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Processo n.º 817/09
3.º Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., S. A. num litígio que a opõe a Sociedade B., Ldª., arguiu a nulidade do
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Maio de 2009, que revogou um
acórdão da Relação de Lisboa e anulou o despacho de adjudicação da propriedade a
seu favor, proferido em processo de expropriação por utilidade pública, com
fundamento em inexistência de declaração de utilidade pública eficaz. Sustentou
a recorrente que fora omitido um acto processual essencial que consiste em
sugerir o julgamento ampliado do recurso, imposto pelo n.º 2 do artigo 732.º-A
do Código de Processo Civil (CPC), quando era manifesto que se estava na
eminência de prolação de decisão contrária a jurisprudência anterior do mesmo
Supremo Tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão
fundamental de direito.
Por acórdão de 7 de Julho de 2009, o Supremo Tribunal de Justiça, considerando
que a norma em questão não impõe o dever de sugerir o julgamento ampliado da
revista sempre que se conjecture a possibilidade de solução jurídica diversa de
qualquer decisão anterior, indeferiu a arguição de nulidade.
A A. interpôs recurso deste último acórdão, ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), visando a
apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 732.º-A do CPC,
quando interpretada no sentido de não impor aos magistrados nela referidos o
dever de propor o julgamento ampliado da revista quando seja certo que irá ser
adoptada solução jurídica em oposição com jurisprudência anterior do mesmo
Supremo Tribunal.
2. Prosseguindo o recurso de constitucionalidade, a A. alegou e
concluiu nos termos seguintes:
“1.ª O Acórdão do STJ de 7 de Julho de 2009 indeferiu a arguição, pela ora
Recorrente, da nulidade do Acórdão de 14 de Maio de 2009 do mesmo Tribunal, que
concedera provimento ao recurso de revista que a expropriada, Sociedade B.,
Lda., havia interposto do Acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Maio de 2008,
revogando, consequentemente, este Acórdão.
2ª A questão central debatida no Acórdão cuja nulidade a Recorrente arguiu
consistia em saber se a expropriação de determinados prédios podia ser abrangida
por uma DUP emitida relativamente a outros prédios a expropriar nos termos
previstos no Decreto-Lei n.º 168/94 e na Resolução do Conselho de Ministros n.º
121-A/94, uma vez que a própria expropriada havia requerido, ao abrigo do artigo
3.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1991, a expropriação de todos os
prédios de que era proprietária abrangidos na previsão dos daqueles diplomas.
3ª O STJ interpretou o citado artigo 3.º, n.º 2, no sentido de que esta norma se
reporta à parte restante do prédio a expropriar e não a prédios diferentes,
sendo necessária nesse caso uma DUP específica e, perante a sua inexistência,
considerou ilegal o despacho de adjudicação, revogando, consequentemente, o
citado Acórdão da Relação.
4ª No entanto, a jurisprudência maioritária do STJ tem-se pronunciado no sentido
da tese sustentada pela ora Recorrente, isto é, pela desnecessidade de obtenção
de uma nova DUP para legitimar a expropriação de prédios que integram, com o
prédio inicialmente expropriado, uma unidade económica que, com a expropriação
parcial, perderia a sua viabilidade económica.
5ª A ora Recorrente arguiu a nulidade do citado Acórdão de 14 de Maio de 2009
com fundamento na preterição da formalidade prevista no art. 732.º-A, n.º 2, do
CPC que impunha ao relator, a qualquer dos adjuntos e aos presidentes das
secções cíveis o dever de, até à prolação do acórdão, sugerir o julgamento
ampliado da revista quando se verifique a possibilidade de vencimento de solução
jurídica que esteja em oposição com jurisprudência anteriormente firmada, no
domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
6ª Não obstante, o Acórdão do STJ de 7 de Julho de 2009, ora recorrido,
interpretou a norma do artigo 732.º-A, n.º 2, do CPC no sentido de não impor ao
Tribunal o dever de sugerir o julgamento ampliado da revista mesmo sendo certo
que o Tribunal iria adoptar solução jurídica em oposição com jurisprudência
anterior.
7ª Foi essa norma interpretada no sentido aludido que a ora Recorrente
considerou violadora dos artigos 13.º e 2.º da CRP e que é objecto do presente
recurso de constitucionalidade.
8ª O Decreto-Lei n.º 329-A/95, do mesmo passo que revogou o artigo 2.º do Código
Civil que consagrava o instituto dos assentos, bem como os artigos 763.º a 770.º
do CPC, criou como mecanismo destinado à uniformização da jurisprudência o
julgamento ampliado de revista, aditando ao CPC os artigos 732.º-A e 732.º-B
posteriormente alterados pelo Decreto-Lei n.º 303/2007.
9ª Ora, tanto na redacção actual destes artigos, como naquela que antecedeu o
Decreto-Lei n.º 303/2007, existe uma obrigação de propor o julgamento alargado
da revista, não só no caso de oposição com jurisprudência uniformizada, mas
também, como no caso dos autos, quando se tome evidente que a solução a dar ao
recurso está em oposição com jurisprudência anterior do STJ ainda que não
uniformizada.
10ª Esta interpretação é imposta pela CRP e é a única que se afigura compatível
com o propósito, assumido pelo legislador, de alcançar um nível adequado de
uniformização de jurisprudência.
11ª E não se argumente, em sentido contrário, com a doutrina do Acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 261/02 de 18 de Junho que se pronunciou sobre a
conformidade de uma interpretação do artigo 732.º-A, n.º 2, do CPC com o
disposto no artigo 20.º, n.º 1, da CRP na perspectiva da existência de um
direito constitucionalmente garantido à existência de um recurso para
uniformização de jurisprudência, uma vez que essa questão é alheia ao caso dos
autos.
12ª Do que aqui se trata não é da existência de um direito ao recurso para
uniformização, mas apenas de saber quais as exigências que os princípios
constitucionais da igualdade e da confiança colocam à configuração legal de um
mecanismo de uniformização da jurisprudência.
13ª O Tribunal Constitucional ainda não se pronunciou quanto ao princípio da
igualdade ou quanto ao princípio da confiança na perspectiva da sua aplicação ao
preciso caso dos autos, não obstante já ter reconhecido a importância de tais
princípios no quadro da configuração legal do sistema de uniformização de
jurisprudência (Acórdãos n.ºs 574/98 e 575/98).
14ª Ora, o princípio da confiança encontra aqui plena aplicação porquanto a
eficácia que era assegurada ao sistema de uniformização anterior à reforma de
1995 através do instituto dos assentos e da previsão de um recurso ordinário
para o tribunal pleno, no contexto actual, em que apenas existe um recurso
extraordinário para uniformização de jurisprudência, é agora apenas garantida
através de um julgamento alargado da revista se este for obrigatoriamente
suscitado pelo relator e outros magistrados quando seja previsível que a decisão
do mesmo recurso venha contrariar jurisprudência anterior.
15ª Isto independentemente da obrigatoriedade de o relator e os adjuntos
suscitarem a ampliação da revista em caso de possibilidade de vencimento de
solução contrária a jurisprudência obtida na sequência de revista ampliada ou de
recurso para uniformização de jurisprudência, mas essa obrigatoriedade pressupõe
que já existam acórdãos uniformizados.
16.ª Só assim se poderá imprimir a desejada celeridade ao sistema de
uniformização de jurisprudência e, sobretudo, só assim se poderá assegurar que
os cidadãos possam confiar na previsibilidade das decisões judiciais e obter a
imprescindível certeza e segurança jurídicas.
17ª A interpretação do artigo 732.º-A, n.º 2 feita pelo tribunal recorrido viola
também o princípio constitucional da igualdade na medida em que restringe a
possibilidade de dois cidadãos obterem a mesma solução em casos idênticos
submetidos a tribunal no contexto da mesma legislação.
18.ª Na verdade, essa interpretação, diminuindo os obstáculos à prolação de
acórdãos divergentes, favorece os desencontros jurisprudenciais que assolam a
nossa ordem jurídica e ofendem o princípio da igualdade – soluções jurídicas
diferentes tomadas no contexto da mesma legislação relativamente a situações de
facto muito semelhantes (desigualdade sincrónica).
19ª Do exposto, resulta claro que a norma do artigo 732.º-A, n.º 2, do CPC
quando interpretada no sentido de não impor aos magistrados nela referidos o
dever de propor o julgamento ampliado da revista quando seja certo que Tribunal
irá adoptar solução jurídica em oposição com jurisprudência anterior, viola os
princípios da confiança e da igualdade consagrados nos artigos 13.º e 2.º da
CRP.”
3. A recorrida contrapôs, em síntese, o seguinte:
– Quanto ao conhecimento do objecto do recurso.
A questão de inconstitucionalidade só veio a ser suscitada pela recorrente na
arguição de nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Maio de
2009, meio que não é idóneo nem atempado para suscitar tal questão. Nem se diga
que o entendimento perfilhado ou pressuposto no acórdão recorrido seria de todo
imprevisto ou inesperado. O sentido com que o acórdão recorrido interpretou o
preceito cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada – que é o
respeitante ao n.º 2 do artigo 732.º-A do CPC e não qualquer outro,
designadamente a questão decidida no acórdão que julgou a revista – é aquele que
o Supremo sempre tem adoptado.
Acresce que o acórdão recorrido considerou que neste momento se
encontra esgotado o poder jurisdicional quanto ao sentido a dar ao normativo
contido no n.º 2 do artigo 3.º do Código das Expropriações de 1991, pelo que
qualquer alteração da decisão em virtude da inconstitucionalidade da norma está
arredada. Deste modo, o recurso de constitucionalidade interposto pela
recorrente mostra-se destituído de qualquer efeito útil, já que nenhum efeito
vai ter sobre a primeira decisão.
– Quanto às questões trazidas em recurso.
Cabe na liberdade de conformação dos recursos que a Constituição
confere ao legislador ordinário subordinar a promoção oficiosa do julgamento
ampliado do julgamento por parte dos juízes mencionados no n.º 2 do artigo
732.º-A do CPC à avaliação acerca da conveniência, face ao interesse geral e à
maturação da questão, em assegurar a uniformidade da jurisprudência.
Não pode acusar-se a interpretação em causa de violação do princípio
da confiança no sistema de uniformização da jurisprudência. A interpretação que
a recorrente pretende seria contrária à liberdade de julgar, que exige o
cumprimento da justiça do caso concreto mais do que o apego injustificado a
decisões anteriormente tomadas.
E também não pode falar-se em violação do princípio da igualdade,
face à divergência jurisprudencial em causa. Não está demonstrada a existência
de outros casos, além daqueles que a recorrente refere, todos envolvendo as
mesmas partes do presente recurso, que justificassem ou impusessem um tratamento
uniforme da questão decidida na revista. Em bom rigor o que a recorrente reclama
é, afinal, a frustração da expectativa de obter uma decisão de fundo de conteúdo
igual a outras decisões proferidas a seu favor.
Não foram, consequentemente, violados os princípios da igualdade e
da segurança jurídica, pelo que não deve conceder-se provimento ao recurso.
4. Cumpre apreciar as duas objecções ao conhecimento do objecto de
recurso levantadas pela recorrida: não ter sido suscitada a questão de
inconstitucionalidade de modo processualmente adequado e ser inútil decidir a
questão de constitucionalidade, uma vez que qualquer que viesse a ser a decisão
do presente recurso sempre se manteria a decisão quanto ao sentido do n.º 2 do
artigo 3.º do CE91, que transitou em julgado.
4.1. O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC
depende, além do mais, de (i) ter sido previamente suscitada a
inconstitucionalidade da norma submetida a fiscalização (ii) e de essa norma ter
sido efectivamente aplicada na decisão recorrida.
Relativamente ao primeiro dos mencionados requisitos, a lei exige não só que o
recorrente tenha suscitado a questão “durante o processo” (alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º), como que o tenha feito “de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer” (n.º 2 do artigo 72.º). Exigências que significam que o tribunal
de cuja decisão se recorre tem de ter sido colocado perante a questão que se
pretende deferir ao Tribunal Constitucional antes de estar esgotado o seu poder
jurisdicional sobre a matéria, isto é, antes de fazer ou dever fazer aplicação
da norma em causa com o sentido tido por inconstitucional. Nesta conformidade,
extinguindo-se o poder jurisdicional com a prolação da sentença, entende-se que
os incidentes posteriores à decisão não são, em regra, idóneos para questionar a
inconstitucionalidade de normas que naquela foram (ou deveriam ter sido)
aplicadas, ou que respeitam a questões cuja apreciação com a prolação da decisão
deva considerar-se precludida.
Só assim não será em situações processuais excepcionais ou anómalas. Desde logo,
naquelas hipóteses em que o poder jurisdicional para apreciar a matéria a
propósito da qual é suscitada a questão de inconstitucionalidade não se tenha
esgotado com a decisão final. Além dessas, num entendimento funcional do
referido ónus, também se não faz depender o acesso ao Tribunal Constitucional da
suscitação da questão antes de proferida a decisão que faça aplicação de
determinada norma naquelas situações em que o recorrente não tenha disposto de
oportunidade processual para suscitar a questão, seja por se ver confrontado com
uma concreta marcha processual que o tenha privado dessa oportunidade, seja pelo
carácter imprevisível da aplicação da norma ou pela adopção de uma interpretação
insólita ou objectivamente inesperada (Cfr. Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de
Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional,
págs. 78-85, com larga indicação de jurisprudência).
Recai sobre as partes o ónus de analisar as diversas possibilidades
interpretativas do regime jurídico aplicável ao litígio (incluindo qualquer
questão processual ou incidental de que a solução da causa dependa), ponderando
a estratégia de defesa dos seus direitos e interesses no quadro das soluções
plausíveis das questões submetidas ao tribunal (ou de conhecimento oficioso)
segundo o padrão de actuação e prudência técnico-jurídica de um operador
judiciário normalmente diligente e capaz. Daqui decorre que, se a interpretação
com que a norma é aplicada surge como perfeitamente razoável e previsível,
mostrando-se compatível com o teor literal do preceito ou, mesmo não o sendo,
corresponde a uma jurisprudência constante ou a uma corrente jurisprudencial
suficientemente instalada e de conhecimento acessível, não pode o interessado
deixar de prever que a aplicação da norma com esse sentido será provável. E nos
casos em que o regime jurídico seja passível de várias interpretações, a parte
deve representar a possibilidade de o juiz vir a inclinar-se para a
interpretação normativa menos favorável aos seus interesses. De modo que, se tem
razões para contestar a sua constitucionalidade, deve suscitar a questão em
ordem a provocar a decisão do tribunal da causa e, consequentemente, abrir a via
de acesso ao Tribunal Constitucional.
No caso, verifica-se que a questão da constitucionalidade da aplicação feita
pelo Supremo Tribunal de Justiça da norma do n.º 2 do artigo 732.º-A do Código
de Processo Civil, somente veio a ser suscitada pela recorrente no requerimento
em que arguiu a nulidade do acórdão de 14 de Maio de 2009 que julgou a revista.
A recorrida sustenta que a recorrente deveria ter arguido anteriormente a
inconstitucionalidade porque deveria razoavelmente contar com tal desfecho. E
isto porque o que se censura aos juízes que intervieram é a omissão de um acto
que deveria ter sido praticado antes da prolação do acórdão que julgou a revista
ou, pelo menos, de uma omissão que neste acórdão se materializa e que
corresponde a uma prática jurisprudencial que traduz o entendimento constante e
uniforme de todas as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre
a mesma matéria.
Coloca-se, pois, a questão de saber se a presente situação é uma daquelas em que
deve admitir-se o recurso de constitucionalidade apesar de a questão só ter sido
suscitada na arguição de nulidade, posterior ao acórdão em que a aplicação da
norma com o sentido inconstitucional se revelou.
A questão respeita ao sentido do n.º 2 do artigo 732.º-A do CPC. Estava em causa
saber se o preceito vincula os juízes aí mencionados (o relator, os adjuntos e o
presidente da Secção) a sugerir ao Presidente do Supremo Tribunal que determine
a intervenção do pleno das secções cíveis perante a possibilidade de o acórdão a
proferir vir a apartar-se de jurisprudência anterior ou se, pelo contrário, lhes
confere discricionariedade ou margem de apreciação quanto à conveniência dessa
sugestão. Noutra linguagem, se é um dever ou uma faculdade que se atribui aos
juízes que integram a formação de julgamento (lato sensu, porque o presidente da
Secção só vota em casos contados; a posição do Ministério Público não está a ser
considerada).
Tem de reconhecer-se, como a recorrida afirma e até onde é possível conhecer a
jurisprudência anterior sobre a matéria, que o acórdão recorrido aplicou a norma
do n.º 2 do artigo 732.º-A do CPC, com o sentido com que a vinha aplicando
sempre que fora confrontado com tal questão. Efectivamente, à data da
interposição do recurso de revista eram conhecidas decisões em que o Supremo
considerara que a sugestão oficiosa de julgamento ampliado da revista na
eminência de contradição com jurisprudência anterior não é estritamente
vinculada. Segundo esta jurisprudência, o interessado tem o ónus de requerer o
julgamento ampliado se quiser assegurar-se dessa intervenção alargada (rectius
dessa possibilidade de intervenção porque a competência do Presidente do Supremo
não é, ela própria, vinculada) no julgamento da causa. Os juízes só têm o dever
de sugerir o julgamento ampliado se entenderem que a relevância da questão e o
estado da controvérsia o justificam, entendimento que o acórdão recorrido
reiterou (Cfr. acórdãos de15 de Janeiro de 2004 – P. 03B2343, 20 de Novembro de
2003 – P.03B2073, 17 de Outubro de 2006 – P.05A4270 in www.dgsi.pt).
Parece, pois, que a recorrida tem razão na questão que suscita.
A possibilidade de adopção pelo Supremo do entendimento que no presente recurso
é questionado quanto à norma do n.º 2 do artigo 732.º-A do CPC, se a questão da
sua aplicação viesse a colocar-se – isto é, se viesse a adoptar relativamente à
interpretação e aplicação da norma do n.º 2 do artigo 3.º do Cód. das
Expropriações posição contrária àquela que a recorrente defendia –, não era, em
si mesma, imprevisível ou dificilmente previsível. Pelo que a recorrente poderia
ter-se precavido e suscitado a questão da inconstitucionalidade desse
entendimento. Sabendo ou devendo saber qual o entendimento do Supremo Tribunal
de Justiça sobre a submissão da revista a julgamento ampliado e não podendo
excluir a possibilidade de o Supremo vir a decidir a questão de fundo relativa
ao despacho de adjudicação em sentido desfavorável à sua pretensão, deveria ter
adoptado as adequadas cautelas processuais, o que se reconduzia a requerer tal
julgamento ampliado (antes da decisão do Supremo) ou a suscitar, desde logo, a
inconstitucionalidade do entendimento de que a sugestão de intervenção do pleno
das secções cíveis por parte dos juízes referidos no referido preceito fica
dependente de um juízo de conveniência ou necessidade.
A recorrente objecta, em primeiro lugar, que este obstáculo ao
conhecimento do recurso só poderia proceder se a decisão recorrida fosse aquela
de que se arguiu a nulidade (acórdão de 14 de Maio de 2009), mas não quando a
decisão recorrida consiste exclusivamente na própria decisão que recaiu sobre a
arguição de nulidade (acórdão de 7 de Julho de 2009). A recorrente só dispôs de
oportunidade para suscitar a questão de inconstitucionalidade com a prolação
daquele primeiro acórdão, pois só então foi confrontada com a interpretação e
aplicação da norma com o sentido que se reputa inconstitucional.
Este argumento não se afigura suficiente para justificar a dispensa do referido
ónus. A circunstância de ter sido o acórdão de 14 de Maio de 2009 que fez
emergir a aplicação da norma com o sentido questionado não significa que a
adopção do entendimento que lhe subjaz não fosse previsível face à
jurisprudência do Supremo e que a recorrente não tenha disposto de oportunidade
para prevenir contra essa orientação que entende inconstitucional. A
circunstância de o objecto do presente recurso ser o acórdão que apreciou a
nulidade pode ser pertinente noutros aspectos, mas não quando o que se pergunta
é se a suscitação da inconstitucionalidade apenas nessa arguição não será já
tardia.
Ainda que materialmente mais consistente, também improcede o argumento de que
não era exigível à recorrente um comportamento processual diverso daquele que
assumiu. Defesa, no essencial, semelhante à que a recorrente apresenta, num caso
em que precisamente veio a ser rejeitado um recurso que incidia sobre esta mesma
norma, foi apreciada pelo acórdão n.º 115/2005 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), tendo o Tribunal afirmado:
“6. A reclamante defende que não lhe era exigível que nas alegações de recurso
para o Supremo Tribunal de Justiça suscitasse logo a inconstitucionalidade da
interpretação dada ao artigo 732.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil: a
interpretação, lembre-se, de que o dever, previsto no artigo 732.º-A, n.º 2, do
Código de Processo Civil, de o relator, adjuntos e presidentes das secções
cíveis sugerirem o julgamento ampliado da revista (quando as partes e o
Ministério Público nada requereram nesse sentido) depende de um entendimento da
parte daqueles no sentido de que se justifica a intervenção do plenário das
secções cíveis. Para a reclamante, sobre ela não recaía qualquer ónus de
“antecipar a inconstitucionalidade, mesmo antes da norma - que não é central na
causa, e que só em certa fase do processo se coloca a hipótese de ser aplicada -
vir a ser aplicada”.
Não pode, porém, concordar-se com a reclamante neste ponto.
Na verdade, e como se salientou na decisão reclamada, encontram-se na
jurisprudência do Supremo Tribunal [de Justiça], já desde 2001, decisões a
perfilhar o entendimento de que não é impugnável o “uso ou o não uso pelo
relator da faculdade (não do dever)” de sugerir ao presidente do Supremo
Tribunal de Justiça o julgamento ampliado da revista, e sustentando que essa
sugestão depende de um prévio entendimento no sentido de que se justifica a
intervenção do plenário das secções cíveis (vejam-se os acórdãos de 23 de
Janeiro de 2001 e 7 de Fevereiro de 2002, cujos sumários estão acessíveis em
www.stj.pt; mais recentemente, cfr. ainda o acórdão de 20 de Novembro de 2003,
disponível também em www.dgsi.pt).
E também na doutrina se escreveu, já em 1998, a propósito dos pressupostos do
julgamento ampliado da revista, que o legislador se “quis afastar
deliberadamente da rigidez do recurso para o tribunal pleno, quer no que tocava
aos pressupostos legais, quer no que resultava da elaboração jurisprudencial,
tanto mais que a intervenção do plenário das secções cíveis há-de ser
determinada antes do julgamento de revista, não podendo transpor-se para essa
vicissitude da fase de julgamento as soluções do velho recurso para tribunal
pleno que pressupunham duas decisões já proferidas, de sentido contrário”
(Armindo Ribeiro Mendes, Os recursos no Código de Processo Civil revisto,
Lisboa, 1998, p. 105). Em comentário ao Código de Processo Civil, por sua vez
(para além de se salientar a inimpugnabilidade da decisão do presidente do
Supremo Tribunal de Justiça sobre o julgamento ampliado da revista), dizia-se:
“o exercício de tal poder pode, desde logo, ser sugerido por qualquer dos juízes
que participem directamente no normal julgamento da revista, e que, por isso, se
apercebem de imediato do risco de surgimento de um conflito com decisão
anterior.”(Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil,
Coimbra, 1999, p. 500 – itálico aditado).
À data do seu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não podia, pois,
deixar de considerar-se exigível, à recorrente, que previsse o entendimento do
artigo 732.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil no sentido de que a sugestão
de julgamento ampliado da revista não era um efeito obrigatório, para o relator,
adjuntos e Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, resultante logo da
existência de acórdãos num determinado sentido.”
A circunstância de, quanto à questão relativa ao âmbito da
expropriação, as decisões do Supremo Tribunal de Justiça lhe terem sido
favoráveis não é suficiente para alterar os termos da resposta à questão aqui
analisada. A recorrente teria de contar sempre com a possibilidade de não
continuar a ser perfilhado o entendimento de acórdãos anteriores quanto à norma
do n.º 2 do artigo 3.º do Código das Expropriações, tanto mais que não se
tratava de uma jurisprudência avassaladora (só são referidos três acórdãos do
Supremo, todos em processos em que a recorrente era expropriante) e que existia
jurisprudência da Relação em sentido contrario, como referem os próprios
acórdãos favoráveis à recorrente (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27
de Maio de 2008 – P.08B1168 e de 2 de Outubro de 2007 – P.07A1709, disponíveis
em www.dgsi.pt/jstj).
Em conclusão: a recorrente não deu cumprimento ao ónus que resulta
das disposições conjugadas da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 2 do
artigo 72.º da LTC, sendo exigível que o tivesse feito, pelo que o recurso não
pode prosseguir, ficando prejudicada a apreciação de quaisquer outras questões.
5. Decisão
Pelo exposto decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso
e condenar a recorrente nas custas, ficando a taxa de justiça em 12 (doze) UCs.
Lx., 28/4/2010
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha (teria conhecido do objecto do recurso por considerar
que o incidente pós-decisório era, nas circunstâncias do caso, o meio processual
adequado para suscitar a questão de constitucionalidade, tendo em conta que ela
é caracterizada pelo próprio recorrente como correspondendo a uma nulidade
processual por omissão de formalidade)
Gil Galvão (votei a decisão por entender, além do mais, que, não sendo
questionada a norma do artigo 201.º do Código de Processo Civil, aplicada na
decisão recorrida, o recurso não poderia ser conhecido por este Tribunal.)