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Processo n.º 862/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Notificada do acórdão n.º 19/2010, que negou provimento ao recurso interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2007, vem a recorrente Liga Portuguesa de Futebol Profissional arguir nulidades processuais e, supletivamente, pedir a reforma da decisão quanto a custas.
Indica a recorrente como fundamento de nulidade a falta de declaração do impedimento do Juiz Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha, relator por vencimento do referido acórdão, e o facto de este ter sido tirado sem o necessário vencimento quanto à fundamentação.
Resulta do artigo 716.º, n.º 3, do Código de Processo Civil que, tendo o acórdão sido lavrado pelo primeiro adjunto vencedor, este deferirá ainda aos termos que se seguirem, para integração, aclaração ou reforma do acórdão.
Porém, sendo invocado, como fundamento da nulidade processual, a omissão de declaração do impedimento do Juiz que relatou o acórdão, deixa este de poder participar na discussão e decisão do seu próprio impedimento, questão esta que importa resolver previamente em relação às demais questão suscitadas.
Assim, deve a questão do impedimento ser decidida previamente, sendo o acórdão relatado pelo primitivo relator, por não ser matéria a que se estenda a competência do relator por vencimento.
2. A pretensão da recorrente quanto à situação do impedimento suscitada fundamenta-se no seguinte:
1. A lei de processo civil garante a imparcialidade dos juízes por via do instituto dos impedimentos (art. 122.º) e o das suspeições (art. 127.º)
2. As causas de impedimento originam uma incapacidade absoluta para o exercício da função judicial no processo a que respeitam e vêm enumeradas taxativamente no mencionado art. 122.º do CPC.
3. Relativamente aos casos de impedimento, e no que releva para a hipótese subjuditio, dispõe a al. e) do n.º 1 do art. 122º;
Nenhum juiz pode exercer as suas funções, em jurisdição contenciosa ou voluntária, “quando se trate de recurso interposto em processo no qual tenha tido intervenção como juiz de outro tribunal, quer proferindo a decisão recorrida, quer tomando de outro modo posição sobre questões suscitadas no recurso”.
4. A citada al. e) do n.º 1 do art. 122.º mantém a sua redacção originária (que, no essencial, equivale ao texto do CPC de 1939), salvo no que toca à supressão da referencia ao “recurso para o tribunal pleno” operada pelo DL 180/96, com vista à necessidade de harmonização legislativa ditada pela eliminação desse tipo de recurso.
5. Trata-se de um impedimento objectivo, fundado na relação entre o juiz e o objecto do processo: a inibição de intervenção do julgador decorre da verificação de uma causa objectiva susceptível de afectar a isenção do seu julgamento.
6. Mais concretamente o fundamento de tal impedimento é a normal “predisposição para reproduzir um juízo já emitido”, o que, a ocorrer, eliminaria ou ao menos enfraqueceria a garantia do recurso (cfr., por todos, Alberto dos Reis, Comentários ao CPC, vol. 1, pg. 400).
Isto dito.
7. Com interesse para a hipótese que nos ocupa, os factos e ocorrências processuais são os seguintes:
a. Nos autos de acção de anulação de cláusulas de convenção colectiva de trabalho, o A., tendo ficado vencido na decisão da 1a instância, interpôs recurso per saltum para o STJ, no qual suscitou, inter alia, a inconstitucionalidade material do art. 52.º, n.º 1 do CCT celebrado entre o SJPF e a Liga P.F.P., com fundamento em violação dos direitos constitucionais à escolha de profissão e ao trabalho;
b. Por acórdão de 7.3.2007, o STJ declarou a nulidade do art. 52º, n.º 1, da convenção colectiva, julgando, para tanto, a sua inconstitucionalidade orgânica decorrente da violação da reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República:
c. Notificada desse acórdão, a aqui requerente arguiu nulidade processual com o fundamento de tal arresto constituir uma decisão-surpresa, em violação do principio do contraditório, na medida em que a questão da inconstitucionalidade orgânica não tinha sido suscitada no decurso do processo, e, em consequência, não foi previamente ouvida quanto à solução jurídica do caso:
d. Por acórdão de 12.7.2007, o STJ julgou improcedente a referida a arguição de nulidade, concluindo que não se justificava a audição prévia das partes antes de se decidir pela inconstitucionalidade orgânica, porquanto a questão a decidir era, sempre e só, a da conformidade constitucional de uma dada cláusula do CCT, compreendendo-se nela todos os possíveis vícios de inconstitucionalidade;
e. A requerente interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b), do n.º 1, do art. 70º da LTC;
f. Por despacho do então relator, o âmbito do recurso de constitucionalidade foi restringido à apreciação da inconstitucionalidade do complexo normativo formado pelos arts. 3º e 201º, n.º 1 do CPC, por violação do direito fundamental a uma tutela judicial efectiva e a um processo equitativo (arts. 20º, n.º 1 e 4, da CRP), na interpretação segundo a qual não constitui nulidade processual por violação de formalidade essencial a omissão de convite para exercício do contraditório no caso de o tribunal decidir julgar organicamente inconstitucional uma cláusula de uma convenção colectiva de trabalho, quando a discussão nos autos (e, sobretudo, o objecto do recurso de revista) se confinou à arguição da inconstitucionalidade material dessa norma convencional;
g. Por acórdão de 13.1.2010, foi decidido negar provimento ao recurso;
h. A decisão foi tomada por maioria, com os votos favoráveis de três Juízes Conselheiros, tendo votado vencido o primitivo Juiz Relator e uma outra Juiz Conselheiro-Adjunto;
i. Tendo o Juiz Relator (Senhor Conselheiro Vítor Gomes) ficado vencido relativamente à decisão, o Acórdão foi lavrado, nos termos do art. 713º, n.º 3, do CPC, pelo primeiro adjunto vencedor – o Senhor Conselheiro Cadilha;
8. Ao ser notificado do Acórdão de fls… a requerente apercebeu-se que o Juiz Conselheiro Cadilha que elaborou a decisão na qualidade de Relator por vencimento, tinha sido um dos Julgadores que subscrevera o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.3.07, posteriormente objecto de arguição de nulidade julgada improcedente por Acórdão do mesmo Tribunal de 12.7.07.
9. Temos assim que o Juiz que profere a decisão sob recurso é ele próprio a decidir sobre a mesma no Tribunal para onde se recorreu.
10. Como vimos, o art. 122º, nº 1 al. e) do CPC, impede que seja o mesmo juiz a apreciar, em recurso, a decisão recorrida ou que tenha tomado de outro modo posição sobre questões suscitadas no recurso.
11. Do exposto segue-se, em conclusão, que o Senhor Conselheiro Cadilha estava impedido, por força do disposto no art. 122º, nº 1, al. e) do CPC de proferir a decisão em causa, pelo que, ao fazê-lo, está-se em presença de um acto proibido por lei e, portanto, nulo – art 201º do CPC.
12. E não se diga que não são de considerar nulos os actos do juiz afectado de impedimento enquanto este não é declarado.
13.Com efeito, é o próprio juiz impedido que declara o impedimento. Se o não fizer, podem as partes requerer a declaração de impedimento – artº 123º do CPC
14.Consequentemente, nos termos da lei, não se verifica uma mera obrigação de não exercer o poder jurisdicional, mas sim uma condição impeditiva do exercício da função judicial; o legislador não se limita a impor o magistrado o dever de se abster de funcionar; impede-o, literalmente, de exercer funções.
15.A própria designação da figura, os termos em que a lei estabelece a proibição da intervenção do juiz – “nenhum juiz pode exercer as suas funções…” (corpo do nº 1 do art. 122º) – a inclusão, à cabeça dos casos de impedimento, daquele em que o juiz é parte na causa, hipótese em que o exercício da jurisdição repugna à mais permissiva concepção da imparcialidade do julgador, todos estes elementos são subsídios que militam no sentido de concluir que a lei determinou, através dos impedimentos, verdadeiras condições impeditivas – logo dirimentes – do poder do magistrado.
16. Importa, antes do mais, atender à própria essência da figura do impedimento, que consiste em inibir o juiz de intervir quando em relação a ele se verifica causa objectiva susceptível de afectar a isenção do seu julgamento.
17. Não está em causa um mero dever deontológico do juiz, mas a própria administração da justiça, no que tem de mais sério: o tribunal deve ser um templo do direito, onde apenas este impere: se ocorre uma circunstância susceptível de afectar este primado, é a própria Justiça que é prejudicada.
18.Daqui que o legislador tenha optado por impor uma espada de Dâmocles sobre o processado pelo Juiz impedido: se o juiz se não declarar voluntariamente impedido, qualquer das partes pode requerer a declaração de impedimento.
19. Por este motivo, não colhe a objecção de Alberto dos Reis à posição de Palma Carlos, no Comentário ao CPC, 1, pg. 419: a omissão da declaração de impedimento pelo juiz não é apenas a falta de prática de um acto que a lei prescreve: é-o também decerto. Mas a necessidade do acto justifica-se nos interesses do exercício da jurisdição e não nos princípios subjacentes à tramitação processual.
20. Não é, pois, razoável o entendimento de que os actos praticados pelo juiz antes da declaração de impedimento possam salvar-se.
21.Bem pelo contrário, não se vê como possam salvar-se, pelo menos, os actos praticados por juiz impedido e que tenham influência no conhecimento ou na decisão da causa.
22. Nos termos do art. 201º, nº 1, do CPC, a prática de um acto que a lei não admita produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
23. Donde, mesmo que se adira à tese de Alberto dos Reis de não considerar nulos os actos do juiz afectado de impedimento enquanto este não é declarado, se a irregularidade cometida puder influir no exame ou na decisão da causa verifica-se a ocorrência de uma nulidade processual.
24.Como certeiramente discreteia José Lebre de Freitas (CPC Anot., vol. 1º, pg. 226), “afigura-se que a pedra de toque da questão não é o acto praticado pelo juiz impedido, mas a omissão da declaração de impedimento imposta por lei logo que objectivamente se verifique qualquer das situações em apreço. Esta omissão é geradora de nulidade, nos termos do art. 201-1, sempre que se verifique também o requisito da respectiva parte final, ou seja, quando considerados os actos entretanto praticados, possa influir no exame ou na decisão da causa. Afirma-o como regra Teixeira de Sousa, A competência cit., pq. 27”– vd., t.b., Palma Carlos, CPC Anot., 1, pg. 92.
25. Ora, a intervenção do Senhor Conselheiro Cadilha na prolação do acórdão, apesar da situação legal de impedimento, pode e deve ser juridicamente qualificada como sendo susceptível de influir no exame e na decisão da causa.
26.Sendo certo que, de acordo com o nº 1 do art. 201º do CPC, basta a simples possibilidade de influência no exame ou decisão da causa para que a irregularidade cometida constitua uma nulidade processual.
27. Talvez se possa aplicar ao contencioso a máxima de Clausewitz, entendendo que ele é a negociação por outros meios: mas, tal como não faz sentido que se coloquem diplomatas em posições militares no campo de batalha, também não é compreensível que se considere não poder ter influência no exame ou na decisão da causa a circunstância de ser o mesmo juiz a apreciar, em recurso, a decisão recorrida.
28. Sobretudo, quando, como é o caso, a decisão é proferida por esse magistrado em substituição do primitivo relator que ficou vencido.
29. Estando impedido, como efectivamente estava, o Senhor Conselheiro Cadilha não poderia exercer as funções de relator, devendo ser substituído, enquanto primeiro juiz adjunto, nos termos do nº 2 do art. 711º do CPC.
30. O que, entre o mais, implicava a consequência de não poder exercer o voto de desempate no caso de não se formar maioria – art. 709º, nº 5, CPC.
31.De resto, tenha-se presente que esta questão não pode deixar de ser vista sob a perspectiva do direito fundamental a um processo equitativo, tal como este direito vem consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH).
32. Com efeito, no art. 6º, § 1, da CEDH estatui-se que “[q]ualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial.”
33.Trata-se, ademais, de consagrar a imparcialidade dos tribunais não apenas como um princípio geral de organização judiciária e de disciplina processual, mas também –, e sobretudo – como um direito fundamental dos cidadãos.
34. Como a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem há muito vem definindo, há dois testes para aferir se um tribunal é imparcial, nos termos e para os efeitos do art. 6°, § 1, da CEDH: o primeiro consiste em determinar a convicção pessoal de juiz num caso particular (critério subjectivo) e o segundo consiste em apurar se o juiz oferecia garantias suficientes de modo a excluir qualquer dúvida legítima acerca da mera aparência de imparcialidade (assim, entre tantos outros arestos, cfr. Ac. Saraiva de Carvalho v. Portugal, 22 Abril de 1994, § 33; ac. Kyprianou v. Cyprus [GC], N.º 73797/01, § 118; Ac. Brudnicka and Others v. Poland, N.º 54723/00, § 41).
35.No quadro do teste subjectivo, a jurisprudência do TEDH tem concluído inequivocamente pela falta de imparcialidade naqueles casos em que, mesmo sem ser levantada qualquer dúvida acerca da sua conduta pessoal, um juiz tem intervenção no mesmo processo no exercício de diferentes funções judiciárias (Ac. Piersack v. Belgium, 1 de Outubro de 1982, N.° 8692/79, § 31).
36. No quadro do teste objectivo, importa determinar se existem factos demonstráveis que excluam qualquer dúvida legítima acerca da imparcialidade do juiz, de modo que o valor da confiança nos tribunais, fundamental para uma sociedade democrática, não seja colocado em causa. Esta dúvida deve ser aferida de acordo com um critério objectivo (assim, Ac. Pullar v. the United Kingdom, 10 Junho 1996, § 37; Ac. Ekeberg and Others, Ekeberg and Others v. Norway, 31 Julho 2007, N.os 11106/04, 11108/04, 11116/04, 11311/04 and 13276/04, § 31).
37. Ora, seja de acordo com um teste objectivo, seja de acordo com um teste subjectivo, resulta evidente que o Conselheiro Cadilha não oferecia garantias de imparcialidade para poder intervir no julgamento do recurso de constitucionalidade.
38. Note-se que não está em causa a conduta pessoal ou a dignidade profissional daquele magistrado.
39. Está, isso sim, em causa a circunstância de que o Conselheiro Cadilha não poderia ter tido intervenção nos autos por se verificarem relativamente a ele factos objectivos que colocavam em causa, seja de um ponto de vista objectivo, seja de um ponto de vista subjectivo, a sua imparcialidade para intervir no julgamento do recurso.
Ora, tendo em consideração a jurisprudência do TEDH – instituição à qual a recorrente não hesitará em recorrer –, seria de uma sinistra ironia que o Estado Português viesse a ser condenado por uma violação do direito fundamental a um processo justo e equitativo cometida pelo tribunal que em Portugal tem por missão, precisamente, servir de primeiro garante dos direitos fundamentais dos cidadãos.
41.Em suma, está-se perante uma nulidade processual.
42.A consequência da prática dessa nulidade é a anulação do douto Acórdão do Tribunal Constitucional – art. 201º, nº 2, do CPC.
43. Com efeito, constatada a influência da prática do acto proibido por leu na decisão da causa, “…os efeitos da invalidade do acto repercutem-se nos actos subsequentes da sequência processual que dele forem absolutamente dependentes (art. 201-2). Sempre, por isso, que um acto da sequência pressuponha a prática dum acto anterior, a invalidade deste tem como efeito, indirecto mas necessário, a invalidade do acto subsequente que porventura entretanto tenha sido praticado (e, por sua vez, dos que, segundo a mesma linha lógica, se lhe sigam”– cfr., José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pgs. 19 e 20.
44. Por outro lado, a nulidade é arguida em tempo.
45.Até à prolação do Acórdão do Tribunal Constitucional, a requerente ignorava, sem culpa, que se verificava uma causa de impedimento do Senhor Conselheiro Cadilha.
46. Sendo certo que nada indiciava nos autos que esse ilustre Juiz Conselheiro fizesse parte da secção a que fora distribuído o recurso de constitucionalidade.
47. Por um lado, a requerente não foi notificada da distribuição.
48. Por outro lado, após a interposição do recurso e até ao julgamento do mesmo, houve uma única notificação, datada de 25 de Novembro de 2008, a qual dá conhecimento do teor do despacho proferido pelo então Juiz-Relator, Conselheiro Vítor Gomes, e fixa o prazo de 30 dias para alegações.
49.Só com a notificação do Acórdão de fls é que a requerente tomou conhecimento da nulidade praticada.
50. Não podendo dela conhecer em momento anterior, mesmo que agisse com diligência superior à média.
51.Consequentemente, sendo a nulidade arguida dentro do prazo de 10 dias após a a notificação do Acórdão, deve a arguição ser considerada tempestiva – art. 205º, nº 1, do CPC.
52. Como discreteia José Lebre de Freitas (CPC Anot., em anotação ao art. 123º):
“Por outro lado, deve entender-se que as partes dispõem para a arguição do prazo supletivo de 10 dias contados desde o momento em que ocorra, ou tenham conhecimento de que correu, impedimento não declarado” (pg. 236)
Cumpre decidir.
3. Segundo o disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 29.º da Lei nº 28/82, aplica-se no Tribunal Constitucional o regime dos impedimentos e das suspeições relativos aos juízes dos tribunais judiciais – ou seja, o constante, respectivamente, dos artigos 122.º e seguintes e 126.º e seguintes do Código de Processo Civil –, competindo o respectivo julgamento ao Tribunal.
Nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando se verifique alguma das causas de impedimento (previstas no artigo 122.º do mesmo Código) deve logo o juiz, por despacho nos autos, declarar-se impedido. Se o não fizer, o juiz omite um dever legal, podem as partes, até à sentença, requerer a declaração do impedimento. A aplicação deste preceito aos processos que correm termos do Tribunal Constitucional tem de ser feita com as necessárias adaptações, porquanto, como resulta do n.º 3 do artigo 29.º da Lei do Tribunal Constitucional, é ao Tribunal, e não ao juiz visado, que compete declarar o impedimento.
Os impedimentos, tal como as suspeições, têm como justificação garantir a imparcialidade do tribunal que vai julgar a causa. Têm uma função preventiva, visando obstar a que o juiz seja colocado numa situação em que possa questionar-se a imparcialidade, real ou aparente, da decisão do tribunal (cfr. acórdão n.º 324/2006, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).
Compreende-se que o artigo 122.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil, disponha que nenhum juiz pode exercer as suas funções quando se trate de recurso interposto em processo no qual tenha tido intervenção como juiz de outro tribunal, quer proferindo a decisão recorrida, quer tomando de outro modo posição sobre questões suscitadas no recurso, e que se exija, no artigo 123.º, n.º 1, que caso o juiz não se declare impedido, as partes que requeiram a declaração de impedimento até à sentença.
De facto, a permitir-se a intervenção, na decisão do recurso, de um juiz que houvesse proferido ou participado na decisão recorrida ou que sobre a questão abrangida pelo recurso tivesse anteriormente tomado posição no processo, colocar-se-ia objectivamente em risco, pelo menos na aparência externa, a exigência de que no exame e decisão da causa, em todas as suas fases e no círculo de competência do tribunal, não intervenham factores de outra natureza que não os do seu mérito segundo os factos a que deva atender-se e o direito aplicável. Ficaria em risco o direito fundamental a um processo equitativo, justo, com garantias de imparcialidade e independência o juiz, nos termos do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição e do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que estatui no seu § 1 que “[q]ualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial” (cfr. ainda os artigos 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 14.º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos e 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia).
A exigência de que o pedido de declaração do impedimento por iniciativa das partes haja de ser formulado até à sentença justifica-se para prevenir que o juiz, alegadamente impedido venha a decidir a causa e para obviar a que a parte, conhecedora da situação, manipule esse instrumento processual e só o venha a usar na hipótese de uma decisão desfavorável.
Porém a norma não resolve aquelas situações em que o conhecimento do impedimento seja desculpavelmente superveniente à prolação da decisão, designadamente, quando não seja razoável exigir à parte uma maior diligência no apuramento da situação que lhe dá causa. A solução para estas situações tem de passar pela admissibilidade de arguição do impedimento no prazo supletivo de 10 dias, contados desde o momento em que ocorra a pratica do acto pelo juiz impedido, sem que este (no caso, o Tribunal) o declare, o que no caso dos autos leva a considerar-se tempestiva a arguição do impedimento no prazo de arguição de nulidades subsequente à prolação do acórdão em que o juiz visado pelo impedimento interveio pela primeira vez no processo.
É certo que o Código de Processo Civil não contém regra idêntica à do artigo 41.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, que consagra a regra da nulidade dos actos praticados pelo juiz impedido. Para o processo civil, face ao artigo 123.º do Código de Processo Civil de 1939, defendeu Alberto dos Reis, que “não se anulam os actos que o juiz tenha porventura praticado; o impedimento só produz efeitos a partir da declaração dele” (cfr. Código de Processo Civil Anotado, I, p. 257, e, mais detalhadamente, Comentário ao Código de Processo Civil, I, 2ª edição, pp. 389-392 e 415-419, onde dá conta das posições doutrinárias e jurisprudências em contrário).
Em síntese, argumenta o mesmo autor com a interpretação histórica do preceito, dado ter sido recusada na Comissão Revisora proposta de alteração do projecto do Código, que consagrava a nulidade dos actos praticados pelo juiz impedido, e ainda com a com a alegação de que “os actos que o juiz [impedido] pratica são admitidos por lei, sendo a inibição relativa não ao acto, mas à pessoa do magistrado”. O artigo 201.º refere-se a actos do processo que a lei não admita; ora quando o juiz impedido exerce indevidamente a sua função, o que sucede é que falta ao cumprimento dum dever legal, o dever de se abster de funcionar; mas isso não quer dizer que os actos de processo, objectivamente considerados, sejam nulos, por força do artigo 201º, pelo que, sentencia, “estamos em presença, não de um vício de forma, não de uma nulidade de processo, por se praticarem actos contrários à ritologia processual, mas de uma violação, por parte do juiz, do dever legal de se abster de funcionar, e portanto de uma infracção disciplinar” (Comentário, cit. I, pp. 418-419).
Para lebre de Freitas, que desvaloriza o argumento histórico, dada a prevalência dos critérios objectivos na interpretação da lei, “a pedra de toque da questão não é o acto praticado pelo juiz impedido, mas a omissão da declaração de impedimento imposta por lei logo que objectivamente se verifique qualquer das situações em apreço”, concluindo que esta omissão é geradora de nulidade, nos termos do artigo 201.º, n.º 1, sempre que se verifique também o requisito da respectiva parte final, ou seja, quando, considerado que os actos entretanto praticados, possam influir no exame ou na decisão da causa (Código de Processo Civil Anotado, I, 2ª ed., pp. 238-239).
Também Teixeira de Sousa entende serem nulos os actos praticados pelo juiz impedido, “porque a parcialidade do juiz é uma circunstância susceptível de influenciar o exame ou decisão da acção (artigo 201.º, n.º 1)” (A competência Declarativa dos Tribunais Comuns, p. 27).
Nesta linha, nas concretas circunstâncias do caso em que seria desproporcionado exigir a suscitação anterior da questão, uma vez que a recorrente não foi notificada de nenhum acto de que resultasse dever saber que o juiz alegadamente impedido integraria a formação de julgamento, admite-se a arguição da nulidade com fundamento na falta de declaração do impedimento.
4. Com interesse para a decisão desta questão relevam as seguintes ocorrências processuais:
- A Liga Portuguesa de Futebol Profissional, notificada do acórdão de 7 de Março de 2007, que conheceu do recurso per saltum, interposto para o Supremo Tribunal de Justiça pelo autor José António Ramos Ribeiro, que declarou nulos os n.ºs 1 e 2 do artigo 50.º, e o n.º1 do artigo 52.º do CTT celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, Iª Série, n.º 33, de 8 de Setembro de 1999, veio arguir nulidades processuais: (i) por não ter sido notificada do despacho do relator no Supremo que indeferiu as duas questões prévias que havia suscitado nas suas contra-alegações (inadmissibilidade do recurso de revista per saltum no processo laboral e a inadmissibilidade do recurso ser interposto em alternativa, como fizera o autor, para a Relação ou para o Supremo Tribunal de Justiça); e (ii) por não ter sido notificada para exercer o contraditório (cf. artigo 3.º do Código de Processo Civil) relativamente ao fundamento utilizado no acórdão para declarar nulo o n.º 1 do artigo 52.º do referido CCT.
- Tais nulidades foram arguidas dentro dos dez dias que se seguiram à data da notificação do acórdão, tendo a Liga Portuguesa de Futebol Profissional alegado que só tomou conhecimento das mesmas através daquela notificação, mas vieram a ser indeferidas por despacho do relator, em 15 de Maio de 2007 (cf. fls. 343 a 346).
- Deste despacho reclamou a Liga Portuguesa de Futebol Profissional para a conferência na secção social de Supremo Tribunal de Justiça, que apreciou a reclamação, indeferindo-a por acórdão de 12 de Julho de 2007.
- A Liga Portuguesa de Futebol Profissional interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação da constitucionalidade de várias normas, o qual veio a prosseguir apenas para apreciação da seguinte questão:
“Complexo normativo formado pelos artigos 3.º e 201.º, n.º 1, do CPC, na interpretação segundo a qual não constitui nulidade processual por violação de formalidade essencial a omissão de convite para exercício do contraditório quando o tribunal decide julgar organicamente inconstitucional uma norma constante de uma convenção colectiva de trabalho, quando a discussão nos autos (e em especial o objecto do recurso de revista, tal como delimitado pela conclusões das alegações) se limite à arguição da inconstitucionalidade material dessa mesma norma constante de uma CCT, por violação do direito fundamental a uma tutela judicial efectiva e a um processo equitativo (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP).”
- Pelo acórdão n.º 19/2010, de que foi relator por vencimento o Juiz Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha foi o recurso julgado improcedente.
- O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Março de 2007 mostra-se assinado pelo Juiz Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha, como Juiz Adjunto (cf. fls. 309 e 310)
- O acórdão recorrido – o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2007 – que incidiu sobre o despacho do relator de 15 de Maio de 2007, não foi subscrito pelo Juiz Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha (cfr. 466).
5. Não é uma qualquer intervenção anterior no processo que ditará o impedimento do juiz. As disposições que estabelecem impedimentos são de interpretação restrita; devem circunscrever-se, com toda a precisão, aos casos para que foram ditadas (Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil, Vol I, 2ª edição, pág. 403).
Como se referiu já, o fundamento do impedimento em causa é o que consta do artigo 122.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, nos termos do qual nenhum juiz pode exercer as suas funções, em jurisdição contenciosa ou voluntária quando se trate de recurso interposto em processo no qual tenha tido intervenção como juiz de outro tribunal, quer proferindo a decisão recorrida, quer tomando de outro modo posição sobre questões suscitadas no recurso.
A lei prevê duas situações distintas integradoras do conceito de “intervenção” anterior (noutro tribunal) no processo em recurso para efeito do impedimento em causa: (i) ser o juiz que proferiu a decisão recorrida; ou, (ii) ter tomado de outro modo posição sobre questões suscitadas no recurso.
Do relato que acaba de fazer-se (n.º 4 supra), resulta evidente que o Juiz Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha não subscreveu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2007 – que constitui a decisão recorrida no presente recurso de constitucionalidade –, nem o poderia ter feito porquanto, à data, já era juiz do Tribunal Constitucional (tomou posse em 4 de Abril de 2007). Acresce que a decisão recorrida não incidiu directamente sobre o acórdão do Supremo de 7 de Março de 2007, subscrito por aquele magistrado, mas sim sobre o despacho do relator, posterior a este acórdão, que indeferiu as nulidades processuais invocadas pela recorrente. Mas mesmo que se entendesse que, indirectamente (por via da impugnação do despacho do relator), o aresto recorrido acaba por decidir sobre nulidades “reflectidas” no primeiro acórdão do Supremo, é inegável que o segundo acórdão do Supremo constitui uma decisão autónoma do primeiro, que neste se não integra por consistir no indeferimento das nulidades processuais invocadas, e não no seu deferimento (artigo 670.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Pode, pois, afirmar-se que o Juiz alegadamente impedido não foi o autor nem participou, por qualquer outra forma, na prolação da decisão recorrida.
6. Mas isso não basta para decidir a arguição de impedimento. Deve ainda ser ponderado se, da intervenção que o Juiz Conselheiro Carlos Cadilha teve no processo, como juiz do Supremo Tribunal de Justiça, deve concluir-se que tomou posição sobre a questão suscitada no recurso, o que implicaria o seu impedimento por força da segunda parte da norma em apreço.
Saber o que deve entender-se, para este efeito, por “tomar posição” é problema cuja solução ganha em ser perspectivada à luz da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), que tem adoptado uma metodologia que se traduz na análise das particularidades de cada caso para, em função destas, decidir se se mostra violado o artigo 6.º, § 1, da Convenção Europeia que garante o direito a um tribunal independente e imparcial.
Nesta perspectiva, o TEDH vem há muito definindo na sua jurisprudência, relativamente à imparcialidade garantida no referido artigo 6.º, § 1, da Convenção, que esta tem que ser vista de dois modos. A imparcialidade subjectiva, que se presume até prova em contrário (cfr. Acórdão. Piersack, 1 de Outubro de 1982, § 30, disponível, como os demais citados em: http://www.echr.coe.int/echr/Homepage_EN), é uma garantia insuficiente; “necessita-se de uma imparcialidade objectiva que dissipe todas as dúvidas ou reservas, porquanto mesmo as aparências podem ter importância de acordo com o adágio do direito inglês justice must not only be done; it must also be seen to be done” (Cfr. Ireneu Barreto, Notas para um Processo Equitativo, in Documentação e Direito Comparado, pág. 114). No sentido de preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos, deve ser recusado todo o juiz impossibilitado de garantir uma total imparcialidade.
Como refere Ireneu Barreto (in A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Anotada, 3ª ed., pág. 155, e acórdãos do TEDH ali referidos) “[A] imparcialidade é posta em causa face a índices diversos, como, por exemplo, quando um ou mais membros do tribunal desempenharam ao longo de um processo outras funções”, que é a hipótese que agora interessa. Assim:
- No caso Piersack, o TEDH constatou falta de imparcialidade de uma Cour d’Assises presidida por quem tinha desempenhado antes funções de Ministério Público, como chefe do departamento que se encarregara da instrução do processo, embora sem qualquer intervenção directa.
- No caso De Cubber (Acórdão de 26 de Outubro de 1984, § 29) o Tribunal entendeu incompatíveis as funções de juiz de instrução com as de juiz de julgamento, fundamentalmente porque o juiz de instrução adquire um conhecimento do processo anterior aos dos seus colegas e, por isso, pode ter já formado uma opinião prévia a pesar eventualmente na balança no momento da decisão.
- No caso Oberschlick , o Tribunal entendeu violar este preceito o facto de um mesmo magistrado de um tribunal de recurso ter tido intervenção, por duas vezes, no mesmo processo (Acórdão de 23 de Maio de 1991, §§ 50-51).
Como nos dá conta o mesmo autor (A Convenção Europeia, cit. pág. 157), o TEDH concede importância à “teoria das aparências”, admitindo que o elemento determinante consiste em saber se as apreensões do interessado podem passar por objectivamente justificadas (Cfr. Acórdãos Hauschildt, de 24 de Maio de 1989, § 48; Fey, de 24 de Fevereiro de 1993, § 12; Saraiva de Carvalho, de 22 de Abril de 1994, § 35, entre outros).
Assim, por exemplo, elas não foram consideradas justificadas face a um juiz que, num processo de menores, desempenhou funções de instrução e julgou sobre o fundo (Acórdão Nortier, de 24 de Agosto de 1993, §§ 33-37). Do mesmo modo, uma vez anulado, em recurso, um julgamento, o processo pode voltar a ser apreciado pelos juízes que procederam ao primeiro julgamento (Acórdãos Ringeisen, de 16 de Julho de 1971, § 97, e Diennet, de 26 de Setembro de 1995, §§ 37 e 38), como também se admite que o mesmo tribunal que julgou em processo de ausentes uma pessoa volte a julgá-la uma vez que ela se apresente (Acórdão Thomann, de 10 de Junho de 1996, § 36.). No Acórdão Lindon, Otchakovsky-Laurens e July, de 22 de Outubro de 2007, §§ 77 e segs., o Tribunal examinou a situação de juízes que tinham julgado um caso e voltaram a examinar um outro conexo com o primeiro.
Podemos concluir que o TEDH tem entendido que a imparcialidade se presume até prova em contrário, que a imparcialidade objectiva releva essencialmente de considerações formais e que o elevado grau de generalização e de abstracção na formulação do conceito apenas pode ser testado numa base rigorosamente casuística, mediante análise, em concreto, das funções e dos actos processuais do juiz alegadamente impedido.
7. No caso em apreço, a questão decidida no acórdão n.º 19/2010 tinha por objecto a seguinte norma: “Complexo normativo formado pelos artigos 3.º e 201.º, n.º 1, do CPC, na interpretação segundo a qual não constitui nulidade processual por violação de formalidade essencial a omissão de convite para exercício do contraditório quando o tribunal decide julgar organicamente inconstitucional uma norma constante de uma convenção colectiva de trabalho, quando a discussão nos autos (e em especial o objecto do recurso de revista, tal como delimitado pela conclusões das alegações) se limite à arguição da inconstitucionalidade material dessa mesma norma constante de uma CCT, por violação do direito fundamental a uma tutela judicial efectiva e a um processo equitativo (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP).”
Ora, como alerta o recorrido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Março de 2007, que o Juiz Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha subscreveu, não se pronunciou sobre tal questão de forma, mas sim sob o mérito da causa, tendo decidido que a norma do contrato colectivo de trabalho em causa era nula por restringir o direito à liberdade de exercício da profissão acautelado no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, que só podia ser restringido nos termos previstos nos artigos 18.º, n.º 2, e 165.º. n.º 1, alínea b), da Constituição.
Não curou este aresto de averiguar, nem sequer implicitamente, se ao concluir pela inconstitucionalidade orgânica da norma em causa estava a decidir questão de constitucionalidade diversa daquela que fora discutida, ou se apenas tinha adoptado um fundamento distinto quanto à mesma questão, para efeitos de apurar se a decisão tomada constituiria uma “decisão surpresa” para a recorrente de forma a previamente ter de cumprir o contraditório. Esta questão só surge nos autos após a prolação do acórdão de 7 de Março de 2007, com o requerimento da recorrente, apresentado em 22 de Março de 2007, mas na configuração, pela qual é a recorrente exclusivamente responsável, de uma nulidade processual, nos termos do artigo 201.º e segs. do Código de Processo Civil, e não de uma nulidade do acórdão. Como tal foi a arguição processada e foi objecto de uma primeira decisão do relator.
O acórdão da Conferência no Supremo de 12 de Julho de 2007 veio a ser proferido na sequência de a recorrente ter reclamado desse despacho do relator que desatendeu as nulidades por si arguidas e não para apreciar nulidades de sentença directamente imputadas ao primeiro acórdão, que, sublinha-se, não apreciou tais questões.
Deste modo, tendo o recurso de constitucionalidade, apenas, por objecto a questão da violação do contraditório apreciada no acórdão do Supremo de 12 de Julho de 2007, que não foi subscrito pelo Juiz Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha, não tendo a mesma questão sido objecto da decisão tomada no primeiro acórdão do Supremo cuja formação de julgamento este magistrado integrou (o acórdão de 7 de Março de 2007) e não evidenciando esta decisão qualquer argumentação indiciadora de que tal questão haja aqui sido representada ou ponderada, não pode afirmar-se que o Juiz Carlos Fernandes Cadilha tenha proferido decisão ou tomado de outro modo posição sobre as questões suscitadas no recurso. Assim, não se verificam, nem do ponto de vista subjectivo, nem objectivo, razões justificativas do impedimento em causa.
Consequentemente, não foi omitido, na fase do recurso de constitucionalidade, qualquer acto respeitante à apreciação desse (não arguido e inexistente) impedimento.
III – Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) Não julgar verificado o impedimento do Juiz Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha para os termos do presente recurso e, consequentemente, a ocorrência de qualquer nulidade a isso respeitante;
b) Oportunamente, conclua para decisão das demais questões colocadas.
c) Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) UCs.
Lx., 25/5/2010
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão