da liberdade condicional; não podem, por isso, integrar o objecto do
presente recurso as normas constantes dos artigos 81.º n.º 5, 61.º n.º 1, e 54.º
do Código Penal.Importa ainda fazer notar que ao Tribunal Constitucional não
cabe definir, nesta sua tarefa, qual seja o direito aplicável ou a sua “melhor”
interpretação; por essa razão, é de sublinhar que no objecto do recurso se não
inclui tomar posição sobre a querela doutrinária subjacente à solução concreta
do caso, mas tão somente verificar se a norma acima identificada, ou seja a que
foi efectivamente aplicada, ofende a Constituição, designadamente o seu artigo
27º conforme o recorrente sustenta. 4. Apura-se que no Tribunal de Execução de
Penas de Coimbra, por apenso aos autos de Processo Gracioso de Liberdade
Condicional n.º 894/01, foi instaurado o processo complementar de revogação de
liberdade condicional, tendo sido decidido, por sentença de 18 de Junho de 2002,
revogar a liberdade condicional a A.desde o dia 22 de Dezembro de 1998 até 16 de
Outubro de 2000, determinando que o mesmo cumpra a pena de prisão que lhe
faltava cumprir quando saiu em liberdade condicional no processo comum colectivo
n.º 85/96 do Tribunal de Círculo de Santa Maria da Feira.O condenado havia sido
libertado condicionalmente no dia 22 de Dezembro de 1998 pelo período decorrente
até 16 de Outubro de 2000, por decisão de 18 de Dezembro de 1998, quando cumpria
a pena de quatro anos e seis meses de prisão, imposta no Processo Comum
Colectivo n.º 85/96 do Tribunal de Círculo de Santa Maria da Feira, pela prática
do crime de tráfico de estupefacientes.Por factos cometidos em Janeiro de 2000,
enquanto gozava de liberdade condicional, integrantes dos crimes de homicídio e
roubo, veio a ser novamente condenado, no Processo n.º 36/00 do 1º Juízo
Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, na pena de vinte e quatro
anos de prisão.O interessado veio então solicitar que lhe fosse deduzido um ano
e nove dias na pena de prisão que se encontra a cumprir, ao invés de ter de
cumprir o remanescente na totalidade. Sustenta, na verdade, que cumpriu dois
anos, oito meses e seis dias da pena antes de lhe ser concedida a liberdade
condicional e apenas cometeu crimes em Janeiro de 2000, pelo que deve ser
deduzido o período que o condenado esteve em liberdade condicional sem que
cometesse crimes, concluindo que entendimento diferente do perfilhado implicaria
a inconstitucionalidade da norma penal por contrária ao artigo 27.º da
Constituição.Por despacho proferido em 1 de Outubro de 2008 foi decidido
indeferir o requerido por se haver entendido que se devia levar em conta o tempo
de prisão já cumprido e o período em que o condenado esteve em liberdade
condicional, na sua totalidade.Notificado de tal decisão, recorreu para a
Relação de Coimbra mantendo o entendimento de que lhe deveria ser deduzido um
ano e nove dias na pena de prisão que se encontra a cumprir, cumprindo nove
meses e quinze dias, ao invés de ter de cumprir o remanescente na totalidade,
por ter cumprido dois anos, oito meses e seis dias da pena antes de lhe ser
concedida a liberdade condicional e apenas ter cometido crimes em Janeiro de
2000, pelo que deve ser deduzido o período que o condenado esteve em liberdade
condicional sem que cometesse crimes. 5. Prevê o artigo 27.º da Constituição que
todos têm direito à liberdade e à segurança, com as excepções previstas no mesmo
artigo, uma das quais é a privação da liberdade em consequência de sentença
judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou
de aplicação judicial de medida de segurança.A liberdade que está em causa no
artigo 27.º é a liberdade física, liberdade de movimentos ou de locomoção,
também salvaguardada nos artigos 28.º e 31.º quanto à prisão preventiva e habeas
corpus, e tem sido entendida como o “direito a não ser detido, aprisionado, ou
