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Processo n.º 203/10
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
No Processo Comum, com Tribunal singular, n.º 1066/05.2TAVIS, pendente no 1.º Juízo Criminal de Viseu, A., foi condenado, por sentença proferida em 5 de Março de 2008, pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 107.º, n.º 1, e 105.º, n.º 1, do RGIT, 26.º, 30.º, n.º 2, e 79.º, do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 15.
O arguido recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão proferido em 28-1-2010, negou provimento ao recurso.
O arguido recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, pedindo que se «reconheça que a interpretação de que o limite de € 7.500,00, a que alude o n.º 1, do artigo 105.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 113.º, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, não é aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social previsto no artigo 107.º, do RGIT, é inconstitucional por violação dos princípios da legalidade e tipicidade constitucionalmente consagrados no artigo 29.º, da C.R.P.»
Foi proferida decisão sumária em 8 de Abril de 2010 de não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:
«(…)
A intervenção do Tribunal Constitucional não incide, pois, sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, diga ele respeito aos factos da causa, à actividade de interpretação ou de determinação da lei aplicável ou, ainda, à qualificação jurídica dos factos dentro do quadro normativo tomado como aplicável, mas apenas sobre a conformidade constitucional das concretas normas que foram aplicadas pela decisão recorrida tendo como referência o próprio tipo legal.
Acerca da questão em apreço, na parte referente aos poderes de cognição do Tribunal Constitucional quando estão em causa violações do princípio da legalidade criminal resultantes do confronto da actividade interpretativa com o tipo legal circunstancialmente em causa, afirma Rui Medeiros (A Decisão de Inconstitucionalidade - Os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei, Universidade Católica Editora, Lisboa, 1999, págs. 340 a 342; na jurisprudência deste Tribunal, cf. Acórdão n.º 674/99, 383/00 e 183/08, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt):
A conclusão adoptada não significa, porém, que o Tribunal Constitucional possa fiscalizar a constitucionalidade, não já da norma determinada através do processo de integração de lacunas, mas antes do próprio processo de obtenção da regra aplicável. A questão ganha particular relevância nos domínios em que existe uma proibição constitucional de recurso à analogia. É o que sucede, concretamente, com o princípio constitucional da legalidade em matéria penal.
Há quem entenda que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que, aplicando analogicamente uma norma incriminadora, violam o princípio constitucional da legalidade em matéria penal.
Não duvidamos que essa é a solução mais consentânea com a lógica do recurso de amparo ou da queixa constitucional. Mas, já o sabemos, o legislador constitucional português não quis introduzir um sistema semelhante ao da acção constitucional de defesa de direitos fundamentais. Ora, independente da questão de saber se a violação do nullum crimen sine lege stricta envolve ou não uma inconstitucionalidade directa, a verdade é que, quando invoca a proibição da analogia, o que o recorrente suscita é «a inconstitucionalidade do acto de julgamento e não a inconstitucionalidade de uma norma jurídica». Sem dúvida que, nos casos em que um tribunal interpreta uma lei em desconformidade com a Constituição, a inconstitucionalidade não pode apenas ser imputada ao legislador, pois, sendo possível atribuir à lei um sentido conforme com a Constituição, a disposição legal em si é válida. Mas, na hipótese aqui em apreciação, a inconstitucionalidade, ainda que se convole numa inconstitucionalidade material, reporta-se unicamente ao processo de integração de lacunas adoptado pelo tribunal. Ora, uma coisa é dizer que a norma que um tribunal extrai, ainda que por analogia, de um acto normativo pode ser fiscalizada pelo Tribunal Constitucional, outra, bem diferente, á afirmar que a própria decisão jurisdicional constitui um acto normativo sindicável pelo Tribunal Constitucional. De resto, se assim não fosse, «todas as decisões judiciais, enquanto tais, susceptíveis de fiscalização da constitucionalidade (...). E assim se defraudaria a Constituição, que expressamente pretendeu que o controlo da constitucionalidade fosse um controlo eminente normativo.
Tudo somado, é possível concluir que, nos casos em que o próprio legislador pode (sem ofender a Constituição) estabelecer por via legislativa solução idêntica àquela que resultava da interpretação ou integração inconstitucional da lei realizada pelo tribunal a quo, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso.
Ora, no presente caso concreto, é manifesto que a questão de “constitucionalidade” aportada a este Tribunal carece da referida dimensão normativa, traduzindo-se num problema em que essencialmente se controverte a aplicação do direito ordinário feita pelas instâncias, quanto à decisão do tribunal a quo de ter considerado que o limite de € 7.500,00, a que alude o n.º 1 do artigo 105.º do RGIT, não é aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social previsto no artigo 107.º do RGIT, em confronto com “o princípio da legalidade criminal e o princípio da aplicação retroactiva das leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido”.
De facto, quanto à violação do princípio da legalidade, o que o recorrente pretende não é mais do que o confronto do processo interpretativo seguido pelo Tribunal da Relação e da conclusão a que aquele conduziu com o suposto resultado, que no seu entendimento foi pretendido pelo legislador, a implicar o confronto imediato da decisão judicial com o teor da norma incriminadora e, por via consequencial, daquela com a Constituição.
O que se confirma pelo facto do recorrente não contestar a validade, sub species constitutionis, da definição ex lege do tipo incriminatório independentemente do valor das prestações omitidas, mas apenas o sentido atribuído pelo tribunal à “extensão” da remissão constante do artigo 107.º do RGIT, que no seu entendimento constitui uma violação dos “artigos 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, [e d]os artigos 107.º, n.º 1, 105.º/1/2, 7.º, 12.º e 15.º do RGIT”.
Consequentemente, essa ilegalidade da decisão não densifica um autêntico problema de constitucionalidade normativa que integre a esfera de competência cognitiva deste Tribunal.
Por outro lado, quanto à questão da aplicação da lei no tempo, também equacionada pelo recorrente, cumpre salientar, como se afirmou no Acórdão n.º 78/99, que “o Tribunal Constitucional tem que respeitar os critérios utilizados pelo Tribunal a quo na determinação do direito aplicado e nesses critérios se incluem necessariamente os respeitantes à aplicação da lei no tempo. Só não terá que ser assim se esses critérios forem eles próprios objecto de uma questão de constitucionalidade formulada em termos idóneos no sentido de, sobre a questão, o Tribunal ter de se pronunciar”. Ora, esses critérios não se encontram controvertidos no caso sub judicio, além de que a questão da aplicação da lei mais favorável nos termos em que o recorrente a perspectivou encontra-se geneticamente dependente do sentido que o mesmo conferiu à disposição do artigo 107.º do RGIT, mas que não foi seguido pelo tribunal recorrido, resultando assim prejudicada pela interpretação conferida à citada disposição.»
O Recorrente reclamou desta decisão, invocando as seguintes razões:
«Prende-se o teor da presente reclamação com a discordância do recorrente relativamente àquilo que na decisão em reclamação se entende ser o objecto e/ou âmbito do recurso de constitucionalidade, no caso em análise em sede de fiscalização concreta.
O sistema jurídico Português, ao nível do controlo da constitucionalidade, caracteriza-se por um duplo acesso e controlo das questões de constitucionalidade, tendo os Tribunais comuns acesso directo à constituição e dispondo de competência plena para julgarem e decidirem questões a esse nível mas sendo as decisões dos Tribunais comuns ou da causa recorríveis para um Tribunal Constitucional especifico, exterior à jurisprudência ordinária.
E, aceitando-se que o controlo a exercer pelo Tribunal Constitucional é um “controlo normativo”, não pode todavia o Tribunal Constitucional, na análise da “extensão” desse controlo, ter em atenção as especificidades da natureza, sentido e alcance da fiscalização concreta de constitucionalidade, por contraponto, nomeadamente, à natureza, sentido e alcance da fiscalização abstracta da constitucionalidade, à qual se admite ser aplicável a interpretação jurídica constante da douta decisão sumária.
Com efeito, ao contrário da fiscalização abstracta, a fiscalização concreta incide sobre (e sempre sobre) uma norma tal como foi aplicada ou desaplicada na decisão recorrida, isto é, na sua incidência limitada ao caso concreto.
Esta referência sublinhada não pode ser entendida apenas quanto à extensão dos efeitos da decisão do Tribunal Constitucional, devendo necessariamente ser entendida ao nível do sentido e extensão deste controlo neste âmbito específico. Com efeito, não existe na generalidade dos casos inconstitucionalidade de uma norma “de per si”, existe inconstitucionalidade de urna norma analisada, interpretada e aplicada com um determinado sentido e alcance, podendo mesmo concluir-se que em abstracto e dada a riqueza e multiplicidade de interpretações, alegadamente jurídicas, muitas vezes simuladamente jurídicas, de normas, a todas as normas será sempre admissível dar uma interpretação conforme com a constituição.
À contrário, todas as normas que, em abstracto e que nunca determinada interpretação mais literal, normal e/ou previsível serão conformes com a constituição, podem, numa outra interpretação num caso concreto, terem ou assumirem um sentido e alcance violador dos princípios constitucionais, como se entende ser o caso dos autos.
Ora, o Tribunal constitucional, no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não pode alijar as responsabilidades de controlo que tem e tem que exercer a este nível, situação que só se compreende por razões “políticas” de controlo e gestão do numero de recursos e sua adequação aos meios existentes por forma a garantir a funcionalidade do sistema mas que não se compreende no âmbito, estrito, como deveria ser, da efectiva aplicação e realização da justiça.
E nunca é demais lembrar que a recente e progressiva desacreditação da justiça junto da sociedade civil e sua manifesta perda de credibilidade e respeito por parte de outros órgãos de soberania advém em muito da “politização” das suas decisões, da necessidade de, em muitas interpretações jurídicas, dar resposta a necessidades ou suprir graves faltas e irresponsabilidades políticas, muitas delas manifestadas no âmbito legislativo.
Aliás, ao recorrente não restam dúvidas de que a genética situação concreta dos autos, que não a do recurso de constitucionalidade, teve inicialmente um interpretação jurídica, subscrita por muitos ilustres e conceituados “trabalhadores” de direito e da justiça, interpretação que depois se viu vergada pelos interesses “políticos”, tendo sido penoso ver esses ilustres e conceituados trabalhadores do direito vergar a sua isenção e pena mais do que à sua consciência, às pressões hierárquicas infra e extra – judiciais pela necessidade de colmatar mais uma vez uma eventual irresponsabilidade legislativa.
Tudo para concluir que o controlo normativo que o Tribunal constitucional tem que exercer é sempre e necessariamente o controlo de uma determinada e concreta interpretação de uma norma, que é o controlo que o recorrente pretendeu submeter a este Tribunal e melhor explicitar nas suas alegações, e que vê negado na douta decisão sumária, que o pretende vencer, sem convencer, vencer pela ausência de audição das razões concretas e vencer até pelos custos impostos ma decisão, totalmente inadequados a uma decisão sumária, também aqui embarcando a justiça numa maré “politica” de limitar o acesso e realização da justiça através do mais injusto e inadequado argumento que é o de tornar o recurso à mesma inacessível pelos custos de comporta, e inacessível criando entraves formais à submissão das razões do recorrente a uma verdadeira decisão de mérito.
A justiça realiza-se, afirma-se e credibiliza-se vencendo e convencendo com uma decisão de mérito.
Desacredita-se vencendo com decisões formais que fogem á apreciação do mérito, decisões que, por isso, devem ser a excepção e para casos de manifesta falta de requisitos que se entende, salvo o devido respeito, não ser o dos autos.
O recorrente não pretende sindicar a bondade ou mérito do julgamento mas a constitucionalidade da norma interpretada no sentido em que Tribunais comuns a interpretaram a final, que não inicialmente, interpretação que, é certo, pode ter, teve e terá reflexos na decisão final de julgamento mas sem que ambos os níveis de análise se confundam ou conflituem.
Termos em que deve a presente reclamação ser julgada procedente e ordenado o prosseguimento dos autos de recurso.»
O Ministério Público respondeu do seguinte modo:
«Segundo o requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, o recorrente pretende que “se reconheça que a interpretação de que o limite de € 7.500, a que alude o n.º 1 do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) (…), na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 113.º, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, não é aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto no artigo 107.º do RGIT, é inconstitucional por violação dos princípios da legalidade e tipicidade constitucionalmente consagrados no artigo 29.º da CRP”.
Tem sido variada a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a sua competência para conhecer de eventual violação do princípio da legalidade penal.
Para alguma jurisprudência invocar a violação do princípio da legalidade, significa, em última análise, questionar o próprio processo interpretativo, pelo que o Tribunal não seria competente para conhecer dessa questão.
Para outra, já “teria natureza normativa a questão consubstanciada na impugnação de um critério interpretativo de índole generalizante, explicitamente adoptado pela decisão recorrida” (Carlos Lopes do Rego “As interpretações normativas sindicáveis pelo TC”, Jurisprudência Constitucional, n.º 3, pág. 13).
Com este entendimento, no entanto, o Tribunal Constitucional acabaria “por expropriar de forma radical, os tribunais que integram as restantes ordens jurídicas do seu poder – e competência – para interpretar as normas de direito infra constitucional, passando sempre a competir ao Tribunal Constitucional a última palavra acerca da interpretação correcta e adequada de todas as normas de direito ordinário vigente, em áreas sujeitas ao princípio da legalidade” (Carlos Lopes do Rego, ob. cit, pág. 14).
Portanto, no caso dos autos, mesmo que se aceitasse que estávamos perante um “critério interpretativo de índole generalizante”, este Tribunal, para sindicar a eventual violação do principio da legalidade, teria de seguir um raciocínio e um processo em tudo idêntico ao levado a cabo pelas instâncias, invadindo, desse modo, áreas de competência que só aquelas cabem.
Por outro lado, tendo em atenção o caso concreto e a questão da constitucionalidade, tal como vem enunciada, as considerações tecidas no Acórdão n.º 183/2008 (referido na Decisão Sumária) que, aceitando a competência do Tribunal, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do artigo 29.º da Constituição, da norma extraída das disposições conjugadas do artigo 119º, nº 1, alínea a), do Código Penal e do artigo 336.º, n.º 1, do CPP, ambos na redacção originária, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia, são, a todo o título, relevantes.
Pelo exposto, deve a reclamação ser indeferida.»
Fundamentação
O recorrente pretende que o Tribunal Constitucional fiscalize a inconstitucionalidade da interpretação sustentada na decisão recorrida segundo a qual «o limite de € 7.500,00, a que alude o n.º 1, do artigo 105.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 113.º, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, não é aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social previsto no artigo 107.º, do RGIT», acusando esta interpretação de violar o princípio da legalidade e da tipicidade, consagrados no artigo 29.º da CRP.
A decisão reclamada entendeu que a questão colocada pelo recorrente não tinha uma dimensão normativa, uma vez que este mais não pretendia que verificar a correcção do processo interpretativo seguido pelo Tribunal da Relação, através do confronto do seu resultado com o teor da norma incriminadora.
É sabido que não cabe ao Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização sucessiva concreta, interpretar o direito ordinário ou sindicar a bondade da interpretação feita pelas instâncias, no plano do direito infra-constitucional, cingindo-se a sua competência ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, à apreciação das questões de desconformidade constitucional imputadas a normas jurídicas ou a interpretações normativas.
A interpretação sufragada no acórdão recorrido deve ser encarada como um dado adquirido, no âmbito do presente recurso, cabendo apenas ao Tribunal Constitucional confrontar tal interpretação com as normas e princípios constitucionais convocáveis, sem se debruçar sobre a sua correcção do ponto de vista infra-constitucional.
E o facto do recorrente pretender o confronto daquela interpretação com os princípios constitucionais da legalidade e tipicidade penais, não exclui o cariz normativo do recurso interposto.
À semelhança do decidido em outros arestos deste Tribunal, como aconteceu nos Acórdãos n.º 183/08, 486/09, e 195/10 (todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt), também no presente caso o Tribunal Constitucional está habilitado a tomar conhecimento da questão de constitucionalidade, tomando como parâmetro constitucional o princípio da legalidade criminal.
Na verdade, saber se a não entrega de contribuições para a Segurança Social deduzidas do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais em valor inferior a €. 7.500, integra ou não a previsão do artigo 107.º do RGIT, não importa um acto casuístico de subsunção de um facto concreto na previsão de uma certa norma legal, dado que o referente desta não é a factualidade apurada neste processo, mas sim um segmento normativo integrante de um preceito que define um tipo legal de crime.
O que está em causa é saber se a interpretação da remissão constante do artigo 107.º, n.º 1, do RGIT, para o artigo 105º, n.º 1, do mesmo diploma, segundo a qual essa remissão não abrange o limite quantitativo das entregas constante do referido artigo 105.º, n.º 1, não põe em causa a determinabilidade da correspondente tipificação criminal.
Trata-se apenas de julgar se, em abstracto, será possível não incluir parte do conteúdo normativo constante de um preceito legal – o artigo 105º, n.º 1, do RGIT – no conteúdo normativo constante de outro preceito legal – o artigo 107.º, n.º 1, do RGIT, tendo como parâmetros os princípios constitucionais da legalidade e tipicidade criminal.
Este juízo é da competência do Tribunal Constitucional pelo que importa deferir a reclamação deduzida, revogando-se a decisão reclamada e determinando-se o prosseguimento dos autos, visando a apreciação do mérito do recurso.
Decisão
Pelo exposto, defere-se a reclamação apresentada por A. e, em consequência:
a) Revoga-se a decisão sumária proferida nestes autos em 8 de Abril de 2010;
b) Determina-se a notificação das partes para apresentação das respectivas alegações, nos termos do artigo 79.º da LTC.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Julho de 2010. - João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos