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Processo n.º 1002/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I- Relatório
1. Nos presentes autos de oposição à execução, o juiz de primeira instância julgou deserto o recurso interposto contra a decisão que julgou improcedente a oposição, pelos oponentes A., Lda. e B., por extemporaneidade da apresentação das alegações, por ter considerado que o respectivo prazo não se suspendeu com a renúncia do mandato judicial, suspensão que, segundo se entendeu, apenas poderia ter operado, nos termos do artigo 39º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, com a notificação da renúncia ao mandante.
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 12 de Dezembro de 2008, em recurso de agravo, e o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão 12 de Novembro de 2009, em agravo de 2ª instância, mantiveram o julgado, pelo que os oponentes vieram interpor recurso desta última decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70°, n.° 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade das normas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 39.º do Código de Processo Civil, quando interpretadas no sentido de que a renúncia do mandatário não suspende (nem tão pouco interrompe) os prazos processuais em curso, continuando o mandatário renunciante no exercício do mandato até à notificação da renúncia ao mandante e para que este constitua novo mandatário, no prazo de 20 dias.
Tendo prosseguido o recurso, foram apresentadas alegações em que se sustenta, em síntese, o seguinte:
- a mencionada interpretação normativa viola os princípios constitucionais da proibição da indefesa, ínsito ao princípio do Estado de Direito, do acesso à justiça, ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, do principio pro actione e do direito ao processo, do direito ao patrocínio judiciário e a uma protecção jurídica eficaz, previstos nos artigos 2.º e 20°, n°s 1, 2 e 4, da Constituição, por ser inexigível e impraticável que o mandatário renunciante deva diligenciar pela prática dos actos processuais cujo prazo esteja em curso no momento em que formaliza a renúncia, por não dispor então de condições para prosseguir o patrocínio por virtude da quebra de relação de confiança com o mandante que a renúncia sempre pressupõe;
- por violação do princípio da igualdade de armas e das partes, porquanto se o prazo continuar a correr, a partir da constituição do novo mandatário, pelo tempo ainda não transcorrido na vigência do anterior mandato, a parte encontrar-se-ia numa posição processual agravada em relação à contraparte que não tenha idêntica vicissitude de patrocínio;
- por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.° da Constituição, neste caso, por as referidas normas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 39.º do Código de Processo Civil, na interpretação sindicada, conterem uma injustificável diferença de regime em relação à situação análoga em que tenha havido pedido de escusa do patrono nomeado, no âmbito do procedimento de concessão de apoio judiciário, apresentado na pendência do processo, em que, nos termos do artigo 34º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, há lugar à interrupção do prazo que estiver em curso.
Não houve contra-alegações.
II - Fundamentação
2. Com relevo para a apreciação das questões de constitucionalidade que vêm suscitadas, interessa considerar os seguintes factos:
a) os ora recorrentes, no processo de execução em que figuram como executados, foram notificados da admissão do recurso interposto da decisão que julgou improcedente a oposição à execução, em 14 de Abril de 2008;
b) em 14 de Maio seguinte, sendo esse o dia imediatamente anterior ao termo do prazo para a apresentação das alegações de recurso, o mandatário judicial renunciou ao mandato;
c) a notificação da renúncia aos mandantes foi efectuada em 2 de Junho de 2008;
d) as alegações de recurso, subscritas pelo novo mandatário judicial constituído pelos recorrentes, foram apresentadas em 25 de Junho de 2008;
e) por despacho do juiz de primeira instância, confirmado em sede de recurso pelo acórdão ora recorrido, o recurso foi julgado deserto por extemporaneidade da apresentação das alegações.
f) o despacho que julgou deserto o recurso tem a seguinte fundamentação:
[…] Tendo a declaração de renúncia dado entrada em juízo no penúltimo dia para a apresentação das alegações de recurso (sem contar com os três dias previstos no artigo 145, nº 5, do Código de Processo Civil) e tendo a notificação da renúncia aos mandantes/recorrentes tido lugar apenas em 2.6.2008, já há muito que havia expirado o prazo para apresentação das alegações de recurso, sendo certo que o mero requerimento de renúncia ao mandato nenhum efeito suspensivo operou em relação ao prazo então em curso (o qual terminava no dia seguinte à apresentação desse requerimento).
3. Está em causa a interpretação da norma do artigo 39º, n.º 2 e 3, do Código de Processo Civil quando não atribua à apresentação da renúncia pelo mandatário judicial constituído o efeito suspensivo do prazo para apresentação das alegações de recurso, que estava em curso no momento em que a renúncia foi formalizada.
Na parte que mais interessa considerar, a norma do citado artigo 39º, na redacção resultante da reforma de processo civil de 1995-1996, sob a epígrafe «Revogação e renúncia do mandato», prescreve o seguinte:
“1. A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas, tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária.
2. Os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no nº 3.
3. Nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor; se for do réu, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo advogado. […].
Na redacção deste preceito anterior a essa reforma, os efeitos da renúncia ao mandato só se produziam, nos casos em que fosse obrigatória a constituição de advogado, 'depois de constituído novo mandatário', podendo o mandatário renunciante, se a parte se demorasse a constituir novo mandatário, requerer que se lhe fixasse prazo para esse fim. Nesse regime, não havia, em princípio, interrupção da assistência à parte por advogado, pelo que não havia justificação para interrupção ou suspensão dos prazos processuais que estivessem a correr.
O regime actual é diferente: a renúncia produz efeitos a partir da sua notificação ao mandante e é a lei que fixa logo o prazo (de 20 dias, a contar dessa notificação) para a parte constituir novo mandatário, suspendendo-se a instância se não for constituído mandatário nesse prazo, se a falta for do autor, ou prosseguindo o processo, se for do réu.
A lei não diz expressamente se há lugar à suspensão ou interrupção dos prazos processuais que estejam a correr, designadamente para a interposição de recursos ou apresentação de alegações, mormente por referência ao período de 20 dias que a lei faculta ao mandante para diligenciar pela constituição de novo mandatário. E não há também um entendimento uniforme sobre o momento em que se produzem os efeitos do acto de renúncia.
Pode entender-se que a renúncia produz efeitos a partir da sua notificação ao mandante, o que significa que a parte pode ficar desprovida da assistência de advogado entre o momento dessa notificação e o da constituição de novo mandatário, ou ainda que o mandatário mantém o patrocínio pelo período de 20 dias, desde a notificação da renúncia, excepto se entretanto o mandante constituir novo advogado.
Diferentemente, porém, os recorrentes propugnam que uma interpretação normativa que não atribua ao próprio acto de renúncia do mandato o efeito suspensivo ou interruptivo do prazo processual que estiver em curso (independentemente, por conseguinte da sua notificação ao mandante), é em si violadora da Lei Fundamental por referência a diferentes parâmetros de constitucionalidade:
- por um lado, a quebra de relação de confiança que está subjacente à renúncia do mandato torna inexigível e impraticável que o mandatário renunciante deva continuar a exercer o mandato a partir do momento em que formaliza a renúncia, podendo colocar-se aqui a violação dos princípios constitucionais da proibição da indefesa, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, do direito ao processo equitativo e do direito ao patrocínio judiciário, consagrados nos artigos 2.º e 20°, n°s 1, 2 e 4, da Constituição;
- poderá estar em causa a violação do princípio da igualdade de armas, porquanto, continuando o prazo a correr, a parte afectada pela renúncia do mandato fica numa posição processual mais gravosa que a da contraparte que não tenha sofrido idêntica vicissitude;
- poderá ainda ocorrer a violação do princípio da igualdade na medida em que as normas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 39.º do Código de Processo Civil passam a contemplar, sem fundamento material bastante, uma solução jurídica diversa da prevista no artigo 34º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, para o pedido de escusa do patrono nomeado, no âmbito do apoio judiciário.
O artigo 20º da Constituição é uma norma-princípio estruturante do Estado de Direito democrático que reconhece vários direitos conexos que são todos eles componentes de um direito geral à protecção jurídica: a garantia do acesso ao direito e aos tribunais (n.º 1), que congloba o direito ao patrocínio judiciário, enquanto direito de os particulares serem técnico-juridicamente aconselhados em vista a obterem uma cabal defesa das suas posições jurídico-substantivas (n.º 2); o direito ao processo equitativo, que envolve, entre outras vertentes, a aplicação do princípio da igualdade de armas ou de igualdade substantiva das partes no processo, do princípio da proibição da indefesa e do princípio do contraditório (n.º 4); e o direito à tutela jurisdicional efectiva, que postula a possibilidade de recurso a tipos de acções que assegurem a efectividade da protecção de direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (de que constitui mera decorrência o princípio pro actione) (n.º 5).
Ora, não se vê em que termos é qualquer desses direitos e garantias constitucionais pode ter ficado afectado pela interpretação normativa efectuada pelo tribunal recorrido.
Como se afirmou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 314/2007, da aplicação do artigo 39º do Código de Processo Civil resulta que a renúncia ao mandato por parte de advogado constituído não tem como consequência a imediata extinção da relação de mandato e a consequente cessação das obrigações do mandatário para com o seu cliente (nº 1), mantendo-se o dever do mandatário renunciante prestar assistência ao mandante, o qual tem, de resto, de ser “pontual e escrupulosamente” cumprido, como impõe o artigo 83º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Nos termos do nº 2 desse artigo, a renúncia só produz efeitos, extinguindo a relação de mandato, com a sua notificação ao mandante, pelo que só a partir da recepção da declaração de renúncia pelo arguido, cessam os deveres do mandatário renunciante para com o seu cliente.
Assim, não pode considerar-se que a parte, entre a declaração de renúncia e a sua recepção pelo destinatário, tenha ficado desprovido de mandatário judicial.
O que unicamente sucedeu, no caso concreto, é que o mandatário renunciante, no período em que a renúncia ainda não era eficaz, deixou de apresentar as alegações de recurso cujo prazo terminava no dia seguinte àquele em que formalizou a renúncia.
Na verdade, em nenhum momento do decurso do prazo para a apresentação das alegações os interessados ficaram desprovidos de mandatário judicial, visto que esse prazo terminou a 15 de Maio de 2008, ao passo que a notificação da renúncia aos mandantes só foi efectuada em 2 de Junho seguinte, quando o exercício do direito processual se tinha já extinguido.
E não há nenhum motivo para considerar uma situação de impraticabilidade ou inexigibilidade de outra conduta. O termo do prazo ocorreu no dia imediato à renúncia do mandato, pelo que o mandatário pode dispor da quase totalidade do período legalmente cominado para elaborar as alegações; e, por outro lado, independentemente de uma eventual quebra na relação de confiança entre o mandante e o mandatário, o certo é este não poderia deixar de cumprir as obrigações a que se encontrava adstrito enquanto que o mandato não pudesse considerar-se extinto, o que pressupunha a notificação ao mandante, como previsto no artigo 39º do Código de Processo Civil.
Há aqui que contrapor os interesses do mandatário aos interesses do mandante e ainda aos interesses da boa administração da justiça. Assim se compreende que a revogação e a renúncia do mandato judicial tenham lugar no próprio processo. O regime do artigo 39º do Código de Processo Civil visa justamente acautelar a produção de efeitos negativos para a parte devido à falta de constituição de advogado quando esse patrocínio é obrigatório. Daí que o advogado renunciante continue ligado ao mandato, pelo menos, até que este se extinga com a notificação prevista naquele preceito (cfr., neste sentido, Luís Vasconcelos Abreu, em anotação ao acórdão do STJ de 16 de Abril de 2002, citado).
Não se mostram, pois, violados quaisquer dos direitos e princípios constitucionais invocados.
4. Tendo-se mantido o mandatário judicial constituído ligado ao mandato até ao termo do prazo para a apresentação das alegações – como se concluiu - é patente que não ocorreu qualquer perturbação relativamente ao exercício do direito de recurso que afectasse a posição processual dos recorrentes ou os colocasse em situação de desvantagem em relação à contraparte.
De facto, a substituição do mandatário em razão da renúncia apenas poderia ter ocorrido num momento posterior à notificação ao mandante e esta só teve lugar muito depois do termo do prazo para a apresentação das alegações, pelo que nada obstou, à luz de todas as considerações já expostas, que os recorrentes pudessem exercer de modo efectivo o seu direito de recurso, só podendo atribuir-se à conduta negligente do advogado a preclusão do direito.
Não foi, pois, posta em causa, de nenhum modo, o estatuto da igualdade substancial das partes, designadamente no tocante ao exercício de faculdades ou ao uso de meios de defesa - tal como está concretizado no artigo 3º-A do Código de Processo Civil. E deve notar-se que o princípio da igualdade substancial das partes, destinando-se a prevenir ou corrigir as posições de desigualdade que se verifiquem no processo, não permite postergar os regimes imperativos definidos na lei e que visam, por si, instituir situações de igualdade formal entre as partes. Não é possível, por isso, invocar a igualdade substancial das partes para derrogar os prazos imperativos, que se encontram definidos em abstracto para ambos os sujeitos processuais, e designadamente os prazos estabelecidos para a apresentação de alegações de recurso (cfr. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, pág. 43).
Ora, impondo a lei, em benefício dos interesses das partes e da administração da justiça, que a renúncia do mandato tenha lugar no próprio processo e seja notificada, tanto ao mandante, como à parte contrária (artigo 39º, n.º 1, do Código de Processo Civil), a possibilidade de suspensão ou interrupção do prazo em curso por um mero acto de vontade do advogado constituído, ainda antes de ter chegado ao conhecimento dos demais interessados, é que poderia acarretar a violação do princípio da igualdade das partes, já que implicaria a atribuição injustificada a um dos intervenientes de uma vantagem processual, traduzida na ampliação ou na recontagem do prazo para a prática do acto.
5. Pretendem ainda os recorrentes que a interpretação normativa adoptada pelo tribunal recorrido gera uma situação de diferenciação injustificada entre as pessoas que litigam com patrocínio judiciário e aquelas que litigam com mandato forense, porquanto o artigo 34º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, para a situação similar de pedido de escusa do patrono nomeado, no âmbito do procedimento de concessão de apoio judiciário, contempla, inversamente ao que sucede com a renúncia do mandato, a interrupção do prazo que estiver em curso, quando a escusa for apresentada na pendência do processo.
Essa distinção, segundo se alega, é arbitrária e destituída de qualquer fundamento racional, baseada apenas na situação económica das pessoas, pelo que representa uma violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição.
O princípio da igualdade, enquanto parâmetro constitucional capaz de limitar as acções do legislador, tem uma tripla dimensão: a da proibição do arbítrio legislativo, a da proibição de discriminações negativas, não fundadas, entre as pessoas e a eventual imposição de discriminações positivas (veja-se, entre outros, o Acórdão n.º 232/2003). Embora os recorrentes aludam à atribuição de um privilégio em função da situação económica (referindo-se àqueles que, em razão da sua condição social, recorrem ao sistema de protecção jurídica para assegurarem a defesa dos seus direitos ou interesses numa causa judicial), parece dever entender-se que têm em vista, não a diferenciação de tratamento entre pessoas com base numa categoria subjectiva, mas apenas o princípio da igualdade na sua dimensão de proibição do arbítrio, visto que o que está em causa é unicamente a diferença entre os regimes processuais da renúncia ao mandato judicial e o pedido de escusa do patrono nomeado.
O que impõe averiguar, neste contexto, é se essa diferença de regimes poderá entender-se como arbitrária e, como tal, não possa ser fundamentada à luz de um critério inteligível ou racionalmente apreensível.
Ora, há desde logo que fazer notar que as normas em causa têm um campo de aplicação inteiramente distinto. O apoio judiciário compreende diversas modalidades, incluindo a nomeação de patrono, e deve ser requerido, independentemente da posição processual que o requerente ocupe na causa, antes da primeira intervenção processual, ou se a situação de insuficiência económica for superveniente, antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da respectiva situação (artigos 16º, n.º 1, e 18º, n.ºs 1, 2 e 3, da lei n.º 34/2004).
Nos casos em que é concedido apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, compete à Ordem dos Advogados a escolha e nomeação de advogado e a nomeação é notificada ao requerente e ao patrono nomeado e, nos casos em que o requerimento tiver sido apresentado na pendência da acção judicial, para além de ser feita com a expressa advertência do início do prazo judicial, é igualmente comunicada ao tribunal (artigo 30º, n.º 1, e 31º, n.º 1).
O artigo 34.º prevê que o patrono nomeado possa pedir escusa, mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados, com indicação dos respectivos motivos, competindo à Ordem apreciar e deliberar sobre o pedido de escusa no prazo de 15 dias, e proceder imediatamente à nomeação e designação de novo patrono, quando seja concedida (n.ºs 1, 4 e 5).
É esse pedido de escusa que, quando apresentado na pendência do processo, «interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido». Esse regime está em plena consonância com o igualmente previsto no n.º 4 do artigo 24.º, que estabelece o seguinte: «[q]uando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo».
O sistema é perfeitamente compreensível. Não dispondo o interessado de meios económicos para intervir numa acção judicial, e pretendendo a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se e começa a contar-se de novo, consoante os casos, a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário nessa modalidade. Isso porque, de outro modo, o requerente, não usufruindo de condições económicas para suportar os honorários de advogado, ficava efectivamente impedido de exercer os seus direitos se concomitantemente com o procedimento de concessão do apoio judiciário continuasse a correr o prazo para a prática do acto processual. E, nos mesmos termos, a interrupção do prazo processual justifica-se se o patrono nomeado pedir escusa, visto que aceite a escusa, será o novo patrono que venha a ser designado que terá de preparar a intervenção no processo, e, por conseguinte, será necessário diferir para o momento dessa nova designação a contagem do prazo relativo à prática do acto processual.
É patente, por outro lado, que não há qualquer analogia de situação com o regime de renúncia ao mandato a que se refere o artigo 39º do Código de Processo Civil. Aqui o interessado confere ao advogado escolhido mandato judicial, pelo qual lhe atribui poderes para o representar como parte em todos os actos e termos do processo (artigos 35º e 36º do Código de Processo Civil) e, nos termos previstos nesse artigo 39º, para salvaguarda dos interesses do mandante, a renúncia do mandato tem de ser efectuada no processo e notificada ao mandante e só produz efeitos a partir dessa notificação, dispondo o mandante de um prazo razoável (20 dias) para constituir novo mandatário.
Não há, por isso, qualquer risco, em situação de normalidade e desde que se use a diligência devida, de a parte deixar de exercer os direitos processuais por virtude da renúncia do mandato, visto que a lei contempla mecanismos que permitem assegurar a representação processual sem prejuízo para a defesa dos interesses que se pretende fazer valer na acção.
A especialidade do regime tem, pois, a fundamentá-la uma razão material bastante, razão essa congruente com a prossecução, por parte do legislador ordinário, de interesses e valores constitucionais dotados de particular relevância. Tanto basta para que se conclua que, também face ao parâmetro contido no artigo 13.º da Constituição, não merece a norma sob juízo qualquer censura.
III. Decisão
Termos em que se decide negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
Lisboa, 12 de Maio de 2010
Carlos Fernandes Cadilha
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão