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Processo n.º 225/10
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam em Conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), de decisão daquele Tribunal de 21 de Janeiro de 2010.
2. Em 27 de Abril de 2010, foi proferida a Decisão sumária n.º 166/10, pela qual o Tribunal decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso, por não se poder dar como verificado o requisito da suscitação, durante o processo, de modo processualmente adequado, da questão de inconstitucionalidade.
3. Notificada desta decisão, a recorrente «solicitou a aclaração de algumas obscuridades e ambiguidades». Entendendo que o requerimento configurava uma reclamação, o Tribunal decidiu pelo respectivo indeferimento, através do Acórdão n.º 219/10.
4. Notificada deste Acórdão, a recorrente «reclamou para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC», pedindo «que fosse decretada a nulidade do Acórdão n.º 219/2010 e que fosse revogada a decisão sumária reclamada».
Pelo Acórdão n.º 273/10, o Tribunal decidiu indeferir a arguição de nulidade do Acórdão n.º 219/10 e não tomar conhecimento da reclamação da Decisão sumária n.º 166/10, com a seguinte fundamentação:
«1. A recorrente vem arguir a nulidade do Acórdão n.º 219/10, tirado em conferência, por erro na forma do processo e violação do princípio do dispositivo e ainda por tal decisão se ter pronunciado sobre questões que não devia, deixando de apreciar outras a que estava adstrito conhecer.
Esta arguição tem por base a circunstância de este Tribunal ter tratado como reclamação para a conferência o requerimento em que solicitou, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 669.º do Código de Processo Civil, a aclaração de algumas obscuridades e ambiguidades que, a seu ver, continha a Decisão sumária n.º 166/10. Entendeu-se que a recorrente não tinha assinalado qualquer passo da decisão cujo sentido fosse ininteligível, não obstante a qualificação de “obscura”.
É entendimento reiterado deste Tribunal que são convolados em reclamação da decisão sumária, a conhecer pela conferência, os incidentes pós-decisórios inadmissíveis (nomeadamente, “falsos” pedidos de aclaração, em que não se especifica qualquer obscuridade ou ambiguidade), independentemente do “rótulo” processual que o recorrente lhes atribui (Lopes do Rego, Os recurso de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 246, por referência à jurisprudência constitucional. Cf., entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs 560/2006, 363/2006, 590/2007, 147/2008, 431/2008 e 222/2009, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Devendo ainda assinalar-se que é manifesto não haver qualquer erro na forma de processo, nem tão-pouco violação do princípio do dispositivo (artigo 264.º do Código de Processo Civil), o qual “é compatível com intervenções oficiosas do tribunal visando a ultrapassagem de obstáculos formais à apreciação das pretensões das partes” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 623/2004, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Por outro lado, o Tribunal não deixou de apreciar o pedido de aclaração, uma vez que nada foi alegado no sentido da alegada obscuridade da decisão, nem tão-pouco se pronunciou sobre questões que não devia, já que do requerimento, então em apreciação, decorria a discordância da recorrente relativamente ao já decidido quanto ao conhecimento do objecto do recuso interposto (artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil).
Numa palavra, é de indeferir a presente arguição de nulidade.
2. Indeferida a arguição de nulidade do Acórdão n.º 219/10, é de concluir pelo não conhecimento da reclamação da Decisão sumária n.º 166/2010, uma vez que esta decisão já foi objecto de reclamação para a conferência, nos termos do artigo 78.º, n.º 3, da LTC».
5. Notificada do Acórdão n.º 273/10, vem agora a recorrente arguir a respectiva nulidade, através de requerimento com o seguinte teor:
«1-Os termos do n.º 1 do art. 205.º da CRP, estabelecem que:
“1-As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são sempre fundamentadas”.
2-Por sua vez, o n.º1 do ant.158.º do CPC preconiza:
“As decisões judiciais proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
3-E o disposto no art.69.º da Lei do Tribunal Constitucional n.º28/82, com as alterações subsequentemente introduzidas, diz-nos que:
“À tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação.”
4-Assim sendo, al.b) do n.º1 do art.668.º do CPC informa que é nula a sentença quando:
“Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão”.
5-Sucede que, no caso dos autos, douto aresto não cura de avançar uma norma em ordem à qual fundamente a sua decisão, mas em contrapartida, é perdulário em enumerar acórdãos que, segundo diz, caucionam semelhante sentido decisório.
6-Porém, uma vez que estamos no plano do Direito, o n.º3 do art.3.º da mesma Lei fundamental garante que:
“A validade das leis e dos demais actos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição”. Entidades públicas essas que, segundo o Prof. Jorge Miranda abrange as próprias decisões dos tribunais, consideradas como actos jurídicos.
7-Mas se dúvidas houvessem, o art. 203.º da CRP garante que:
“Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos a lei”
Ou seja, salvo melhor opinião que não a expressada no aresto de que se requer a nulidade, o Tribunal não podia fundamentar a sua decisão com incidência nos acórdãos convocados, sendo certo que outros tantos acolhem o sentido contrário à decisão de que se requer a nulidade.
8-Por conseguinte, o melhor será o Tribunal ter a gentileza de indicar a lei em ordem à qual estriba a sua decisão, sendo que, de acordo com o art.2.º da Constituição, a República Portuguesa é um estado de direito democrático, onde a única fonte de direito que vincula os tribunais e as restantes entidades públicas é a lei tal com vem configurada no art.1l2.º da CRP e não à regra do precedente como no sistema da Common Law, em que a jurisprudência acaba por ser fonte de direito, o que não será o caso de Portugal, como está inscrito na Constituição e os doutos Juízes Conselheiros ensinam em qualquer faculdade de Direito».
6. Notificado, o recorrido pronunciou-se pela forma seguinte:
«1.º
A arguição de nulidade não tem qualquer sentido, uma vez que o acórdão n.º 273/10 encontra-se devidamente fundamentado.
2.º
Aliás, o recorrente, contraditoriamente, reconhece tal, uma vez que diz que “o Tribunal não podia fundamentar a sua decisão com incidência nos acórdãos convocados”.
3.º
Ora, o que extrai dessa afirmação é que o recorrente não concorda com a fundamentação, mas ela existe.
4.º
Poderíamos ainda acrescentar que, apesar do recorrente afirmar que há acórdãos em sentido contrário, não identifica nenhum».
7. O teor da fundamentação do Acórdão n.º 273/10, quando confrontado com o requerimento de arguição de nulidade do mesmo, aponta, claramente, no sentido de estarmos perante um incidente pós-decisório manifestamente infundado. Por esta razão, justifica-se que seja processado em separado, nos termos previstos no artigo 720.º do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 84.º, n.º 8, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional».
8. Pelo exposto, decide-se:
a) Mandar extrair traslado das peças processuais de fls. 298, 299 e 301, da Decisão sumária n.º 166/10 e dos Acórdãos n.ºs 219/10 e 273/10, para processamento em separado do requerimento de fl. 298 e s., e de quaisquer outros que venham a ser apresentados, cuja decisão só será proferida uma vez pagas as custas em que a recorrente foi condenada neste Tribunal, as quais devem ser, entretanto, contadas.
b) Ordenar que, extraído o traslado, sejam os autos de imediato remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça, para prosseguirem os seus termos (artigo 720.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Lisboa, 22 de Setembro de 2010.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.