Processo n.º 425/10
1ª Secção
Relator: Conselheiro Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e são recorridos B. e C., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
2. Mediante decisão sumária decidiu-se não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto, com a seguinte fundamentação:
«1. Face ao preceito a que o recorrente reporta a norma que é objecto do presente recurso – o artigo 712º, nº 1, do Código de Processo Civil – é de concluir que o mesmo vem interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Janeiro de 2010. À mesma conclusão se chega considerando o objecto dos dois outros acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça. Nem para a decisão tomada pelo acórdão de 2 de Março de 2010 (que indeferiu pedido de aclaração do acórdão de 20 de Janeiro) nem para a decisão tomada pelo acórdão de 4 de Maio de 2010 (que indeferiu pedido de reforma do acórdão de 2 de Março de 2010, arguição de nulidades e reforma do acórdão de 20 de Janeiro de 2010) se revela convocável o disposto no nº 1 do artigo 712º do Código de Processo Civil.
2. Do requerimento de interposição de recurso resulta que o recorrente não indica, com precisão, a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie, não observando, pois, o disposto na parte final do nº 1 do artigo 75º-A da LTC. O recorrente indica como objecto do recurso a norma do artigo 712º, nº 1, do Código de Processo Civil, com o sentido aplicado pela Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas não identifica um tal sentido normativo.
Não se justifica, porém, a formulação do convite a que se refere o nº 6 do citado artigo 75º-A. Ainda que o recorrente viesse indicar, com precisão, a norma cuja apreciação pretende, justificar-se-ia sempre não tomar conhecimento do objecto do recurso, por não se poder dar como verificado um dos seus requisitos.
3. Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC a suscitação durante o processo, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, da questão de inconstitucionalidade que o recorrente pretende que o Tribunal aprecie (cf. artigo 72º, nº 2, da LTC).
Da peça processual indicada pelo recorrente em cumprimento do disposto na parte final do nº 2 do artigo 75º-A da LTC – alegações do recurso de revista –, designadamente das passagens expressamente indicadas, resulta que aquele ónus não foi observado, o que obsta ao conhecimento do objecto do recurso, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC).
Nas alegações do recurso de revista, o recorrente não identifica o sentido normativo do artigo 712º do Código de Processo Civil, expresso no acórdão recorrido, cuja constitucionalidade pretendia questionar, sustentando, genericamente, a inconstitucionalidade do complexo normativo do artigo 712º do Código de Processo Civil.
No que respeita às outras peças processuais indicadas no requerimento de interposição de recurso – os requerimentos de 3 de Fevereiro de 2010 e de 18 de Março de 2010 – é de concluir que as mesmas não foram apresentadas perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (o acórdão de 20 de Janeiro de 2010). Ainda que assim não fosse, o certo é que também nelas não foi suscitada, de modo processualmente adequado, uma questão de inconstitucionalidade normativa reportada àquele artigo do Código de Processo Civil (cf. fl. 1059 e ss. e 1102 e ss. dos autos)».
3. Notificado da decisão sumária de 14 de Julho de 2010, o recorrente apresentou o seguinte requerimento:
«1. O presente requerimento é apresentado ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 78º-B, n.º 1, e 69.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), e 666.º, n.ºs 2 e 3, 667.º, n.º 1, e 670.º, n.º 3, 1.º segmento, do Código de Processo Civil (CPC), na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
2. O fundamento material do presente requerimento é a existência de inexactidões no referido texto. Para melhor precisar o objecto do presente requerimento, reproduz-se, com a devida vénia, o entendimento do Prof. Alberto dos Reis, sobre o disposto no invocado artigo 667.º, n.º 1, do CPC:
(…)
3. No modesto entendimento do Recorrente, tais inexactidões não podem subsistir, independentemente do sentido da respectiva decisão — que, agora, não se sindica. A pretensão do Recorrente é apenas a de que a factualidade processual documentada nos autos seja fielmente narrada. Assim, pede a rectificação dos segmentos do texto de 14-07-2010, que reproduz:
3.1. << Face ao preceito a que o recorrente reporta a norma que é objecto do presente recurso — o artigo 712º, nº 1, do Código de Processo Civil — é de concluir que o mesmo vem interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Janeiro de 2010 >>. Ora, no entender do Recorrente, o recurso tem de ser considerado como interposto, afinal, dos acórdãos de 20.1.2010, 2.3.2010 e 4.5.2010, que formam, no fim de contas, e ope legis, a decisão compósita impugnada. Efectivamente, e nos termos do n.º 2 (na redacção aplicável) do artigo 670.º do CPC), das decisões que recaem sobre os pedidos de rectificação e ou de reforma do primeiro acórdão proferido não cabe recurso, mas é manifesto que o conteúdo das decisões proferidas sobre esses pedidos complementam, e esclarecem, em desfavor do Recorrente, o primeiro acórdão aludido.
E se assim é em termos gerais, maior é a relevância da matéria em termos específicos, tendo em conta que nos pedidos de rectificação, arguição e reforma se abordou sempre a questão da suscitada inconstitucionalidade
3.2. <<< Nem para a decisão tomada pelo acórdão de 2 de Março de 2010 (que indeferiu pedido de aclaração do acórdão de 20 de Janeiro) nem para a decisão tomada pelo acórdão de 4 de Maio de 2010 (que indeferiu pedido de reforma do acórdão de 2 de Março de 2010, arguição de nulidade e reforma do acórdão de 20 de Janeiro de 2010) se revela convocável o disposto no nº 1 do artigo 712º do Código de Processo Civil) >>. Ora, sobre a norma do artigo 712.º, n.º 1, do CPC, encontra-se escrito nos ditos acórdãos e nos requerimentos que constituem o seu objecto:
a) no requerimento de 3.2.2010, n.º 4, que constitui objecto do acórdão de 2.3.2010:
<< Em causa, concretamente, a questão da inconstitucionalidade das normas do artigo 712.º do C. P. C., quando interpretadas com o sentido expresso no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que estava sub judice.
O Recorrente sustentou essa posição e levou-a, fundamentando (do modo sintético que a lei impõe) às conclusões da sua alegação (conclusões 15ª e l6ª), aliás transcritas no acórdão (sua página 3).
Tal fundamentação, com maior desenvolvimento, ficara a constar do n. º 16 (g. página) da alegação do Recorrente, no qual se frisou que a inconstitucionalidade apontada decorria da violação da “garantia da tutela da confiança e da segurança plasmada no artigo 2.º da CRP.
Sucede que o douto acórdão de 20 de Janeiro findo afirma (sua pág. 10) que a inconstitucionalidade apontada se não verifica, considerando incontroverso (sic) que é assim “quer por total carência de fundamentação, que por simples inferência lógica”.
E conclui assim depois de recolher apenas algumas generalidades a respeito do Estado de Direito e do artigo 2.º da Constituição, sem, contudo, trazer à liça e analisar as questões, suscitadas, da tutela da confiança e da segurança.
Pois bem, e por mais que tenha porfiado, o Recorrente não consegue deslindar, sem a aclaração ora pedida, o alcance e o sentido do parágrafo do acórdão que antecede a já referida afirmação de inexistência de inconstitucionalidade.
E necessita de ver clarificado o silogismo jurídico de que foi feito uso no acórdão em apreço.
Mais: precisa de ver clarificado por esse Supremo Tribunal se, visando decidir quanto à falada questão da inconstitucionalidade que suscitara, levou em conta apenas o que ficou a constar das referidas conclusões 15.ªe 16.ª ou também o que se consignou no ponto já assinalado das alegações do Recorrente (n.º 16, 9.ª página)·>>
b) no acórdão do STJ de 2.3.2010, sobre este requerimento de 3.2.2010, nº 4: << a invocação da inconstitucionalidade surge ainda mais incompreensível, porquanto não se considera violado nenhum dos direitos fundamentais consagrados na Constituição, mas antes o artigo 2.º da Constituição que densifica o conceito de Estado de Direito.
Como se disse, só uma violação particularmente grave do Estado de Direito, não perceptível das conclusões do recorrente nem susceptível de ser extraída da mera confrontação das normas em questão, permitiria uma conclusão diferente>>».
c) no requerimento de 18.3.2010, n.º 4.2, que constitui objecto do acórdão de 4.5.2010: <
>;
d) no acórdão do STJ de 4.5.2010, sobre a questão da arguida inconstitucionalidade do artigo 712.º, nº1, do CPC : << conheceu-se da concreta questão de constitucionalidade suscitada>> … <> …
- Pelo que, independentemente do juízo que possa ser feito sobre o mérito de tais textos, o Recorrente pede seja narrada a realidade dos autos sobre a arguição de inconstitucionalidade do artigo 712.º, n.º 1, do CPC, e a respectiva pronúncia dos acórdãos recorridos de 2.3.2010 e 4.5.2010.
3.3. << Da peça processual indicada pelo recorrente em cumprimento do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 75º-A da LTC – alegações de recurso de revista – designadamente das passagens expressamente indicadas, resulta que aquele ónus não foi observado » . . . Ora, o recorrente, no seu requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, indicou também os requerimentos de 3.2.2010 e 18.3.2010.
- Pelo que e independentemente do mérito do teor dos ditos requerimentos de 3.2.2010 e 18.3.2010, o Recorrente pede seja rectificado aquele texto de modo a que ele abranja todas as peças processuais referidas para efeito do disposto no artigo 75º-A, n.º2, parte final, da LTC.
3.4. <> Ora, os requerimentos de 3.2.2010 e de 18.3.2010 foram dirigidos e apresentados no mesmo Tribunal que proferiu o acórdão de 20.1.2010. ao abrigo das disposições legais nele invocadas.
- Pelo que, e independentemente da relevância reconhecida aos termos em que neles foi pedida a aclaração, o suprimento da nulidade e a reforma do acórdão de 20.1.2010, o Recorrente pede seja rectificado aquele texto, de modo a que dele conste que os requerimentos em causa foram apresentados ao mesmo Tribunal.
3.5. <> Ora, nos requerimentos de 3.2.2010 e de 18.3.2010 foi reiterada a questão da inconstitucionalidade do artigo 712.º, n.º 1, do CPC, com o sentido aplicado pela Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça.
- Pelo que, e independentemente do julgamento da adequação do modo, o Recorrente pede seja rectificado aquele texto, em termo de dele constar que nos requerimentos de 3.2.2010 e 18.3.2010 foi reiterada a questão da inconstitucionalidade do artigo 712.º, n.º 1, do CPC.
4. O presente requerimento não é abrangido pelo disposto nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, independentemente do acolhimento que seja dado ao nele peticionado».
Notificados, os recorridos não responderam.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Das disposições conjugadas dos artigos 667.º e 716.º do Código de Processo Civil e 69.º e 78.º-A, n.º 3, da LTC resulta que os recorrentes podem requerer a rectificação de erros matérias que a decisão sumária contenha, reclamando para a conferência.
Alegando que o “fundamento material” do requerimento apresentado é “a existência de inexactidões” no texto da decisão sumária, o requerente “pede a rectificação dos segmentos do texto de 14-07-2010, que reproduz”.
Do confronto dos segmentos da decisão sumária que o requerente reproduz (cfr. supra ponto 3. do Relatório) com o que dispõe o artigo 667.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, resulta, porém, que o que recorrente pretende, verdadeiramente, é discordar do já decidido quanto ao conhecimento do objecto do recuso interposto, o que configura uma reclamação e como tal deve ser tratado (artigos 78.º-A, n.º 3, da LTC e 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro).
Discorda, em primeiro lugar, da delimitação feita pelo Tribunal no sentido de o recurso ter sido interposto do acórdão de 20 de Janeiro de 2010, suprindo desta forma o ónus que impende sobre o recorrente de indicar, em termos claros, qual a decisão que pretende impugnar perante o Tribunal Constitucional (cfr. Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, pp. 211 e segs. e 219 e segs.). O que mais não foi do que considerar que um dos requisitos do recurso de constitucionalidade interposto é a aplicação pela decisão recorrida, como ratio decidendi, da norma cuja apreciação é requerida ao Tribunal Constitucional. Requisito que não poderia dar-se como verificado se as decisões recorridas fossem as proferidas em 2 de Março e em 4 de Maio de 2010. A primeira, porque se limitou a indeferir o pedido de aclaração do acórdão de 20 de Janeiro (fls. 1068 e segs.); a segunda, porque apenas indeferiu pedido de reforma do acórdão de 2 de Março de 2010 e arguição de nulidades e pedido de reforma do acórdão de 20 de Janeiro de 2010 (fl. 1122 e segs.).
Discorda, em segundo lugar, de não se ter tomado conhecimento do objecto do recurso interposto – norma reportada ao artigo 712.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – com fundamento na não suscitação da questão de inconstitucionalidade durante o processo, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC). Especificamente face aos requerimentos de 3 de Fevereiro e de 18 de Março de 2010, quando estes foram apresentados já depois de ter sido proferido o acórdão de 20 de Janeiro de 2010. Esquecendo o recorrente que o requisito da suscitação prévia e de forma adequada da questão de inconstitucionalidade supõe que esta seja suscitada, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer. Isto é, em termos de este estar obrigado a conhecer da questão de inconstitucionalidade na própria decisão que depois se poderá impugnar perante o Tribunal Constitucional. No caso, como o recorrente não questionou a constitucionalidade da norma, de modo processualmente adequado nas alegações do recurso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça não estava obrigado a conhecer da questão de inconstitucionalidade no acórdão de 20 de Janeiro de 2010, fechando-se, por isso, a via do recurso de constitucionalidade.
Face ao exposto, resta confirmar a decisão reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 12 de Outubro de 2010.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.