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Processo n.º 220/10
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa que, concedendo parcial provimento ao recurso que interpusera
da decisão da 1.ª instância que o condenara em 8 anos de prisão, o condenou na
pena de 7 anos de prisão, pela prática de um crime de abuso sexual de criança
(artigo 172.º, n.º 2, do Código Penal).
Por acórdão de 13 de Janeiro de 2010, o Supremo tribunal de Justiça não conheceu
do recurso em matéria criminal por inadmissibilidade, apenas conhecendo na parte
relativa ao pedido cível.
O arguido reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
relativamente à parte em que aquele acórdão não conheceu do recurso.
Por despacho de 9-2-2010 do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça foi
proferida decisão de não conhecimento da reclamação apresentada, com fundamento
em que esta só podia incidir sobre despachos que, no tribunal a quo, não
admitissem ou retivessem o recurso, não podendo o Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça conhecer de uma reclamação de um acórdão desse mesmo Supremo
Tribunal.
O arguido recorreu então para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido
pelo Supremo Tribunal de Justiça proferido em 13 de Janeiro de 2010, nos
seguintes termos:
- Pretende-se ver apreciada a interpretação inconstitucional dada à norma
correspondente ao artº 400 nº 1 al. f) do CPP na redacção dada à Lei de 48/2007
de 28 de Agosto quando conjugada com o artº 5º nº 2 do C.P.P. e o referido
preceito na sua redacção anterior, por parte da decisão recorrida, por ser
restritiva das garantias de defesa do arguido e violar o duplo grau de
jurisdição em processo penal, nos termos dos artsº 27º, 28º e 32º nº 1 da C.R.P,
sendo também desconforme à interpretação dada pelo Pleno das Secções Criminais
no Acórdão nº 4/2009 de 09/03/2009.
- Mais se pretende, ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação
extensiva dada a um dos requisitos contidos na referida norma do artº 400 nº 1
al. f) do C.P.P. (Acórdãos condenatórios das Relações que em recurso confirmem
decisão de 1ª instância) quer na versão anterior à Lei nº 48/2007 de 28 de
Agosto de 2007 quer na versão actual, por parte da douta decisão, por ser
restritiva das garantias de defesa do arguido e violar o duplo grau de
jurisdição em processo penal, nos termos dos artsº 27º, 28ºe 32º nº 1 da C.R.P.
- A aplicação da referida norma constante do artº 400 nº 1 al. f) do CPP na
redacção correspondente à Lei de 48/2007 de 28 de Agosto e consequente
afastamento da referida norma na sua redacção anterior viola os artsº 27º, 28º e
32º nº l da C.R..P e os princípios constitucionais relativos às garantias de
defesa do arguido e o duplo grau de jurisdição em processo penal.
- Também a interpretação extensiva que é dada a um dos requisitos contidos na
referida norma (Acórdãos condenatórios das Relações que em recurso confirmem
decisão de 1ª instância) quer na versão actual contida na Lei de 48/2007 de 28
de Agosto quer na versão anterior violam os artsº 27º, 28ºe 32º nº 1 da C.R.P e
os princípios constitucionais relativos à garantia de defesa do arguido e o
duplo grau de jurisdição em processo penal.
A questão da inconstitucionalidade só pôde ser suscitada nos autos a fls. (peça
processual correspondente à Reclamação para o Exmo. Presidente do S.T.J.) uma
vez que só agora o ora Recorrente foi confrontado com uma situação de aplicação
normativa de todo imprevista e inesperada feita pelo douto acórdão do S.T.J.,
não tendo tido oportunidade processual para suscitar a questão anteriormente (cf
Acórdãos do TC nº 61/92, 188/93, 181/96, 569/95 e 596/96).
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho proferido em
3-3-2010 não admitiu o recurso, por considerar que o mesmo foi interposto para
além do prazo estabelecido na lei.
O arguido reclamou desta decisão, nos seguintes termos:
“1 – A decisão de rejeição do recurso assenta na consideração que este terá sido
interposto fora do prazo legal previsto, no artº 75º da Lei de 28/82 de 15 de
Novembro.
2 – Salvo o devido respeito que é muito, não nos parece que tal recurso seja
extemporâneo uma vez que:
3 - O ora reclamante notificado do douto acórdão de 13/01/2010, que julgou
inadmissível na parte crime, o recurso por si interposto para o S.T.J., por não
se conformar com a douta decisão veio dela reclamar para o Exmo. Senhor
Presidente do S.T.J ao abrigo pelo disposto nos artsº 399º, 401º nº 1 al. b),
artº 400º al. f) a contrario sensu, artº 405,º artº 432º al. b) ex vi do artº 5º
nº 2 al. a) todos do C.P.P. na versão anterior à dada pela actual Lei nº 48/2007
de 29 de Agosto, artsº 27º, 28º e 32º nº 1 da CRP, bem como do acórdão do Pleno
das Secções Criminais nº 4/2009 publicado no DR 1ª’ Série de 19/03/2009.
4 – A respectiva reclamação deu entrada dentro do prazo legal de 10 dias, a
saber, no dia 26/01/10 - cf. fls. dos autos - nos termos do artº 405 do CPP.
5 – Por douto despacho de 09/02/2010 o Exmo. Senhor Presidente do S.T.J. decidiu
não conhecer da presente Reclamação para si interposta.
6 – Tal douta decisão foi notificada ao arguido em 12/02/10 - cf. fls. dos
autos.
7 – Por não se conformar com as duas doutas decisões veio o arguido recorrer
para o presente aresto, em 22/02/10 (cf. fls. dos autos) ao abrigo pelo disposto
na al. b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, na redacção
dada pela Lei nº 85/89 de 7 de Setembro, e pela Lei n º 13-A/98 de 26 de
Fevereiro.
8 – Ou seja, nos 10 dias legalmente previstos no artº 75º da lei 28/82, sendo o
mesmo legalmente tempestivo, já que da conjugação das normas previstas no artº
70º nº 2 e nº 3 da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro parece-nos resultar a seguinte
interpretação:
9 – Que o presente recurso fundamentado ao abrigo da al. b) do artº 70º da Lei
28/82 de 15 de Novembro apenas poderia ser interposto, após se esgotarem todos
os recursos ordinários que ao caso concreto caberiam salvo os destinados a
uniformização de jurisprudência, entendendo-se equiparar as reclamações para os
presidentes dos tribunais superiores como recursos ordinários nos casos da sua
inadmissibilidade.
10 – Como se passou, aliás, no caso sub judice uma vez que o arguido reclamou da
não admissão do recurso, na parte crime, para o Exmo. Senhor Presidente do
S.T.J.
11 – E, só após a prolação do douto despacho do Exmo. Senhor Presidente do
S.T.J. poderia recorrer para o TC respeitando deste modo o balizado no requisito
previsto, no artº 70 nº 2 e 3 da Lei nº 28/82.
12 – Ou seja, só após ter esgotado todos os recursos ordinários que ao caso
concreto eram admissíveis (conceito este mais abrangente como já assinalamos).
13 – Salvo o devido respeito, entendemos que o ora reclamante recorreu para o
presente aresto em tempo útil ao contrário do consignado no douto despacho de
fls. 810.”
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
*
Fundamentação
Está em causa a tempestividade do recurso para o Tribunal Constitucional
apresentado pelo Reclamante.
A decisão impugnada é o acórdão do S.T.J. proferido em 13-1-2010 e do qual o
reclamante foi notificado em 13-1-2010.
O prazo de interposição de recurso é de 10 dias (artigo 75.º, n.º 1, da LTC).
O recurso só foi interposto em 23 de Fevereiro de 2010, ou seja muito para além
do referido prazo.
Alega o reclamante que entretanto reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça do acórdão recorrido, pelo que o referido prazo de 10 dias só deve
iniciar a sua contagem após ter sido notificado da decisão daquela reclamação, o
que só ocorreu em 12-2-2010.
Da consulta do CPP constata-se que não está prevista a reclamação para o
Presidente do S.T.J. de acórdãos proferidos por este Tribunal que não conheçam
de um recurso para ele interposto, mas apenas das decisões de não admissão do
recurso proferidas no tribunal recorrido.
Ora, conforme tem este Tribunal reiteradamente afirmado não pode ser atribuído
efeito interruptivo ou suspensivo dos prazos de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional “quando o interessado tenha lançado mão de um meio
impugnatório inexistente no ordenamento jurídico e que, como tal, apenas possa
caracterizar-se como um incidente processual anómalo” (vide, neste sentido, os
acórdãos n.º 463/2007, 279/2007, 173/2007, 64/2007 e 278/05, todos acessíveis em
www.tribunalconstitucional.pt).
No presente caso, a apresentação de reclamação para o Presidente do S.T.J. de
acórdãos proferidos por este Tribunal que não conheçam de um recurso para ele
interposto constitui um incidente anómalo, não previsto no ordenamento jurídico,
a que não pode ser atribuída eficácia interruptiva ou suspensiva do prazo de
apresentação de reclamação de tal despacho, não tendo, pois, aqui aplicação o
disposto nos n.º 3 e 4, do artigo 70.º, da LTC.
Consequentemente, o recurso apresentado para o Tribunal Constitucional foi
intempestivo, pelo que deve ser indeferida a reclamação.
*
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. do despacho proferido
nestes autos em 3 de Março de 2010 pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
*
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 14 de Abril de 2010
João Cura Mariano
Catarina Sarmento e Castro
Rui Manuel Moura Ramos