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Processo nº 225/10
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 21 de Janeiro de 2010.
2. Pela Decisão Sumária nº 166/2010, decidiu-se não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto, com a seguinte fundamentação:
«1. No requerimento de interposição de recurso, a recorrente não identifica a interpretação da alínea d) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie. Não satisfaz, pois, o requisito que decorre do disposto na parte final do nº 1 do artigo 75º-A da LTC. Não se justifica, porém, a formulação do convite a que se refere o nº 6 do mesmo preceito. Ainda que viesse a ser colmatada a falta apontada, o Tribunal não poderia tomar conhecimento do objecto do recurso interposto.
2. De acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º e no nº 2 do artigo 72º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada, durante o processo, de modo processualmente adequado.
Este ónus não foi observado na peça processual indicada em cumprimento do disposto na parte final do nº 2 do artigo 75º-A da LTC. Na reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a recorrente não identifica a interpretação da alínea d) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal que considera inconstitucional. Questiona “a interpretação atribuída aos termos da al.d) do nº1 do art.400º, pelo Senhor Juiz Desembargador Relator”, a constitucionalidade interpretativa desta disposição legal, mas não a identifica.
Uma determinada interpretação normativa pode constituir objecto do recurso de constitucionalidade, mas neste caso é necessário que se identifique essa mesma interpretação em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os destinatários dela e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com um tal sentido (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 106/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt)».
3. Notificada desta decisão, a recorrente solicita, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 669º do Código de Processo Civil, a aclaração de algumas obscuridades e ambiguidades que, a seu ver, a mesma contém:
«a)-A douta decisão considera que no requerimento de interposição de recurso, a recorrente não identifica a interpretação da alínea d) do nº1 do art. 400º do Código do Processo Penal, cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie e que, por esse facto, não está satisfeito o requisito que decorre do disposto na parte final do nº1 do artigo 75-A da LCT. E a seguir decide:
“Não se justifica, porém a formulação do convite a que se refere o nº6 do mesmo preceito.”
-Apesar disso, a douta decisão não esclarece o motivo pelo qual não se deu cumprimento ao comando normativo do nº5 do art. 75º-A da LCT, isto é, não diz nem é entendível à luz do direito vigente, porque se recusou a convidar a impetrante a completar o sentido do segmento decisório identificativo da interpretação que o Exmo. Juiz Desembargador Relator atribuiu aos termos da al.a) do nº1 do art.400º do CPP.
-Daí que tendo em conta o disposto no nº5 daquele inciso, se requer a V.Exa. se digne a gentileza de aclarar esta questão, porquanto, a nosso ver, é imprescindível conhecer o raciocínio decisório, sendo que o mesmo não se mostra fundamentado de facto ou de direito.
b) -Diz apenas que “não se justifica a formulação do convite” a que se refere o nº6 do mesmo preceito. Mas tal afirmação, salvo o devido respeito, padece de obscuridade total, porquanto sendo a lei que ordena esse convite, não é perceptível ao nível do direito que o tribunal subtraia ex-oficio à recorrente o direito de ser ouvida antes de proferida a decisão. E ainda por cima, não explicite a motivação que está subjacente ao juízo valorativo sobre tal questão. Daí se revelar necessário um aclaramento desse facto, a fim de que a recorrente possa avaliar de tão inusitada decisão que, a ser aceite, essa tese comprometeria a própria existência do Tribunal Constitucional, sendo certo que a sua criação se deveu precisamente à necessidade do mesmo ser o garante da legalidade democrática na aplicação da lei no universo jurídico.
(…)
c)-Não obstante o que vem de ser dito, a verdade é que a Senhora Juiz Conselheira, apesar de ter omitido qualquer fundamentação de facto e de direito quanto a esta questão, todavia, vai mais longe e logo a seguir refere:
“Ainda que a ser colmatada a falta apontada, o Tribunal não poderia tomar conhecimento do objecto do recurso interposto.”
-Por conseguinte, mais uma vez, neste recorte decisório se adensa a perplexidade da recorrente, visto esta desconhecer a razão pela qual mesmo que estivesse colmatado o que V.Exa. designa de falta, sempre o Tribunal não podia conhecer do mérito do recurso. E porquê- Porque será que a Exma. Juiz Conselheira não podia elaborar o projecto de acórdão, a fim de ser votado pelos restantes membros do colectivo e conhecer-se da questão de fundo- Qual o motivo porque apesar de ser preenchido aquele requisito, sempre o Tribunal não conhecia do recurso- Isto quer dizer que se inicialmente a recorrente tivesse completado o presuntivo requisito, o mesmo sempre se recusava a decidir sobre o seu objecto- É esta obscuridade que mais se acentua no espírito da impetrante pelo enigmatismo que a decisão contém, reconduzindo-se a uma ideia arbitrária, dado nela não se definir o critério que o Tribunal aceita como bom, a fim de conhecer de mérito.
-Ou seja, para lá da imposição da al.b) do nº1 do art. 280º da CRP, em que a inconstitucionalidade da norma aplicada deve ser suscitada durante o processo, e tendo o tribunal aquo sobre ela decidido, visto esta ser entendível, qual será a outra condição necessária para que o T. Constitucional conheça da situação requerida- Hoje a Exma. Conselheira, com fundamento no aresto citado, diz que na interposição do recurso deve identificar-se a interpretação da norma aplicada pelo tribunal recorrido, mas amanhã pode ser outro o critério exigido. E bem vistas as coisas, o caso dos autos não possui semelhança alguma com a questão do processo de que emergiu o Acórdão 106/99, dado ali a proposição se traduzir no seguinte:
(…)
E na reclamação para o STJ, a recorrente alegou a inconstitucionalidade da aplicação da norma da al.d) do nº1 do art.400º do CPP, observado que no caso em apreço deveria ser instrumentalizada a al.a) do nº1 do art 432º, articulada com os números 2 e 3 do art.410º, todos do CPP, visto o tribunal aquo haver conhecido da falsidade da prova em 1ª Instância. E fê-lo em termos claros e precisos e processualmente adequados, conforme determina as disposições da al.b) do nº1 do art. 280º da CRP e nº2 do art.72º da LCT,. E de tal modo sinalizou a questão de fundo que a decisão recorrida para o Tribunal Constitucional conheceu de mérito em toda a sua extensão, decidindo a fls. 189, nos termos seguintes:
(…)
-É pois, desta interpretação do Exmo.Senhor Presidente do STJ que veio atravessado recurso para o Tribunal Constitucional, o qual não fez qualquer reparo aos termos interpretativos identificados na reclamação para si suscitada, pelo que, salvo o melhor respeito, tal questão não é compaginável com uma outra na qual o recorrente requer que o Tribunal julgue inconstitucionais, no mínimo, 67 normas de 10 diplomas diferentes, “quando interpretadas “de modo a, isolada ou conjuntamente, permitirem o resultado alcançado pelo acórdão recorrido (excluindo, na prática, o direito à indemnização e a responsabilidade das entidades públicas, em caso de inexecução de sentença anulatória por causa legítima; desrespeitando os efeitos de caso julgado.”
-Não existindo nos presentes autos qualquer ponto de contacto com o Acórdão fundamento que serviu de alicerce à recusa do conhecimento do recurso ora interposto, motivo pelo que também não se compreende o cotejo identificativo entre uma e outra situação para serem decididas de igual forma. Daí que, atento à ordem constitucional vigente, solicite a V.Exa. haja por bem proceder ao aclaramento desta questão, porquanto não se vislumbra o sentido de razoabilidade e a lógica jurídica que acolheu a decisão que se pretende aclarada».
4. Notificado deste requerimento, o Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
«1º
O uso do meio processual da aclaração apenas se justifica se a decisão for obscura ou ambígua, competindo ao autor do pedido, no caso a recorrente, especificar essas obscuridades e ambiguidades (artigo 669ª, nº1, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69º da LTC).
2º
Ora, a recorrente, no “pedido de aclaração”, não invocou nenhuma obscuridade ou ambiguidade, antes se limitando, fundamentadamente, a discordar do decidido.
3.º
De qualquer forma, naquilo que poderá estar mais próximo de se entender como um pedido de aclaração, diremos que a notificação da recorrente para suprir as deficiências formais do requerimento de interposição do recurso, revelar-se-ia uma diligência inútil.
4.º
Isto porque, não tendo ela suscitado de forma adequada, durante o processo, uma questão de inconstitucionalidade normativa, faltaria um requisito material da admissibilidade do recurso, pelo que, mesmo que viessem a ser supridas aquelas deficiências formais, sempre a decisão de não conhecimento do recurso se manteria.
5.º
Também quanto à referência ao Acórdão nº106/99, o que se revela fundamental é ser, o afirmado e transcrito na Decisão Sumária, inteiramente válido e perfeitamente transponível para o caso dos autos, como é».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Das disposições conjugadas dos artigos 669º, nº 1, alínea a), e 716º do Código de Processo Civil e 69º e 78º-A, nº 3, da LTC resulta que os recorrentes podem pedir o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que a decisão sumária contenha, reclamando para a conferência.
Na presente reclamação, a recorrente conclui pela “obscuridade” da decisão, sem que assinale, no entanto, qualquer passo da mesma cujo sentido seja ininteligível. Do requerimento em apreciação decorre, isso sim, que a recorrente discorda do já decidido quanto ao conhecimento do objecto do recuso interposto, o que configura uma reclamação e como tal deve ser tratado (78º-A, nº 3, da LTC).
Discorda, em primeiro lugar, de se ter concluído pela não formulação do convite previsto no nº 6 do artigo 75º-A da LTC, sendo certo que “este convite apenas é admissível quando o vício de que enferma o requerimento é susceptível de sanação, por deficiência do próprio requerimento e não por falta de um pressuposto de admissibilidade do recurso” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 344/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Discorda, em segundo lugar, de se ter concluído pela não verificação do requisito da suscitação prévia e de forma adequada da questão de inconstitucionalidade cuja apreciação é requerida ao Tribunal Constitucional (artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC), sendo certo que, perante o tribunal recorrido, se limitou a questionar “a interpretação atribuída aos termos da al.d) do nº1 do art.400º, pelo Senhor Juiz Desembargador Relator”, a constitucionalidade interpretativa desta disposição legal, sem que tivesse identificado tal interpretação. É de todo irrelevante, por outro lado, que a decisão recorrida tenha apreciado a questão de inconstitucionalidade que o recorrente pretendia colocar a este Tribunal, já que o requisito em falta tem a ver com a legitimidade para recorrer, ou seja, a via do recurso de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional só se abre se o recorrente suscitar de forma adequada uma questão de inconstitucionalidade normativa (assim, Acórdão do Tribunal Constitucional nº 76/2010, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Importa, pois, indeferir a presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 2 de Junho de 2010
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão