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Processo n.º 401/10
1.ª Secção
Relator – Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A. reclamante nos presentes autos em que figura como reclamado o Ministério da Saúde, inconformado com a decisão do Supremo Tribunal Administrativo que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional, vem dizer, o seguinte:
“(…) notificado do douto despacho de fls. 236, vem aos presentes autos esclarecer que pretende com a admissão do pedido de recurso para o Tribunal Constitucional a apreciação da constitucionalidade dos artigos 77.º a 80.º do Código de Procedimento Administrativo, questão esta já levantada perante o Tribunal Central Administrativo do Norte. Não tendo este Douto Tribunal pronunciado-se sobre a mesma. Termos em que requer a admissão do pedido de recurso para o Tribunal Constitucional. Caso contrário será intentada a respectiva queixa no Tribunal Europeu.”
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
“Os preceitos invocados pelo recorrente e cuja declaração de inconstitucionalidade pretende obter do Tribunal Constitucional (artigos 77.º a 80.º do CPA) não constituíram fundamento ou ratio decidendi do decidido relativamente ao recurso de revista não admitido. Na verdade, no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 24/02/10, a fls. 213/218, o tribunal apenas emitiu a pronúncia a que alude o n.º 5 do citado artigo, digo, do artigo 150.º do CPTA, não tendo aplicado qualquer outra norma legal, designadamente as invocadas pelo recorrente. Nestes termos, decide-se indeferir o requerido (…).”
O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade conclui pelo seguinte modo:
“1. O recorrente foi notificado pelo Hospital Joaquim Urbano da verificação da doença no seu domicílio e que estava ausente, no dia 17/04/2002.
2. Tendo apresentado a justificação da ausência, no dia 19 de Abril de 2002, através do seu envio pelo correio em carta registada, com aviso de recepção, nos termos do disposto no artigo 79 do Código de Procedimento Administrativo e no artigo 33.º, n. 4 do Decreto-lei n.º 100/99, de 31 de Março.
3. Sendo, pacificamente, aceite que os envios pelo correio demoram três dias (e por vezes mais) a chegar ao destinatário.
4. Situação esta prevista no artigo 254.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
5. Pois, caso contrário, os cidadãos nunca poderiam utilizar este direito que lhes é conferido por lei, uma vez que apenas dispõem de dois dias úteis para apresentar a justificação, ou seja, quando fossem enviar a justificação pelo correio, já estavam fora de prazo, pois a carta chegaria ao seu destino três dias depois.
6. Se assim fosse, estaríamos a violar um dos princípios mais importantes que é o PRINCIPIO DA LEGALIDADE, também consagrado no artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo, bem como o PRINCIPIO DA BOA FÉ (artigo 6.º A do CPA) e o PRINCIPIO DA COLABORAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO COM OS PARTICULARES (artigo 7.º do CPA).
7. Por sua vez, o artigo 150.º, n.º 1, alínea b) do CPC, prevê expressamente para os actos processuais por escrito praticados pelas partes a sua remessa pelo correio, sob registo, valendo a data da sua prática a da efectivação de registo, que no presente caso é o dia 19 de Abril de 2002, data em que o recorrente registou a carta enviada, com aviso de recepção, justificando a falta.
8. Neste mesmo sentido temos o ofício-circulado 60020, de 12/06/2002 — Direcção de Serviços de Justiça Tributária, que no seu n.º 5 diz claramente o seguinte: ‘,... é ilegal o indeferimento dos requerimentos, petições ou outros documentos, com fundamento em extemporaneidade, sempre que se demonstre, pelo registo dos correios, que aqueles foram enviados no prazo previsto na lei...’.
9. Também neste sentido, foi proferido o ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO DO SUL no Proc. n.º 05374/01, secção do Contencioso Administrativo, 1.º Juízo Liquidatário, em 05-05-2005.
10. Pelo que o recorrente ao enviar a justificação da ausência por carta registada com aviso de recepção no dia 19 de Abril de 2002, fê-lo dentro do prescrito na lei (artigo 150, n.º 1 do CPC, artigo 79.º do CPA e artigo 33.º, n. 4 do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março).
11. Coarctar este direito é uma violação do artigo 2.º da Constituição da Republica Portuguesa, uma vez que se está a desrespeitar e a não garantir a efectivação dos direitos e liberdades fundamentais.
12. Por outro lado, o recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo deveria ter sido recebido. Pois, no nosso entender, com a Devida Vénia, está em causa a apreciação de uma questão, que pela sua relevância jurídica e social, reveste-se de importância fundamental e a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, dado que é uma questão já várias vezes suscitada nos Tribunais, conformem referem os Doutos Acórdãos proferidos pelo Tribunal Administrativo do Norte e pelo Supremo Tribunal Administrativo. Verificando-se também aqui uma violação do artigo 2 da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos de melhor de direito Doutamente Supridos deverá ser revogado o Douto Acórdão recorrido, e em consequência condenar-se a recorrida a considerar as faltas justificadas desde 24/03/2002 a 22/04/2002, com todas as consequências legais, declarando-se a nulidade do acto administrativo, ou caso assim, não se entenda, a sua anulabilidade.
Mais se requer, a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 77.º a 80.º do Código do Procedimento Administrativo, relativamente à questão da data da prática do acto procedimental, a da efectiva entrada nos serviços administrativos.”
2. O Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Notificado desse parecer, o reclamante nada disse.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Importa verificar se se encontravam preenchidos os pressupostos essenciais para que o recurso tivesse sido admitido. Salienta-se, desde logo, que o requerimento de interposição de recurso não continha vários dos elementos exigidos pelo artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, LTC), nomeadamente a indicação da alínea do artigo 70.º, n.º 1, ao abrigo da qual o recurso foi interposto e a indicação da peça processual em que a questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade foi suscitada pelo recorrente. Ainda assim, não seria caso para aplicação do mecanismo previsto no artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6, uma vez que o despacho-convite só teria utilidade se o suprimento de tais omissões pudesse revestir utilidade no recurso. O certo é que se verifica a ausência de pressuposto que, não sendo suprível, obsta em absoluto ao conhecimento do recurso tentado interpor.
4. Não obstante a não indicação do fundamento do recurso, o mesmo só poderia ter cabimento ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, que abrange os recursos de decisões que tenham aplicado norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Para que se possa lançar mão deste recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, é necessário que se tenha verificado, atempadamente, a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, isto é, a inconstitucionalidade de uma norma ou de determinada dimensão normativa. O Tribunal Constitucional português é, com efeito, um tribunal de normas, não lhe cabendo apreciar a conformidade da decisão recorrida nem, de qualquer outro modo, sindicar as decisões proferidas por outros tribunais.
Significa isto que o objecto do recurso de constitucionalidade apenas poderá incidir sobre a apreciação, à luz das regras e princípios jurídico-constitucionais, de um juízo normativo efectuado pelo tribunal recorrido.
5. Ora, o reclamante nunca suscitou, durante o processo (i.e. até que fosse proferida a decisão final), a inconstitucionalidade de quaisquer normas, tendo-se limitado a sustentar, no recurso que tentou interpor para o Supremo Tribunal Administrativo, que, caso o tribunal não concedesse provimento ao recurso, considerando que a justificação havia dado entrada dentro do prazo legal, se estaria a “desrespeitar e a não garantir a efectivação dos direitos e liberdades fundamentais”. Qualquer inconstitucionalidade que o então recorrente pretendesse suscitar, não foi devidamente imputada aos preceitos legais que posteriormente surgem especificados no requerimento de recurso de constitucionalidade, configurando, portanto, uma inconstitucionalidade que é imputada à própria decisão judicial. A indicação de tais preceitos no referido requerimento não releva para efeitos de preenchimento de pressupostos cujo cumprimento se impõe durante o processo, como estipulam os artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, subsistindo, deste modo, a impossibilidade de conhecimento do recurso.
III – Decisão
6. Nestes termos, acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 13 de Julho de 2010. – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos.