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Processo n.º 825/09
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por deliberação do Plenário do Conselho Superior de Magistratura foi o ora recorrente, A., juiz de direito, condenado na pena disciplinar de aposentação compulsiva, pela violação dos seus deveres profissionais de zelo e de criar no público confiança na acção da administração da Justiça, reveladora da sua inaptidão para o exercício da função.
2. Inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), alegando, além do mais, a inconstitucionalidade do artigo 117.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), quando interpretado no sentido de permitir que a acusação em procedimento disciplinar não identifique cabalmente os factos de que o arguido é acusado, quais e quantas as infracções disciplinares cometidas ou os deveres concretamente violados, a inconstitucionalidade do artigo 82.º do mesmo EMJ, por violação dos princípios da tipicidade, reserva de lei e legalidade administrativa, e que o acto recorrido viola os princípios do acusatório, do inquisitório e da presunção de inocência.
3. Por acórdão de 7 de Maio de 2009, o STJ negou provimento ao recurso, tendo o recorrente reclamado da decisão, sustentando a respectiva nulidade por omissão de pronúncia e mais requerendo a sua reforma. O STJ, por acórdão de 7 de Julho de 2009, indeferiu a reclamação.
4. Interpôs então o recorrente recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido em 7 de Maio de 2009, para o efeito afirmando o seguinte:
“[...] 1. O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LOFTC.
2. Pretendo ver-se apreciada a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Acórdão recorrido ao artigo 117.º do EMJ, por violação dos artigos 32.º e 269.º, n.º 3, da CRP, suscitada nos autos nas Alegações (v. conclusão 6).
3. Bem como da inconstitucionalidade do artigo 82.º do EMJ, por violação dos artigos 29.º, n.º 1, 165.º, n.º 1, alíneas b) e d) e 266.º da CRP, também suscitada nas Alegações (v. conclusão 16).
4.E ainda da inconstitucionalidade da interpretação dada aos artigos 34.º, n.º 2, 82.º e 95.º, n.º 1, alínea c), por violação dos artigos 29.º, 32.º e 269.º, n.º 3, da CRP, igualmente invocada nas Alegações apresentadas (v. conclusões 24 e 25).
5. Por último, pretende também ver-se apreciada a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Acórdão recorrido aos artigos 168.º, n.º 1, do EMJ e 94.º e 95.º do EMJ, por violação dos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.
6. Refira-se, complementarmente, que esta questão de constitucionalidade foi suscitada em tal peça porque não foi processualmente viável fazê-lo antes, já que era impossível antever a interpretação que o Tribunal a quo viria a dar aos artigos referidos, ao considerar-se limitado nos seus poderes de cognição em sede de apreciação da matéria de facto. […]”
5. Por despacho de 25 de Novembro de 2009 do relator neste Tribunal foi determinada a produção de alegações, tendo o recorrente e a entidade recorrida sido expressamente advertidos para nas mesmas considerarem a hipótese de este Tribunal não tomar conhecimento quanto a três das quatro questões suscitadas pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso, designadamente quanto «às questões da “inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Acórdão recorrido ao artigo 117.º do EMJ”, “da inconstitucionalidade da interpretação dada aos artigos 34.º, n.º 2, 82.º e 95.º, n.º 1, alínea c), [do EMJ]” e da “inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Acórdão recorrido aos artigos 168.º, n.º 1, do EMJ e 94.º e 95.º do EMJ” uma vez que, quanto às duas primeiras, não foi questionada qualquer questão de constitucionalidade normativa, tendo o recorrente imputado o vício de violação da Constituição ao conteúdo decisório impugnado, e, quanto à última questão, por a norma que constitui ratio decidendi da decisão recorrida (…) ser distinta e diferenciada da norma impugnada nesta sede”.
6. O recorrente apresentou alegações, concluindo nos seguintes termos:
1. O douto acórdão recorrido considerou que a acusação formulada contra o recorrente no âmbito do procedimento disciplinar em causa nos autos, que como demonstrámos no corpo das Alegações, está eivada de imputações genéricas e considerandos conclusivos, não contém a identificação precisa e concreta das condutas imputadas ao arguido que consubstanciam infracção disciplinar, de quais os deveres jurídicos que foram violados através de tais condutas, e de quais e quantas infracções se imputa ao arguido, respeita as exigências contidas no artigo 117.º do EMJ.
2. Interpretando, dessa forma, o referido preceito legal de forma que se reputa de inconstitucional face ao disposto nos artigos 32.º, n.º 10 e 269.º, n.º 3, da CRP, na medida em que o direito de audiência e defesa em procedimento disciplinar ali consagrado impõe que sejam dados a conhecer ao arguido com clareza e precisão os factos concretos que lhe são imputados, os deveres violados através de tais condutas e as infracções disciplinares consequentes.
3. O artigo 82.º do EMJ, ao fazer uso de conceitos vagos e indeterminados, que não são minimamente densificados pelo legislador, nessa ou em qualquer outra norma, confere, na prática, ao CSM um poder de eleger, ele próprio, as condutas que considera puníveis, e subtrai tal exercício a um controlo jurisdicional efectivo.
4. Ou seja, tal preceito viola o princípio da tipicidade que vincula o legislador, em especial na previsão de penas expulsivas, bem como os princípios da reserva de lei e da legalidade, pondo, inclusivamente, em causa a competência legislativa reservada da Assembleia da República.
5. Termos em que o referido artigo 82.º do EMJ é inconstitucional por violação dos artigos 29.º, n.º 1, 165.º, n.º 1, alíneas b) e d) e 266.º da CRP.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência: a) Ser julgada inconstitucional a interpretação dada pelo Acórdão recorrido ao artigo 117.º do EMJ; b)Ser julgado inconstitucional o artigo 82.º do EMJ”
7. A entidade recorrida não contra-alegou. Redistribuídos os autos por renúncia do relator inicial, cumpre decidir.
II – Fundamentação
8. Suscitada a questão prévia da inadmissibilidade parcial do recurso, há que começar por, resolvendo essa questão, delimitar o objecto do recurso. Vejamos.
8.1. Nos termos do artigo 72.º, n.º 2, da LTC, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º do mesmo diploma respeita à constitucionalidade de normas jurídicas e só pode ser interposto “pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade […] de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida […]”. Quer isto dizer, em síntese, que a admissibilidade do recurso ali previsto depende, designadamente, de vir adequadamente colocada pelo recorrente uma questão de constitucionalidade normativa e de o mesmo ter confrontado o tribunal a quo, antes de ter sido proferida a decisão recorrida, com a questão da inconstitucionalidade da norma – ou, se for o caso, da interpretação normativa – que se pretende ver apreciada e que, não obstante, a decisão recorrida tenha aplicado a norma (ou usado de interpretação normativa) arguida de inconstitucional -, como ratio decidendi, no julgamento do caso. Perante a advertência constante do já citado despacho do relator neste Tribunal, o próprio recorrente não apresentou alegações quanto a duas das questões mencionadas – as “da inconstitucionalidade da interpretação dada aos artigos 34.º, n.º 2, 82.º e 95.º, n.º 1, alínea c), [do EMJ]” e da “inconstitucionalidade da interpretação dada pelo acórdão recorrido aos artigos 168.º, n.º 1, do EMJ e 94.º e 95.º do EMJ” -, abandonando-as e, deste modo, auto-limitando o objecto do recurso às duas outras questões suscitadas. Não conhecerá, por isso, o Tribunal dessas duas questões.
8.2. Restam a “inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Acórdão recorrido ao artigo 117.º do EMJ” e a “inconstitucionalidade do artigo 82.º do EMJ, por violação dos artigos 29.º, n.º 1, 165.º, n.º 1, alíneas b) e d) e 266.º da CRP”.
Quanto à primeira destas questões, admitiu-se no aludido despacho do relator que também não estariam reunidas as condições processuais exigidas para o respectivo conhecimento. Em sede de alegações, o recorrente discordou de tal entendimento, sustentando que a inconstitucionalidade arguida não se reportou a qualquer acto administrativo impugnado “mas sim à interpretação plasmada na decisão recorrida acerca da norma que prevê os requisitos da acusação em procedimento disciplinar contra magistrados judiciais, ou seja, o artigo 117.º do EMJ”. Na defesa de tal entendimento, refere o recorrente que, “De acordo com o decidido no douto Acórdão recorrido, a formulação da Acusação no procedimento disciplinar em causa nos autos, não padecia de qualquer insuficiência relativamente às exigências legais. Tal significa, portanto, que, de acordo com a interpretação dada ao artigo 117.º do EMJ, é constitucionalmente admissível formular uma acusação, em procedimento disciplinar, da qual não resulta a identificação precisa e concreta das condutas imputadas ao arguido que consubstanciam infracção disciplinar, quais os deveres jurídicos que foram violados através de tais condutas, e quantas infracções se imputa ao arguido”.
O trecho acabado de transcrever revela o erro em que o recorrente incorre. Desde logo, é patente que em lugar algum do acórdão recorrido se procedeu a tal interpretação do artigo 117.º do EMJ. Muito pelo contrário, o STJ concluiu que “na acusação [se encontram] exaustivamente descritas, concretizadas e individualizadas, ao longo de centena e meia de páginas, as múltiplas e variadas condutas do arguido tidas como disciplinarmente relevantes e os deveres funcionais que com tais comportamentos foram violados, sendo irrefutável que os juízos de valor e conclusões inseridas no libelo estão claramente baseados naqueles elementos concretos, de que surgem como a decorrência lógica necessária. O recorrente, por consequência, não viu de forma alguma diminuídos os seus direitos de defesa (…)”. Como, aliás, o recorrente acaba por admitir (nas suas alegações, a fls. 416) ao aceitar que a decisão recorrida considerou que a acusação respeitou as exigências legais contidas no artigo 117.º do EMJ.
Ora, em rigor, o que sucede é que o recorrente discorda do teor da decisão recorrida quanto à validade ou suficiência da acusação proferida no procedimento disciplinar. Tal questão, contudo, é alheia a este Tribunal, pois que se reporta à decisão recorrida em si mesma considerada e não a uma questão de constitucionalidade normativa, pelo que se torna evidente que, também neste ponto, não estão preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso para este Tribunal, não podendo este dele conhecer.
Fica assim o objecto do recurso limitado apenas à alegada inconstitucionalidade do artigo 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
9. Entende o recorrente que o artigo 82.º do EMJ viola os artigos 29.º, n.º 1, 165.º, n.º 1, alíneas b) e d) e 266.º da CRP, por permitir punições arbitrárias. Nesse sentido, defende que o citado preceito não se coaduna com os princípios da legalidade e da tipicidade, pois que nele se encerra um tipo legal tão aberto que possibilita, a final, a punição de condutas mediante uma apreciação puramente subjectiva da entidade que detém o poder punitivo. Segundo o recorrente, o legislador não identifica quais os deveres a que, especificamente, estão sujeitos os magistrados judiciais, nem os densifica minimamente, sendo que para o caso de penas expulsivas (como sucede nos autos) as exigências não podem deixar de ser maiores. Antes, “estabelece-se a punibilidade de condutas em abstracto, sem um mínimo de tipificação quer na norma punitiva, quer noutras que se lhe sigam. E o mesmo se diga relativamente ao segundo segmento da norma que se limita a estabelecer como infracção «os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções»”. Assim, conclui ainda o recorrente, “ao fazer uso de conceitos tão vagos, abstractos e indeterminados, a lei está a permitir, na realidade, que seja a Administração, neste caso o Conselho Superior da Magistratura, a definir quais são as condutas puníveis, violando, em consequência, o princípio da reserva de lei, a reserva de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de definição dos regimes dos direitos liberdades e garantias e da definição do regime de punição das infracções disciplinares [artigo 165.º, nº 1, alíneas b) e d)] e o próprio princípio da legalidade”.
Tal como afirma o recorrente, este Tribunal teve já ocasião de se pronunciar sobre o artigo 82.º do EMJ, designadamente sobre a segunda parte do preceito, (Acórdão n.º 384/03, de 15 de Julho 2003, publicado no Diário da República, II Série, 30 de Janeiro 2004, pp. 1709 a 1713), não tendo julgado tal norma como desconforme com a Constituição. Para o recorrente, porém, “é tempo de a Jurisprudência então firmada ser reponderada e alterada”.
Não obstante, o recorrente não apresenta argumentos novos que não tenham sido considerados naquele aresto deste Tribunal – à excepção da alusão à violação da reserva legislativa da Assembleia da República. Vejamos.
10. É o seguinte o teor do artigo 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais:
“Artigo 82.º
(Infracção disciplinar)
Constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções.”
No citado Acórdão n.º 384/03, que teve por objecto (além do mais) a segunda parte do artigo 82.º do EMJ, afirmou-se que “o artigo 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais só considera relevantes os actos e omissões da vida pública ou que se repercutam na vida pública do magistrado (de fora ficando, portanto, tudo o que não extravase a vida privada do magistrado) e que, ao mesmo tempo, afectem a imagem digna que a magistratura deve ter. Certamente que o preceito em causa apela a conceitos indeterminados. Mas isso não significa ausência de critérios de decisão ou insindicabilidade judicial desses critérios. Significa apenas que a lei confere ao aplicador do direito uma certa margem de manobra no preenchimento desses critérios, precisamente porque reconhece que é impossível elencar exaustivamente os comportamentos públicos susceptíveis de afrontar a dignidade da magistratura. […] Nesta medida, existem claros parâmetros a respeitar aquando da aplicação de uma pena disciplinar e é notória a sua objectividade. Ainda que, como se disse, seja necessário preencher conceitos indeterminados como “vida pública” ou “dignidade indispensável ao exercício da função de magistrado”, a verdade é que são esses e não outros quaisquer conceitos indeterminados a preencher.”
Para sustentar tal entendimento, o Acórdão n.º 384/03 analisou o teor do artigo 82.º do EMJ à luz da jurisprudência que este Tribunal havia firmado no Acórdão n.º 666/94, de 14 de Dezembro (pelo qual se julgou materialmente inconstitucional o artigo 23.º do Regulamento Disciplinar de 1913, aprovado pelo Decreto de 22 de Fevereiro de 1913), no qual se sustentou que “A regra da tipicidade das infracções, corolário do princípio da legalidade, consagrado no n.º 1 do artigo 29.º da Constituição (nullum crimen, nulla poena, sine lege), só vale, qua tale, no domínio do direito penal, pois que, nos demais ramos do direito público sancionatório (maxime, no domínio do direito disciplinar), as exigências da tipicidade fazem-se sentir em menor grau: as infracções não têm, aí, que ser inteiramente tipificadas. Simplesmente, num Estado de Direito, nunca os cidadãos (cidadãos-funcionários incluídos) podem ficar à mercê de puros actos de poder. Por isso, quando se trate de prever penas disciplinares expulsivas – penas, cuja aplicação vai afectar o direito ao exercício de uma profissão ou de um cargo público (garantidos pelo artigo 47.º, n.º s 1 e 2) ou a segurança no emprego (protegida pelo artigo 53.º) –, as normas legais têm que conter um mínimo de determinabilidade. Ou seja: hão-de revestir um grau de precisão tal que permita identificar o tipo de comportamentos capazes de induzir a inflicção dessa espécie de penas – o que se torna evidente, se se ponderar que, por força dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, elas só deverão aplicar-se às condutas cuja gravidade o justifique (cfr. artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). No Estado de direito, as normas punitivas de direito disciplinar que prevejam penas expulsivas, atenta a gravidade destas, têm de cumprir uma função de garantia. Têm, por isso, que ser normas delimitadoras. É que, a segurança dos cidadãos (e a correspondente confiança deles na ordem jurídica) é um valor essencial no Estado de Direito, que gira em torno da dignidade da pessoa humana – pessoa que é o princípio e o fim do Poder e das instituições (cfr. artigos 2.º e 266.º, nºs 1 e 2, da Constituição).” E, perante a dissemelhança entre o conteúdo do referido artigo 23.º do Regulamento Disciplinar de 1913 e o artigo 82.º do EMJ, concluiu no Acórdão n.º 384/03 que, “como a doutrina constante dos acórdãos citados não exige, quanto ao ilícito disciplinar, a discriminação, na lei, dos relevantes comportamentos da vida pública ou dos aspectos nos quais se concretiza a imagem de dignidade da magistratura, antes considerando suficiente a existência de critérios de decisão para a aplicação da sanção, a conclusão quanto às questões ora em apreço só pode ser a da respectiva improcedência, não tendo qualquer razão o recorrente quando invoca tal doutrina em abono da sua tese.”.
A fundamentação constante do Acórdão n.º 384/03, que aqui se sufraga e para a qual ora se remete, embora dirigida particularmente à segunda parte do artigo 82.º do EMJ, é em tudo adequada à primeira parte do mesmo artigo, aqui até com reforçada pertinência. Com efeito, enquanto que a segunda parte do preceito se reporta a actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções, o primeiro segmento dirige-se à violação pelos magistrados judiciais dos seus deveres profissionais – deveres esse que, desde logo, começam por estar expressamente previstos no próprio Estatuto dos Magistrados Judiciais (Capítulo II do EMJ), para além de contidos em disposições processuais (v. g., em matéria de prazos para a prática de actos).
Em suma, quanto à alegada inconstitucionalidade material do artigo 82.º do EMJ, o recorrente nada traz de novo à discussão que não houvesse sido já discutido no Acórdão n.º 348/03, cujos fundamentos se mantêm intactos, sendo a jurisprudência aí firmada inteiramente transponível não só para a primeira parte daquele artigo (sendo certo que, neste particular e como se apontou, o “preenchimento” da norma punitiva será aqui ainda mais evidente quando por reporte a normas expressas que fixam os deveres profissionais dos magistrados), mas também para o presente caso.
11. O recorrente aponta ainda a inconstitucionalidade do artigo 82.º do EMJ por violação dos princípios da reserva de lei da Assembleia da República e da legalidade administrativa, previstos nos artigos 165.º, n.º 1, alíneas b) e d), e 266.º da Constituição. Fá-lo, porém, sem razão.
O Estatuto dos Magistrados Judiciais foi aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, ou seja, pelo órgão legislativo competente para definir o regime geral de punição das respectivas infracções disciplinares: a Assembleia da República. Paralelamente, a competência do Conselho Superior de Magistratura para aplicação das sanções disciplinares previstas no EMJ foi também por tal lei atribuída. Logo, carece de sentido a afirmação de que o artigo 82.º do EMJ viola aqueles dois princípios.
III – Decisão
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não conhecer do objecto do recurso no que concerne à constitucionalidade das normas constantes dos artigos 34.º, n.º 2, 94.º, 95.º, n.º 1, alínea c), 117.º e 168.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais;
b) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho;
c) Consequentemente, negar provimento ao presente recurso na parte em que dele conhece.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 12 de Outubro de 2010.- Gil Galvão – Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Rui Manuel Moura Ramos.