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Processo n.º 319/10
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A. e B. interpuseram recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC), o que fizeram nos termos seguintes:
«A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie é a do 32 nº 1 e 5 da CRP, no sentido da interpretação perfilhada pelo Acórdão recorrido.
Acresce que os ora recorrentes não foram notificados do art. 411 nº 5, pelo que a ilustre mandatária não pode proceder em conformidade, aperfeiçoando as conclusões que oportunamente formulou, incluindo nestas a parte que as conclusões relativas à matéria de facto, esta circunstância obstou ao conhecimento do recurso por parte de V Exªs, e constitui uma nulidade insanável nos termos 119al) c do CPP, constituindo per si uma violação autónoma do art. 32 nº 1 e 5 da CRP.
Acresce que o recorrente suscitou a inconstitucionalidade da norma na motivação do recurso e alegações, no recurso e alegações interposto para o TRL».
Convidados os requerentes a aperfeiçoar o requerimento nos termos do artigo 75.º-A da LTC, vieram concluir:
«Nestes termos pretende-se que V Exas. analisem a violação do art. 32 nº 1 e 5 CRP, considerando se existe no presente caso ou não inconstitucionalidade orgânica e formal uma vez que a ilustre mandatária subscritora do presente requerimento não foi notificada nos termos do 411 nº5 para reparar as conclusões apresentadas sob pena de extemporaneidade.
Se o entendimento for favorável que concedam prazo para que a mesma corrija as referidas conclusões e mande baixar o processo ao Tribunal Relação para que julgue de Facto e de Direito o Recurso atempadamente interposto».
2. Na sequência, foi proferida pela Relatora do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso (fls 3585 a 3589). É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
«3. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), a aplicação da norma como ratio decidendi da decisão recorrida, a suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa, e que esta seja suscitada de modo processualmente adequado e tempestivo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
4. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, o poder de sindicância do Tribunal Constitucional respeita apenas à inconstitucionalidade normativa e não à inconstitucionalidade das decisões judiciais em si mesmas, também não lhe competindo controlar a correcção da concreta interpretação acolhida pela decisão recorrida (v.g., Acórdão n.º 355/2009, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). O objecto do controlo deverá ser um critério normativo, dotado de generalidade e abstracção, que seja susceptível de ser invocado e aplicado a propósito de uma pluralidade de situações concretas.
Escreveu-se a este propósito no Acórdão n.º 551/2001:
«ao Tribunal Constitucional compete julgar, não o acto decisório recorrido em si mesmo considerado, envolvendo a ponderação decisiva da singularidade do caso concreto, ou tão pouco o mesmo, visto como resultado da conjugação da matéria de facto ao critério normativo utilizado, mas sim a constitucionalidade mesma desse critério normativo. A esta luz, e como também se tem ponderado na jurisprudência deste Tribunal, não é sindicável por este meio a aplicação a uma dada situação concreta de um critério oriundo da subsunção do caso concreto à norma, operado pelo aplicador do direito (cfr., v.g., o acórdão nº 82/01, inédito: é a norma – ou a interpretação normativa – aplicada na decisão que compete julgar, aferindo-se a constitucionalidade do critério normativo e não o acto de julgamento, em si, ou a correspectiva decisão).
O que vale dizer que não importa cuidar do acerto lógico-jurídico da subsunção do caso sub judice à norma. O que está em causa são os critérios jurídicos autonomizados, genérica e abstractamente referidos pelo julgador para decidir quanto ao acerto constitucional de uma certa norma ou dimensão normativa do direito infra-constitucional, face ao texto constitucional».
Para que se esteja perante uma norma ou interpretação normativa, deve ser possível identificar na decisão recorrida a adopção de um critério normativo, com carácter de generalidade, que possa ser aplicado a outras situações, critério a que depois se subsume o caso concreto. Pelo contrário, não estará em causa uma norma ou interpretação normativa quando estejamos perante a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às singularidades do caso concreto.
5. No caso em apreciação resulta de modo claro – do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional e da resposta ao convite formulado pela Relatora aos requerentes para aperfeiçoamento do mesmo – que o que se pretende que o Tribunal Constitucional controle não é um critério normativo dotado de generalidade e abstracção, mas o «erro do Tribunal que não notificou a ilustre mandatária nos termos do 411 nº 5 CPP» (fls 3574). Não se encontrando, assim, preenchido o requisito da suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa, que teria de ser suscitada de modo processualmente adequado e tempestivo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
A resposta ao convite confirma a finalidade visada com a apreciação pedida ao Tribunal Constitucional:
«15º
No presente caso estamos perante uma inconstitucionalidade formal e orgânica por violação dum direito liberdade e garantia pessoal.
16º
Não foram asseguradas todas as garantias de defesa dos arguidos na medida em que a não reparação das conclusões formuladas pela ilustre mandatária como era de seu direito.
17º
Determinando-se assim a extemporaneidade do recurso.
18º
Inviabilizando o contraditório e violando o direito de consagrado no art. 32 nº 1 e 5 da CRP».
E os requerentes concluem com o pedido acima já transcrito.
Razões pelas quais se decide não conhecer do recurso».
3. Inconformado com esta decisão, o recorrente apresentou reclamação para a conferência (fls 3593 a 3595), na qual alega o seguinte:
«1.º
Foi decidido não conhecer do objecto de Recurso interposto atempadamente, uma vez que não foi suscitada uma questão de constitucionalidade normativa, mas antes uma questão de inconstitucionalidade da decisão judicial em si.
2.º
Sucintamente considerando a questão objecto de recurso tal invocação só faria sentido na interpretação da mandatária subscritora em sede de Alegações.
3.º
Uma vez que ao requerer-se a fiscalização concreta da constitucionalidade do art. 411 n.º 5 da CRP por violação do art. 32 n.º 1 e 5 da CRP, o que se pretende não é tampouco criticar a forma de actuação do Tribunal.
4.º
Mas antes alertar vossas Exas. que a simples notificação deste acto em vez da notificação pessoal e atendendo ao conteúdo da decisão que por si é desfavorável e condenatória, constitui uma violação gravíssima de uma Direito Liberdade e Garantia pessoal, consagrada no art. 32 n.º 1 e 5 sob a epígrafe Garantias do Processo Criminal.
5.º
E atendendo que a violação consiste na impossibilidade do arguido responder ao parecer negativo do MºPº que determina o não o prosseguimento do Recurso.
6.º
Constitui igualmente per si uma violação do princípio da certeza e da segurança jurídica corolários do principio das Garantia de defesa em Processo Criminal, aqui aludido e de todo o sistema judicial penal.
7.º
Isto porque, se trata de um facto cujo conhecimento é de tal forma importante que inviabiliza e inquina todo o processo.
8.º
Razão pela qual se entende que deveria considerar obrigatório nestes casos devesse existir notificação semelhante à prevista 372 n.º 4 e eis a inconstitucionalidade formal e orgânica que referenciei no requerimento inicial à meritíssima Juiz Conselheira.
9.º
Deverá existir independentemente da notificação ao defensor, que no caso não ocorreu, a notificação pessoal ao arguido, ou mesmo a sua citação pessoal, uma vez que se trata de uma decisão condenatória.
10.º
Mas não tendo ocorrido nem uma nem outra, terá de ser por em causa a segurança e certeza jurídica do sistema Penal.
Nestes termos pretende-se que V Exas. analisem a violação do art. 32 nº 1 e 5 CRP, considerando se existe no presente caso se deveria proceder à Fiscalização concreta do art. 411 n° 5 uma vez que a forma de notificação que actualmente prevalece, não oferece garantias de certeza e segurança jurídica constituindo por esse facto uma violação da garantia do processo criminal.
Se o entendimento for favorável que concedam prazo para que a mesma corrija as referidas conclusões e mande baixar o processo ao Tribunal da Relação para que julgue de Facto e de Direito o Recurso atempadamente interposto».
4. O representante do Ministério Público, notificado da presente reclamação, veio responder-lhe nos seguintes termos (fls 3597):
«1.º
Pela Decisão Sumária de fls. 3586 a 3589 não se conheceu do recurso porque os recorrentes não enunciaram — mesmo após convite que lhes foi endereçado para o fazer — qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
2.º
Na reclamação agora apresentada, os reclamantes, ao invés de tentarem demonstrar que aquele requisito de admissibilidade do recurso se verificava, insistem que se “deveria proceder à Fiscalização concreta do artº 411, n.º 5” do CPP.
3.º
Assim, faltando efectivamente aquele requisito de admissibilidade, e uma vez que o afirmado pelo reclamantes em nada abala os fundamentos da decisão reclamada, deva esta ser integralmente mantida, indeferindo-se a reclamação.»
II
Fundamentos
5. Como resulta dos argumentos expendidos na reclamação, e do seu confronto com os fundamentos em que se abona a decisão sumária reclamada, os reclamantes não lograram refutar a correcção do juízo efectuado acerca da verificação de tais fundamentos.
Em face do exposto, reafirmando a fundamentação constante da decisão reclamada, resta apenas concluir pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso e, em consequência, pelo indeferimento da reclamação da decisão sumária proferida nestes autos a 26 de Maio de 2010 apresentada pelos reclamantes.
III
Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 29 de Junho de 2010
Catarina Sarmento e Castro
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos