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Processo n.º 6/2010
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que o condenara na prática de crime de fraude fiscal, pretendendo ver apreciada, entre o mais, a constitucionalidade das normas dos artigos 187º e 190º do Código de Processo Penal quando interpretadas no sentido de poderem valer como meio de prova os “prints” impressos de um computador pessoal, cujo acesso se efectuou sem autorização do utilizador nem autorização ou mandado do juiz.
Pela decisão sumária n.º 60/2010, de 4 de Fevereiro de 2010, decidiu-se não tomar conhecimento do recurso, quanto à interpretação normativa efectuada em relação às referidas normas, por se ter entendido que o recorrente não cumpriu o ónus de suscitação a que se referem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
O recorrente reclamou para a conferência, invocando que suscitou a referida questão de inconstitucionalidade nas alegações produzidas perante o tribunal recorrido, num parecer de um professor de direito que juntou aos autos e na resposta ao parecer do Ministério Público no Tribunal da Relação.
Neste ponto, respondeu o Ministério Público, sustentando, ao contrário, que o recorrente não suscitou tal questão da inconstitucionalidade no momento processual próprio, ou seja, na motivação do recurso para a Relação, e que, mesmo que se entendesse que «a resposta ao parecer era ainda o momento processual próprio para suscitar a questão» e «se tinha seguido uma forma processualmente adequada nessa suscitação», «falta o requisito de admissibilidade do recurso que consiste em a dimensão normativa aplicada na decisão recorrida não corresponder, integralmente, à suscitada».
Conclui, assim, pela impossibilidade de conhecimento, nesta parte, do recurso, «seja porque não foi suscitada a questão da inconstitucionalidade das normas dos artigos 187º e 190º, seja porque não há uma correspondência entre a dimensão normativa suscitada e a aplicada».
Este entendimento foi acolhido pelo acórdão que apreciou a reclamação para a conferência, nos seguintes termos:
Segundo o reclamante (cfr. o ponto I da reclamação), a questão de inconstitucionalidade teria sido suscitada nas páginas 30 e 31 das alegações produzidas perante o tribunal recorrido, num parecer de um professor de direito que juntou aos autos e na página 9 da resposta ao parecer do Ministério Público no Tribunal da Relação.
Mas manifestamente não foi imputada qualquer inconstitucionalidade, nas referidas páginas das alegações, a qualquer norma ou interpretação normativa, aspecto essencial para que uma questão de inconstitucionalidade possa ter-se por suscitada, nos termos dos artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional. E, como bem observa o Ministério Público na resposta à presente reclamação, na motivação do recurso para a Relação, a fls. 77179 a 77181, limitou-se o recorrente a referir “os procedimentos levados a cabo quanto à apresentação do computador e à posterior análise dos “prints”, aí se dizendo que a não se ter procedido nos termos da lei, violaram-se as garantias de defesa constitucionalmente consagradas no artigo 32º da CRP” e concluindo-se que os “prints” haviam sido obtidos através de métodos proibidos de prova.
Por outro lado, e admitindo que, no mencionado parecer de um professor de direito e na mencionada resposta ao parecer do Ministério Público, foi suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa, a verdade é que, como também salienta o Ministério Público na resposta à presente reclamação, o tribunal recorrido não perfilhou a interpretação censurada pelo recorrente, segundo a qual podem valer como meio de prova os “prints” impressos de um computador pessoal, cujo acesso se efectuou sem autorização do utilizador nem autorização ou mandado do juiz.
O recorrente veio então arguir a nulidade desse acórdão, por não ter sido notificado da resposta que o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional apresentou à sua reclamação, omissão que, a seu ver, influiu na decisão, pois que nela foi invocada uma nova razão para o não conhecimento do recurso (ausência de correspondência entre a interpretação censurada e a que foi acolhida pelo tribunal recorrido), que, não tendo sido ponderada na decisão sumária, veio a ser acolhida pelo citado acórdão, sem que lhe tenha sido dada, antes, a possibilidade, constitucionalmente imposta de sobre ela se pronunciar.
A arguição foi deferida pelo acórdão n.º 200/2010, de 19 de Maio de 2010, que ordenou a notificação do recorrente para se pronunciar, querendo, sobre a resposta do Ministério Público.
O recorrente, começando por se reportar ao Parecer do Ministério Público constante de fls. 89024-89040 e ao acórdão n.º 137/10, veio dizer o seguinte:
«(…) Do parecer do Ministério Público e desta pronúncia do Tribunal Constitucional parece resultar que é já pacífico que, ao contrário do que foi sustentado na Decisão Sumária sob reclamação, o recorrente sustentou atempada e adequadamente a questão de constitucionalidade: fê-lo, pelo menos, reconheceu o Tribunal, no Parecer de Direito do Prof. Rui Carlos Pereira que juntou aos autos de recurso na Relação do Porto, bem como na resposta ao parecer do Ministério Público nos mesmos autos.
«(…) Tal pronúncia do Tribunal Constitucional está, aliás, de acordo com outras decisões do Tribunal, como por exemplo as constantes dos Acórdãos nºs 173/88, 102/95, 17/2007, 7172007 ou 216/2009.
«(…) Importa assim, na linha desta jurisprudência, que o Tribunal Constitucional agora confirme este entendimento quanto à idoneidade das peças processuais em causa para a suscitação da questão de constitucionalidade, também aflorado no Acórdão nº 200/2010 (…).
«(…) Sobrará assim, como único obstáculo ao conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade, a questão levantada pelo Ministério Público, e acolhida pelo Tribunal Constitucional na decisão anulada (…), segundo a qual não há identidade entre a dimensão normativa cuja inconstitucionalidade se suscitou, atempada e adequadamente, e a dimensão normativa efectivamente aplicada pela Relação do Porto.
«(…) A verdade é que também essa questão não procede.
«(…) O Ministério Público entendeu que a Relação resolveu uma questão da constitucionalidade, a da interpretação normativa que considera que os ‘prints’ que constituem apontamentos comerciais não estão sujeitos ao regime de protecção do artigo 187º do Código de Processo Penal, e que a decidiu no sentido da sua não inconstitucionalidade. Mas não teria sido essa a dimensão normativa cuja inconstitucionalidade o recorrente havia suscitado.
«(…) Ora, é por demais evidente que a questão é rigorosamente a mesma: a questão que o reclamante suscitou de forma processualmente adequada nas instâncias (a inconstitucionalidade da norma contida nos artigos 187º e 190º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual podem valer como meio de prova os “prints” impressos de um computador pessoal, cujo acesso se efectuou sem autorização do utilizador nem autorização ou mandado do Juiz) é a mesma que a resposta do Ministério Público à Decisão Sumária n.º 60/2010 e o Acórdão do TC identificam como tendo sido resolvida pelo Tribunal da Relação: a saber, a da “constitucionalidade da interpretação segundo a qual podem valer como meio de prova os ‘prints’ que constituem apontamentos de natureza meramente comercial, impressos de um computador pessoal, cujo acesso se efectuou sem autorização do utilizador nem autorização ou mandado do juiz.”.
«(…) Na verdade, uma questão depende da outra: só se podem qualificar como apontamentos de natureza comercial, como o fez o Tribunal da Relação, certos “prints” de um computador pessoal após o acesso aos mesmos; ora, como o que se questiona é que o acesso a um computador pessoal (independentemente da legalidade da respectiva busca e apreensão) possa ser levado a cabo sem autorização do utilizador ou mandado do juiz, a questão de constitucionalidade que, na sequência da sua suscitação atempada pelo recorrente, a Relação resolveu – como o Ministério Público e o próprio Tribunal Constitucional já reconheceram –, e que o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, vem a ser a mesma que o mesmo identificou no seu requerimento. A interpretação normativa aplicada pela Relação não é outra do que a identificada pelo requerente como objecto do seu recurso: porque uma é inseparável da outra.
«(…) Note-se que a presente questão de constitucionalidade não será muito diferente, salvaguardadas as distâncias, daquela que o Tribunal conheceu no Acórdão nº 607/2003, que julgou inconstitucional, “por violação das disposições conjugadas dos artigos 1º, 26º, nº 1, e 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída do artigo 126º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é ilícita a valoração como meio de prova da existência de indícios de factos integrantes dos crimes de abuso sexual de crianças imputados ao arguido (previstos e puníveis pelos artigos 172º, n.º 1, e 172º, nºs. 1 e 2, do Código Penal) e dos pressupostos estabelecidos nos artigos 202º e 204º, alínea c), do Código de Processo Penal, para a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, dos ‘diários’ apreendidos, em busca domiciliária judicialmente decretada, na ausência de uma ponderação, efectuada à luz dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, sobre o conteúdo, em concreto, desses ‘diários’. Afirmou-se nesse Acórdão, entre o mais, o seguinte: “a interpretação extraída dos nºs. 1 e 3 do artigo 126º do CPP pelo acórdão da Relação, segundo a qual, uma vez salvaguardada a legalidade da obtenção dos diários, o tribunal poderá valorar, em sede probatória, sem sujeição a quaisquer limites, todo o seu conteúdo, independentemente da sua diversa natureza, não está conforme com o âmbito de tutela conferido constitucionalmente ao direito à reserva da intimidade da vida privada”.
«(…) Ora, também no caso presente o que se questiona é que a Relação aceite a legitimidade de ponderação como material probatório de ‘prints’ de um computador pessoal, apenas porque terá sido legal a sua apreensão, sem ter o cuidado de averiguar se o acesso ao conteúdo desse computador pessoal foi autorizado por juiz ou pelo próprio utilizador.»
2. Os arguidos B. e C., Lda., ora recorrentes, requerem «a repetição da [sua] notificação (…) para a nova morada do seu mandatário, com todas as consequências legais».
Invocam, para tanto, que, constando da reclamação para a conferência da decisão sumária proferida nos autos, por si deduzida, a indicação de uma nova morada de escritório do seu mandatário (Av. …, 1150-018 Lisboa), devem as notificações posteriores ser repetidas para esta nova morada, designadamente a notificação remetida, na sequência de tal reclamação, para a anterior morada do escritório (Rua …., 1170-192 Lisboa), que veio devolvida.
Por outro lado, sustentam ainda, «quando da mudança dos Tribunais para o Campus da Justiça, nem os mandatários, nem os arguidos, as partes ou interessados foram expressamente notificados da alteração da morada», pelo que, em nome do princípio da igualdade, também não lhes é exigível, para o efeito ora requerido, a apresentação prévia de um «requerimento para alteração de morada» do mandatário que os patrocina, como referido por funcionário desta secção.
Cumpre apreciar e decidir:
3. Quanto à reclamação a que se refere o nº 1.
Na sequência da declaração de nulidade processual por omissão de formalidade consistente na não audição do recorrente quanto ao parecer emitido pelo agente do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, nos termos do acórdão n.º 200/2010, de 19 de Maio de 2010, e do subsequente exercício do direito de resposta por parte do recorrente, cabe reformar o acórdão que apreciou a reclamação para a conferência, mas apenas no que se refere à parte afectada pela nulidade, ou seja, em relação ao recurso interposto pelo recorrente A. e no tocante à questão de constitucionalidade relativa às normas dos artigos 187º e 190º do Código de Processo Penal, pois foi apenas quanto a essa questão e no âmbito do recurso interposto por aquele recorrente, que o Ministério Público invocou um novo fundamento para o não conhecimento do recurso relativamente ao qual não foi dada oportunidade de resposta por parte do recorrente.
Por conseguinte, o acórdão n.º 137/2010, que apreciou a reclamação para conferência, mantém-se em todos os seus demais aspectos, por não se verificar em relação a eles qualquer justificação para a sua reavaliação.
Com esta necessária delimitação, cabe considerar o seguinte.
Como resulta do disposto nos artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da LTC, a questão de constitucionalidade terá de ser suscitada de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer. Manifestamente, o recorrente não suscitou a questão de constitucionalidade relativa às normas dos artigos 187º e 190º do Código de Processo Penal na motivação de recurso para a Relação e não pode entender-se como tendo sido cumprido esse ónus processual quando a questão vem apenas aflorada em parecer ulteriormente junto, quando aquela peça processual para ele não faz qualquer remissão. No entanto, o recorrente suscitou a questão de constitucionalidade na resposta ao parecer do Ministério Público proferido na instância de recurso perante a Relação, embora sem qualquer aparente correlação com as considerações formuladas nesse parecer.
Admitindo, neste contexto, que a questão foi suscitada em termos de vincular o tribunal de recurso a dela conhecer, afigura-se ser de considerar o argumento alternativo invocado no parecer do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional em vista ao não conhecimento do objecto do recurso.
O recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional pretendendo ver apreciada a constitucionalidade das normas dos artigos 187º e 190º do Código de Processo Penal quando interpretadas no sentido de poderem valer como meio de prova os “prints” impressos de um computador pessoal, cujo acesso se efectuou sem autorização do utilizador nem autorização ou mandado do juiz.
Relativamente a tal questão, o acórdão do Tribunal da Relação, ora recorrido, adoptou a seguinte fundamentação:
Os prints a que o recorrente se refere são documentos obtidos do computador do co-arguido D., apreendido durante uma diligência de busca autorizada por despacho da autoridade judiciária competente.
Pelas circunstâncias em que foram obtidos (para cujo esclarecimento releva, designadamente, o depoimento de E. e o auto de fls. 37068) e pelo seu próprio conteúdo não são pertinentes quaisquer dúvidas sobre a autoria dos apontamentos «comerciais» que, afinal, consubstanciam.
E, por isso, não podem ser tidos como documentos que contêm declarações anónimas, para efeitos de não valerem como meio de prova, nos termos do n.° 2 do artigo 164.° do CPP.
«Documento que contenha declaração anónima é aquele em que o autor da declaração não pode ser identificado, independentemente de essa identificação constar ou não do documento».
Por outro lado, sendo apontamentos da «vida comercial» de D., por ele elaborados, não se integram no conceito de correspondência, para efeitos de a sua apreensão estar sujeita à disciplina do artigo 179.° do CPP.
O facto de esses apontamentos serem mantidos no computador não os transforma em correio electrónico. Na sua essência são documentos sob a forma digital, armazenados num computador, com o mesmo estatuto de folhas de papel manuscritas guardadas numa gaveta, numa pasta ou num arquivo. Sendo meros documentos, esses apontamentos não gozam da aplicação do regime de protecção da reserva da correspondência e das comunicações.
Resulta deste excerto, tal como propugna o Ministério Público, que o elemento decisivo para a Relação afastar a inconstitucionalidade por violação dos artigos 187º e 190º do Código de Processo Penal, foi a circunstância de se considerar que os “prints” em causa tinham mera natureza de apontamentos comerciais.
A inconstitucionalidade da interpretação normativa que constitui, neste particular, objecto do recurso é alicerçada, como ressalta do parecer doutrinário junto aos autos (onde a questão foi pela primeira vez abordada), no princípio de que a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação só é admissível em processo penal, desde que mediante prévia autorização ou ordem do juiz. Daí que se tenha concluído, na perspectiva do recorrente, que «o acesso aos conteúdos de um computador pessoal não depende apenas da legalidade da busca e da apreensão que permitiram a sua recolha (artigos 177º e 178º, respectivamente, do Código de Processo Penal), sendo indispensável, no mínimo, que o respectivo utilizador consinta em tal acesso ou um juiz o autorize ou ordene, ante o disposto nos artigos 187º e 190º do Código de Processo Penal», entendendo-se que uma interpretação diversa das citadas normas legais é materialmente inconstitucional.
O certo é que a Relação considerou que os “prints” constituíam apontamentos de natureza comercial, e, portanto, meros documentos que não integravam o conceito de correspondência ou correio electrónico para efeitos do disposto no artigo 179º ou nos artigos 187º e 190º do Código de Processo Penal, a cujo acesso não era exigível, como tal, a formalidade da prévia autorização do juiz.
Defende o recorrente que a interpretação seguida pelo tribunal recorrido não é diversa daquela que constitui objecto do recurso de constitucionalidade, visto que há uma interdependência entre as questões e o que está em causa é o acesso aos “prints”, que foi efectuado, no caso, sem autorização judicial.
Mas é claro que a ratio decidendi do acórdão recorrido não coincide com os termos em que se encontra formulada perante o Tribunal Constitucional a questão de constitucionalidade. A questão de interpretação normativa que o recorrente teria de colocar, e que foi efectivamente aplicada pelo tribunal recorrido, seria aquela que considera que os “prints” que constituem apontamentos comerciais não estão sujeitos ao regime dos artigos 187º e 190º do Código de Processo Penal. Ou seja, o recorrente identifica como objecto do recurso uma interpretação segundo a qual o acesso a um computador pessoal, independentemente dos conteúdos que nele se contenham, depende de autorização do juiz por força do disposto nos artigos 187º e 190º, do Código de Processo Penal; a Relação não defendeu, porém, que, em qualquer circunstância, fosse possível o acesso ao computador pessoal, e formulou antes o entendimento pelo qual não opera aquela exigência formal quando esteja em causa mera documentação da vida comercial do interessado, e era essa mesma interpretação, por ter sido a aplicada pelo tribunal recorrido, que teria de constituir o objecto do recurso.
Não tem, pois, razão o reclamante quando sustenta «que a Relação [aceitou] a legitimidade de ponderação como material probatório de ‘prints’ de um computador pessoal, apenas porque terá sido legal a sua apreensão (…)» (sublinhado nosso).
Como acima referido, a admissão, pelo Tribunal recorrido, de um tal meio de prova baseou-se na valoração do próprio conteúdo de tais documentos e não na legalidade da apreensão do computador donde foram extraídos.
Por isso é que também não tem razão o reclamante quando pretende que a situação em apreço é, no essencial, equiparável à que constituiu objecto de apreciação no Acórdão n.º 607/2003, deste Tribunal Constitucional.
Com efeito, concluiu-se neste Acórdão que “a interpretação extraída dos nºs. 1 e 3 do artigo 126º do CPP pelo acórdão da Relação, segundo a qual, uma vez salvaguardada a legalidade da obtenção dos diários, o tribunal poderá valorar, em sede probatória, sem sujeição a quaisquer limites, todo o seu conteúdo, independentemente da sua diversa natureza, não está conforme com o âmbito de tutela conferido constitucionalmente ao direito à reserva da intimidade da vida privada”.
E, assim, decidiu-se julgar inconstitucional «a norma extraída do artigo 126º, nºs. 1 e 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é ilícita a valoração como meio de prova (…) dos “diários” apreendidos, em busca domiciliária judicialmente decretada, na ausência de uma ponderação, efectuada à luz dos princípios de necessidade e da proporcionalidade, sobre o conteúdo, em concreto, desses “diários”».
Ora, o Tribunal recorrido, nos presentes autos, longe de interpretar a lei ordinária (artigos 187º e 190º do CPP) como permitindo a possibilidade de valoração, para efeitos probatórios, de todo o conteúdo dos ‘prints’ impressos de um computador pessoal, por legalmente apreendido, sem sujeição a quaisquer limites, independentemente da sua diversa natureza, como pretende o reclamante, apenas a admitiu, limitadamente, quando estivessem em causa meros apontamentos comerciais do próprio visado, por considerar não estarem estes documentos, atenta precisamente a sua natureza e conteúdo, tutelados pelo regime de protecção da reserva de correspondência e das comunicações.
A interpretação normativa efectivamente acolhida, nestes autos, pelo Tribunal recorrido, não é, pois, sequer equiparável àquela que foi acolhida na decisão recorrida censurada pelo Tribunal Constitucional, no invocado Acórdão n.º 607/2003.
Por isso, não estão os autos em condições processuais de prosseguir para idêntica apreciação de mérito, como reclama o recorrente.
4. Quanto à reclamação a que se refere o nº 2.
As notificações ao advogado, no âmbito do processo criminal, são feitas, designadamente, «por via postal registada», isto é, «por meio de carta ou aviso registados» (artigo 113º, n.º 1, alínea b), do CPP, ex vi do n.º 10 deste mesmo normativo legal).
Optando-se por tal forma de notificação, devem observar-se as formalidades previstas no artigo 254º do CPC (artigo 4º do CPP).
Assim, a carta de notificação deve ser dirigida para o escritório do advogado ou domicílio por este escolhido, para o efeito (artigo 254º, n.º 1, do CPC).
E, observado o preceituado no citado n.º 1 do artigo 254º do CPC, presume-se a notificação feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja (artigo 254º, n.º 3, do CPC), ainda que o expediente venha devolvido (n.º 4 deste mesmo normativo legal).
Ora, no caso vertente, os identificados recorrentes foram notificados do Acórdão que julgou, entre outras, a reclamação por ambos deduzida, por carta registada remetida para o domicílio profissional do seu mandatário, sita na Rua … 1170-192 Lisboa (fls. 89078), que veio devolvida, por não reclamada (fls. 89107).
Deve operar, por isso, tal presunção legal, sendo certo que nada do que é invocado pelos recorrentes, ora requerentes, tem a virtualidade de a ilidir.
Com efeito, a presunção de notificação prevista no citado artigo 254º, nºs. 3 e 4, do CPC apenas pode ser ilidida mediante prova de que a notificação se não efectuou por razões não imputáveis ao notificando (artigo 254º, n.º 6, do CPC).
Sucede que, sendo ónus dos mandatários comunicar nos autos a alteração da morada do escritório, não se afigura que, no presente contexto processual, a simples menção impressa em rodapé e no carimbo aposto no suporte de papel de uma única peça processual não autónoma, apresentada em juízo pela parte (no caso, a reclamação para a conferência: cf. fls. 88992), de uma nova morada de escritório, seja o meio idóneo de o fazer.
Com efeito, e pese embora o facto de a lei não prever expressamente o formalismo a que deve obedecer a comunicação de alteração do domicílio dos mandatários judiciais, o princípio geral aplicável aos actos processuais é o de que deverão ter a forma que, nos termos mais simples, melhor corresponda ao fim que visam atingir (artigo 138º, n.º 1, do CPC).
Ora, no caso concreto, tal «forma» de comunicação não atingiu o fim legalmente previsto, posto que não foi como tal percepcionado pela secção nem era exigível que o fosse, sendo certo que os recorrentes, ora requerentes, já nesta instância haviam sido eficazmente notificados da decisão sumária nela proferida, por carta remetida, em 5 de Fevereiro de 2010, para a ora alegada «primitiva» morada do escritório do mandatário de ambos (fls. 88918), na sequência do recurso de constitucionalidade que interpuseram, tendo a notificação imediatamente subsequente do acórdão que, em conferência, julgou improcedente a sua reclamação, remetida para essa mesma morada, por carta de 16 de Abril de 2010, vindo devolvida apenas com a menção de «não reclamada».
Neste contexto, era-lhes, pois, exigível que comunicassem, de forma clara e inequívoca, a alteração da morada do domicílio profissional do seu mandatário.
E, não sendo uma tal situação de facto equiparável à mudança de instalações de um Tribunal, como pretendido, não importa tal exigência a violação do invocado princípio da igualdade.
Assim sendo, se a notificação do referido acórdão, expedida por via postal para o domicílio profissional do ilustre mandatário dos recorrentes, não chegou ao conhecimento deste, foi porque o mesmo não diligenciou, como se impunha, pela comunicação, pela forma adequada, da alteração do seu domicílio.
Ora, não tendo os ora requerentes feito prova de que a notificação se não efectuou por razões que não lhe são imputáveis, opera a presunção prevista no artigo 254º, nºs. 3 e 4, do CPC.
Não se justifica, por isso, a sua repetição.
5. Estabelece o n.º 8 do artigo 84º da LTC que, sendo manifesto que, com determinado requerimento, se pretende obstar ao cumprimento da decisão proferida no recurso ou na reclamação ou à baixa do processo, se observe o disposto no artigo 720º do Código de Processo Civil. O n.º 2 deste último preceito, aditado pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, tornou também aplicável este instrumento de defesa contra as demoras abusivas aos casos em que a parte procure obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de incidentes, a ela posteriores, manifestamente infundados.
No presente recurso de constitucionalidade foi já proferida decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso (decisão n.º 60/2010, de 4 de Fevereiro) e acórdão que confirmou essa decisão em sede de reclamação para a conferência (acórdão n.º 137/2010, de 14 de Abril), tendo sido suscitados posteriormente, para além da presente arguição de nulidade, sucessivos incidentes pós decisórios com evidentes fins dilatórios, tal como um recurso para o Plenário do acórdão proferido em conferência (acórdão nº 226/2010, de 2 de Junho de 2010), a renúncia do mandato por parte dos mandatários de alguns dos recorrentes (fls 89081 e 89106) e o pedido de repetição da notificação, também agora em apreciação.
Nada mais havendo que obste à baixa do processo e atendendo à já longa duração do processo e à circunstância de a decisão final nele proferida quanto ao recurso de constitucionalidade ter já transitado em julgado relativamente aos recorrentes que não reclamaram da decisão sumária (18.02.2010), aos recorrentes F., Ldª e B. e C., Lda., (20.04.2010) e G., Lda., H., Ldª (20-05-2010), e estar prestes a ocorrer relativamente ao recorrente I. (17.06.2010), justifica-se que se faça uso dos poderes conferidos pelas disposições conjugadas do n.º 8 do artigo 84º da LTC e do n.º 2 do artigo 720º do Código de Processo Civil.
6. Pelo exposto, decide-se:
a) reformar o acórdão n.º 137/2010, na parte afectada pela nulidade processual, nos termos agora considerados, mantendo-se a decisão de não conhecer o objecto do recurso;
b) indeferir o requerido pelos recorrentes B. e C., Lda., quanto à repetição da notificação;
c) extrair traslado das seguintes peças processuais, para nele serem processados eventuais termos posteriores do recurso:
- alegações de recurso do recorrente A. para o Tribunal da Relação (fls. 77165-77202);
- acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação (fls. 83828-84960);
- requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 86171-86174);
- decisão sumária n.º 60/2010 (fls. 88891-88911);
- reclamação para a conferência de fls. 89021-89022;
- expediente de notificação de fls. 89078, 89107 e 89107/verso;
- acórdão n.º 137/2010 (fls. 89042-89070);
- despacho de fls. 89098-89101;
- acórdão n.º 200/2010 (fls. 89129-89137);
- todo o processado posterior, incluindo a presente decisão;
d) determinar que o processo seja imediatamente remetido ao tribunal recorrido, nos termos do nº 2 do artigo 720º do Código de Processo Civil, considerando-se o presente acórdão transitado com a extracção do traslado.
Custas pelos requerentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC, por cada um.
Lisboa, 15 de Junho de 2010
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão