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Processo n.º 6/2010
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Por decisão sumária de fls. 88891 não se tomou conhecimento dos recursos de
constitucionalidade interpostos por A. (a fls. 85160), B., Lda. (a fls. 85274),
C. e D., Lda., Sociedade Comercial Unipessoal (a fls. 85775), E. e F., Lda. (a
fls. 85908) e G. (a fls. 86171).
Notificados dessa decisão, cujos fundamentos se dão aqui como reproduzidos, dela
vieram os referidos recorrentes reclamar para a conferência, ao abrigo do
disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, sendo que C.
e D., Lda., Sociedade Comercial Unipessoal se limitou a apresentar formalmente
um pedido de aclaração, que pelas razões que adiante se aduzirão, deverá
igualmente ser tramitado nos termos do mencionado artigo 78º-A, n.º 3.
Em síntese, os reclamantes dizem o seguinte.
A.
“1. O douto despacho reclamando não conheceu do recurso interposto pelo ora
Reclamante com a fundamentação de que o Recorrente não indicou a interpretação
normativa que pretendia que essa Veneranda Formação consagrasse como válida e
conforme com a CRP e que, para além disso, nas alegações produzidas pelos
Recorrentes perante o Tribunal a quo, estes não haviam suscitado qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa.
2. Ora, ao contrário do que é referido, na motivação do recurso para o Tribunal
da Relação do Porto (alegações 2 a 10, 24 e 25), e nas respectivas conclusões,
foram indicadas com precisão as normas, que a prevalecer a menos feliz
interpretação delas feita pelo Tribunal de Comarca de Ovar, estariam em colisão
com normas constitucionais da CRP.
Assim, contrariamente ao que refere o douto despacho, posto em crise, foram
satisfeitos todos os pressupostos e admissibilidade do recurso, previstos no
art. 70° e 72° da LTC.
3. Em tempo, vieram os Recorrentes interpor recurso para este Venerando
Tribunal, “com fundamento na violação do disposto nos artigos 20º nº 1, nº 4 e
n°5 e 268°, nº 4 da CRP., bem como dos princípios neles contidos e por ser
inconstitucional a interpretação e aplicação do disposto nos artigos 42°, 47º
48° do RGIT e 7° do C.P. feita pela 3ª Vara Criminal de Ovar e confirmada por
essa Relação como já havia o Recorrente suscitado nas alegações de recurso
apresentadas no tribunal a quo.”
4. Ou seja, conforme referido pelos Recorrentes, ora Reclamantes, no seu
requerimento de interposição de Recurso, estes haviam já suscitado a questão da
constitucionalidade normativa na sua motivação de Recurso interposto para a
Relação.
5. Nomeadamente nos articulados 8°, 9° e 10º da sua motivação os Recorrentes
vieram alegar o seguinte: “O douto Tribunal a quo interpretou o art. 47° do RGIT
como consagrando um poder discricionário concedido ao juiz do tribunal criminal
para suspender a instância, quando está pendente impugnação judicial; Tal
interpretação, a prevalecer, determina a inconstitucionalidade material daquele
preceito do RGIT por estar em colisão com o art. 20º da CRP e com o art. 6° da
Convenção E. dos Direitos do Homem, que consagram o princípio fundamental do
«acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva», Esta violação do RGIT
constitui uma nulidade insanável, que por materializar uma violação de um
direito fundamental é invocável a todo o tempo, sob pena do próprio art. 120º do
CPP estar também ferido de inconstitucionalidade material”;
6. e nos articulados 24° e 25° foi alegado que não são compatíveis com o art 20º
da CRP e com o art. 6° da CEDH condenações sem a produção de prova, sem
expressão clara dessa prova, ou com fundamentos de facto ocultos; Os actos
decisórios têm de ser fundamentados de modo a habilitar o arguido com o
conhecimento exacto dos ilícitos que lhe são assacados, das provas que serviram
de base à formação da convicção do tribunal; Se o tribunal condena sem
fundamentar de forma bem perceptível a sua decisão viola o art. 97° do CPP.; Se
o tribunal faz prevalecer uma interpretação do art. 97° do CPP em que o arguido
é condenado apenas com base na reprodução quase textual da acusação, com a
remissão para relatórios, cuja idoneidade técnica foi abalada por pareceres
técnicos e com a menção de uma circunstância agravante, sem ponderação da prova
que apresentou, põe certamente aquele preceito em com o art. 20° da CRP.
Semelhante interpretação feriria de inconstitucionalidade material o citado art.
97° do CPP”.
7. Quanto ao fundamento invocado, de que não foi indicada a interpretação
normativa que se pretendia que fosse apreciada pelo Venerando Tribunal
Constitucional, também a mesma não se verifica. Além disso, este fundamento não
constitui um requisito de admissão do Recurso. Quando muito poderia dar lugar a
despacho de aperfeiçoamento.
O Reclamante, na motivação do recurso de apelação para o Tribunal da Relação,
identificou claramente a matéria sobre a qual pretendia a pronúncia desse
Venerando Tribunal e requereu o reconhecimento da inconstitucionalidade material
de normas, devidamente identificadas. Vício este que se verifica se prevalecer a
interpretação errónea feita pelo Tribunal de 1ª Instância”.
B., Lda.
“[…]
9. Nos termos desse normativo legal [artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do
Tribunal Constitucional], cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em
secção, de decisão que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo, o que no caso em apreço, aconteceu.
Mais,
10. Não pode este tribunal, e mais uma vez salvo o devido respeito por melhor
opinião, saber o que a reclamante poderia ter alegado na sua contestação em sua
defesa se o preceituado no art°315 tivesse sido cumprido,
Melhor dizendo,
11. O alegado pelo Tribunal recorrido na sua sentença: “Daí que, no caso em
apreço, o facto de se ter dado início à audiência estando ainda a decorrer o
prazo para a recorrente apresentar a sua contestação e rol de testemunhas, não
tenha afectado o princípio do contraditório nem prejudicado as garantias de
defesa da recorrente (…).
Neste contexto, não nos parece que se possa considerar seriamente a alegação de
que a contestação ‘teve” de ser elaborada nos termos em que o foi, justamente,
por ter de ser apresentada já no decurso da audiência... (…)”.
12.Não pode ser considerado.
13.Apesar de anuir e concordar com o que a reclamante recorre, acaba por referir
que não se aplica ao acaso em apreço.
Com efeito,
14.A reclamante ao não ter tido tempo para apresentar a sua contestação, até
porque, a especial complexidade declarada no processo, obrigava a um esforço de
análise não compaginável com a falta de prazo, é evidente que foi violado um
princípio geral sobre as garantias de defesa da arguida, até porque a defesa
tinha que estar a assistir ao julgamento, ficando sem tempo para preparar o
contraditório.
Na realidade,
15. Só perante as circunstâncias concretas de cada caso se pode estabelecer o
concreto conteúdo dos direitos de defesa, no quadro dos princípios estabelecidos
por lei.
Ou seja,
16. As garantias de defesa não são meras garantias que a lei formalmente
concede, antes pelo contrário, têm de ser vistas no concreto de modo a
possibilitar ao arguido fazer-se ouvir pelo juiz sobre as provas e razões,
enfatiza-se concretas, sobre as provas e razões que tem o direito de apresentar
em ordem a defender-se da acusação que lhe é movida.
Neste sentido, veja-se a Constituição da República Portuguesa Anotada pelos
Profs. Jorge Miranda e Rui Medeiros, tomo I, Art° 32°, pág. 354.
“O Processo deve ser interpretado à luz do denominado processo equitativo da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos ou due process of law, na fórmula de jurisprudência
Norte-americana, envolvendo como aspectos fundamentais a consideração do
arguido, como sujeito processual a quem devem ser assegurados todas as
possibilidades de contrariar a acusação, a independência a imparcialidade do
juiz ou Tribunal e a lealdade do procedimento.
Os direitos a uma ampla e efectiva defesa não respeitam apenas à decisão final,
mas a todas as que impliquem rescrições de direitos ou possam condicionar a
solução definitiva do caso”.
Por outro lado,
17. A estrutura acusatória do processo reconhece ao arguido, como sujeito
processual, a efectiva liberdade de actuação para exercer o seu direito de
defesa face à acusação que fixa e define o objecto do processo.
Mais,
18. a estrutura acusatória assegura a igualdade material de meios de intervenção
processual (igualdade de armas) pelo menos na fase jurisdicional,
Ou seja,
19.qualquer decisão, mesmo que intercalar, que viole este princípio de
igualdade, faz claramente uma interpretação normativa inconstitucional do
normativo invocado, por violar a garantia da ampla defesa do arguido, aliás,
este princípio implica também o reconhecimento ao arguido do poder de proceder a
investigações extraprocessuais para poder ilidir ou enfraquecer as provas que
são recolhidas oficiosamente pela acusação e pelos órgãos de polícia criminal.
Assim,
20. porque a limitação do prazo erradamente considerado Tribunal (na nossa
perspectiva) , mesmo que fosse formalmente uma irregularidade, a verdade é que
neste caso em concreto, numa perspectiva material da relação dos sujeitos
processuais há uma clara violação do princípio acusatório da igualdade, que se
consubstancia numa clara diminuição dos direitos de defesa do arguido […]”.
C. e D., Lda., Sociedade Comercial Unipessoal
“I.- Inexistência de objecto:
A douta decisão acima indicada decide não tomar conhecimento do recurso por o
mesmo não possuir objecto.
Contudo o disposto no art.° 75° - A, n.° 5 da LCT determina que o “... juiz
convidará o requerente a prestar essa indicação no prazo de 10 dias”.
Na óptica dos Recorrentes a decisão tomada violou o disposto na norma acima
indicada.
Nesse sentido entendem os Recorrentes que deve ser aclarada a decisão.
II. - A condenação em custas:
A douta decisão sumária condenou cada Recorrente em custas na taxa de justiça de
7 UCs.
Os ora Recorrentes fizerem um requerimento conjunto de interposição de recurso
para o Tribunal Constitucional.
Devem por isso ser vistos para efeitos de custas como um Recorrente.
Devem, por isso, ser condenados em conjunto e de forma solidária pelo pagamento
das custas e não separadamente, porque assim em vez das 7 UC pagam 14 UC., sendo
que o recurso de um, é igual ao do outro, ou melhor dizendo a D. Lda, é apenas a
firma com que o Recorrente C. exercia a sua actividade comercial”.
E. e F., Lda.
“1. Os Reclamantes, no Recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto da
decisão final proferida pelo Tribunal de 1ª instância, suscitaram a
inconstitucionalidade por violação do disposto no art° 29°, n°1 da Constituição
da República Portuguesa, o disposto no artigo 23° do RJIFNA, quando interpretado
e aplicado a condutas violadoras do regime dos Decs.-Lei n.ºs 52/93 e 104/93.
2. O Tribunal da Relação decidiu que o artigo 23° do RJIFNA não foi aplicado
nessa dimensão, pelo que esta questão resultava manifestamente prejudicada pela
solução quanto à subsunção jurídica dos factos provados a que se chegara.
3. Submetida a mesma questão à apreciação do Tribunal Constitucional, o Mmo.
Juiz Relator, decidiu que o Tribunal Constitucional não pode tomar conhecimento
do Recurso, uma vez que o seu objecto extravasa a competência do Tribunal
Constitucional.
4. Salvo o muito e devido respeito pela decisão proferida, os Recorrentes
consideram que conjugados os fundamentos da Motivação do Recurso com a decisão
proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, o Tribunal Constitucional deve
tomar conhecimento do Recurso”.
G.
“I
1. O ora reclamante requereu que fosse julgada inconstitucional, por violação
dos artigos 26, n° 1, 32°, n° 8, 340, n° 4, e 32°, n° 4, da Constituição da
República Portuguesa, a norma contida nos artigos 187° e 190° do Código de
Processo Penal, na interpretação segundo a qual podem valer como meio de prova
os “prints” impressos de um computador pessoal, cujo acesso se efectuou sem
autorização do utilizador nem autorização ou mandado do Juiz.
2. Na decisão sumária reclamada entendeu-se, por um lado, que o ora reclamante
não tinha questionado a sua conformidade constitucional nas alegações produzidas
junto do tribunal recorrido, e, por outro, que, de qualquer forma, a decisão
recorrida não resolveu qualquer questão de inconstituciona1idade, no trecho cm
que trata da admissibilidade dos referidos “prints”.
3. Salvo o devido respeito, sem razão, nos dois pontos.
4. Vejamos. Como se indicou logo no requerimento de recurso para o Tribunal
Constitucional, esta questão de inconstitucionalidade foi adequada e
atempadamente suscitada no recurso para o Tribunal da Relação do Porto: cfr.
páginas 30 e 31 das respectivas alegações; Parecer do Prof Rui Carlos Pereira,
junto pelo requerente nesse recurso; e página 9 da resposta ao parecer do MP no
Tribunal da Relação.
5. O requerente cumpriu assim o ónus de suscitação a que se referem os artigos
70°, nº 1, b), e 72°, n° 2, da LTC, ou seja, o requerente suscitou a questão da
inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
6. Constitui jurisprudência pacífica do TC que a suscitação da
inconstitucionalidade haverá de ser feita em momento em que o tribunal a quo
ainda possa conhecer da questão, ou seja, antes de esgotado o poder
jurisdicional do juiz, o que, em princípio, ocorre com a prolação da decisão.
Como o TC afirmou, no Acórdão n° 41/92, “a questão de inconstitucionalidade só é
suscitada durante o processo quando é apresentada a decisão do tribunal
recorrido a tempo de este a poder decidir”.
7. Ora, no presente caso, a questão foi apresentada ao tribunal recorrido a
tempo justamente de este a poder decidir.
8. Vejamos as afirmações constantes das páginas 30 e 31 das respectivas
alegações: “tendo o teor dos ‘prints’ uma natureza claramente privada, podendo
mesmo equiparar-se aqueles textos a um diário pessoal, ... o seu conhecimento
carecia de autorização prévia de um Juiz, o que não aconteceu neste caso; por
outro lado, para obviar à autorização do Juiz, sempre se poderia recorrer ao
consentimento do respectivo titular para o efeito, o que também não aconteceu”.
9. Tenha-se em conta o que o Prof. Rui Carlos Pereira escreveu no Parecer junto
aos autos pelo requerente no recurso para a Relação: “o acesso a um computador
pessoal, que contém mensagens pessoais, só pode ser autorizado ou ordenado por
juiz” (p. 15). E, nas respectivas conclusões (pp. 26-27): “o acesso aos
conteúdos de um computador pessoal não depende apenas da legalidade da busca e
da apreensão ..., sendo indispensável, no mínimo, que o respectivo utilizador
consinta em tal acesso ou um juiz o autorize ou ordene, ante o disposto nos
artigos 187° e 190º do Código de Processo Penal; interpretação diversa das
citadas normas legais, de que se deduza que os ‘prints’ valem com meio de prova
sem autorização do utilizador nem autorização ou mandado do juiz, é
materialmente inconstitucional por violar o estabelecido nos artigos 26º, n° 1,
32°, n° 8, 34º, n° 4, e 32°., nº 4 Constituição da República Portuguesa”
(sublinhado acrescentado).
10. Parece evidente que a questão de inconstitucionalidade em apreço foi
suscitada perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida do modo
processualmente exigível, isto é, em termos de este estar obrigado a dela
conhecer.
11. E não se diga que era exigível que a questão fosse levada também às
conclusões das alegações do recurso. Como o TC também afirmou, no mesmo acórdão
41/92, “a questão da natureza oficiosa do conhecimento da inconstitucionalidade
... igualmente se faz valer perante o [argumento] da limitação do objecto do
recurso pelo teor das conclusões das alegações, baseado no artigo 690°, n.° 1,
do Código de Processo Civil, nomeadamente porque, em processo constitucional,
basta que a decisão do tribunal aplique norma cuja inconstitucionalidade haja
sido suscitada durante o processo”.
12. De qualquer forma, acrescente-se agora (ao abrigo do artigo 75°-A, n° 6, da
Lei do Tribunal Constitucional) que a questão foi mesmo levada às conclusões das
alegações do recurso: cfr. conclusão d), pág. 67 (“os ‘prints’ têm uma natureza
claramente pessoal, sendo identificados como um diário pessoal, por este facto,
o acesso ao seu conteúdo carecia de autorização prévia de um Juiz, ou do
consentimento do seu titular”).
13. Por outro lado, é manifesto que a decisão recorrida, ao contrário do
sustentado na decisão sumária reclamada, aplicou os preceitos normativos em
causa (os artigos 187° e 1900 do Código de Processo Penal) justamente com a
interpretação que se impugna por inconstitucional (ou seja, a de que podem valer
como meio de prova os “prints” impressos de um computador pessoal, cujo acesso
se efectuou sem autorização do utilizador nem autorização ou mandado do Juiz).
14. Essa aplicação foi implícita, mas resulta claramente do seguinte trecho do
acórdão recorrido (pág. 851): “o facto de os apontamentos serem mantidos no
computador não os transforma em correio electrónico; na sua essência são
documentos sob a forma digital, armazenados num computador, com o mesmo estatuto
de folhas de papel manuscritas guardadas numa gaveta, numa pasta ou num arquivo;
sendo meros documentos, esses apontamentos não gozam da aplicação do regime de
protecção da reserva da correspondência e das comunicações”.
15. Ou seja: no entendimento da Relação do Porto, o regime de protecção da
reserva das comunicações (justamente o constante dos artigos 187° e 1900 do
Código de Processo Penal) deve ser interpretado como não abrangendo apontamentos
mantidos em computador, isto é, como não abrangendo o acesso aos conteúdos de um
computador pessoal, mesmo que contenha mensagens pessoais.
16. Ora, foi precisamente essa a interpretação cuja inconstitucionalidade (por
violação dos artigos 26, n° 1, 32°, n° 8,34°, n°4, e 32°, n°4 da Constituição)
tinha sido adequada e atempadamente suscitada no processo (a interpretação dos
artigos 187° e 190° do Código de Processo Penal como não aplicáveis aos ‘prints’
impressos de um computador pessoal, o que acarreta que esses ‘prints’ podem
assim valer como meio de prova mesmo que o respectivo acesso se tenha efectuado
sem autorização do utilizador nem autorização ou mandado do Juiz).
17. Deve assim o presente recurso para o Tribunal Constitucional prosseguir, de
forma a que o TC possa julgar inconstitucional essa interpretação.
II
18. O reclamante requereu ainda que fosse julgada inconstitucional, por violação
do artigo 32°, n°s 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, a norma
contida no artigo 355°, n° 2, do Código de Processo Penal, na interpretação
segundo a qual não é necessário examinar a prova documental em audiência de
julgamento.
19. Na decisão sumária reclamada entendeu-se que o Acórdão do Tribunal da
Relação “apenas considerou que o exame em audiência da prova documental não
passava pela apresentação física do documento em audiência, já não tendo, porém,
considerado que o exame em audiência da prova documental não era necessário”,
pelo que não teria sido aplicada a interpretação questionada da norma, o que
invalidaria o conhecimento do recurso.
20. Mais uma vez sem razão, salvo o devido respeito.
21. Como afirmou o Prof. Doutor Germano Marques da Silva, no Parecer junto aos
autos que o requerente apresentou no recurso para a Relação, “a interpretação
implícita [do artigo 355°, n° 2, do Código de Processo Penal] ... de que basta
que o documento conste dos autos para poder servir para formar a convicção do
tribunal, não sendo necessário o seu exame em audiência, é contrária aos
princípios do acusatório, do contraditório e da plenitude da audiência que
resultam do artigo 32°, n°5, da Constituição” (p. 20).
22. Foi esta interpretação do artigo 355°, n° 2, do Código de Processo Penal a
que foi implicitamente feita pela Relação quando afirmou o seguinte, no acórdão
recorrido (p. 852), imediatamente antes do trecho citado na decisão-sumária
reclamada: “não cremos que para que se mostre assegurado o princípio do
contraditório a prova documental deva ser lida ou mostrada aos sujeitos
processuais” (sublinhado acrescentado).
23. Na verdade, a afirmação de que “o exame em audiência da prova documental não
passa pela apresentação física do documento em audiência”, ou a de que a prova
documental não tem que ser lida ou mostrada em audiência, equivale, na prática
(pois não se vê de que outra forma se poderá proceder ao exame da prova
documental em audiência), a interpretar o artigo 355°, n° 2, do Código de
Processo Penal, no sentido de que não é necessário examinar a prova documental
em audiência de julgamento, ou seja, no sentido de que basta que o documento
conste dos autos para poder servir para formar a convicção do tribunal (o que,
no entender do requerente, viola o princípio do contraditório).
24. A prova irrefutável de que o acórdão recorrido aplicou efectivamente o
artigo 355°, no 2, do Código de Processo Penal, na interpretação impugnada
atempada e adequadamente pelo ora reclamante como inconstitucional, reside na
circunstância de a Relação ter tido o cuidado de assinalar (cfr. pág. 852, nota
71) que essa interpretação era divergente de certo sector da doutrina
(nomeadamente, da opinião expressa por Germano Marques da Silva no seu Curso de
Processo Penal, III, Ed. Verbo, 2000, pp. 252-254), mas convergente com a
jurisprudência “esmagadora”, na matéria, do Supremo Tribunal de Justiça.
25. Ou seja: perante o facto de o requerente suscitar a inconstitucionalidade de
certa interpretação normativa, o Tribunal da Relação não afasta ser essa a sua
interpretação das normas. Antes, tem o cuidado de invocar que essa é a
interpretação jurisprudencialmente dominante, e de apontar (implicitamente)
razões no sentido da sua conformidade constitucional (nomeadamente sustentando
que o princípio do contraditório se basta com a mera possibilidade de a
discussão da causa incidir sobre a relevância probatória de cada documento
constante do processo).
26. Tanto basta para podermos concluir que tal dimensão interpretativa foi
efectivamente aplicada pela Relação.
27. Como o ora reclamante não se conformou com essa interpretação, que considera
inconstitucional, por violação do artigo 32°, n°s 1 e 5, da Constituição,
requereu ao Tribunal Constitucional que a julgasse inconstitucional, devendo
agora o recurso prosseguir para que o TC possa emitir o seu juízo sobre a
questão, uma vez que esta interpretação normativa foi efectivamente aplicada
pela decisão recorrida e que a sua inconstitucionalidade foi adequada e
atempadamente suscitada pelo requerente.
III
28. O ora reclamante requereu também que fosse julgada inconstitucional, por
violação dos artigos 1°, 2° e 18°, n.° 2, da Constituição da República
Portuguesa, a norma contida no art.º71°, n.° 1, do Código Penal (a referência ao
Código de Processo Penal é manifesto lapso de escrita), na interpretação,
implícita, de que a ilicitude, a culpa e a medida da pena podem ser determinadas
exclusiva ou primacialmente por factos contra-ordenacionais.
29. Na decisão sumária objecto da presente reclamação, entendeu-se, por um lado,
que tal não consubstanciava uma verdadeira interpretação normativa, antes se
traduzindo no próprio juízo aferidor da culpa e da ilicitude e determinativo da
medida da pena, não podendo assim o TC conhecer do recurso, por inidoneidade do
objecto (é que ao Tribunal Constitucional cabe apenas sindicar a conformidade
constitucional de uma norma ou interpretação normativa aplicada numa decisão, e
não controlar a própria decisão); e, por outro, que na decisão recorrida não se
encontra qualquer referência à adopção da mencionada interpretação, “pelo que,
mesmo em se admitindo que esta o é verdadeiramente, não poderia dela tomar-se
conhecimento, por não ter sido aplicada”.
30. A decisão sumária reclamada não tem razão, também aqui, como se passa a
demonstrar.
31. Quanto à aplicação da mencionada interpretação pela decisão recorrida.
No acórdão da Relação do Porto (pág. 990) considerou-se: “a circunstância de as
condutas também manifestarem a ‘fuga ao IEC’ não releva para afastar a aplicação
do tipo do art.° 23° e subsumi-las apenas ao quadro da criminalidade aduaneira.
A aplicação do RJIFA não esgotaria a valoração plena das condutas. Poder-se-ia
colocar a questão de subsumir as condutas ao tipo legal de crime do art.° 23° do
RJIFNA e à contra-ordenação do RJIFA, em termos de se concluir por um concurso
efectivo, verdadeiro ou puro, sendo os arguidos punidos pelo crime e pela
contra-ordenação por as respectivas condutas violarem o RJIFNA e o RJIFA, e
sendo, por isso, as diversas normas concorrentes na aplicação concreta. A
questão do concurso efectivo não pode, todavia, sei, agora, encarada uma vez
que, na acusação e na pronúncia foi acolhida a tese do concurso aparente e essa
solução é a que afinal, o acórdão vem a consagrar. A tese acolhida demonstra
que, por via de interpretação, se concluiu que as várias normas formalmente
preenchidas pelas condutas dos arguidos concorriam apenas em aparência e que o
conteúdo da actividade é exclusiva e totalmente preenchido pelo tipo do artigo
23° do RJIFNA, excluindo a aplicação do RJIFA. Excluída a possibilidade de
eficácia cumulativa, não pode ser censurado o acórdão por dar prevalência ao
artigo 23° do RJIFNA, por ser o tipo legal mais amplo e mais grave. Quando o
problema do concurso aparente de leis não pode ser resolvido com os critérios da
especialidade, subsidiariedade ou consunção, há que aplicar o preceito que
imponha ao facto uma pena mais grave” (sublinhado acrescentado).
32. Porém, mais à frente (pág. 1080), fundamentou-se a pena aplicada nos
seguintes termos:
“para uma correcta e concreta apreciação da culpa de cada um [dos recorrentes]
releva, primordialmente, o número e valor dos concretos negócios em que se
envolveram. A H., de que é sócio-gerente o recorrente G., durante os anos de
1998, 1999 e 2000 expediu bebidas alcoólicas em suspensão de IEC para cinco
entrepostos fiscais, as quais representaram parte importante das bebidas que
receberam e que geraram uma dívida global de IEC da ordem dos 875 mil contos. A
pena que lhe foi aplicada, de 2 anos e 6 meses de prisão, não pode ser
censurada, por excessiva, em face do muito elevado grau de culpa manifestado nos
factos, não relevando significativamente para a sua redução o pagamento de
24.991.869$00, como, aliás, se assinala no acórdão [da 1ª instância], embora no
contexto da justificação da não suspensão da execução da pena: ‘dada a amplitude
(...) com que a H. concorreu, como co-autora, para o ocasionalmente das dívidas
de IEC derivadas da actividade fraudulenta dos entrepostos I., J., K. e L., as
quais ascendem a várias centenas de milhões de escudos” (sublinhados
acrescentados).
33. Como se vê, o acórdão, em sede de determinação da medida da pena, apesar de
considerar que não se podia colocar a questão do concurso efectivo entre o crime
e a contra-ordenação, e que teria de se aplicar apenas a pena mais grave, por
ser caso de concurso aparente, vem, no fim de contas, a fundamentar a medida da
cena exclusivamente nos factos contra-ordenacionais, as dívidas de IEC. Isto é,
ao apreciar a ilicitude do crime e a culpa do arguido relevou apenas as elevadas
dívidas de IEC geradas, ou seja, do imposto aduaneiro, punível como conduta
contra-ordenacional no RJIFA.
34. Desta forma, o acórdão recorrido aplicou implicitamente o artigo 71° do
Código Penal (“a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na
lei, é feita em função da culpa do agente c das exigências de prevenção”),
dando-lhe a interpretação segundo a qual a ilicitude, a culpa e a medida da pena
podem ser determinadas exclusiva ou primacialmente por factos
contra-ordenacionais, e não pelas condutas criminais.
35. Na verdade, o acórdão recorrido não determinou a medida da culpa, e a
concomitante medida da pena, pelos factos criminais relativos ao crime de fraude
fiscal que o reclamante terá praticado em co-autoria, através de negócios
simulados com vista ao não pagamento do IVA. Ao invés, a medida da culpa foi
determinada pelos factos contra-ordenacionais (negócios simulados com vista ao
não pagamento do IEC, imposto aduaneiro).
36. Realce-se que o artigo 71°, n°2, a), do Código Penal esclarece que “na
determinação concreta da pena o tribunal atende ... nomeadamente ao grau de
ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas
consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”. Mas,
naturalmente, as consequências em causa hão-de ser as consequências do facto
criminal, e não do facto contra-ordenacional que porventura com aquele esteja em
concurso aparente.
37. Ou seja: a medida da culpa só se pode aferir a partir dos factos imputados a
título de crime, e tendo em conta as respectivas consequências, sob pena de se
estar a punir criminalmente uma pessoa por condutas não criminosas. Será
inconstitucional uma interpretação contrária a esta do artigo 71° do Código
Penal, dando-lhe o sentido de a ilicitude, a culpa e a medida da pena poderem
ser determinadas exclusiva ou primacialmente por factos contra-ordenacionais, e
não pelas condutas criminais.
38. Foi precisamente essa a interpretação desse preceito que implicitamente foi
feita no acórdão recorrido, ao valorar, em sede de determinação da medida da
pena aplicável ao crime de fraude fiscal traduzido na prática de negócios
simulados com vista ao não pagamento de IVA, as consequências no âmbito do IEC
(cujo não pagamento era punido como contra-ordenação).
39. Saliente-se, a este propósito, que no Acórdão 244/99, o TC abordou a questão
da constitucionalidade do artigo 14° do RJIFNA, e da possibilidade de a mesma
factualidade comportar simultaneamente uma punição a título de crime e a título
de contra-ordenação, e, nessa ocasião, teve oportunidade, ao abrigo do artigo
80º, n° 3, da LTC, de “interpretar a norma constante do artigo 14° do RJIFNA
como apenas permitindo a pronúncia, em alternativa, pelo crime de fraude fiscal
ou pelas contra-ordenações referidas no despacho respectivo, previstas e punidas
pelos artigos do mesmo RJIFNA que indica, na medida em que correspondam aos
mesmos factos”.
40. Se aplicarmos esta jurisprudência ao caso presente, facilmente se verificará
que também será inconstitucional a valorização, em sede de determinação da
medida da pena criminal da fraude fiscal traduzida na prática de negócios
simulados com vista ao não pagamento de IVA, das consequências no âmbito do IEC
(cujo não pagamento era punido como contra-ordenação).
41. Quanto à alegada ausência de um caso de verdadeira interpretação normativa.
Como afirma Carlos Lopes do Rego (“O objecto idóneo dos recursos de fiscalização
concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo
Tribunal Constitucional”, in Jurisprudência Constitucional, n° 3,
Julho-Set./2004, pp. 4-15; e, agora, “Os Recursos de Fiscalização Concreta na
Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional”, Almedina, Coimbra, 2010, em
especial, pp. 26-52), “a fiscalização da constitucionalidade e da legalidade da
competência do Tribunal Constitucional incide necessariamente sobre normas, não
se configurando nunca o processo constitucional como um contencioso de decisões”
(p. 26), mas “a jurisprudência constitucional vem admitindo pacificamente a
possibilidade de os recursos de fiscalização concreta tanto poderem incidir
sobre normas como serem reportados a determinadas interpretações normativas, em
que a norma é tomada, não com o sentido genérico e objectivo, plasmado no
preceito (ou fonte) que a contém, mas em função do modo como foi perspectivada e
aplicada à dirimição de certo caso concreto pelo julgador; ... também nestes
casos o controlo exercido pelo Tribunal Constitucional tem natureza estritamente
normativa, não incidindo sobre a decisão judicial em que se consubstancia a
interpretação normativa questionada sob o prisma da constitucionalidade” (pp.
31-32).
42. É evidente, acrescenta, “que se toma assaz duvidosa e incerta a determinação
da precisa fronteira entre as figuras do controlo normativo e da fiscalização de
concretas e específicas decisões judiciais” (p. 32), o que pode levar, como no
presente caso, a que nem sempre seja fácil a delimitação das figuras.
43. O critério para essa delimitação, segundo Carlos Lopes do Rego, é este: “o
recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa,
tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, sobre uma regra
abstractamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente
genérica — não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro acto de
julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e
irrepetível do caso concreto, daquilo que representa já uma autónoma valoração
ou subsunção do julgador, exclusivamente imputável à latitude própria da
conformação interna da decisão judicial” (p. 32). E mais adiante: “a
interpretação normativa sindicável pelo Tribunal Constitucional pressupõe uma
vocação de generalidade e abstracção na enunciação do critério normativo que lhe
está subjacente, de modo a autonomizá-lo claramente da pura actividade
subsuntiva, ligada irremediavelmente a particularidades específicas do caso
concreto” (pp. 32-33).
44. Realça depois o mesmo autor que “a delimitação das interpretações normativas
que podem constituir objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta
assume, desde logo, .. uma inquestionável dimensão formal, dependendo a
admissibilidade do recurso . ., em larga medida, do modo e da forma como o
recorrente tratou de equacionar e suscitar a questão no decurso do processo,
ponderados os ónus de delimitação e especificação do objecto do recurso que
sobre ele incidem” (p. 33).
45. Ora, no presente caso, e para parafrasear Lopes do Rego, o ora reclamante
não “se limitou a sustentar, no decurso do processo, que certa ou certas
decisões judiciais, tomadas pelas instâncias - ou determinadas vicissitudes
processuais que descreve - afrontam preceitos ou princípios da Constituição,
imputando directamente a tais factos ou decisões o vício de
inconstitucionalidade” (p. 33). De facto, o reclamante especificou e precisou,
“em termos minimamente claros e concludentes, quais as interpretações da norma
ou normas convocáveis ou convocadas para a dirimição do litígio que considera
terem sido aplicadas pela decisão recorrida e padecerem de
inconstitucionalidade” (p. 33). O reclamante identificou “expressamente essa
interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir a
julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os
respectivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que
essa norma não pode ser aplicada com tal sentido” (pp.33-34). No caso dos autos,
o reclamante respeitou “o ónus de especificar qual é ... o concreto sentido com
que tal norma ou normas foram realmente tomadas no caso concreto pela decisão
que se pretende impugnar perante o Tribunal Constitucional” (p. 34).
46. Para além disso, não se trata, no presente processo, de se colocar em causa
a concreta medida da pena aplicada (como nos casos tratados nos acórdãos
303/2002 e 633/2008). Nem de se contestar a aplicação dos critérios dos artigos
710 e 72° do Código Penal e os resultados a que essa aplicação chegou (como no
caso do acórdão 110381/2000).
47. Na verdade, a impugnação da mencionada interpretação do artigo 71°, n° 1, do
Código Penal não se faz “desenhando”, para efeitos de fiscalização do Tribunal
Constitucional, uma norma hipotética sobre a determinação da medida da pena
criminal onde cabe toda a factualidade da situação concreta do caso (hipótese em
que uma tal “norma”, na verdade, não serve de critério de comportamento,
esgotando assim as perspectivas de aplicação no próprio caso onde foi gerada, e
nas circunstâncias irrepetíveis que o rodearam, não sendo assim idónea para ser
objecto de fiscalização do Tribunal Constitucional).
48. No caso presente, ao invés, a impugnação da interpretação tida por
inconstitucional do artigo 71°, n° 1, do Código Penal supõe realmente que essa
interpretação normativa do preceito pode ser autonomizada da situação que lhe
deu origem, servindo de critério normativo abstracto passível de múltiplas
aplicações futuras. Constitui, assim, uma norma idónea para ser objecto da
atenção fiscalizadora do Tribunal Constitucional, uma vez que este pode, se
concluir pela sua inconstitucionalidade, enunciar tal norma na sua decisão, de
forma a que todos os seus destinatários e os operadores do direito em geral
fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal sentido: ou seja,
que o preceito que a suporta não pode ser interpretado com o sentido tido por
inconstitucional; isto é, aplicando ao caso presente, que o artigo 71°,n.° 1, do
Código Penal não pode ser interpretado como admitindo que a ilicitude, a culpa e
a medida da pena criminais podem ser determinadas exclusiva ou primacialmente
por factos contra-ordenacionais (não é este caso, assim, muito diferente de
casos, para dar um exemplo paradigmático, como o do acórdão 507/94, onde o TC
conheceu e julgou inconstitucional “os artigos 174°, n.° 4, alínea b,), 177°,
n.° 2, e 176°, n.° 3, do Código de Processo Penal, na interpretação perfilhada
na decisão recorrida, isto é, no sentido de que a busca domiciliária em casa
habitada e as subsequentes apreensões efectuadas durante aquela diligência,
podem ser realizadas por órgão de polícia criminal, desde que se verifique o
consentimento de quem, não sendo visado por tais diligências, tiver a
disponibilidade do lugar de habitação em que a busca seja efectuada”).
49. O reclamante requereu por fim que fosse julgada inconstitucional, por
violação dos artigos 1°, 2° e 18°, n.° 2, da Constituição da República
Portuguesa, a interpretação implícita do artigo 71°, n.° 1, do Código Penal
(também aqui a referência ao Código de Processo Penal é lapso de escrita),
conjugado com os artigos 20° do Regime Jurídico das Infracções Fiscais
Aduaneiras e 121°, n.° 3, do Código Penal, no sentido de que a ilicitude, a
culpa e a medida da pena podem ser determinadas exclusiva ou primacialmente por
factos contra-ordenacionais, mesmo quando prescritos.
50. A decisão sumária reclamada limitou-se a remeter para o tratamento da
questão “gémea” anterior.
51. Ora, mutatis mutandis, valem aqui, de modo paralelo, as considerações feitas
supra no ponto III: a decisão recorrida aplicou implicitamente a interpretação
mencionada daqueles preceitos legais, que consubstancia uma verdadeira
interpretação normativa, idónea para servir de objecto do recurso de
constitucionalidade.
52. Acrescente-se apenas, neste ponto, que a Relação considerou que podia
valorar sempre os factos contra-ordenacionais, mesmo que prescritos. Na verdade,
no acórdão que indeferiu a arguição da nulidade consignou-se: “afastada a tese
de que as condutas eram subsumíveis ao RJJFA (contra-ordenação), exclusivamente
ou cm concurso efectivo com o RJIFNA, não tinha este tribunal que apreciar a
questão da extinção por prescrição do procedimento contra-ordenacional, por ela
resultar manifestamente prejudicada pela solução quanto à subsunção jurídica dos
factos provados a que se chegara”.
53. Foi assim entendido que a determinação da medida da pena podia ser feita não
relativamente aos factos criminais imputados, mas em função dos factos
contra-ordenacionais imputados, por estarem em concurso aparente com os
criminais, não tendo de ser apurado se estavam ou não prescritos, podendo ser
sempre valorados na determinação da medida da pena.”.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
pronunciou-se no sentido do indeferimento das reclamações.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. No que se refere à reclamação deduzida por A. saliente-se, em primeiro lugar,
que a decisão de não conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por
si interposto não assentou na circunstância da não indicação desse objecto, no
respectivo requerimento de interposição.
Assentou, sim, na circunstância de se ter considerado evidente a falta de
preenchimento de um pressuposto processual insuprível – a suscitação, durante o
processo, de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa em relação aos
preceitos legais indicados no requerimento de interposição do recurso (artigos
70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional) -, por
esse motivo se tendo também dispensado a prolação de despacho de aperfeiçoamento
(convidando o recorrente a indicar o objecto do recurso), que seria, na verdade,
inútil (atendendo a que, mesmo que o recorrente respondesse ao convite, sempre
seria de não conhecer do objecto do recurso, por não cumprimento do ónus de
suscitação).
Em segundo lugar, constata-se que, na reclamação, o reclamante não demonstra que
suscitou, durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa reportada aos artigos 42º, 47º e 48º do RGIT e 7º do CP – os preceitos
que indica no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade e,
como tal, os únicos que podem agora ser atendidos -, pois que a referência que,
na motivação do recurso para a Relação, fez à interpretação do “artigo 47º do
RGIT como consagrando um poder discricionário concedido ao juiz do tribunal
criminal para suspender a instância, quando está pendente impugnação judicial”
coincidiu, em substância, com a referência à própria decisão que suspendeu a
instância, mais não traduzindo do que a censura da constitucionalidade da
própria decisão.
Acresce que, como observa o Ministério Público na resposta à reclamação, mesmo
que se considerasse estar aqui em causa uma verdadeira interpretação, sempre
subsistiria um outro fundamento de não conhecimento do recurso de
constitucionalidade: percorrendo a decisão recorrida (fls. 84518 a 84521),
nenhuma referência se encontra à existência de um tal poder discricionário do
juiz para suspender a instância, pelo que sempre teria de se concluir no sentido
da não aplicação, pelo tribunal recorrido, da interpretação questionada (sendo
que tal aplicação constitui um pressuposto processual do presente recurso: cfr.
o artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional).
Termos em que improcedem os fundamentos invocados pelo reclamante.
2. No que diz respeito à reclamação apresentada por B., Lda., constata-se que na
mesma não é impugnado o fundamento em que assentou a decisão sumária: a não
aplicação, na decisão recorrida, das interpretações normativas que a recorrente
censura.
Limita-se a reclamante, na verdade, a alegar que, no seu caso, se verificou a
violação das garantias da defesa e de outros princípios constitucionais, o que
não só não permite inferir que a decisão sumária haja aplicado as interpretações
questionadas, como, além disso, traduz matéria que ao Tribunal Constitucional
não cumpre apreciar (este Tribunal só pode, nos termos das várias alíneas do n.º
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, apreciar normas ou
interpretações normativas, não lhe cabendo sindicar decisões judiciais ou actos
processuais sob o ponto de vista da sua conformidade constitucional).
Termos em que improcedem os fundamentos invocados pela reclamante.
3. Relativamente ao pedido de aclaração formulado por C. e D., Lda., Sociedade
Comercial Unipessoal, constata-se que o mesmo tem como fundamento a alegada
violação do artigo 75º-A, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional, redundando
como tal numa reclamação para a conferência por discordância com o julgado, que
deverá ser processada nos termos do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal
Constitucional.
A alegada violação do artigo 75º-A, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional,
porém, não ocorreu: este preceito imporia a prática de um acto inútil, se
interpretado no sentido de que o convite ao aperfeiçoamento deve ter lugar,
ainda que o relator entenda que, independentemente do teor da resposta, não deve
conhecer-se do objecto do recurso. Ora, no presente caso, sucedeu que o relator,
partindo da constatação de que nenhuma questão de inconstitucionalidade
normativa havia sido suscitada pelos recorrentes durante o processo, entendeu
que seria inútil a prolação de um despacho de aperfeiçoamento convidando os
recorrentes a indicar o objecto do recurso, visto que, mesmo que esse objecto
viesse a ser indicado, sempre subsistiria o referido fundamento de não
conhecimento.
Do que também resulta não ser verdadeira a afirmação dos reclamantes: a de que
não se conheceu do recurso de constitucionalidade por o mesmo não possuir
objecto. A razão desse não conhecimento foi outra: o não cumprimento do ónus de
suscitação definido nos artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do
Tribunal Constitucional.
E sobre esta razão nada dizem os reclamantes, motivo pelo qual a presente
reclamação improcede.
No que diz respeito à questão das custas, valem as considerações expendidas pelo
Ministério Público, na resposta à reclamação.
Tendo os presentes autos sido instaurados antes da entrada em vigor do
Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, que deu nova redacção ao artigo
13º, n.º 3, do Código das Custas Judiciais (que passou a dispor que “[e]m caso
de pluralidade activa ou passiva de sujeitos processuais, cada conjunto composto
por mais de um autor, requerente ou recorrente ou mais de um réu, requerido ou
recorrido, é considerado, mesmo quando lhes correspondam petições, oposições ou
articulados distintos, como uma única parte para efeitos do disposto nos números
anteriores”), não é este preceito aplicável ao caso, por força do disposto no
artigo 14º daquele Decreto-Lei (no mesmo sentido, veja-se os Acórdãos do
Tribunal Constitucional n.º s 706/06 e 693/2004).
O que significa que o montante de taxa de justiça é devido pelo impulso
processual de cada interessado, indepentemente de terem agido em pluralidade
subjectiva, para efeito de interporem o presente recurso de constitucionalidade
/cfr. acórdão n.º 574/2008).
Termos em que improcede a reclamação quanto à condenação em custas.
4. No que diz respeito à reclamação apresentada por E. e F., Lda., constata-se
que, tendo a decisão sumária assentado na consideração de que o objecto do
recurso de constitucionalidade extravasava a competência do Tribunal
Constitucional, por versar sobre a aplicação de certa norma a certos factos, a
presente reclamação só poderia proceder se os reclamantes, de algum modo,
demonstrassem que não era esta a sua pretensão, sendo o objecto por si
delimitado ainda uma questão de inconstitucionalidade normativa.
Os reclamantes, porém, nem sequer se pronunciam sobre o fundamento da decisão
sumária, pelo que nenhuma razão há para alterar a respectiva fundamentação e,
consequentemente, a conclusão a que aí se chegou quanto à impossibilidade de
conhecimento do objecto do recurso.
5. Por fim, quanto à reclamação apresentada por G., há apenas quatro questões a
resolver, na medida em que as duas questões resolvidas na decisão sumária nos
pontos 9.2. e 9.3. não são agora retomadas.
Seguir-se-á, para melhor compreensão da presente decisão da reclamação, a ordem
pela qual as quatro questões ora colocadas foram tratadas na decisão sumária.
A primeira questão diz respeito ao artigo 355º do CPP, na interpretação segundo
a qual não é necessário examinar a prova documental em audiência de julgamento,
que se entendeu na decisão sumária não dever ser conhecida, por não ter sido
aplicada pelo tribunal recorrido (cfr. ponto 9.1. da decisão sumária).
Segundo o reclamante (cfr. ponto II da reclamação), esta interpretação teria
sido, ao invés, aplicada pelo tribunal recorrido, o que se deduzia de certo
trecho do correspondente acórdão (que identifica), bem como do cuidado que esse
tribunal tivera em contrapor certa corrente jurisprudencial a certa opinião
doutrinária.
Entende-se, ao contrário do reclamante, que tal dedução não pode ser feita. Por
um lado, porque do mencionado trecho e da mencionada contraposição poderia,
quanto muito, retirar-se que o tribunal recorrido entendeu que não é sempre
necessário o exame de documentos em audiência, mas já não poderia extrair-se
que, na perspectiva desse tribunal, tal exame é sempre dispensável: ora é
precisamente esta última asserção que está em causa no presente recurso,
atendendo ao modo como o recorrente delimitou o respectivo objecto.
Por outro lado, e decisivamente, não demonstra o reclamante que, na perspectiva
do tribunal recorrido (que ao Tribunal Constitucional não compete sindicar), o
exame de documento em audiência e a apresentação física de documento em
audiência efectivamente se confundam e, desse modo, tenha sido aplicada a
interpretação censurada (por a afirmação, pelo tribunal recorrido, da
desnecessidade de apresentação física equivaler à afirmação da desnecessidade de
exame), não podendo tal demonstração radicar no entendimento que, sobre a
equivalência dos dois conceitos, tenha o reclamante ou a doutrina: e não se vê,
aliás, como pode entender-se que o tribunal recorrido tenha concebido as duas
realidades como idênticas, quando é o próprio tribunal a considerar, a fls.
84701, que o exame em audiência da prova documental não passa necessariamente
pela apresentação física do documento em audiência.
Termos em que improcede a reclamação, nesta parte.
A segunda questão diz respeito aos artigos 187º e 190º do CPP, na interpretação
segundo a qual podem valer como meio de prova os “prints” impressos de um
computador pessoal, cujo acesso se efectuou sem autorização do utilizador nem
autorização ou mandado do juiz, que se entendeu na decisão sumária não dever ser
conhecida, por falta de cumprimento do ónus de suscitação (cfr. ponto 9.4. da
decisão sumária).
Segundo o reclamante (cfr. o ponto I da reclamação), a questão de
inconstitucionalidade teria sido suscitada nas páginas 30 e 31 das alegações
produzidas perante o tribunal recorrido, num parecer de um professor de direito
que juntou aos autos e na página 9 da resposta ao parecer do Ministério Público
no Tribunal da Relação.
Mas manifestamente não foi imputada qualquer inconstitucionalidade, nas
referidas passagens das alegações, a qualquer norma ou interpretação normativa,
aspecto essencial para que uma questão de inconstitucionalidade possa ter-se por
suscitada, nos termos dos artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do
Tribunal Constitucional. E, como bem observa o Ministério Público na resposta à
presente reclamação, na motivação do recurso para a Relação, a fls. 77179 a
77181, limitou-se o recorrente a referir “os procedimentos levados a cabo quanto
à apresentação do computador e à posterior análise dos “prints”, aí se dizendo
que a não se ter procedido nos termos da lei, violaram-se as garantias de defesa
constitucionalmente consagradas no artigo 32º da CRP” e concluindo-se que os
“prints” haviam sido obtidos através de métodos proibidos de prova.
Por outro lado, e admitindo que, no mencionado parecer de um professor de
direito e na mencionada resposta ao parecer do Ministério Público, foi suscitada
uma questão de inconstitucionalidade normativa, a verdade é que, como também
salienta o Ministério Público na resposta à presente reclamação, o tribunal
recorrido não perfilhou a interpretação censurada pelo recorrente, segundo a
qual podem valer como meio de prova os “prints” impressos de um computador
pessoal, cujo acesso se efectuou sem autorização do utilizador nem autorização
ou mandado do juiz.
Com efeito, a interpretação censurada pelo recorrente durante o processo – e
também a interpretação que constitui o objecto do presente recurso de
constitucionalidade, como resulta do respectivo requerimento de interposição e
do alegado na presente reclamação - assentou na consideração de que os “prints”
em causa têm uma natureza claramente privada ou pessoal e, na perspectiva do
tribunal recorrido, decisiva foi a circunstância de esses “prints” constituírem
apontamentos de natureza meramente comercial: ora, como esta interpretação não
pode ser desligada da situação da vida a que se aplicou e que afinal a
caracteriza, só poderia conhecer-se do objecto do presente recurso se,
diversamente do que sucedeu, o recorrente tivesse questionado a
constitucionalidade da interpretação segundo a qual podem valer como meio de
prova os “prints” que constituem apontamentos de natureza meramente comercial,
impressos de um computador pessoal, cujo acesso se efectuou sem autorização do
utilizador nem autorização ou mandado do juiz. Não tendo sido esse o objecto
identificado pelo recorrente, não pode dele conhecer-se, por não corresponder à
interpretação aplicada pelo tribunal recorrido.
A terceira questão colocada pelo reclamante diz respeito à interpretação
(implícita) do artigo 71º, n.º 1, do CP, segundo a qual a ilicitude, a culpa e a
medida da pena podem ser determinadas exclusiva ou primacialmente por factos
contra-ordenacionais, que na decisão sumária se entendeu não dever conhecida,
por não consubstanciar verdadeira interpretação normativa, e, subsidiariamente,
por não ter sido aplicada (cfr. ponto 9.5. da decisão sumária).
Segundo o reclamante (cfr. o ponto III da reclamação), e no que se refere ao
aspecto de a referida interpretação consubstanciar verdadeira interpretação
normativa, decorreria esta característica, em síntese, da circunstância de a
mesma poder “ser autonomizada da situação que lhe deu origem, servindo de
critério normativo abstracto passível de múltiplas aplicações futuras”.
Não se vê, porém, como é possível tal autonomização, atendendo aos contornos
extremamente vagos que um tal critério teria. Se o Tribunal Constitucional,
seguindo o raciocínio do reclamante, decidisse no sentido da
inconstitucionalidade da alegada interpretação segundo a qual a ilicitude, a
culpa e a medida da pena podem ser determinadas exclusiva ou primacialmente por
factos contra-ordenacionais, a aplicação de tal decisão no presente processo e a
sua eventual consideração por outros tribunais em futuros processos só seria
possível se, simultaneamente, se atendesse ao caso concreto que a gerou, pois
que, desligada de tal caso, tal decisão seria incompreensível ou, pelo menos,
passível de múltiplas e contraditórias interpretações. De modo que, aceitando
embora que o Tribunal Constitucional pode sindicar a conformidade constitucional
de interpretações normativas, se rejeita que o objecto do presente recurso possa
como tal ser qualificado.
No que se refere agora à alegada aplicação, na decisão recorrida, da (pretensa)
interpretação segundo a qual a ilicitude, a culpa e a medida da pena podem ser
determinadas exclusiva ou primacialmente por factos contra-ordenacionais, não
tem também razão o reclamante (recorde-se que, segundo o reclamante, a decisão
recorrida, “ao apreciar a ilicitude do crime e a culpa do arguido relevou apenas
as elevadas dívidas de IEC geradas, ou seja, do imposto aduaneiro, punível como
conduta contra-ordenacional no RJIFNA”).
Percorrendo, com efeito, o trecho da decisão recorrida que o reclamante indica,
nenhuma referência se encontra à assunção de um tal critério, que resulta de uma
extrapolação do reclamante das referências que, na decisão, se fazem às dívidas
de IEC. Ora destas referências não pode inferir-se que a ilicitude, a culpa e a
medida da pena não hajam sido, na decisão recorrida, ponderadas, mesmo
primacialmente, em atenção a outros factos, nomeadamente dos “factos criminais
relativos ao crime de fraude fiscal que o reclamante terá praticado em
co-autoria, através de negócios simulados com vista ao não pagamento de IVA”,
pois que, como salienta o Ministério Público na resposta à reclamação, “[n]a
decisão entendeu-se que os factos integravam um crime de fraude fiscal previsto
e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 23º, n.º s 1 e 2, alínea c),
3, alínea e), f) e 4 do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro (RJIFNA)”.
Termos em que se reitera a impossibilidade de conhecimento desta questão.
A quarta e última questão colocada pelo reclamante diz respeito à interpretação
(implícita) do artigo 71º, n.º 1, do CPP, conjugado com os artigos 20º do RJIFNA
e 121º, n.º 3, do CPP, segundo a qual a ilicitude, a culpa e a medida da pena
podem ser determinadas exclusiva ou primacialmente por factos
contra-ordenacionais mesmo quando prescritos, que na decisão sumária se entendeu
não dever ser conhecida, pelas razões que determinaram o não conhecimento da
questão antecedente (cfr. ponto 9.6. da decisão sumária).
Segundo o reclamante (cfr. o ponto IV da reclamação) valeriam também aqui as
considerações tecidas a propósito da terceira questão, que, como se viu, não
procedem. Acrescenta apenas o reclamante que do texto da decisão recorrida se
infere que a determinação da medida da pena se pode fazer atendendo a factos
prescritos, não havendo que apurar se essa prescrição efectivamente ocorre:
trata-se, porém, de nova extrapolação do reclamante, sem assento no teor literal
da decisão recorrida, não consubstanciando, portanto, demonstração de que esta
decisão aplicou a interpretação censurada.
Termos em que também improcede a reclamação, nesta parte.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indeferem-se as reclamações,
mantendo-se a decisão sumária reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC para cada
reclamante.
Lisboa, 14 de Abril de 2010
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão