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Processo n.º 19/10
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
O Magistrado do Ministério Público instaurou em 16 de Julho de 2008 acção
tutelar comum, pendente no 2.º Juízo Cível de Santarém, com o n.º
2336/07.0TBSTR-B, relativamente a A., nascido a 24 de Setembro de 2006, filho de
B. e de C., contra os referidos progenitores e também contra os avós paternos,
D. e E., pedindo que fosse regulado o exercício do poder paternal relativamente
ao menor, entregando-o à guarda e aos cuidados dos avós paternos.
O pai do menor após ter sido citado para, querendo, alegar o que tivesse por
conveniente, pronunciou-se, aderindo ao requerido pelo Magistrado do Ministério
Público.
A 25 de Novembro de 2008, realizou-se uma conferência na qual intervieram a
progenitora do menor e os avós paternos, não tendo sido possível obter qualquer
acordo dos intervenientes na conferência.
Em face de tal desacordo, as partes foram notificadas para, querendo, alegarem o
que tivessem por conveniente e oferecerem provas, determinando-se a realização
de diversas diligências instrutórias.
A progenitora do menor apresentou alegações em que pediu que A. lhe fosse
confiado, oferecendo prova documental e requerendo a realização de relatório
social.
Realizadas todas as diligências instrutórias determinadas, o Digno Magistrado do
Ministério Público emitiu parecer no sentido do menor ser confiado à guarda e
aos cuidados dos avós paternos, cabendo a estes o exercício das
responsabilidades parentais referentes aos actos da vida corrente do menor e
devendo consultar os progenitores deste nas questões de particular importância,
salvo nos casos de urgência manifesta, em que deverão informar os pais com a
maior brevidade possível, podendo a mãe visitar o menor sempre que o desejar, na
habitação dos avós paternos ou onde estes designarem, desde que avise
previamente os avós paternos.
Em 25-6-2009 foi proferida sentença, constando o seguinte na parte decisória:
“…ao abrigo do disposto nos artigos 13º, 204º e 277º, nº 1, todos da
Constituição da República Portuguesa, decide-se desaplicar por
inconstitucionalidade material o artigo 9º da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro
e, em consequência, ao abrigo do disposto nos artigos 1907º, 1918º, 1912º, nº 1
e 1906º, todos do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei nº 61/2008, de
31 de Outubro, regula-se o exercício das responsabilidades parentais relativo a
A., nascido a … de …. de 2006, filho de B. e de C., nos termos que seguem:
a) A. fica a residir e à guarda de D. e de E., competindo a estes as
responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente da criança,
devendo consultar os progenitores do menor nas questões de particular
importância, com ressalva das situações de urgência em que poderão decidir sem
tal consulta, devendo informar os progenitores, logo que possível;
b) B. e C. poderão visitar e estar com o menor sempre que o desejarem, mediante
prévio aviso aos avós paternos, na habitação destes ou em local que estes
indicarem e sempre sem prejuízo do descanso e das actividades da criança;
c) o abono de família relativo a A. será pago a um dos seus avós paternos D. ou
E.;
d) custas dos presentes autos a meias a cargo de B. e C., sendo o valor da causa
de € 30.000,01.”
O Ministério Público interpôs recurso desta sentença, ao abrigo do disposto no
artigo 70.º, n.º 1, a), da LTC, por nela se ter recusado a aplicação do artigo
9.º, da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, com fundamento em
inconstitucionalidade material.
Apresentou alegações em que concluiu do seguinte modo:
“1- A Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, alterou diversos preceitos do Código
Civil, designadamente os artigos 1904º a 1908º e 1912º, fixando num novo regime
no que toca ao exercício das responsabilidades parentais.
2- A norma do artigo 9º daquela Lei, enquanto exclui a aplicabilidade aos
processos pendentes daquele novo regime, não viola o princípio de igualdade não
sendo, por isso, inconstitucional.
3- Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
*
Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
Em 16 de Julho de 2008 foi instaurada acção de regulação do exercício do poder
paternal, relativamente ao menor A..
Na pendência desta acção, em 30 de Novembro de 2008 entrou em vigor a Lei n.º
61/2008, de 31 de Outubro, que alterou vários preceitos do Código Civil,
introduzindo, além do mais, modificações no regime do exercício do poder
paternal, incluindo na própria nomenclatura da figura jurídica que se passou a
chamar exercício das responsabilidades parentais.
O artigo 9.º desta lei consagrou a seguinte norma transitória:
“O presente regime não se aplica aos processos pendentes”.
O tribunal recusou a aplicação desta norma, por considerar que a mesma violava o
princípio constitucional da igualdade ao impedir a aplicação do novo regime do
exercício das responsabilidades parentais nos processos pendentes.
Tendo em consideração que, no caso concreto, estava em questão a definição desse
exercício num caso em que os progenitores não são casados, nem vivem em
condições análogas às dos cônjuges, não estando em causa as situações previstas
nos artigos 1904.º, 1905.º e 1908.º, do Código Civil, na redacção da Lei n.º
61/2008, de 31 de Outubro, a recusa de aplicação do artigo 9.º, cingiu-se à sua
dimensão em que proíbe a aplicação aos processos pendentes do disposto nos
artigos 1906.º e 1907.º, por remissão do artigo 1912.º, n.º 1, todos do Código
Civil, na redacção daquela Lei.
Assim sendo, atenta a natureza instrumental do recurso constitucional, deve
apenas ser fiscalizada a constitucionalidade do artigo 9.º, da Lei n.º 61/2008,
de 31 de Outubro, na dimensão em que proíbe a aplicação aos processos pendentes,
do disposto nos artigos 1906.º e 1907.º, por remissão do artigo 1912.º, n.º 1,
todos do Código Civil, na redacção daquela Lei.
2. Do mérito do recurso
No momento em que foi proposta a acção, o artigo 1911.º, do Código Civil, na
redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, dispunha, relativamente
ao exercício do poder paternal por pais que não tivessem contraído casamento,
nem vivessem maritalmente, que, na falta de acordo, aquele pertencia ao
progenitor que tivesse a guarda do filho, presumindo-se que era a mãe que tinha
essa guarda, podendo o outro progenitor vigiar a educação e as condições de vida
do filho (artigo 1906.º, n.º 4, do Código Civil).
Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, na mesma
situação, o regime regra passou a ser o exercício em comum das responsabilidades
parentais por ambos os progenitores, relativamente às questões de particular
importância para a vida do filho, salvo se decisão judicial fundamentada
estabelecer que essas responsabilidades sejam exercidas por apenas um dos
progenitores (artigo 1906.º, n.º 1 e 2, do Código Civil).
A nova Lei inclui uma norma que regula especificamente a sua aplicação no tempo,
determinando que a mesma não se aplica aos processos pendentes, o que abrange as
acções de regulação do poder paternal já propostas, como sucede com o presente
processo.
A decisão recorrida recusou a aplicação desta norma por entender que a mesma
violava o princípio constitucional da igualdade, ao “introduzir um tratamento
discriminatório, desigual e injustificado dos progenitores em função da simples
propositura da acção e conduz ao absurdo do conteúdo dos poderes-deveres dos
progenitores poder divergir tão só por causa daquele critério temporal”.
É necessário começar por dizer que a mera sucessão de leis no tempo, em matéria
de direitos familiares, não afecta, só por si, o princípio da igualdade.
Apesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do tratamento
normativo em relação a uma mesma categoria de situações, implicando que
realidades substancialmente iguais passem a ter soluções diferentes, isso não
significa que essa divergência seja incompatível com a Constituição, visto que
ela é determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam
a definição de um novo regime legal. Visando as alterações legislativas conferir
um tratamento diferente a determinada matéria, a criação de situações de
desigualdade, resultantes da aplicação do quadro legal revogado e do novo
regime, é inerente à liberdade do legislador do Estado de Direito alterar as
leis em vigor, no cumprimento do seu mandato democrático.
Daí que, conforme tem referido o Tribunal Constitucional, o princípio da
igualdade não opere diacronicamente (v.g. acórdãos nº 34/86, em ATC, 7.º vol.,
pág. 42, n.º 43/88, em ATC, 11.º vol, pág. 565, n.º 309/93, em ATC, 24.º vol.,
pág. 185, n.º 188/09, no D.R., II.ª Série, de 18-5-09, e n.º 3/2010, no D.R.,
I.ª Série, de 2-2-2010).
São as normas de conflitos que, numa situação de sucessão de leis, determinam
qual o âmbito de aplicação no tempo da nova lei, existindo normas gerais que
fixam os princípios que fornecem ao julgador um critério permanente de solução
dos conflitos (v.g. o artigo 12.º, do Código Civil), e normas específicas,
estabelecendo a solução de um conflito particular surgido a propósito duma
alteração legislativa determinada, normalmente inseridas na própria lei nova,
como sucede relativamente à norma aqui sob fiscalização.
Na determinação do conteúdo destas normas é reconhecida ao legislador uma
apreciável margem de liberdade quanto ao estabelecimento do marco temporal
relevante para aplicação do novo e do velho regime legal. Contudo, o critério
escolhido terá que respeitar não só o princípio constitucional da segurança
jurídica e da protecção da confiança, de modo a não violar direitos adquiridos
ou frustrar expectativas legítimas, sem fundamento bastante, assim como também
não poderá resultar na criação de desigualdades arbitrárias na aplicação da nova
lei, após ela ter entrado em vigor.
Quando se diz que o princípio da igualdade não opera diacronicamente, apenas se
abrange as desigualdades resultantes de aplicação de diferentes regimes legais
durante a sua respectiva vigência, mas já não quando, após a entrada em vigor
duma lei, o legislador restringe a sua aplicação a determinadas situações,
mantendo a aplicação da lei antiga, relativamente a outras, sem que se vislumbre
fundamento razoável para essa distinção. Neste último caso, o princípio da
igualdade consagrado no artigo 13.º, da C.R.P., imporá um juízo de censura
constitucional sobre essa opção.
Segundo os princípios gerais estabelecidos no artigo 12.º, do Código Civil,
nomeadamente o que consta do n.º 2, in fine, as leis que regulam o exercício do
poder paternal deveriam ter uma aplicação imediata às relações de filiação já
existentes (vide, neste sentido, Baptista Machado, em “Sobre a aplicação no
tempo do novo Código Civil”, ed. de 1968, da Almedina).
Contudo, no presente caso, o legislador determinou que as alterações
introduzidas pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, não se aplicariam aos
processos pendentes no momento da sua entrada em vigor, impedindo que elas
regulassem as situações cuja solução já havia sido solicitada aos tribunais,
salvaguardando, desse modo, as expectativas que as partes poderiam ter na
aplicação da lei vigente no momento em que foi requerida ao tribunal a sua
intervenção.
Desta norma de conflitos específica resulta que o exercício do poder paternal,
relativo aos filhos de pessoas não unidas pelo matrimónio, nem vivendo em união
de facto, nos processos entrados em juízo antes de 30 de Novembro de 2008, é
regulado segundo o regime previsto para estas situações no Código Civil, na
redacção do Decreto- Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, enquanto nos processos
entrados posteriormente a esta data, já o exercício do poder paternal é regulado
segundo o novo regime do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º
61/2008, de 31 de Outubro.
Apresentando estes dois regimes significativas diferenças, como acima vimos,
verifica-se um tratamento jurídico diferenciado para o poder paternal que seja
judicialmente regulado já após a entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31 de
Outubro, nos processos iniciados anteriormente ao início da vigência deste
diploma legal (30 de Novembro de 2008) e nos processos iniciados em data
posterior.
Esta diferença tem como fundamento perceptível e inteligível a salvaguarda das
expectativas das partes na aplicação da lei vigente no momento em que foi
requerida ao tribunal a sua intervenção, as quais poderão ter determinado a
estratégia da sua intervenção processual.
O legislador atendeu a que as partes poderão ter norteado o exercício dos seus
direitos processuais, tendo em vista o conteúdo do direito substantivo então
vigente, pelo que não deveriam ser surpreendidas por uma alteração desse quadro
legal, relativamente ao qual a estratégia processual por elas seguida se poderia
revelar inadequada.
A relevância destas expectativas no domínio da intervenção judicial na definição
do conteúdo das relações familiares não é nenhuma novidade legislativa, tendo,
por exemplo, igual disposição transitória sido adoptada pelo próprio Decreto-Lei
n.º 496/77, de 25 de Novembro (artigo 177.º), que havia introduzido o regime
agora alterado.
Independentemente de sabermos se a protecção destas expectativas é exigida pelo
princípio constitucional da segurança jurídica e da confiança, ou mesmo sem
apreciarmos a sua bondade, pode dizer-se que ela não deixa de ser um fundamento
legítimo e razoável para o critério normativo escolhido.
Por isso, não é possível dizer que a diferenciação resultante da norma contida
no artigo 9.º, da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, se revela arbitrária, uma
vez que não se verifica que da escolha do critério de aplicação da lei no tempo
feita pelo legislador resultem diferenças de tratamento entre as pessoas que não
encontrem justificação em fundamentos perceptíveis, inteligíveis e razoáveis,
tendo em conta a finalidade que, com a diferença estabelecida, se visou almejar.
Ora, como ensinam J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA (in Constituição da
República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 399, da 4.ª Edição revista, da
Coimbra Editora), no apuramento das violações ao princípio da igualdade, na
vertente da proibição do arbítrio, importa ter presente que:
«(...) a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade
não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro
dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as
relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar
igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da “discricionariedade
legislativa” são violados, isto é, quando, a medida legislativa não tem adequado
suporte material, é que existe uma “infracção” do princípio do arbítrio.»
Tendo sido apurado um suporte material bastante para o tratamento desigual
apontado pela decisão recorrida, não se pode considerar que o disposto no artigo
9.º, da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, na dimensão recusada, viole o
princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º, da C.R.P., pelo que a
falta de confirmação do juízo de inconstitucionalidade formulado pelo tribunal
recorrido conduz à procedência do recurso interposto pelo Ministério Público.
*
Decisão
Nestes termos decide-se:
a) Não julgar inconstitucional o artigo 9.º, da Lei n.º 61/2008, de 31 de
Outubro, na dimensão em que proíbe a aplicação aos processos pendentes, do
disposto nos artigos 1906.º e 1907.º, por remissão do artigo 1912.º, n.º 1,
todos do Código Civil, na redacção daquela Lei.
b) e, consequentemente, julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério
Público, determinando-se a reforma da decisão recorrida, em conformidade com o
presente julgamento.
*
Sem custas.
Lisboa, 14 de Abril de 2010
João Cura Mariano
Joaquim de Sousa Ribeiro
Catarina Sarmento e Castro
Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com
a declaração anexa)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃOD E VOTO
Votei vencido por não poder acompanhar a tese que fez vencimento.
Dispondo as normas em causa directamente sobre o conteúdo das
relações jurídicas parentais é evidente que as mesmas seriam imediatamente
aplicáveis às relações pendentes de regulação judicial, de acordo com o
princípio afirmado na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.
Tal solução foi afastada pelo legislador ordinário através da norma
impugnada do artigo 9.º da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, ao prescrever que
“o presente regime não se aplica aos processos pendentes”. Ou seja, contemplou
uma eficácia ultra-activa da lei antiga.
Mas, no nosso entendimento, tal disposição padece, no que às
relações jurídicas estão em causa nos autos, de inconstitucionalidade material.
Não que não entendamos que o legislador ordinário não possa dentro
da sua competência de autorevisibilidade e discricionariedade
normativo-constitutiva prever a ultra-actividade da lei ou até a sua
retroactividade ou retrospectividade.
As disposições de direito transitório não são, porém, normas sem
sentido prescritivo: elas correspondem a normas que carregam em si o sentido das
normas a que se referem, embora para valerem apenas quando se verificarem certas
circunstâncias.
Daí que a sua conformação esteja sujeita aos mesmos parâmetros
constitucionais das outras normas, tendo de específico, apenas, o facto de
traduzirem uma opção normativa afirmada pelo legislador para valer a título
transitório.
A regulação judicial das relações parentais corresponde a um modo de
o Estado satisfazer o direito fundamental das crianças à protecção do Estado e
da sociedade consagrado no artigo 69.º, n.º 1, da Constituição.
A protecção da criança é um valor constitucional cuja operatividade
existe em cada momento da vida da criança, mas que, quando demande a realização
de prestações jurídicas de regulação das relações parentais por parte do Estado,
é o momento da decisão judicial que o torna actual ou presente e susceptível de
concreta pacificação.
Deste modo, tendo o direito fundamental consagrado no artigo 69.º,
n.º 1, da Constituição o mesmo conteúdo não pode o legislador discriminar em
função do tempo em que se inicie o processo, sob pena de violação do princípio
da igualdade consagrado no artigo 13.º, n.º 1, daquela Lei fundamental.
Ao contrário do entendido no acórdão, não pode considerar-se
consistir razão material bastante para realizar de forma diferente a prestação
jurídica de regulação do poder parental consoante o processo se iniciou antes ou
depois da nova lei, sob o pretexto de haver de acautelar as expectativas das
partes na aplicação da lei vigente no momento em que foi requerida a sua
intervenção.
A protecção ou tutela da confiança dos demandantes tem razão de ser
quando estão em causa direitos das pessoas, mas já não poderes-deveres e, dentro
destes, aqueles poderes-deveres em que os deveres assumem uma intensidade de
muito maior grau relativamente aos poderes, como é o caso, como decorre não só
do referido preceito constitucional mas também do n.º 5 do artigo 36.º da
Constituição: os deveres para com as crianças (os direitos das crianças)
sobrepõem-se, sem rebuço de dúvida, aos poderes dos seus parentes.
Se o legislador entende que a melhor forma de acautelar a protecção
do direito fundamental que está em causa é o novo regime legal e só uma tal
leitura justifica a revisibilidade, então não pode afastar dele quem, à altura
ou momento da sua aplicação, pode beneficiar dele.
Por outro lado, a falta de fundamento bastante para discriminar
manifesta-se ainda no facto de a regulação do regime parental ser revisível a
todo o tempo, desde que os superiores interesses das crianças o justifiquem, não
havendo aqui lugar para uma definição da relação jurídica para todo o sempre.
A solução adoptada conduz à conclusão de poder ser, de imediato,
efectuado pedido de alteração da regulação do poder parental a pretexto de a
nova lei acautelar melhor os interesses da criança, o que só por si evidencia
que a lei viola o princípio geral da proporcionalidade, ínsito no princípio do
Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição.
Benjamim Rodrigues