de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço, ou impedido de
se movimentar” (Acórdãos n.ºs 479/1994, 436/2000 e 471/2001).A restrição à
liberdade pode resultar da privação total ou parcial da liberdade, a privação ou
mera restrição da liberdade, seja por confinamento coactivo a um espaço
relativamente limitado seja pelo impedimento de deslocação da pessoa de ou para
lugar que lhe seria jurídica e facticamente acessível. Assim, a distinção entre
privação total de liberdade e a privação parcial só tem relevo constitucional na
medida em que a diferente gravidade das mesmas deve ser levada em consideração
na sua justificação quanto ao princípio da proporcionalidade.A sentença
condenatória com trânsito em julgado é o meio constitucionalmente adequado e
legítimo para decidir a privação da liberdade de qualquer cidadão quando este
tenha praticado um acto previamente punido por lei com pena de prisão (Acórdão
n.º 1166/96).Em face deste princípio, há então que decidir se a restrição do
direito à liberdade, em situações como a retratada nos autos, se encontra ou não
autorizada pela Constituição, já que o direito à liberdade está sujeito às
regras do artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, só podendo ser estabelecidas restrições para
proteger outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devendo
limitar-se ao necessário para os proteger. 6. Em Portugal, a liberdade
condicional, com a designação de «liberdade preparatória» surge pela primeira
vez regulada no Projecto de Código Penal de 1861, muito influenciado pela
doutrina «correccionalista», que na modelação do seu aparelho punitivo adoptou
uma postura preventiva-especial, privilegiando o objectivo da correcção ou
emenda dos criminosos; no projecto de 1861, a liberdade condicional revestia a
natureza de um mecanismo de funcionamento normal, que representava a regeneração
dos criminosos ao nível da execução das penas (cf. artigo 157.º, e especialmente
a condição 5.ª: «Reintegração no estabelecimento, no caso de mau comportamento,
não se lhe levando em conta n’este caso, para o cumprimento da pena, o tempo que
tiver gosado da liberdade»).O Projecto de Código Penal de 1861, ainda que
reformulado em 1864, nunca entrou em vigor. Todavia, a doutrina nele contida
veio a integrar, com algumas alterações, o Decreto de 6 de Junho de 1893 (Dec.
1893) e o Regulamento de 16 de Novembro do mesmo ano (Reg. 1893), que
introduziram a liberdade condicional no ordenamento nacional. O regime definido
nos dois diplomas aproximava-se do padrão estabelecido à época na generalidade
dos países, sendo de salientar que, nos termos do artigo 8.º do Reg. 1893, o
prazo da liberdade condicional nunca ultrapassava o período de tempo de prisão
que faltava cumprir, e a aplicação do regime dependia do prévio consentimento do
condenado, que aceitava a concessão da liberdade preparatória com as condições
impostas. O instituto configurava-se como um incidente de execução da pena de
prisão.Enquanto modo de execução da pena de prisão, a liberdade condicional
encontrava-se também subordinada à exigência de conciliação dos vectores da
prevenção geral e especial com a retribuição, pelo retorno da Nova Reforma Penal
de 1884 aos princípios ético-retributivos, através da adesão expressa à chamada
teoria da reparação, que ia implicada na reacentuação de um direito penal do
facto, subordinado à regra da proporcionalidade com a culpa na determinação
quantitativa das sanções.Este regime manter-se-ia até à Reforma Prisional de
1936 (Decreto-Lei n.º 26 643, de 28 de Maio de 1936), que estabeleceu uma
profunda alteração de concepção e de regime da liberdade condicional. A
liberdade condicional, combinada com a adopção do chamado sistema progressivo ou
por períodos, assumia aí a natureza de um momento normal da execução da sanção.
Visava estabelecer uma fase de transição para a liberdade definitiva que, a um
tempo, mediante o adequado apoio aos condenados facilitasse a sua reintegração
social e, por outro lado, através da imposição de condições e de uma conveniente
vigilância possibilitasse a defesa da sociedade em face dos riscos de uma
eventual ‘recaída’. A regulamentação partia da distinção entre uma liberdade
condicional obrigatória e uma liberdade condicional facultativa, estando a
obrigatória prevista para determinados tipos de condenados.A liberdade
condicional, tal como prevista na Reforma de 1936, aplicável às duas espécies de
reacções criminais (penas e medidas de segurança), assumia uma natureza híbrida,
umas vezes com o carácter de incidente da execução da pena, outras vezes com a
natureza de uma verdadeira medida de segurança, sobretudo nos casos – ligados,
nomeadamente, à criminalidade especialmente perigosa – em que se tornava
possível a aplicação do instituto da liberdade condicional depois de ter sido
cumprida a totalidade da prisão a que o delinquente houvesse sido condenado.Nos
seus traços fundamentais, o regime disposto pela Reforma Prisional de 1936
permaneceu em vigor até ao ano de 1972, com duas importantes modificações: uma
resultante da criação dos Tribunais de Execução das Penas, através da Lei n.º
2000, de 16 de Maio de 1944, e do Decreto n.º 34 553, de 30 de Abril de 1945,
com a total jurisdicionalização das várias fases do processamento da justiça
penal e a atribuição a estes tribunais da competência para conceder, prorrogar e
revogar a liberdade condicional, quando a revogação não for de direito.A segunda
alteração foi introduzida pela Reforma Penal de 1954 (Decreto-Lei n.º 39 688, de
5 de Junho de 1954), inserindo, embora parcialmente, a regulamentação da
liberdade condicional no Código Penal de 1886 (artigo 120.º).O Decreto-Lei n.º
184/72, de 31 de Maio, tomou uma posição clara e inequívoca quanto à natureza
jurídica da liberdade condicional. No preâmbulo desse diploma afirma-se a
liberdade condicional consistia numa modificação da pena de prisão, fase final
da sua execução ou numa metamorfose final da pena de prisão; representando a
liberdade condicional uma simples modificação da última fase da pena de prisão,
aquela nunca deveria exceder a duração desta, para que não constitua um seu
eventual agravamento, como que tomando a natureza de medida de segurança. Deste
modo, a liberdade condicional assumia o carácter de mero incidente da execução
da pena privativa da liberdade, subordinada à regra da proporcionalidade em
relação à culpa, não podendo exceder em duração o lapso de tempo de prisão que
faltava cumprir ao condenado.A reforma operada em 1972 eliminou também a chamada
liberdade condicional obrigatória, passando a existir apenas uma liberdade
condicional facultativa, após o cumprimento de, pelo menos, metade da prisão
imposta na sentença e a orgânica dos tribunais de execução de penas foi alterada
pelo Decreto-Lei n.º 783/76 de 29 de Outubro, mantendo a competência destes para
conceder a liberdade condicional e decidir sobre a sua revogação.O regime da
liberdade condicional reconduziu-se, pois, ao longo da história, a um de dois
modelos fundamentais. Por um lado, tendencialmente relacionada com ideias de
raiz ético-retributiva e preventiva-geral, a concepção da liberdade condicional
como instituto de natureza graciosa e, por outro, o entendimento da figura nos
quadros da prevenção especial, elegendo como exclusivos referentes a
perigosidade do indivíduo e o objectivo da ressocialização.Tal instituto foi
acolhido pelo Código Penal de 1982, surgindo como uma das formas de combate ao
efeito criminógeno das penas detentivas procurando-se com o mesmo operar uma
transição entre o cumprimento da pena dentro da prisão e a vida em sociedade
após a libertação. Esta ideia ficou bem expressa na introdução ao mencionado
diploma (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro), onde se
escreveu: «Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de
clemência ou de recompensa por boa conduta, a liberdade condicional serve, na
política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de
transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa
equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido
por efeito da reclusão». O Código de 1982 previa duas modalidades de liberdade
condicional: a liberdade condicional obrigatória e a liberdade condicional
facultativa.Com a revisão do Código Penal operada em 1995 (Decreto-Lei n.º
48/95, de 15 de Março), o instituto da liberdade condicional, mantendo as duas
modalidades (facultativa ou obrigatória), afirmou o princípio de que, em
qualquer delas, a sua concessão depende sempre do consentimento do condenado,
afastando a ideia da socialização forçada ou coactiva e, por outro lado,
determinou que o seu tempo de duração não deve, em hipótese alguma, ultrapassar
o tempo de prisão que faltasse cumprir ao condenado.Com a revisão de 1995 ficou
claro que a liberdade condicional se trata de um incidente de execução da pena
de prisão que se justifica político-criminalmente à luz da finalidade
preventivo-especial de reintegração do agente na sociedade e do princípio da
necessidade de tutela dos bens jurídicos.Saliente-se que o Decreto-Lei n.º
48/95, de 15 de Março, que introduziu uma limitação à concessão da liberdade
condicional em atenção à natureza do crime e à medida da pena, tendo em vista
razões de prevenção geral positiva, manteve a liberdade condicional obrigatória
ou ope legis em todos os casos de condenação em pena determinada superior a 6
anos de prisão, logo que cumpridos cinco sextos da pena, independentemente do
tipo de crime em causa e da verificação de quaisquer requisitos de ordem
material, designadamente, não sendo necessário qualquer juízo de prognose
favorável quanto ao comportamento futuro do condenado.Para preencher lacuna até
então existente, as alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 48/95 incluíram a
introdução do regime da concessão da liberdade condicional em caso de execução
sucessiva de várias penas. A liberdade condicional denominada de «obrigatória»
visa criar uma fase de transição entre a prisão e a liberdade, destinada a
permitir ao condenado integrar-se de modo definitivo na comunidade após um
período de afastamento motivado pela prisão, tendo-se em conta que esse
afastamento da comunidade era particularmente prolongado no caso dos condenados
a pena de prisão superior a 6 anos. E visa, ao mesmo tempo, facilitar a
reintegração social do agente e bem assim permitir o exercício de um certo
controlo sobre a sua inicial inserção na comunidade.As mesmas razões justificam
a previsão da concessão da liberdade condicional obrigatória nos casos em que,
não se tratando de uma pena de prisão superior a 6 anos, se esteja perante uma
soma de penas que devam ser cumpridas sucessivamente e que exceda 6 anos de
prisão (situações de pluralidade de crimes praticados pelo mesmo agente que não
dão lugar à realização de cúmulo jurídico).As alterações entretanto introduzidas
pela revisão de 2007, levada a efeito pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro,
trouxeram a seguinte redacção ao artigo 64.º do Código Penal, que prescreve:“1 -
É correspondentemente aplicável à liberdade condicional o disposto no artigo
52.º, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 53.º, no artigo 54.º, nas alíneas a) a c) do
artigo 55.º, no n.º 1 do artigo 56.º e no artigo 57.º 2 - A revogação da
liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida.
3 - Relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a
concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º” A disciplina
relativa aos pressupostos e duração da liberdade condicional (pressupostos
formais e materiais) manteve o regime saído da revisão penal de 1995, apenas
acrescentando o segmento final do n.º 5 («considerando-se então extinto o
excedente da pena»), que não constitui mais que do que a concretização e
esclarecimento normativo específico sobre as consequências do cumprimento dos
tempos e das finalidades da liberdade condicional, mas que já se retirava da
remissão para o artigo 57.º, efectuada pelo artigo 64.º, n.º 1, do CP para
aquela norma.Mantém, assim, à liberdade condicional a natureza de incidente de
execução da pena de prisão, por a respectiva aplicação depender sempre do
consentimento do condenado (artigo 61.º, n.º 1, do CP), apenas assim se
afastando a crítica de, através da liberdade condicional se estar a permitir uma
socialização forçada ou coactiva; e por a sua duração não poder ultrapassar o
tempo de pena que ainda falta cumprir (artigo 61.º, n.º 5, do CP) – que se
justifica à luz da finalidade preventivo-especial de reintegração do agente na
sociedade e do princípio da necessidade de tutela de bens jurídicos (artigo 40.º
do CP). 7. O condenado em prisão superior a seis meses pode beneficiar da
liberdade condicional em três momentos do cumprimento da pena: a meio da pena, a
dois terços da pena ou a cinco sextos da pena, conforme os requisitos do artigo
61.º do Código Penal. A concessão da liberdade condicional, em todas as suas
vertentes, constitui uma medida de excepção, no cumprimento da pena, visando a
suspensão da reclusão, por forma a criar um período de transição entre a prisão
e a liberdade, assim permitindo que o recluso possa ganhar a orientação social
que, presumivelmente, o período de encarceramento enfraqueceu. Até à entrada em
vigor do actual Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade,
a concessão da liberdade condicional implicava pois, (com excepção da concedida
pelos 5/6 da pena, que é obrigatória), a ocorrência simultânea de circunstâncias
que traduzem, no fundo, a finalidade da execução da própria pena, e a capacidade
ressocializadora do sistema com vista a prevenir a prática de futuros crimes.
Tal instituto, assente num juízo de prognose, que permite antecipar, verificados
que se mostrassem os requisitos enunciados nos n.º 2 e 3 artigo 61° do Código
Penal, que o condenado, em liberdade, irá conduzir a sua vida de modo
socialmente responsável, sem cometer crimes. E ainda de considerar que, nos
termos do disposto no artigo 42° do mesmo diploma legal, a execução da pena de
prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de futuros crimes,
deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para
conduzir a sua vida de modo socialmente responsável. A aplicação da liberdade
condicional continuava a depender do consentimento do condenado, conforme dispõe
o n.º 1, do já citado artigo 61° do citado diploma. Quando atingidos os 5/6, em
penas de duração superior a seis anos, a concessão da liberdade condicional é
obrigatória, isto é resulta directamente da verificação de pressupostos formais
e não exige valoração judicial autónoma da existência de pressupostos materiais,
embora dependa sempre do consentimento do condenado. Assentando tal instituto na
ideia de que, cumprida que seja a sua pena, o recluso é obrigatoriamente
libertado, deve, então, preparar-se para a vida em liberdade, no momento em que
é ainda possível vigiar o seu comportamento e sedimentar as bases de uma
efectiva reintegração social. Por outro lado, constituindo a pena de prisão a
ultima ratio do sistema, preside à sua aplicação um juízo de adequação
particularmente rigoroso e exigente onde se destaca a demonstração de que é a
única ajustada à satisfação das finalidades da pena. Pelo que, uma vez
efectuado, pelo tribunal da condenação, tal juízo de adequação que preside à
aplicação da pena efectiva de prisão, não se concebe o cumprimento de menos do
que um período mínimo, para satisfazer as finalidades da punição subjacentes à
condenação, o qual permite avaliar o efeito da pena e o funcionamento
institucional dos órgãos intervenientes no processo de concessão da liberdade
condicional. 8. Feitas estas considerações, cabe regressar ao caso em apreço de
forma a apurar se a interpretação dada à norma em análise padece de
inconstitucionalidade.Da explanação efectuada há que retirar que a norma
impugnada (n.º 2 do artigo 64.º do Código Penal) com o sentido de que o tempo
que o condenado passou em liberdade condicional, sem cometer qualquer crime, não
deve ser considerado tempo de prisão e como tal deduzido no tempo de prisão que
ao condenado falta cumprir em virtude da revogação da liberdade condicional, não
viola a garantia prevista no artigo 27.º da Constituição como pretende o
recorrente.Desde logo, como medida probatória, as regras de conduta impostas
através do instituto da liberdade condicional têm uma dupla limitação: têm de
ser compatíveis com a lei, nomeadamente assegurando os direitos fundamentais do
condenado, apenas bulindo com os susceptíveis de limitação legal (como é o caso
das enumeradas no artigo 52.º do Código Penal) e têm de ser exigíveis no caso em
concreto, numa relação estrita de adequação e proporcionalidade com os fins
preventivos desejados – artigo 64.º, n.º 1 por força da remissão para os artigos
52º. a 54º e daquele primeiro para os n.ºs 2 a 4 do artigo 51.º, todos do Código
Penal. O condenado, ao infringir os deveres de comportamento resultantes de se
encontrar em liberdade condicional, nomeadamente através do cometimento de
crime, sabe que esta medida lhe irá ser revogada. A parte da prisão não
executada funciona também como um desincentivo à quebra das regras de conduta
impostas pelo Tribunal, já que a ameaça do cumprimento do remanescente serve de
advertência para o estrito cumprimento das mesmas, que não visam senão a
ressocialização do condenado.E ainda há que ter em atenção que a revogação da
liberdade condicional não ocorre de forma automática pois exige um juízo de
ponderação sobre o caso concreto, seja por via de apreciação da culpa aquando da
infracção dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano de reinserção
social, seja por avaliação das finalidades que basearam a liberdade condicional
aquando do cometimento de novos crimes (artigos 56.º e 57.º por via do artigo
64.º, todos do Código Penal). Assim, o cometimento de crime durante o período de
liberdade condicional não desencadeia automaticamente a revogação da liberdade
condicional, dependendo da apreciação que, em concreto, o Tribunal efectuar.A
liberdade condicional consiste na antecipação da liberdade de condenado a pena
de prisão durante um período não superior a cinco anos, depois de aquele haver
cumprido um período mínimo legal de reclusão e mediante o seu consentimento.
Trata-se de substituição parcial de um certo período detentivo por outro não
detentivo; é uma medida não detentiva, substituindo a pena de prisão e aquela é
um incidente da execução da pena de prisão, mas de carácter não institucional ou
não detentivo (“extra-muros”), executada na comunidade, tal como aquela, e como
alternativa à continuidade de execução de penas de prisão mais longas. Embora
sujeita a deveres e regras de conduta, tem de ser vista como uma verdadeira
antecipação da liberdade, à qual o interessado dá a sua adesão, com vigilância
do seu comportamento, solidificando as bases de uma real reintegração social.
Abandonando a reclusão, tem a oportunidade de retomar o contacto com o seu grupo
familiar e participar activamente na vivência quotidiana do mesmo, bem como
enveredar por actividade profissional lícita, sendo certo que as regras de
conduta e obrigações a que fica sujeito o condenado apresentam um diminuto grau
de densidade comparadas com a verdadeira reclusão, não justificando a sua
equiparação a esta. A exigência de determinados comportamentos ao condenado,
como era o caso de dedicação ao trabalho e manutenção de boa conduta, durante a
liberdade condicional, não traduz uma restrição à liberdade de molde a impor a
dedução na pena ainda a cumprir quando a liberdade condicional seja revogada.Em
síntese, a liberdade condicional não é, para o condenado, uma medida análoga ao
cumprimento da pena de prisão em que foi condenado, (nem representa uma
restrição à liberdade análoga às medidas cautelares de prisão preventiva,
obrigação de permanência na habitação ou detenção), a justificar que esse
período seja deduzido na pena remanescente a cumprir, uma vez revogada a
liberdade condicional pelo cometimento de novos crimes durante o período da
mesma.Não se revelando que a interpretação efectuada pelo acórdão recorrido fira
qualquer parâmetro constitucional, deve o recurso interposto ser julgado
improcedente. III. Decisão9. Assim, decide-se:a) Não julgar inconstitucional a
norma do n.º 2 do artigo 64º do Código Penal, interpretada no sentido de que o
tempo que o condenado passou em liberdade condicional, sem cometer qualquer
crime, não deve ser considerado tempo de prisão e, como tal, deduzido no tempo
de prisão que lhe falta cumprir em virtude da revogação da liberdade
condicional;b) Julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão
recorrida.Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
Lisboa, 12 de Maio de 2010
Carlos Pamplona de Oliveira
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Maria João Antunes (vencida, nos termos da declaração de voto que se
anexa)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida por entender que o artigo 64º, nº 2, do Código Penal, interpretado no sentido de que o tempo que o condenado cumpriu em liberdade condicional não deve ser considerado para efeitos do tempo de prisão, nem deduzido na pena de prisão que ao condenado falta cumprir em virtude da revogação da liberdade condicional, viola o princípio constitucional da legalidade (tipicidade) das sanções criminais que se extrai dos artigos 27º e 29º, nºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa
(CRP).Aceitando – como aceita a posição que fez vencimento – que o instituto
previsto nos artigos 61º, 63º e 64º do Código Penal foi configurado pelo
legislador como um incidente da execução da pena de prisão, é de concluir que,
em caso de revogação, conte como cumprimento desta sanção o período de tempo em
que o condenado esteve em liberdade condicional. Entendimento contrário faz
corresponder a este período uma “medida não detentiva, substituindo a pena de
prisão”, que não está prevista na lei. Maria João Antunes
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/20100181.html ]