Imprimir acórdão
Processo n.º 209/10
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., inconformado com a decisão sumária proferida a 8 de Abril de 2010, vem dela reclamar dizendo o seguinte:
“1. Por douta decisão sumária do Exm°. Juiz Conselheiro Relator, proferida a 08 de Abril do corrente ano, decidiu o Tribunal Constitucional não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto pelo ora Reclamante por entender que a norma que integra o objecto do recurso — art°. 400°, n°. 1, alínea f) do CPP — não foi sequer aplicada pela decisão recorrida que, de modo expresso, considerou não se encontrar preenchida nenhuma das alíneas daquele corpo normativo, enquadrando a situação fáctica na previsão do art°. 434°, n°. 1, alínea c) do mesmo Código para, por essa via, considerar o recurso inadmissível.
2. Salvo o devido respeito e a mais subida vénia, carece de razão a decisão sumária em apreço, pelos motivos que infra melhor se explanarão.
Vejamos:
3. Na verdade, parece desde já curial referir que, o que in casu está em causa, no modesto entender do Reclamante é precisamente a não aplicação por banda do Colendo Supremo Tribunal de Justiça do art°. 400°, n°. 1, aliena f) do Cód. Proc. Penal.
4. Ou seja, com todo o respeito e a mais subida vénia, aquele Colendo Tribunal na interpretação que deu ao aludido art°. 400° não o aplicando ao caso vertente, violou a norma constitucional invocada.
Ou seja.
5. Entendeu o Colendo Tribunal, rejeitar por inadmissibilidade, o recurso interposto pelo arguido, seguindo o sentido da jurisprudência exposta no acórdão de 07/07/009, do Supremo Tribunal Justiça, nos termos do art. 420.º n° 1 alínea b) do Código Processo Penal, com referência ao n° 3 do art. 414° do mesmo diploma,
6. Por entender que, ‘o caso presente não cabe em nenhuma das alíneas, (referia-se ás alíneas do art. 400.º do Código Processo Penal), pois a Relação conheceu, a final, do objecto do processo, o acórdão da Relação não é absolutório, nem o era a sentença; o acórdão da Relação não aplicou qualquer pena não privativa da liberdade, e sendo confirmatório, em parte, no que respeita à medida ia pena — 6 meses de prisão — o não é, porém, quanto à espécie da pena, o que – convenhamos – faz toda a diferença. No caso concreto, trata-se de acórdão da Relação que, confirmando a pena de seis meses de prisão, que a decisão da 1.ª instância substituíra por pena suspensa, altera a espécie de pena e a transforma em pena privativa de liberdade, em pena de prisão por dias livres.’
7. Todavia, sempre salvo o maior respeito, o certo é que nos presentes autos, foi o recorrente julgado em primeira instância e, condenado na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, subordinada à entrega de € 2.500,00 à Associação de Apoio aos Deficientes Visuais do Distrito de Braga.
8. Inconformado com tal decisão, o Digno Magistrado do Ministério Público da mesma recorreu para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, o qual, concedendo provimento parcial ao mesmo, mantendo a pena de prisão em seis meses, ordenou o seu cumprimento em 36 (trinta e seis) fins-de-semana consecutivos, com duração de 36 (trinta e seis) horas cada, a cumprir entre as 10 (dez) horas de Sábado e as 22 (vinte e duas) horas de Domingo.
9. Isto é, a pena de prisão aplicada em primeira instância, suspensa na sua execução por um ano, cumpre todos os princípios constitucionais, e obedece às finalidades de prevenção geral e especial, vigentes no nosso ordenamento jurídico.
Contudo,
10. Dispõe o art. 400°, n° 1, al. f) que não é admissível recurso: ‘de acórdãos proferidos, em recurso pelas Relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo-crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções’.
11. In casu o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, além de não confirmar a decisão de primeira instância, agravou-a, tendo transformado a pena de prisão, a qual tinha sido suspensa na sua execução, por dias livres.
12. Ora conclui-se assim que a alínea f) do n° 1 do art. 400.º do Cód. Processo Penal, norma na qual o douto Acórdão do Colendo Tribunal, fundamenta, no sentido da sua não aplicação ao presente caso, rejeitando o recurso,
13. Deve ser interpretada no sentido de ser recorrível o acórdão condenatório que não confirme decisão de primeira instância.
14. Entendendo de forma diversa é, salvo o devido respeito por melhor opinião, violar flagrantemente os mais elementares direitos constitucionais reconhecidos ao Recorrente, nomeadamente, o direito ao recurso, previsto no art. 32°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa.
15. Ou seja, o que o ora Reclamante alegou, e mantém, aquando da interposição do presente recurso para esse Tribunal Constitucional, foi precisamente que, a interpretação de não aplicação ao presente caso da norma do art. 400.º, n° 1, al. f) do Código de Processo Penal, feita pelo Supremo Tribunal de Justiça, não assegura todas as garantias de defesa do arguido.
16. Tendo sido, assim, violado o disposto no art. 32°, n° 1 da Constituição da República.
17. Tudo para dizer que, ao invés do que se refere na douta decisão sumária sub judice, o que o ora Reclamante pretende, porque entende legal e fundado, é que seja apreciada a inconstitucionalidade do art. 400°, n° 1, al. 1) do Código de Processo Penal, na interpretação atribuída ao mesmo por aquele douto Tribunal,
18. Sendo certo que, tal como se refere na decisão sumária em apreço, os recursos interposto ao abrigo do art°. 70°, n.º 1, alínea b) da LTC, versam as normas ou dimensões normativas que integrem a ratio decidendi da decisão recorrida.
19. E, a não aplicação in casu do citado art°. 400°, n°. 1, alínea f) do CPP integrou indubitavelmente a ratio decidendi da decisão recorrida,
20. Já que tendo sido tal normativo aplicado, como se entende, o recurso teria sido admitido e conhecido.
21. Assim se conclui, se encontrarem verificados todos os requisitos legais para o recurso interposto pelo Reclamante tivesse sido admitido por esse Tribunal Constitucional e conhecido.”
2. A decisão reclamada, e no que ora importa, tem o seguinte teor:
“3. Profere-se decisão sumária ex vi artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos necessários ao conhecimento do recurso, na medida em que o despacho de admissão do mesmo, proferido pelo tribunal a quo, não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. artigo 76.º, n.º 3 daquele diploma).
3.1. Como é sabido, os recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, versam as normas ou dimensões normativas que integrem a ratio decidendi da decisão recorrida. Impõe-se, portanto, que as normas cuja inconstitucionalidade é suscitada não tenham apenas sido efectivamente aplicadas pela decisão recorrida como constituam ainda a razão ou fundamento daquela.
3.2. No caso dos autos, no entanto, a norma que integra o objecto do recurso – artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP – não foi sequer aplicada pela decisão recorrida que, de modo expresso, considerou não se encontrar preenchida nenhuma das alínea daquele corpo normativo, enquadrando a situação fáctica na previsão do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código para, por essa via, considerar o recurso inadmissível.
3.3. Não existindo coincidência entre o objecto do recurso e a ratio decidendi do acórdão a quo, verificando-se, aliás, que o mesmo integra preceito que não foi sequer aplicado pela decisão recorrida, resta concluir pela impossibilidade de conhecimento do mesmo.”
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento na medida em que a argumentação do Reclamante em nada abala a fundamentação da decisão sumária reclamada.
4.1. Como se referiu na decisão sumária, a norma cuja inconstitucionalidade o Reclamante pretendia colocar ao escrutínio deste Tribunal – o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP – não foi aplicada pelo tribunal recorrido.
Com efeito, a decisão funda-se no bloco normativo formado pelos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e c), aquela com referência ao artigo 400.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, com o qual o tribunal recorrido visou obviar a uma eventual lacuna, resultante da não previsão expressa das diferentes alíneas desta última disposição de uma situação como a dos autos. Ora este bloco normativo não foi questionado pelo Reclamante.
Assim, tal como vem formulado, o objecto do recurso revela-se inidóneo, na medida em que não afronta a norma que foi aplicada.
III – Decisão
5. Assim, acordam, em conferência, indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido de não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 25 de Maio de 2010
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos